Cap. 12 - O Príncipe de Gelo
Adrian estava na sala do trono com seu pai já fazia um bom tempo e estava sendo mantido algemado com dois guardas próximos a ele, um de cada lado. Não conseguia sequer olhar para a cara do soberano, tampouco para Argus, tamanha sua ira.
Já tinha uma ideia do que o pai faria com ele e uma das poucas pessoas que poderia ajudá-lo o havia traído. Em breve estaria sendo submetido a um ritual de magia negra e não seria mais o mesmo.
Ivy usava magia negra. Será que haveria uma maneira de voltar ao normal? De reverter o feitiço? Precisava arrumar um jeito de falar com ela, mas como? Foi nesse momento que seu irmão, Kadi, entrou no salão do trono sem ser anunciado.
— Ora, ora, ora... então é verdade mesmo? – Kadi estava se aproximando cada vez mais de onde estava Adrian, uma expressão confusa tomava conta de seu rosto. — O que foi que ele aprontou dessa vez, meu pai?
— Oh! Nada específico... Só me cansei de suas desobediências. Darei um basta nisso de uma vez por todas amanhã à noite, no grande baile.
— Então finalmente mostrará para todos os rostos de seus filhos? – Kadi sabia a resposta, mas mesmo assim precisava de uma confirmação direta.
— É claro que sim! Que pergunta mais idiota, Cassian! – O Rei Porco bateu com os punhos cerrados nos braços estofados do trono de ouro e soltou um riso sem graça. — Não é óbvio? Por que tanto interesse?
— Oh! Por nada, pai. Apenas queria confirmar para mandar os criados me arranjem as melhores roupas e a melhor máscara. Afinal, que graça terá se não houver um pouco de mistério sobre os príncipes também? – O sorriso de canto que Kadi deu ao rei serviu para que o soberano pensasse um pouco sobre o assunto.
— Maravilha! Faremos máscaras para os príncipes também! E por que não para o rei? – Antony estava novamente se referindo a ele na terceira pessoa. Isso irritava muito tanto Kadi quanto Adrian.
— Mas... – Kadi fingiu estar pensando sobre algo.
— Mas o que? – Antony analisou a expressão do filho como se soubesse o que estava por vir.
— Não pode manter Aron algemado e cativo aqui o tempo todo. Será seu grande momento de revelação. Ele também precisará estar trajado descentemente. É melhor fazer isso antes de sua transformação, mas tenho certeza que o Senhor já sabia disso, não é mesmo?
Kadi sabia muito bem como manipular o pai. Era só fazer com que acreditasse que as supostas ideias brilhantes eram dele, que as aceitava de pronto.
— Hum, er... bem, sim. Com certeza. Tranque-o na torre mais alta, aquela sem porta e com grades nas janelas. – Ordenou aos guardas que estavam mantendo Adrian preso. — Depois mandem os alfaiates e as costureiras. Façam com que se banhe antes do ritual.
— Quando será o ritual? – Kadi perguntou casualmente.
— Hoje à noite. Amanhã teremos tudo pronto para o baile. Não deixem de vigiar o príncipe em momento algum! – Antony vociferou, mesmo sem necessidade para isso.
Apontou para o guarda mais baixo ir chamar as pessoas que comprariam os tecidos e as que tirariam a medida, depois chamou outro guarda que passava por ali em sua ronda para ajudar a escoltar o príncipe até a torre.
— É melhor irmos nos preparar também, meu pai. Vamos chamar nossos alfaiates para fazerem as vestes mais impecáveis! – Kadi fingiu estar realmente animado para tudo isso.
E de fato estava animado, mas por outro motivo: seu plano estava começando a dar certo. Enquanto seguia para o próprio quarto Kadi sorria, e seu sorriso escondia tudo o que estava maquinando para conseguir atingir seus objetivos na noite de amanhã.
O único problema que ainda não havia pensado em como resolver era o da transformação de seu irmão. Como faria para impedir isso? E caso acontecesse, como faria para deter Adrian?
...
Ivy havia sido deixada sozinha durante a noite toda. Onde estaria Kadi? O que estaria fazendo? Seria seguro para ela sair da tenda e dar uma volta pelo acampamento? Sentia que se saísse dali seria atacada e provavelmente assassinada.
Não. Não podia sair dali.
Como estariam Marilyn e Jefferson? Seu coração pesava ao pensar neles e lágrimas chegavam aos seus olhos com facilidade, mas ela não as deixava sair. Não sabia quando alguém entraria ali de novo e não queria demonstrar fraqueza.
Gostaria de poder falar com Lisandra novamente. A anciã lhe parecera a pessoa mais confiável daquele lugar, mas mesmo assim estava confiando ao cruel Príncipe Kadi a vida e a libertação das duas pessoas mais queridas para ela: sua ama e seu mordomo. Sua família.
Pelo menos se não tivesse cometido tantos erros.... Se não tivesse perdido a paciência com o rei.... Se não tivesse tentado proteger o príncipe.... Se não tivesse nascido com esses malditos poderes de médium! Se nada disso tivesse acontecido talvez tivesse uma vida comum como as demais moças nobres. E Marilyn e Jefferson estariam em segurança.
— Se continuar pensando tanto assim, conseguirei sentir o cheiro da fumaça saindo da sua cabeça... – Era a voz de Lisandra. Ivy olhou por toda a tenda, mas não a viu em lugar nenhum. — Não se assuste, garota do coração doce. Você sabe quem é. Só não sabe onde estou.
— E onde você está? – Ivy notou que sua voz saiu relutante e até um pouco trêmula. Em seu coração acelerado podia sentir uma presença estranha ali em algum lugar, mas onde?
— Estou me comunicando com você por telepatia. Você já deve ter lido sobre isso. Médiuns muito treinados podem fazer esse tipo de coisa.
A voz de Lisandra era doce e gentil, fazia com que Ivy se sentisse calma e protegida. Como se fosse a voz de uma mãe.
— Meu nível não é assim tão alto a ponto de me comunicar a longas distâncias, mas como estamos próximas consigo me conectar com você.
— Mas como eu...?
— Você ainda não tem poder suficiente para isso, menina. Tenha calma. Continue me respondendo como se eu estivesse aí com você. Ficará mais fácil.
— Você pode me ajudar a expandir meus poderes? – A jovem conseguiu imaginar o sorriso da anciã ao ouvir sua pergunta.
— Se seu coração estiver disposto a aprender e se sua cuidadora permitir.
— Minha cuidadora?
— Marilyn, sua ama. Ela se preocupa muito com você. Tanto que essa superproteção a cegou. Ela poderia ter lhe ensinado muitas coisas, ter lhe ajudado a evoluir, mas preferiu omitir todo o possível.
— Como assim? Do que está falando? – A voz de Ivy tornou-se mais alta e mais tensa, não havia gostado nada do que acabou de ouvir.
Lisandra não pôde deixar de compará-la com Kadi. Por mais que o rapaz negasse, a jovem era muito parecida com ele em suas atitudes.
— Em breve você descobrirá toda a verdade, Lady Ivy. – A voz da anciã desapareceu de repente. E por mais que a garota insistisse em chamá-la, ninguém respondia.
Sentiu-se frustrada. Nenhum sinal de Kadi. Nenhuma notícia do castelo ou da vila. Estava presa ali e agora havia mais uma sementinha de dúvida plantada em sua mente: Estaria Lisandra dizendo a verdade? Marilyn de fato escondera coisas de Ivy? E que tipo de coisas ela esconderia? A garota dispensou o jantar. A madrugada avançou e avançou e sem perceber, vencida pelo cansaço, Ivy adormeceu.
...
Kadi já estava com suas vestes quase prontas, precisava agora dar um jeito de chegar ao irmão para uma última troca de informações e mandar tudo o que conseguisse descobrir em carta-código para o acampamento através de um dos pombos do Espanta Pombos.
Chegar ao irmão seria o mais difícil. Entrar no quarto da torre era a parte mais fácil, visto que um de seus guardas aliados era quem fazia a vigia por estar passando na sala do trono "por acaso" em sua ronda matinal.
Kadi só precisaria tomar cuidado com o que diria ao irmão. Não poderia correr o risco de ser descoberto e teria que apagar a memória dele logo após sua conversa, por precaução. Não sabia se conseguiria livrá-lo da transformação imposta por Argus através de magia negra a mando do rei, mas precisava ao menos tentar.
E, acima de tudo, precisaria arrumar uma maneira de retirar os criados de Ivy de seja lá onde estivessem sendo mantidos.
Kadi estava tranquilo apesar do que estava prestes a fazer. Qualquer um ficaria nervoso numa situação como essa. Ainda mais quando poderia lhe custar a vida. E não apenas a sua vida, mas a de seus colegas e das pessoas da vila também.
Estava mais preocupado com seus colegas ladrões, tinha que admitir, mas ainda assim se sentia culpado pelas demais mortes que ocorreriam esta noite.
Seria uma noite ruim, mas a justiça seria feita mais uma vez.
Conseguiu chegar à torre onde o irmão estava sendo mantido prisioneiro, sem grandes dificuldades, o guarda simulou uma luta com Kadi e fingiu perder, caindo "inconsciente" no chão.
— Adrian.
A voz de Kadi despertou o irmão, pôde perceber que onde as algemas o prendiam sua pele estava machucada e sangrando. Para Adrian era difícil sentir o cheiro de sangue, então Kadi compreendeu o quão desesperado ele estava.
Suas presas estavam projetadas anormalmente e seus olhos possuíam um tom escarlate como o de sangue fresco. Definitivamente, Adrian não estava bem.
— O que você quer? – A pergunta veio de uma voz rouca e fraca, era possível sentir a raiva contida nela.
— Quero te ajudar. – Kadi escolhia as palavras com cuidado. Não podia arriscar que seu irmão soubesse sobre sua outra identidade: a que ajudava os ladrões.
— Você? E por que eu acreditaria em você?
— Ok. Tudo bem. Não eu. Lady Ivy pediu para que eu o salvasse.
- O quê?
— Sim. Exatamente. E antes que me pergunte o motivo de eu a estar ajudando... estou porque me senti mal de ter entregado o segredinho dela ao rei.
— Você fez o quê? – Agora a voz de Adrian havia se agitado e se fortalecido ao deixar a ira transbordar.
— Antes que venha tentar me matar quero que se lembre de que se recusar minha ajuda vai acabar se transformando numa máquina de matar para o nosso pai.
O sorriso no rosto de Kadi era frio. Não demonstrava júbilo, muito menos tristeza. Precisava, naquele momento, ser imparcial.
— Do que precisa? – Após alguns segundos pensando Adrian finalmente decidiu aceitar seja lá o que o irmão estaria tramando.
— Preciso que siga o meu plano.
...
Era chegada a hora do ritual. Adrian estava nervoso. Não fazia ideia se o plano de Kadi funcionaria ou não, mas caso não funcionasse... preferia nem pensar nisso.
O Rei Antony andava ao redor do trono luxuoso numa postura encurvada. Estava impaciente. Ou estaria ansioso? Talvez controlar os poderes do filho o fizesse até esquecer-se de se alimentar, o que era extremamente raro.
Qualquer um adoraria poder congelar o coração de seu inimigo até a morte movendo apenas um único dedo. Infelizmente para Antony, Adrian não era do tipo que possuía raiva e malícia suficiente para ser um assassino cruel.
Pelo menos por enquanto.
Argus finalmente havia descoberto um jeito de tornar Adrian uma máquina de matar ao controle do rei. Em poucos minutos os inimigos do rei iriam cair. Antony estava ansioso por isso e de certa forma até feliz por não precisar cortar fora a cabeça do feiticeiro.
Argus havia acabado de entrar na sala do trono, onde agora mantinham Adrian novamente enjaulado. O feiticeiro carregava uma caixa de madeira esculpida com desenhos antigos representando a magia negra e também alguns arabescos.
Apenas quatro guardas estavam presentes na sala do trono e Adrian implorava mentalmente para que algum deles fosse o tal ajudante de seu irmão.
Argus agora estava bem próximo ao príncipe engaiolado e Antony também se aproximou, sorrindo. A caixa foi aberta, revelando um bracelete simples de bronze e o que parecia ser um boneco de palha.
Adrian engoliu em seco, na verdade sua garganta já estava seca há um bom tempo devido ao esforço que fizera ao tentar se libertar e à falta de sangue, o líquido vital que o mantinha vivo às custas dos outros.
— Está pronto, filho? – O mau hálito do soberano atingiu as narinas extremamente sensíveis do príncipe, que teve de se esforçar para não botar para fora a bile em seu estômago.
O jovem se esforçou para conter a raiva que crescia a cada segundo dentro de seu peito. O plano de Kadi precisava dar certo.
— Está na hora, meu rei. – Argus deu mais um passo à frente e retirou os objetos da caixa.
Com muito custo, conseguiu prender o bracelete no braço de Adrian e com isso já retirou uma amostra de seu DNA. Preparou a poção e o feitiço que tornaria aquele bonequinho de palha um perfeito vodu e atirou a poção no príncipe enquanto recitava as palavras mágicas.
— Spectum Profanus Imperium!
— Maravilhoso, meu caro Argus! – O Rei batia palmas, contente, enquanto observava a expressão do filho mudar.
Seus olhos agora estariam permanentemente vermelhos, suas presas ficariam sempre projetadas e todo o povo saberia o incrível poder que ele conseguia controlar. Todos saberiam e temeriam a existência daquele ser: o Príncipe de Gelo.
— Mas, apenas uma pessoa pode guardar um segredo. Se mais alguém souber, não é mais um segredo. Nesse caso, terei que matar os quatro guardas... E você, meu caro feiticeiro.
O sangue dos quatro guardas congelou antes mesmo que o Príncipe de Gelo chegasse até eles. Adrian colocou a mão calmamente sobre seus corações e os congelou, absorvendo todo o seu poder. Em seguida, bebeu o sangue dos quatro, saciando sua sede.
Antony não cabia em si de tanta alegria por finalmente ser capaz de controlar tal poder. E em breve, faria o mesmo com Cassian.
Argus estava implorando por sua vida, de joelhos, e enumerando todas as vezes que ajudou o rei e todas as vezes que ainda poderia ajudá-lo. Dizia estar à sua disposição e prometia até jogar em si mesmo um feitiço para apagar sua própria memória.
Essa última promessa interessou ao rei, que poupou a vida do traidor e ordenou que fizesse o tal feitiço imediatamente.
O feiticeiro obedeceu de pronto, pegou seu grimório e recitou o feitiço... Só que Antony não sabia que aquele não era o feitiço certo e que na verdade Argus estava tramando contra sua soberania a fim de ganhar mais e mais poder para si.
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