Família Nem Sempre É De Sangue

A caneca de chá fumegante em suas mãos, mesclada à brisa da manhã que atingia seu rosto e agitava seus longos cabelos vermelhos, fazia com que Nara se sentisse um pouco mais relaxada.

Ela tinha tido um pesadelo na noite anterior, não que isso fosse algo incomum, na verdade, ela já deveria estar muito mais que habituada a essas noites de sono agitadas. Mas ainda não conseguia controlar seus batimentos cardíacos acelerados, sua nuca doendo e os tremores que a obrigavam segurar a caneca com as duas mãos, porque ela não confiava em si mesma para uma tarefa simples como aquela.

Abaixou o olhar para encarar o apoio de proteção da sacada, se lembrando perfeitamente de quando Hawks apoiou o pé ali antes de alçar voo. O que a fez começar a ponderar sobre as visitas do loiro, havia sido a segunda vez que ele estivera em seu apartamento desde que a mesma se mudara. E ela não tinha a mínima noção de quais eram as intenções dele.

Sabia que o herói número dois era extremamente egocêntrico, mas depois de três anos, ela não esperava que de todas as pessoas que viviam no Japão, ele fosse escolher justo ela para atormentar. Não que fosse tão ruim assim, Hawks estava trazendo um pouco de emoções para a sua vida, fazia com que ela fugisse um pouco da bolha deprimente que havia criado em torno de si. Ele a fazia esquecer das horas solitárias que ela andava passando naquele apartamento. E sinceramente, ela não estava se importando muito quais eram as intenções dele.

Mesmo que caso ele estivesse ali a mando de Endeavor, com o intuito de fazê-la mudar de ideia e se tornar uma heroína, estaria sendo uma grande perda de tempo. Porque ela nunca faria parte disso, não importava o quanto eles a ameaçassem. Ser heroína estava fora de cogitação.

Bebeu um gole de seu chá, mesmo que seu estômago reclamasse que não era algo sólido, ela não estava afim de preparar nada, também não gostava de comer sozinha. Durante a madrugada, ela só havia comido aquele prato de macarrão, porque Hawks estava ali presente e lhe fez companhia, ou ela estaria completando exatas vinte e quatro horas sem ingerir nada aquela manhã.

Ouviu o som de seu celular tocando e olhou para dentro do apartamento, havia deixado o aparelho sobre a ilha e não estava nem um pouco afim de falar com ninguém naquele horário.

Além do mais, quem era que ligava para os outros às sete da manhã?

Ouviu o som parar e voltou a se concentrar em seu chá novamente. Mas não era como se a pessoa que estava lhe ligando quisesse deixá-la em paz.

Esperou até o som parar mais uma vez. Mas quando tocou pela terceira, ela já sentiu seu olho tremer de irritação. Virando sobre os calcanhares e entrando dentro do seu apartamento, pegou o aparelho na bancada e encarou o nome do seu ex professor refletido na tela.

— São sete horas da manhã, Aizawa. Será que você não dorme! — Ela esbravejou assim que atendeu, não se importando nem um pouco com o tom grosseiro que utilizou.

— Para ter atendido, você também não. — Ele rebateu do outro lado.

— Você me ligou três vezes, uma hora eu iria acordar.

— Você não tá com o tom de voz de quem estava dormindo. E claramente não tomou café da manhã ainda para estar nesse humor.

Nara deixou um suspiro escapar e seus ombros se encolheram. Ela nunca conseguiria vencer uma discussão com Shouta, por mais que se esforçasse. E ele era insistente ao ponto de que nunca a deixaria em paz, foi uma promessa que ele fez pra ela enquanto ainda estudava na UA.

Uma promessa que ele estava cumprindo muito bem.

— Bom dia, Aizawa. — Ela soltou num tom de voz mais brando, se dando por vencida aquela guerra.

— Assim está melhor. — Ela podia jurar que ele deveria ter um minimo sorriso no rosto naquele instante. — Então, quando pretende me passar seu novo endereço?

— Eu ainda não comprei todos os móveis, minha sala está completamente vazia para que eu possa receber visitas.

— Não foi isso que eu perguntei. — Ele retrucou, agora parecendo tão de mal humor quanto ela, já que seu tom de voz passou a ficar mais rouco. — Se não me falar onde está morando, eu vou até o Endeavor e me junto a ele para te encontrar. Tenho certeza de que não vai gostar disso.

— Por que você me odeia tanto? — Foi inevitável, ela sussurrou num tom de voz quase choroso. Aizawa sabia ser um sádico quando queria e ela não estava nem um pouco afim de testar a veracidade das palavras dele. — Vou te mandar por mensagem.

— Certo. — Ele fez uma pequena pausa, ela ouviu um barulho de vidros se chocando e um som de sopro, deveria estar tomando café. — Daqui a pouco eu estarei ai, espero que esteja minimamente apresentável.

— Disse o cara que se veste como um mendigo. — Ela balbuciou, enquanto se entretia em enrolar a ponta de uma das mechas do seu cabelo no dedo.

— O que disse?

— Que eu estarei te esperando. — Nara segurou o riso, mordendo o interior de sua bochecha. — Vou desligar e te mando o endereço, se vou ter que te aturar resmungando no meu ouvido pessoalmente, não tem porque ouvir sua voz no telefone.

— Continue resmungando assim e eu vou passar um mês com você.

— Eu te amo, Aizawa. Tenha um bom dia, professor. — Ela recitou rapidamente, sem mal conter o tom de deboche, antes de encerrar a ligação.

Por mais que não fosse o tipo de pessoa mais animada para interagir com os outros, ela ainda gostava de Aizawa, mais do que já poderia ter gostado de qualquer outro herói em sua vida. Até porque, ele era o único que a entendia e a conhecia melhor do que seu próprio pai.


***


Logo após encerrar a ligação com Aizawa, Nara não teve mais muita paz, já que o porteiro interfonou para dizer que suas compras haviam chegado. Ela liberou para os entregadores subirem e foi quase trinta minutos para que eles deixassem todas as caixas em sua sala, com os materiais dos móveis que ela havia comprado, alegando que viriam para montar na semana seguinte, já que era sábado.

Só então ela se tocou de que o fim de semana já havia chegado e ela nem sequer estava ciente de que dia do mês era aquele. O tempo parecia passar rápido demais e a ruiva tinha certa dificuldade em acompanhá-lo.

Assim que os entregadores foram embora, ela ainda cogitou em começar a montar as coisas, apesar de ter uma caixa de ferramentas perdida em algum lugar, no meio da pilha de outras caixas que ela não tinha aberto ainda e estavam enfiadas no quarto de hóspedes, mas desistiu da ideia por sentir seu corpo fraquejar um pouco, devido sua péssima alimentação e as poucas horas de sono.

Por isso, optou apenas por pegar seu caderno de desenhos e se sentar no chão do cômodo ainda sem móveis, começando a rabiscar em uma folha branca. De início ela não tinha muita noção do que estava desenhando, até que aos poucos, os riscos foram tomando forma, criando a imagem perfeita de asas, asas parecidas com as de Hawks, ao menos uma delas, com penas longas e pontudas que se perdiam até o final da folha. Ela nem ao menos se lembrava de ter pensado nele naquele instante, mas também não negou que seus traços estavam bem melhores e seu desenho se parecia bastante com a realidade.

Parou seus movimentos com o lápis ao ouvir a campainha tocar. Agora ela tinha certeza de que era Aizawa, já que ela havia deixado a entrada dele liberada na portaria e ninguém que ela não autorizasse passaria por ali.

Fechou seu caderno e se levantou, deixando o objeto sobre uma das pilhas de caixas, enquanto caminhava até a porta. Já imaginando que Aizawa iria julgar a roupa dela, nem tinha se trocado na verdade, ainda estava de pijama, descalça com uma calça de moletom um número maior que ela e uma camiseta do AC/DC quatro números acima do dela, o que a fazia parecer menor ainda. Os cabelos ruivos presos num coque todo bagunçado que deixavam os fios caindo sobre seu rosto e não estava nem um pouco preocupada com isso. O plano era voltar para a cama depois que ele fosse embora mesmo.

Mas assim que abriu a madeira, ela não esperava ver todas aquelas pessoas do outro lado, além de seu professor que tinha a expressão mais neutra do mundo, enquanto carregava uma alegre Eri em seus braços, acompanhado de Tamaki, Nejire e Mirio. Seu grupo de melhores amigos que ela andava evitando desde a formatura.

Ela não soube o que falar, só deixou que Nejire praticamente pulasse em cima dela, envolvendo seus braços finos em torno do pescoço da ruiva, a sufocando em um abraço apertado.

— Poxa, eu achei que nunca mais fosse te ver. Você mal respondia as minhas mensagens, senti tanto a sua falta.

O aperto da garota de cabelos longos e azuis foi tão acolhedor, mas Nara não pode deixar de sentir uma pontada de culpa por estar ignorando a outra. Ela a abraçou de volta, sentindo as lágrimas queimarem em seus olhos e caírem por seu rosto sem que a mesma pudesse controlá-las.

Por mais que estivesse evitando as pessoas que mais amava, ela ainda sentia a falta deles, de cada um deles. E só teve a certeza disso quando os viu, quando sentiu os toques afetuosos da Hado, que sempre foi como uma irmã pra ela, às vezes mais do que Fuyumi poderia ter sido sua vida inteira.

Assim que a outra se afastou dela, a Todoroki soluçou contra o peitoral forte de Mirio, no instante que os braços musculosos dele a apertaram. Ele a sufocou entre seus músculos, mas ela não ligou, chorando como uma criança pequena que era embalada por um manto quentinho de amor e carinho.

Assim que o loiro a soltou, ela encarou Tamaki que lhe ofereceu apenas um sorriso acolhedor. O moreno não era muito do tipo que apreciava toques e ela sempre respeitou isso. Deixando seus amigos entrarem em seu apartamento, Aizawa se aproximou dela e Eri pulou em seus braços.

— Nara! — A pequena garotinha de cabelos longos e cinzas lhe deu um abraço apertado, que a ruiva retribuiu com ternura. — Você disse que sempre me visitaria, já estava sentindo saudades.

— Desculpa, pequena. — A Toroki afagou os cabelos dela e caminhou com Eri em seus braços na direção do centro da sala. O olhar inocente e alegre da garota aquecia seu coração, na verdade, ele aquecia o coração de qualquer um que tivesse bons sentimentos, porque ela era a pureza refletida em uma criança.

Aizawa apoiou a mão no ombro dela, atraindo a atenção da ruiva pra ele, enquanto o mesmo erguia sua destra, mostrando algumas sacolas de compras consigo.

— Trouxe alguns ingredientes para cozinhar, tenho certeza de que você não deve estar se alimentando direito.

Pensou em retrucar, mas Aizawa tinha razão, ela era péssima em cuidar de si mesma.

— Pode ficar à vontade. — Nara balançou a cabeça na direção de onde era a cozinha, vendo o mais velho se afastar dela e ir tomar de conta de seu outro cômodo.

Caminhou com Eri até a sacada, para mostrar a bela vista do distrito de Shibuya. Vendo o sorriso no rosto da menor aumentar ainda mais enquanto observava as casas, arranha-céus e toda a luminosidade que era nítida mesmo pela manhã, apesar da noite ser muito mais atraente.

Enquanto a menor apreciava a vista, Nara a observava atentamente. Desde o instante em que ela colocou os olhos em Eri pela primeira vez, sentiu algo familiar dentro de si, o mesmo olhar indiferente dela, era o que a Todoroki também carregava. E depois de saber sobre as coisas que ela havia passado, foi impossível não enxergar seu próprio reflexo naquela criança, ver a sua versão menor que havia passado pelos mesmos traumas que ela. Ainda se lembrava nitidamente, de que quando seus olhos se encontraram com os dela, a ruiva se ajoelhou e a abraçou, numa tentativa inútil de tentar protegê-la dos demônios que a machucaram, algo que ela sempre quis fazer com a sua própria versão.

Sentiu uma nova mão se apoiar em seu ombro, virou a cabeça para trás e Mirio lhe deu um sorriso acolhedor, assim como Nejire também surgiu em sua visão e Tamaki estava do outro lado. O quarteto reunido mais uma vez, uma coisa que ela não pensou que fosse acontecer depois que saísse da escola, não por falta de interesse dela, mas seus amigos agora eram heróis profissionais e ela não gostaria que eles perdessem tempo com alguém que não estava nem um pouco disposta a fazer parte do mundo deles.

— O professor Aizawa nos ligou essa manhã e disse que viria te fazer uma visita, aproveitamos a carona. — O loiro começou a falar depois de longos segundos também apreciando a bela vista.

— Você não pensou que fosse se livrar de nós tão facilmente, não é? — Nejire se inclinou pra frente, abrindo um daqueles seus largos e brilhantes sorrisos.

— Eu só não queria atrapalhar o trabalho de vocês como heróis. — A ruiva se viu encolhendo seus ombros, enquanto ajeitava Eri contra seu peito, de forma que a pequena não caísse em meio a empolgação e agitação em estar em seus braços.

— Por favor, eu adoraria se você se tornasse a minha desculpa para eu não ter que trabalhar. — Tamaki chamou a atenção dela, resmungando enquanto enfiava suas mãos nos bolsos de sua calça moletom.

Nara não pode deixar de rir com o comentário dele, mesmo sabendo que o Amajiki estava sendo sincero.

— Por que você aceitou ser herói se odeia socializar com as pessoas?

— Porque o Mirio me obrigou e a Nejire disse que ficaria brava comigo se eu não fosse com eles. Mas ninguém te obrigou a isso quando você falou que não queria ser heroína, então não acho que tenha sido uma decisão justa.

— A Nejire também ficou brava comigo, mas eu não me abalei com isso. — A ruiva balançou os ombros, segurando a risada alta que queria soltar. — Não deveria deixar que os outros te influenciassem, Tamaki.

— Você é um caso perdido. — Mirio deu um tapinha de leve nas costas da ruiva e ela apenas assentiu concordando com ele. — Então, quer que a gente te ajude a montar as coisas que estão naquelas caixas? Você ainda tem sua caixa de ferramentas, não tem?

— Claro, a mesma que você me deu no meu aniversário, alegando que eu usaria para construir uma casa na árvore para nós quatro. — Ela retrucou ao se lembrar perfeitamente de quando recebeu a caixa enorme de ferramentas do loiro, forçando um sorriso para não deixar nítido seu desgosto. Porque o Togata achava que por ela saber desenhar, também era arquiteta e engenheira e saberia montar uma casa em cima de uma das árvores que havia no quintal de sua antiga casa.

— Mas você desenhou uma ótima casa na árvore, achei que seria legal se colocasse sua arte em prática.

— Minha arte nunca vai sair do papel, Mirio. Quando você vai entender isso?

— No dia que você me provar que realmente não sabe montar nada. — Ele rebateu soltando uma risada alta.

A ruiva balançou a cabeça de forma negativa, se dando por vencida naquela discussão. Sabia que não teria futuro algum discutir com o loiro.

— Acho que as ferramentas estão em uma das caixas no quarto de hóspedes.

— Vem, Tamaki. Vamos ajudar a Nara a montar os móveis dela. — Ele bateu no ombro do moreno, que se encolheu enquanto suspirava.

— Por que tem de ser eu?

O Togata fingiu não ter ouvido os resmungos do amigo, enquanto entrava de volta no apartamento e ia procurar pelo quarto de hóspedes, sendo seguido por um Tamaki nem um pouco empolgado.

Nara tinha de admitir, estava com saudades até mesmo da personalidade mais deprimente de um de seus melhores amigos, até porque, de todo o trio, ela sempre fora mais próxima do Amajiki, fazendo amizade com o mesmo já no primeiro dia de aula quando entrou no primeiro ano da UA.

— Eu vou ver se o professor Aizawa precisa de ajuda na cozinha. — Nejire sumiu para dentro do apartamento logo em seguida, deixando Nara a sós com Eri mais uma vez.

Eri não tardou em pedir para descer de seu colo, Nara a colocou no chão e acompanhou a pequena para o interior de seu apartamento. Ela correu na direção de Mirio que estava sentado no chão com o manual de instruções aberto, a caixa de ferramentas do lado, enquanto Tamaki tirava o material das caixas.

Virou a cabeça pro outro lado e observou Nejire tagarelando sem parar com um Aizawa que só resmungava ou balançava a cabeça, enquanto cozinhavam algo que estava cheirando muito bem, fazendo com que seu estômago roncasse de fome.

A visão das pessoas que ela mais gostava reunidas em seu apartamento a deixou feliz, feliz ao ponto de que ela desejasse que aquilo nunca acabasse, que pudesse apreciar mais momentos como aqueles. O trio de alunos e seu ex professor, eram aquilo que Nara considerou sua família por longos três anos. Eram as pessoas com quem ela mais passou a conviver enquanto estudava na academia e que a faziam esquecer de todos os problemas pessoais que ela tinha em casa. Eles eram a família de sangue que ela sempre desejou ter e que valorizava mais do que a sua própria vida.

Quando o almoço enfim ficou pronto, Mirio e Tamaki já haviam montado a estante, a mesa de centro e até mesmo a mesa de jantar que foi posta na cozinha e que a maioria deles se sentou, como só havia espaço para quatro pessoas, Nara e Tamaki se sentaram nas banquetas da ilha e deixaram espaço na mesa para Eri, Aizawa, Mirio e Nejire.

O ex professor deles havia preparado um risoto de carne, o prato favorito de Nara e que ela não comia há mais de um ano. Estava divino e além dela encher seu prato, ainda repetiu, sem ter olhares de julgamento sobre ela, já que demonstrava estar faminta.

Eles comeram em silêncio, mas nem de longe aquilo fora um silêncio constrangedor, na verdade, foi bem acolhedor. E ela mal sabia como agradecer a todos eles por tudo o que haviam lhe feito em apenas duas horas, isso sem contar as coisas que já tinha feito antes.

Assim que terminaram de almoçar, Nara recolheu as louças e as colocou na pia, começando a lavar os pratos com um pouco mais de empolgação, enquanto Eri e seus amigos iam para a sala.

— Eu pensei que você estivesse sozinha e isolada nesse apartamento, por isso me preocupei em trazê-los aqui. Mas vejo que eu estava enganado.

A voz de Aizawa fez com que a ruiva parasse o que estava fazendo para virar a cabeça e encarar seu professor ao seu lado. Ela ainda não tinha entendido o tom dele, até notar a pena vermelha que o mesmo segurava entre seu polegar e indicador, girando lentamente diante dos olhos dela.

Onde ele havia encontrado aquilo?

— Ele apareceu aqui umas duas madrugadas, mas foi apenas para me atormentar. Não rolou nada demais. — Ela balançou os ombros, enquanto voltava a se concentrar na louça.

— Não estou te cobrando uma explicação, Nara. Na verdade, estou muito aliviado que esteja interagindo com alguém. Ao menos fico menos preocupado por saber que não está sozinha.

— Aliviado? Pelo seu olhar, tenho certeza de que pensa que eu estou saindo com ele. — Ela o encarou de esguelha, mordendo o interior de sua bochecha como se realmente estivesse sendo julgada.

— E qual o problema se estivesse? Você já é maior de idade e sabe o que faz, é uma das alunas mais responsáveis que eu já tive. Se isso estiver te fazendo feliz, não tenho nenhuma objeção, só não desejo que você se machuque.

— Não estou saindo com ele, Aizawa. — Ela rebateu num tom mais alto, chegando a bater um dos pratos na borda da pia, antes de levá-lo até o escorredor.

— E eu não estou te julgando. — O moreno deixou a pena sobre a bancada e pegou um pano para começar a secar os pratos. — Eu sei que você tem seus motivos para não ser heroína e para decidir se isolar de tudo e todos, mas ninguém merece viver sozinho nesse mundo, Nara. Nem mesmo a pior das pessoas, solidão pode ser mais corrosiva do que a própria morte.

— Não me sinto sozinha. — Ela retrucou abaixando o olhar, se recusando a encarar seu ex professor, que ela tinha plena certeza de que estava com os olhos fixos nela.

— Continue mentindo para si mesma, até se afogar em suas próprias palavras.

— Nossa, hoje você acordou filósofo. Quem é? Karl Marx? — Ela zombou com certa acidez, era assim que sempre fazia quando precisava fugir das verdades que lhe eram jogadas na cara.

— Muito engraçadinha. — Aizawa resmungou com seu típico mau humor. — Tomei liberdade de falar com o diretor Nezu e ele autorizou que você se tornasse licenciadora na UA, dando aulas práticas de defesa pessoal para os alunos.

Um dos copos escorregou da mão de Nara e caiu dentro da pia, num baque alto o bastante para ter ecoado por todo o apartamento. A ruiva se virou totalmente para seu ex professor, quase que de forma robótica, enquanto tentava processar as palavras dele.

— Que? Não, eu não vou ser professora na UA. — Ela se sentiu tão nervosa com aquilo, que mal percebeu que estava falando em alguns tons mais altos, até notar as três cabeças curiosas por de trás da ilha. Mesmo assim, se manteve firme em encarar Shouta, com a sua melhor versão furiosa. — Eu não vou fazer isso.

— Vai sim. — Aizawa assentiu tranquilamente, enquanto continuava secando alguns talheres.

— Claro que não. — Nara bateu seu pé descalço contra o piso gelado, num gesto quase que birrento. — Eu nem ao menos tenho licença, não posso dar aulas em um colégio de super heróis.

— Não precisa de licença para ser professora.

— Em um colégio para futuros heróis, precisa sim.

— A licença é para aqueles que utilizam de sua individualidade, até mesmo para lecionar. E não é isso que está sendo proposto a você. Sabe muito bem que é a melhor em lutas corporais e formular estratégias, os alunos também serão proibidos de usar suas individualidades nas suas aulas. Só queremos aprimorar um pouco mais os movimentos deles e os deixar mais preparados para caso tenham de lidar com algo na mesma escala que foi a missão para salvar a Eri. Se lutarem contra um vilão que iniba suas individualidades, eles saberão se defender do mesmo modo.

Nara tentou respirar bem fundo, puxando o ar com força para seus pulmões e soltando aos poucos. Ela havia prometido para si mesma que nunca mais colocaria os pés naquele colégio novamente e agora estava recebendo a pior das propostas em sua concepção.

— Eu vou ter que recusar, professor. — Tentou soar o mais tranquila possível, mesmo que suas mãos estivessem trêmulas ao lado de seu corpo.

— Isso não foi um convite. — Aizawa sorriu, um daqueles típicos sorrisos que sempre lhe davam calafrios quando ele o fazia, que ressaltava em seu olhar o quão sádico ele poderia ser quando queria. — Além do mais, você vai poder ficar mais próxima do seu irmão de novo. Mesmo que o Shoto seja tão bom em esconder sentimentos quanto você, sei que ele sente sua falta.

Aquilo foi um golpe baixo, Nara sabia disso e Aizawa tinha certeza. Usar o nome de seu irmão mais novo contra ela, era um dos golpes mais sujos que ela poderia ter recebido de seu ex professor. Porque ela poderia ter feito a promessa que fosse, todos os seus ideais e convicções eram automaticamente quebrados, quando envolvia seu irmãozinho. E ela estaria muito mais disposta a fazer qualquer coisa por ele. 

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