Suzi Ohana - Parte II
Os termos: "minha nega, minha preta", utilizados no conto foram inspirados em um ex colega de trabalho que amo de todo o coração... Coisa mais querida!
Por Valdizão...
Falar da nossa vida é algo que podemos fazer com propriedade, mas nem sempre é o que temos coragem. Porque será? Talvez porque a nossa volta nem todos estão ali para aplaudir, levamos pedradas que machucam e até que nos derrubam. Ficar quieto, em alguns casos é melhor.
Eu sou o Valdir, trabalhador, brincalhão, honesto, pobre quando se fala financeiramente e rico quando se fala em sorte. Não entenderam?
Tenho três filhos, saí do aluguel e racho a despesa com a minha Suzi, que tá sempre achando o que fazer pra me ajudar. Parece a vidinha perfeita: casal, filhos, vida mais ou menos e muita saúde. Mas tem história por trás disso.
Hoje tenho quarenta e quatro anos, mesmo número do meu sapato, é... tá pensando o que? O negão aqui é um espetáculo, bonito mesmo, tô sempre cantando meus sambinhas para espantar a tristeza e chamar alegria pro meu lado. Minha nega que não me deixa mentir: sou o divertido no lugar onde vou, não pago imposto pra rir e tirar sarro também.
Ah então Valdizão não tem problemas? Nunca teve nada pra avacalhar com esse cara? A vida dele é um mar de rosas?
Não! Não é e nunca foi, só que não fico chorando de barriga cheia, se ganho um problema faço piada e esse é meu segredo, não levo a vida tão sério, pelo menos agora depois de coroa.
Minha vida é mais ou menos isso que vou contar...
Eu tinha recém saído do quartel aos dezenove anos e me enrosquei com uma mulata que meu Deus, a gente era evangélico então "comeu" casou, a boneca ficou grávida e botou dois no mundo, Tarso e Ticiane. Mal recuperou, ouvindo aquela lenga-lenga: aí enquanto amamenta não engravida e o que aconteceu? Dois anos de casado, três crianças pra criar.
Sílvia ainda era gente boa, trabalhava de diarista e a gente fez um puxado nos fundos do terreno da sogra, ahhh sogra. A minha ex sogrinha do coração é igual a do Bezerra da Silva, se alguém sequestrasse a véia, era bem capaz do sequestrador me pagar para resgatar a encrenca.
Eu trabalhava o dia todo no sol quente, no fim do mês colocava o salário na mão da minha mulher pra ela pagar as contas e a sogra, achando que a filha dela se lascava demais, cuidar de três e fazer umas faxinas pra ajudar na despesa.
Nem beber, eu bebia e o cigarrinho que eu fumava se transformou em leite, depois que casei. Eu nunca fui um santo, mas me amarrei cedo e tinha responsabilidade. Não aguentei a azucrinação e os desentendimentos levaram eu e a Sílvia à separação.
De início eu pensei quando me separei dela: me livrei da sogra! Pois eu deixa eu explicar uma coisa com duas palavras: pensão alimentícia. Ah, pois então... Não paga, fica uns dois meses sem trabalho, vai pra farra e deixa de cumprir pra ver. Pior que não era a Sílvia, era o "encosto" que ficava perseguindo.
Eu fiquei uns dois ou três meses no aperto, mas depois que comecei trabalhar fichado, já pedia pro patrão descontar direto na folha o valor das crianças.
A véia fez a cabeça da Sílvia para ir no advogado, alegando que eu devia ganhar algo por fora, depois era a chateação para pegar meus filhos. Aquela mulher infernizou tanto que comecei a me afastar e isso me doía, porque meu caçula era muito apegado. Aí quem foi atrás do advogado? Eu! Pra regularizar as visitas, claro.
Olha que deu trabalho ver a molecada crescer. Quando entraram na adolescência, a Sílvia resolveu se "ajuntar" com um cara e eu preferi ficar avulso. A dona encrenca da ex sogra devia ter costurado a boca do sapo com meu nome lá dentro. Eu só pegava tranqueira, bicho.
Credelize foi uma das meninas, conheci ela na zona mesmo, ou melhor, no bar do "baldinho vermelho" onde ela trabalhava, tadinha. Paguei o programa na primeira vez, outro dia paguei umas cervejas e o programa foi de graça. De graça, o cacete, uhh cerva mais cara.
Ela pedia:
— Valdizão, paga um "quépi"... — Outra cacetada, esse tal de Keep Cooler, me dava azia quando eu pagava.
Ela era gente boa, menina que sonha ou pelo menos diz que sonha em ter uma vida diferente e não deu outra, nos grudamos por uns anos, só pra eu descobrir que ela tinha um vagabundo que continuava "mamando" e esquentando minha havaiana. O safado visitava o barraco do negão quando eu tava amarrando estribo de ferro com o sol na moleira.
Ah meu Deus do céu, isso é "castiguis".
Jurei que nunca mais ia me amarrar numa coisa dessas e consegui me manter firme por anos. Numa das pagodeiras com o grupo de samba onde toco cavaquinho para ganhar uns extras, minha promessa começou a ir pelo ralo. Ainda mais Carnaval na "boite", numa dessas meio cheia de saliências e coisa e tal.
A esposa do antigo músico que eu substituí, ameaçou de separar dele quando o bocó falou pra ela que o nome do bar era: Bar Gatas e Panteras... depois ameaçou de levar as crianças embora e nada... Então o Joaquim contou que foi ameaçado de ser castrado quando dormisse e fiquei com a vaga dele.
Eu já tinha me juntado, separado, namorado, quase casado e nada dava certo. Não que eu não gostasse mais de mulheres, eu não me firmava com nenhuma. Sou homem que precisa de uma gata dengosa pra fazer carinho, chama-la de pretinha, ouvir ela miando no meu ouvido, me chamando de negão, de Valdizão...
Foi nessa "boite" mais ou menos, onde tocamos dois carnavais, que conheci uma gostosinha. Saquei que era daquelas bem possessivas só pelo jeito de me encarar. Eu toquei o baile todo, de barraca armada.
A moleca bunduda era uma negrinha do cabelo afro alisado, bonita de rosto, meio gordinha na cintura, mas nada que não desse ainda mais vontade de apertar aquela safada. Nós marcamos um encontro só nos olhares.
Final de noite, que acontece lá pelas cinco da matina, ela ficou esperando e eu cuidando, já preocupado que os colegas dessem em cima, eu peguei o cachê e grudei o braço dela. Quando subiu na moto e me agarrou na cintura, veio aquele perfume doce e fez uma festa nas minhas "ideias".
Eu morava de aluguel numa edícula, aqueles quarto/sala e era só o que precisava para namorar a gostosa.
Achei que ela era muda porque não falava, então pergunto:
— Ei gata, como é seu nome, linda?
— Suzi Ohana.
Opa, que voz é essa? Pomo de adão? Peitos? Ué, não tem.
— Você é um traveco? — Ah tá, eu sei que saiu pesada a pergunta, mas tomei um susto. Coitadinha não respondeu e começou a chorar. Ai, eu fico mal quando alguém chora e fiquei sem ação porque tava com receio de abraçar o cara.
— É, sou.
— Oh boneca não chora, olha desculpa o jeito de perguntar, mas tomei um "220 volts", nega. Eu te levo em casa, fica chorando não.
Não adiantou falar porque ele ou ela, ela então, só chorava e fiquei com mais dó. Ofereci um copo de água com açúcar, depois uma aspirina, porque ela chorou tanto que a cabeça começou a doer e como já era de manhã, convidei pra tomar café de uma vez. Tinha pão, margarina, mortadela, café fresco e leite. Quem precisa mais que isso?
— Olha Suzi, foi grosseria minha naquela hora, mas vamos combinar que você me pegou desprevenido.
— Desculpa, eu não queria... eu achei que tinha percebido, porque me olhou a noite toda.
─ Também, você é um tes... bem gos... tem muito boa aparência.
— Pensei que você fosse me agredir, porque isso já me aconteceu sabe?
— Bateram em você? Só por... por isso aí? Que é isso, onde nós vamos parar meu jovem ou minha jovem... Eu sou da paz, não bateria em você nem com uma flor.
— Ai nossa. Que bonito, ouvir isso. É tomei uns tapas naquela época. Eu dei queixa, mas na delegacia percebi que o pessoal se divertia, teve um que parecia que explodiria numa gargalhada a qualquer momento.
— Isso dá nojo de escutar, Suzi. Ninguém é obrigado a gostar, mas respeitar né, isso era o mínimo.
— Sim. Desculpa o mal entendido.
— Espera, a senhorita foi fazer o que lá? Achei que fazia programa com essa roupa mostrando as coxas.
— Eu?! — Caramba ela ficou enfezada! — Eu? Não, eu nunca fiz isso. Fui dançar!
— Aquilo é ambiente onde rola droga, putaria e prostituição.
— E o senhor?
— O senhor tá nas alturas, eu toco no conjunto de pagode, não viu? Tem que idade?
— Vinte e seis.
— Tá indo onde? Vou levar você, já que te trouxe pra cá. — Muito estranho, mas ela me despertou cuidado e fiquei preocupado com ela. O efeito daquela delícia sambando ainda estava muito forte em mim.
Levei ela até em casa e esperei que trancasse o portão pesado de uma garagem cheia de tranqueira. Observei que ela se dirigiu aos fundos, de certo onde morava.
Isso aconteceu num sábado de noite, então tive o domingo pra roncar e relaxar a carcaça. Tava um bagaço.
Depois disso eu passei dois meses de boa, trabalhando, saindo quando pegava a quinzena e tocando o cavaquinho com o pessoal do samba. Eis que uma noite que eu não estava muito legal, tenho impressão de ter visto aquela tal de Suzi.
Ficaria feio se eu dissesse que reconheci pela raba? Que traseiro, irmãos! Nega bunduda que tem samba no pé, ah papai, sorriso branquinho, pixaim sem alisar, pneuzinho na cintura. Coisa fofa do Valdizão.
Que eu tô dizendo? O rapaz é travesti. Mas ainda assim é tão ajeitadinho. Sinceramente, me deu uma curiosidade. Só uma noite poderia rolar e ninguém ficaria sabendo. Será que eu devia?
É aí que entra a frase inicial desse meu conto, só a gente que sabe da própria vida. A fase da curiosidade, começou cedo pra mim e eu confesso que Suzi, não seria o primeiro gay que cobicei.
Embora não venha ao caso, o medo é sempre o que nos leva a camuflar. Na contrapartida tem a vontade de experimentar só uma "vezinha". O foda é se os colegas descobrem ou a família: "virou viado depois de velho".
Gosto de mulher, ou melhor, gosto de fêmea e aquela bundudinha era muito mulher. Hoje vou oferecer aquela carona sem compromisso e se alguém ver (souber) e comentar, digo que não sabia de nada. Foi o que planejei.
Sigo com os olhares e a mulata corresponde, cara que bonequinha. Porque que eu não fico de uma vez com ela? Tem tudo isso de preconceito e tenho três filhos, ex mulher e ex sogra, é... a tranqueira tá viva ainda. Só bota defeito nas minhas coisas quando apareço. Uh desgraça.
Final da pagodeira, cadê Suzi? Sumiu sumida e não acho em lugar nenhum a criatura. Estranho é o jeito que me desespero procurando entre as pessoas que vão saindo. Quando tocamos a saideira:
♫♫ Sequestraram minha sogra, bem feito pro sequestrador, invés de eu pagar o resgate, foi ele quem me pagou... ele pagou o preço da mala que ele que ele carregou...♫
Essa eu cantei com gosto!
Depois eu decidi que ia atrás da neguinha que tava sambando no meu coração: Suzi. Mas cadê?
Na semana seguinte só tocava samba triste na minha cabeça, até pra assobiar eu perdi a vontade. Parecia eu, um passarinho desanimado sem a mínima vontade de "cantar". Mas me alegrava um pouco quando era quinta feira, sexta, sábado e domingo, toquei quatro dias em lugares diferentes e nada de Suzi.
De repente deu um estalo nas ideias: eu levei a moleca em casa, sabia onde era o "esconderijo" dela e era pra lá que eu fui na segunda.
Putz, eu fiquei na frente daquele "cafofo" com a garagem toda bagunçada e para que não achassem que eu tava ali pra assaltar o lugar, retirei o capacete e buzinei. Logo aponta uma figura que não é Suzi, mas é travesti com certeza.
— Que é? — Sua voz é grossa e fica esganiçada na tentativa de afinar.
— É que conheço a Suzi, eu posso conversar com ela?
— Não dá, ela foi pro supletivo, o que tu quer com a menina?
Continua...
***
Abaixo a homenagem à sogra do Valdizão, kkk
https://youtu.be/cwKKCmZBSIQ
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