Suzi Ohana - Parte Final Feliz
Independente do meu gosto musical, (o meu preferido que é metal "de raíz" kkkk), gosto e respeito o samba e o sambista. Jorge Aragão é A VOZ! Bezerra da Silva, o mestre da malandragem. Fora muitos outros poetas que não são mencionados no conto. Viva as nossas diferenças!!!!
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Por Valdir...
Tomo aquela ameaça e um olhar fuzilante da coleguinha dela, mantenho a calma e comento algo que o cérebro não terminou de processar:
— Tô afim da moleca... pode ser? Ou ela é casada contigo.
— Cruzes. — O jovem travestido abre um pequeno sorriso e completa. — Aquela filha da puta finalmente teve sorte. Mas é assim, ela tá na aula e chega às dez. A escola é aquela dali ó, ela vem a pé mesmo.
Eu quase peço pra esperar na casa.
— Não quer entrar? Fica aí conversando. — Sinto medo, o preconceito ainda "catuca" por dentro. Nem conheço aquelas pessoas e penso no que realmente estou prestes a fazer. Muito louco tudo isso.
Suzi valeria a curiosidade ou eu já sentia algo mais forte?
Guardei a moto naquela bagunça e me dirigi aos fundos onde tem umas quitinetes minúsculas, entrando numa limpa e arrumada. Lá conheço mais uma "menina" que toma um susto e me seca dos pés a cabeça.
— Nossa! — A língua presa dela me faz sorrir. — Ué, quem é esse daqui Néia?
— É o bofe da Suzi. Tira os "bago" de cima.
*Em "peixerês", bago é o mesmo que "zóio"*
─ Ai, vou fazer um café, palhaça. Moço, aceita um café?
— Sim... aceito, mas não quero dar incomodo.
— Capaz, meu Mussum peixeiro. A Suzi nem falou de você, ela tá louca, só pode.
Estive num recinto com dois travestis e não fui atacado sexualmente com desespero, era o que eu imaginava que me aconteceria. Mas fui tratado com respeito, café e até fritaram dois ovos pra eu por no pão.
Conversamos sobre vários assuntos onde me identificava com aquelas duas pessoas quando tocávamos em dificuldades, racismo, trabalho pesado, família, preconceito e planos, sonhos e essa nossa luta para alcançarmos nossos objetivos. Notei claramente que éramos os três, indivíduos muito parecidos.
Não me deixaram sem companhia e sem assunto até a Suzi voltar. Fiquei até um pouco emocionado ao perceber o tamanho da bondade de pessoas estranhas que sem conhecer, me puseram pra dentro de sua casa, tudo porque queriam garantir que a tal da Suzi tivesse sorte de ter alguém interessado nela.
— A Suzi já se forma final desse mês, aquela vaca é toda batalhadora. Meniiiiino, eu morria de dó quando conheci a menina. Foi só o pai dela morrer, que tudo desandou e depois a mãe se foi também. Só tristeza naquela vida.
Eu percebo que fiquei a maior parte do tempo sem assunto, a ouvir suas coleguinhas falarem dela com paixão e carinho.
O portão range alto e o negão aqui fica nervoso. Ai meu coração!
Espera... quem é esse cara?
Entra em casa, arrumando o tapetinho da entrada, um mulatinho que me reconhece.
— Aiiii o que o senhor tá fazendo na minha casa? — É ela! A voz é dela!
— Suzi...
— É Simão. Suzi é quando me monto.
— Hã?
— O que o senhor... o senhor tá saindo com uma das meninas?
— O senhor tá nas alturas, boneca. ─ Puxo aquele moleque mesmo e tasco um beijo de novela na frente das duas colegas. Mas ele ou ela me empurra e fica me olhando meio assustado. — Olha, desculpa Suzi...
— Simão. Eu já falei que só é Suzi quando me produzo. O que o senhor quer comigo?
— Ah, conhecer melhor... essas coisas.
— Olha lá, fica de palhaçada comigo que tem duas viadas ruins aqui, a Néia e a Erotides.
— Não é palhaçada minha nega. O Valdizão ficou afim mesmo.
Ah que se foda! Foi o que pensei ao beijar um cidadão com um trabuco igual ao meu no meio das pernas.
Suas colegas já "desmontadas" ficaram assistindo a nossa conversa de olhos arregalados. Estavam cheias de curiosidades com a gente e demoraram para irem dormir. Beijei mais uma vez, a minha Suzi, depois a terceira vez e ela gostou, dava pra sentir bem o quanto gostou. Naqueles amassos, nós dois não conseguíamos esconder o "tamanho" desse "gostar".
Nem um pouco preocupado, há quatro anos eu ganhei a chance de ouro de conhecê-la melhor.
Nos três primeiros meses, eu buscava no supletivo toda noite só pra marcar minha área. Sempre meio ciumento com ela, pegava no pé, só que ela sempre foi muito mais ciumenta.
Quando aconteceu a primeira abordagem pelos colegas eu confesso que ainda não estava pronto e neguei, mas fui corajoso o suficiente para contar pra ela, tomar da Suzi um sermão e um castigo.
Percebi que eu precisava arrebentar com a porta do armário, descer do muro e escolher um lado.
Camuflar era uma forma de mentir pra sociedade, aquela mentira que a sociedade gosta de ouvir. Eu não era mais um cara hétero, que besteira isso, eu era bi? Foda-se! Eu queria era a Suzi e ficar sem ela não era opção.
Como que fico sem minha nega? Como que fico sem aquela moleca sambista que é braba, ciumenta, caprichosa e manhosa? Que me ajuda a pagar a prestação do lote onde a gente levantou uma casa. Que me chama de Valdizão, meu negão. Que trabalha fora. Que é macho e é menina. Não dá!
Meus três filhos ficaram cabreiros no começo, a ex-mulher Sílvia achou graça e até apaziguou. Já a ex sogra:
— Desse aí a gente espera qualquer coisa. Que nojo, virou viado — Véia ruim, cacildis.
Viado sempre associado a um troço ruim, que merda isso!
Um dia mandei a véia tomar no cú e todo faceiro contei pra Suzi.
— Que coisa feia. Ela pela ignorância e você porque fica se rebaixando. Olha a idade da mulher, Valdizão. Ignora ela que é melhor.
— Pelo menos ela vai parar de encher meu saco.
— Não vai mesmo, agora é que ela vai te infernizar ainda mais. Mas esquece ela, meu mozão. Dá colo, quero colo. Quero atenção, beijo gostoso... Dá...
Ahhh, meu querido, se tu não pode com isso, agarra e leva pra cama. Eu não resisto não. A bichinha fala assim macio comigo, entrego meu salário todinho na mão dela, obedeço feito cachorrinho de circo e deito pra ela "quicar" no meu...
Quem não é inocente compreende, haha...
Como eu disse, há quatro anos eu conheci e desvendei um ser humano. Batizado de Simão Pedro, que tem um pau, não tem peitos, tem barba, pé grande e não tem voz fina. Isso é a casca dela. Dentro, na essência, é Suzi, mulher delicada até quando arrota na minha frente, quando não faz pior.
Então para eu é Suzi, mesmo aparecendo vestida de moleque com bermuda, regata, chinelo e boné. E o Valdir aqui:
— Calma, começo de mês tem fila, não fica braba, Suzi.
— Valdir, você me conhece, sabe que eu não tenho paciência e não curto esperar...
— Oh minha coisa braba, ninguém gosta, mas deixa a vida de te levar. "Deixa a vida me levar, vida leva eu..." — Canto com minha voz meio rouca pertinho da orelha dela, dou ali mesmo um cheiro e um respeitoso beijinho. Ela se arrepia, dá risada , esquece a brabeza, sua característica mais marcante e denga muito esse homem aqui, fora que seu caráter me enche de orgulho.
A gente faz tudo junto, casalzinho mesmo, coisa abençoada, Javé!
Minha filha Tici, que hoje é casada, tem um baixinho de um aninho, foi a mais resistente em aceitar minha união com Suzi. Hoje são amigas e até maquiagem de revistinha escolhem juntas.
Dia vinte e oito de fevereiro minha Suzi fez trinta aninhos, eu tava desesperado, sem saber o que dar e percebi o quanto a Ticiane tem carinho por ela.
— Ai meu Deus, filha, o que eu dou pra minha preta?
— Pai como o senhor é dramático!
— Pudera, Tici, você nem sabe como é a Suzi. Chegar no dia dos namorados, natal, páscoa, dia das crianças, dias mães de mão vazia em casa, é briga.
— Eita!
— Que dirá no aniversário.
— Mas assim o senhor vive pra dar presente. — Meu genro protesta.
— Não, meu querido, se eu comprar um sonho de creme na padaria e um cartãozinho já é motivo de felicidade pra ela, é só pelas datas mesmo, ela nunca esquece, me faz surpresas, café na cama, massagem, bota meus pé de molho e faz minha unha. Entende? Só quero dar uma coisa que surpreenda ela esse ano.
— Ah eu sei de uma coisa, pai. Acho que a Suzi vai adorar.
Sou devagar mesmo, como que nunca pensei nisso. A gente leva a vida com o dinheiro contadinho pra pagar as contas e prestações que nem se liga que um presente marcante possa sair tão em conta às vezes:
Ali na garagem de casa, que é nada mais que um telhadinho de "brasilit", reúno os amigos dela, uns irmãos bacanas mesmo, compro pão francês e sapeco umas linguiças na brasa pra acompanhar. Umas pessoas mais próximas, sabendo que estamos na fase dos acabamentos da casa e sem poder gastar muito, trouxeram umas sobremesas e até bebidas. Até minha prima-irmã Tere, mãe do Charles que toca com a gente, veio pra abraçar a Suzi.
Para ela, tocamos aquela música que eu cantava na noite em que ela entrou em minha vida. Se chorou, bom, ela é pisciana, doce, romântica e sonhadora (e muito ciumenta), lembrou na hora que era a nossa música. Pensei que ia apanhar depois da festa, mas quando todos foram embora, depois daquele clima delicioso de noite de verão, só eu e minha nega, no sofá da sala, eu puxo meu cavaquinho e pra ela canto baixinho:
"Aí foi que o barraco desabou, nessa que meu barco se perdeu... nele está gravado só você e eu" (Eu e você, sempre do Jorge Aragão)
Dessa vez, ela canta a música todinha comigo, cantamos baixinho só nós dois nesse nosso mundinho. Só ela e eu. Valdizão e a Suzi Ohana.
Final Feliz!
***
Oiii pessoal!!!
Mais um Mini Romance entregue!!!
Falamos em preconceito e racismo, mas somos nós pessoas, que criamos ou herdamos e transmitimos... Junto com isso a intolerância, desrespeito e violência. Chega disso, até porque é bom demais a gente se misturar tudinho!
Beijos♥
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