Gabriel, cravo e canela - Parte II


Doutor Augusto estava furioso! 

Furioso!

Não fiquei perto dele pra não respingar "mijo", porque manas, faziam vários dias que não dava sol e secar alguma coisa, tava difícil. 

Minha "maturidade" me fez ter uma atitude infantil, entrei num quarto onde já havia um colega atendendo, passei pelo banheiro compartilhado e entrei no 910 que também não era da minha responsabilidade. Lá eu dei aquela fingida, de pescoço esticado, que tava procurando alguém. Isso não é covardia, tá. Eu não estava afim de ouvir grosseria naquele horário quando minha consciência estava me tranquilizando. Eu não havia feito nada de errado. Outra coisa, eu não sou lá muito doce e ia mandar ele a merda. 

Minha pele não merece esse estresse.

Eu tinha quartos pra atender e ia peitar o médico. Ia sim. Só que quando saí, uns dois minutos depois, ele já estava num quarto e tinha mais o que  fazer, do que catar um técnico em enfermagem pra falar que o paciente disse que o soro tinha acabado dois minutos antes de eu entrar no quarto. Eu largaria na cara dele que o homem me destratou também e lhe daria as costas. 

RJ, te amo e "♫tô voltando pra casa" (estilo Lulu Santos)

Em torno das seis e quarenta da manhã, perto de eu ir pra casa que esbarrei no homem. Ele nem lembrava mais que tava procurando um Gabriel, por isso cumprimentei tranquilamente: 

— Bom dia doutor.

— Bom dia. — Sem me olhar na cara, ele responde seco e levanta da mesa, caminhando daquele jeito arrogante. Tudo nele exalava arrogância.

— Nossa... — Comentei com a Marga.

— Nem ligue, Gabi, esse daí é um mal amado. O problema é que o seu Jordão falou que cansou de te chamar pela campainha pra trocar o soro. 

— Era só o soro, eu tava sabendo. Tava colocando a Dipirona no paciente do 901. Levei dois minutos pra chegar lá. Que homem chato.

— Nós sabemos, fica tranquilo. Mas pra esse idoso, tu dá mais atenção quando chamar. Se te destratar me chama, lembra? Falei isso pro Augusto, só que ele focou só na tua "falha".

— Falha um cacete! Falha é meu braço entrando na boca desse médico. A culpa é do velho. Tem poucos idosos que são queridos.

— Não diz isso, Gabi. Seu Jordão quando vê ele, faz essa manha toda. Diz que ninguém dá atenção, sabe como são alguns idosos. Tem uns que são terríveis. No caso dele é só carência, ele foi largado pela família. Dizem que era muito ruim para as filhas e nenhuma delas vem ver o pai. Isso é triste, né. Mas continua como está, não vou mudar os quartos até segunda.

Eu já estava ali há três meses, mas pareciam anos porque a gente sai carregado. Hospital é lugar de doença, onde as pessoas vão buscar seu tratamento e de cura, mas até ela ocorrer, nós profissionais absorvemos muito essa carga trazida pelas pessoas.

— Gente, hoje me deu vontade de arranhar a cara daquele médico que contei pra vocês. 

Júnior trabalha em escritório e quando chega em casa, tenta levantar meu astral contando coisas engraçadas e sendo irônico comigo. Juntos nós formulamos as melhores respostas pra eu dar no dia a seguir. Enquanto Paulinho faz minha unha do pé. Sou princesa vaidosa e ele deixa bem arrumado como eu gosto.

— Nada, mana, não se rebaixa não. Ele já se sente superior, imagina se você descer do salto. Um babaca desse não merece o seu desgaste. Só pelo fato de ser médico, não é uma pessoa mais importante que você. Não mesmo.

— É... você é neném do Júnior, eu sou bem capaz de esperar ele na saída e dar um pau no cara.

Juro que quando o Júnior fala assim, eu sinto um frio na barriga. Eu nem posso pensar no boy de outra maneira, mas é foda pegar ele me olhando. Eu tenho uns vinte arrepios classificados de maneiras diferentes.  

— Ai Ju e Paulinho, se não fossem vocês, eu tinha voltado pro Rio na primeira semana, morro de saudade da mãe.

— Eu também. Vim morar de aluguel aqui nessa cidade é só por causa do Leopoldo, miga. 

— Porque não mora junto com ele?

— Porque não... tem gente que não valoriza se é fácil. Ele é um homem que a gente leva no cabrestinho, Biel.

Já o Júnior andava muito calado, já que o Cassiano e ele não se entendiam mais. Um ficava em casa vendo Game Of Thrones, que eu sei, e o outro ia para as baladas, sendo marcado pelos amigos nas redes sociais. Burro, pensava que estava sendo discreto.

O fim dos dois foi inevitável. 

.

Sei de uma coisa, eu não estava 100% feliz naquela cidade, mas eram por coisas meio básicas que para os capricornianos são motivos de reclamação. Seria o fato de pegar o bus, requentar a marmita, passar o dia de pé e ter que gastar. Sou meio mão fechada, então escapava das reuniõezinhas depois do pagamento, precisava economizar mais (ainda mais). Na verdade, somos sinceros. O que precisa ser dito, nós diremos, com a maior classe, frieza e elegância, porque isso nos representa. 

Aquele beijo no ombro.

Doutor Augusto não era a pior pessoa do mundo, apenas um babaca que pisa em quem se rebaixa muito. O fato de ele ser um bofe desgraçado de tesudo não me afeta em nada e sabe porque? Por isso que vou comentar:

Por solicitação de um médico plantonista, fui ao ambulatório chamar outro doutor. É onde o Augusto atende o pessoal do pós operatório uma vez por semana. Isso foi logo que trocaram meu turno sem que meus protestos adiantassem, olha que sou difícil de chorar, mas chorei e foi de ódio. Chorar de ódio nem pode ser considerado choro.

Eu tinha que me cobrar em alguma coisa, principalmente nos doces. Precisava de chocolate, pirulito, bala, leite moça, sorvete, bolo... eu precisa comer. Maldita ansiedade que me faz comer besteira e ganhar pesoooooo!

Mas voltando ao assunto, no procedimento que o doutor Augusto ia realizar, talvez retirar uns pontos, porque eu ainda não sabia, ele precisou de gaze e xilocaína. Eu estava na sala do lado quando ele pediu para o Gustavo, o enfermeiro chefe daquela ala e daquele turno, para que buscasse os itens. E não faço ideia se o cara foi. Sei que eu tomei um esporro federal na frente de geral quando eu passava apressado e esse doutor me segurou (de leve) pelo braço.

— Cadê a xilocaína? Foi buscar na fábrica?

Eu não poderia responder sem descer ao nível dele. Mas ouvir isso, ser injustiçado e ainda ser segurado pelo braço, aí mermão, não dá.

— O doutor pediu foi pro Gustavo. Me solta, porra! (tututututututu)

Falei na cara dele que aquilo era um abuso e que eu estava sendo constrangido. Ele pediu um "desculpa" bem xoxo e sem sinceridade. Desencostou e com raiva, a desgraça que deve ter um signo do capeta, soltou o coice em mim.

— Não interessa, eu peço para quantos forem necessários, eu estou no meio de um procedimento com o paciente e você fica me retrucando. 

Ele não estava errado em cobrar e ter pressa, porque o paciente realmente estava sendo atendido quando o material acabou... mas me segurar pelo braço foi demais. E eu ia reclamar com o diretor do hospital. Acho que o safado leu meus pensamentos, canalha, fingido... ele sabia que tinha feito coisa errada e tratou de amansar a voz: 

— Busque lá, faz favor, não demora, Gabriel. 

Hahaha, sou eu rindo com ódio por dentro. Ele leu meu nome. Mas ainda assim me deu vontade de  jogar aqueles pacotes de gaze na cara dele quando voltei. Claro, depois chutar aquela canela longa, depois dar um soco na barriga firme e enfiar os dedos nos olhos claros do homem. Filho da mãe, grosso e p* no c*. Odeio ele.

Sem vingancinha, porque sou prático e bola pra frente, Caprica não se humilha. Mas a reclamação com o diretor rolou. Deu em nada.

.

.

Quase um ano fora da casa da mãe, minha diva maravilhosa. 

Só eu sei o que passei, chorei alguns litros de lágrimas cristalinas de anjo e senti vontade de dar uma facada no cirurgião geral. Uma por semana? Não! Uma por dia. 

Então resolvi  "invadir" a saúde privada. Nem que fosse como recepcionista de clínica, além de um emprego novo de cuidador de idosos que me pagava o mesmo piso do hospital. Eu queria estudar e precisando de grana extra, tinha que me sacrificar um pouco mais. Meu horário no Geriátrico era ótimo, das 13 às 19:15 direto e sobrava o período da manhã pra fazer outra coisa.

Sim, eu realmente trabalhei com idosos, não escrevi errado. Mas meus velhinhos do residencial geriátrico eram bem mais queridos, uns né. 

Certo dia eu recebi uma ligação, afinal currículos espalhados, uma hora dão frutos e teve um dia que deu uma florzinha.

— Gabriel, é da clínica U.U, tu deixasse uma fichinha aqui? O doutor deu uma olhada e chamou pra entrevista. Tem uma vaga pra ajudar aqui na frente. Tu és técnico né? (U.U mesmo, preguiça de achar um nome chique)

— Então, sou sim.

— Vem que ele vai tirar um tempinho pra te entrevistar.

Será que fui? Me joguei o mais cedo que foi possível. 

Eu mesmo: Divo, lindo, com a pele morena cor de canela, espetacular e o melhor sorriso que tinha, fui à clínica e eis que um monumento, barbudo com cara de Rocco Steele, está meio prostrado o balcão conversando com uma recepcionista. Ele era médico com toda a certeza e um gostoso com mais certeza ainda. Aquele homem me fez ficar só um pouco aceso, me deixando meio sem graça quando seus olhos encontraram os meus. Ele gesticulou à funcionária alertando-a que havia alguém aguardando.

— Oi, bom dia, o que era pra ti? — A voz era a mesma que me ligara um dia antes, mas não gostei muito foi da abordagem. Será que era tão nítido que eu não era cliente? Eu sei que não era cliente, mas e se eu fosse? Tenho cara de pobre? Tá, nem sou tão dramático, mas fiquei com raiva sim. E se eu virasse colega dela, já ia tratar de esclarecer isso, porque não sou de segurar o que tenho pra falar. Sou direto mesmo e foda-se quem não gosta.

— Sou o Gabriel. Você ligou...

— Ah, a entrevista. — Então ela se volta para o daddy bear mature (parece coisa digitada no campo "pesquisar" dos xvideos) — Doutor Felipe, esse é o menino que deixou currículo.

Ele apenas me olhou e disse:

— Pode vir.

Eu fiquei meio nervoso com aquele jeito do pessoal, assim meio seco, mas me empinei todo e por nada que eu ia demonstrar nervosismo. Tava com dor de barriga, sério, porque sou desses, mas o semblante era da autoconfiança em pessoa. Imaginei ele sendo um troglodita estilo Augusto. Então ele, num gesto de gentileza repentina ajeita a cadeira e diz:

— Senta, por gentileza, Gabriel. Muito prazer, sou o Felipe.

— Bom dia doutor Felipe. — Nossa que apertão de mão! Já me apaixonei. E que orgulho de mim, nem gaguejei nessas quatro palavras!

Na entrevista teve olho no olho, ai que olhos! Que macho pra deixar a gente molhado e fácil. Não fazia muito que eu tinha lido um romance onde um menino simples ficava com um urologista e não que eu tenha sentido inveja, porque não, mas acabei sendo contratado por um urologista muito gostoso. E a fantasia comeu solta somente dentro da minha cabeça. Preciso de um creme pra amaciar a mão, gente, Natura é bom?

Doutor Felipe era muito sério, mas bom de se lidar, pois era muito educado e sempre preocupado comigo. Mesmo que eu só trabalhasse quatro horas na clínica, não era excluído de qualquer assunto bom ou ruim. Ele e os sócios queriam nossa integração como colegas. Eu tinha frios na barriga com doutor Felipe, mas o doutor André... aiai... a gente fala e suspira.

— Bom dia Gabriel. Tudo bem contigo, viu que céu bonito lá fora? A Fran não veio hoje? — Doutor André, psiquiatra da clínica me trata com tanta educação, que mesmo eu sendo pago, tenho o maior prazer em fazer algo mais por esse cara.

— O marido trouxe o atestado de óbito do pai dela... vai ficar dois dias...

— Poxa... eu não sabia... Pode me passar a agenda de hoje e amanhã, que confirmo com os pacientes.

— Ah, que é isso doutor, eu faço pro senhor.

— Não, não... me passe. Já tomou um cafezinho? — Ele pergunta sem me olhar, enquanto anota os nomes dos seus pacientes, os respectivos horários e telefones. 

— Aham... —  eu falo olhando pra ele...

— Hum? — Puta que pariu! Que voz tesuda a dele...

Sou um capricorniano que não tem problema em se expressar, mesmo que seja pra admitir pra ele que o quero muito...


***********************

continua...

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