Ceci e Duarte - Parte II
Resolvendo o problema de ligar o computador, Duarte convidou Cecília para sentar-se a sua frente.
— Quando a Bete falou comigo sobre as suas horas acumuladas, eu precisei intervir. Nosso sindicato não permite isso: banco de horas, que vocês combinaram. Eu até sei que não ia ter problemas contigo, mas sabe como fica perante os outros empregados. Tem alguns mais velhos de casa que ficam de cochicho... olha eu percebi que você ficou triste, quinta-feira eu queria te chamar para conversarmos, mas foi corrido, sexta eu precisei levar a mãe no aeroporto, a mulher passou mal, sábado tive casamento e só sobrou agora.
— Ah tudo bem. O senhor é patrão e se não dá, não dá. Ano que vem, se der eu vou.
— Oh Cecília, não quero que fique chateada, de verdade isso me dói aqui. — Ele esfrega a mão no feito forte na altura do coração e recebe outra olhada discreta e tímida.
— Tudo bem, seu Duarte, já tá perdoado. — Cecília brinca com ele e o faz sorrir.
— Meu "severino" essa semana, veio pedir sabe o quê? "Pô Duarte, tem que arrumar uma secretária, tem muito serviço aqui em cima, não dá pra ficar atendendo o telefone, lançando as notinhas e cuidando do sistema.
— Quem é o Severino?
— Haha... o Alex do CPD. Eu estava a brincar contigo.
— Ah tá, o Alex! Severino é porque o senhor quer dizer que ele faz de tudo aqui em cima. Mas tava só brincando comigo. É que achei que ia me dar uma oportunidade aqui no escritório.
— Isso. É... amanhã cedo, bata seu ponto e suba direto. Vou conversar com a Bete.
— Eu vou folgar amanhã.
— Folgue sábado. Preciso de você de segunda a sexta aqui comigo.
— Ahh! Sério mesmo! Ai, seu Duarte, o senhor é um amor de patrão. Mesmo quando xingam o senhor pelas costas, eu sempre digo que é um cara legal.
— Quem está a me xingar?
— Ninguém, esquece! Amanhã bem cedinho eu chego aqui.
— Oito e trinta, no seu horário.
....
Carina e Cecília dividiam um pequeno apartamento e eram muito mais que amigas, eram como irmãs e logo seriam sócias na lojinha que artesanato que pretendiam abrir.
— Ei sonhadora, como que foi a primeira semana com o chefinho?
— Ele quase nem para na sala dele e eu fico numa mesinha do lado de fora do seu escritório, onde entrego uniforme para os funcionários, agendo as pessoas para falarem com o homem e até recebo ordem da "dondoca" tal de Paola.
— A namorada?
— É.
— Nojenta?
— Não, ela é tranquila, mas não gosto de futilidade, sabe. Até acho bem legal e necessário a mulher se cuidar pra se sentir linda, mas ela pega pesado com os treinos, cada coxa dela dá duas das minhas. Ela passa muito tempo na academia...
— Hummm... nem crie expectativas com esse cara.
— Bem capaz. Ali sou funcionária e fora de lá, sou futura empresária, preciso de foco. Preciso de graninha pra gente comprar mais uma máquina de costura. Ai Carina, isso é bem cansativo, mas estou super mega empolgada.
Passados mais dias, mais semanas, Cecília estava terminando de organizar as pastinhas dos funcionários por ordem alfabética.
— Cecília, cadê o Duarte?
— Foi levar a Paola, nem gravei onde...
— Parece de plástico aquela mulher...
— Ela me trata bem, sempre foi educada comigo.
— Antes ela quase nem aparecia, foi só o portuga arrumar uma secretária, ela não sai mais daqui. Pensa que é dona do mercado... lá embaixo ela fica: "peça pra alguém recolher os carrinhos do estacionamento, ai peça ao empacotador que leve não sei o que lá no escritório, ai peça para levar um lanche para o Du, fique de olho naquele homem que entrou, olha o tipinho, no mínimo vai colocar algo no bolso, chame a atenção daquelas duas operadoras de caixa, mande conversar menos, coloque dois repositores para varrerem aquela parte do estacionamento, faça isso e aquilo".
— Ela é quase patroa...
— É nada. Eu trabalho no Empório há doze anos e posso te afirmar, ele já namorou coisa melhor. Fora que ela gosta de aparecer com um homem daquele.
— Olha Bete, ela não é ruim. É poderosa, gosta dele e depois, ele é um homem que nossa, dá calor só de olhar. Se eu fosse ela, tirando a parte de me meter na empresa, eu grudava mesmo. Ainda mais um baita gostosão igual a ele...
Sem que ambas percebessem, Duarte chegava naquele exato momento e olhou de esguelha para ambas. Era um homem sério e respeitoso, nunca havia se envolvido com funcionárias, mas teve plena consciência de que falavam dele.
Cecília nunca ficou tão sem graça em toda a sua existência. Durante a manhã e boa parte da tarde, ele pareceu meio estranho com ela, meio seco e objetivo. O que passou na cabeça da linda moleca? Será que o fato de acha-lo atraente, tornava-a menos digna de respeito?
Sim, eram coisas da cabeça dela, pois ele nada dissera e no prazo de poucos dias, tudo normalizou entre ambos. Cecília se policiou de forma dobrada, mas estava sentindo-se afastada dele e ainda achando que cometera um delito terrível ao elogiá-lo.
— Fiquei toda sem graça naquele dia, Carina. Tenho certeza que ele ouviu.
— Nem ligue, guria. Ele talvez ouviu aquela parte da conversa onde a sua ex chefe falou da tal da Paola. Porque você o chamou de gostoso?
— Porque ele é.
— Ceci... Ceci...
Ambas tinham prontas muitas decorações que faziam por encomenda, desde quartos infantis até almofadas para cama e sofá, colchas, bonecas e bichos. Carina já estava correndo atrás de uma sala em um ponto comercial onde tivessem visibilidade e que pudessem pagar. Era questão de tempo até que elas pudessem se concentrar apenas no seu projeto.
Para Cecília, aquilo pesava um pouco, pois gostava tanto de ser funcionária de Duarte e ele demonstrava ter muito carinho por ela. Cecília se pegava pensando nele quando ia para casa de ônibus e percebeu que estava gostando dele. Ia sofrer e isso era algo tão certo quando dois e dois, são "vinte e dois".
— Ô... manda um menino me trazer uma água com gás bem gelada, eu estou na sala do Du. Manda alguém passar um pano aqui em cima no escritório, você é mulher tem que ver essas coisas.
— Paola, eu chamei a Terezinha na sexta feira e ela não veio.
— Sim, desde sexta-feira e você não foi capaz de passar um pano aqui em cima.
— Olha eu tendo tempo, passo sim, até varro, mas eu tinha muita coisa pra fazer.
— Que coisa? Antes o Alex dava conta de tudo e não era tudo tão encardido assim.
Cecília segurou a língua, porque não sabia o quanto de autoridade a namorada do patrão tinha na empresa. Martelou por dias em sua cabeça a palavra "encardido".
Olhando a volta, Cecília deu cor ao ambiente, foi quem ressuscitou uma planta cujas folhar já estavam amarelas, organizou a mesa sempre bagunçada do Duarte, ganhou dele um armário e encapou as caixas, separando o que antes ficava num "bolo só", sua mesa sempre tinha cafezinho, um potinho de balas, revistas novas perto das poltronas escuras, antes tão empoeiradas, hoje tão bonitas com as almofadas que ela mesmo decorou por mimo.
Duarte que era patrão se rasgava nos elogios, tanto quanto os colegas da área de vendas. Mas de uns tempos em diante, desde aquela manhã, para precisar melhor, seu patrão andava muito calado... Cecília achou que era o momento para ter aquela conversa, só que o homem passou a enrolar e adiar, adiar, até que ela perdesse a calma.
— Seu Duarte, olha eu tô angustiada. O senhor não quer deixar eu falar, né?
— Eu? Fale... O que aconteceu? Você está estranha faz dias, mas não consigo tirar um tempo pra gente conversar. Aconteceu alguma coisa?
— O senhor que tem que me responder.
— Para de chamar de senhor, só me chama assim quando esta com medo de falar comigo.
— O senhor tá estranho comigo.
— Ai meu senhor do Bonfim! É sério isso? Já não chega a Paola com TPM...
— Eu não tô de TPM. Tô calma. E não me chama de Paola que eu tô com raiva dela. — Cecília alterou o tom de voz e observou o ursão se retrair na cadeira. Estava com o rosto a queimar, prestes a chorar e se alguém lhe disse algo que não gostasse, era bem capaz de dar um chute.
— Ei minha colorida... calma. — Duarte lhe trouxe um copo de água. O som da voz grossa sempre a deixava arrepiada e o perfume dele amolecia as pernas da doce moleca. — Mais calminha?
Duarte parecia mesmo ter medo do troço chamado TPM, que deduziu ser o caso dela. Cecília falou tudo o que estava perturbando-a.
— Cecília, Paola gosta de você, gosta muito. Eu sei que tem uns dias no mês que rezo quando acordo vivo do lado dela... haha. Deve ser isso... Não se importe com essas coisas e claro que ela faz isso quando eu não vejo, porque sou bem capaz de chamar a atenção.
— Não é pra brigar por minha causa. Ela é sua namorada e eu a funcionária. Ai seu Duarte... eu acho que... — O descendente de açorianos a encarou com uma expressão branda. — Eu vou sair da empresa. Vou cuidar do negócio que eu e minha colega abrimos. Não fiquei nada feliz com o que a Paola me disse, o senhor sabe que eu sou muito esforçada e fiz de tudo para deixar o ambiente bem bonito ali fora na minha salinha.
— Foi isso que deixou você triste?
— Também. A Paola te falou que me chamou a atenção?
— Não... ela... Não disse assim, mas não vai sair só por isso?
— Daqui a trinta dias.
— Oh Cecília, não é sério. Me entendo bem com você, eu nem tenho nada do que reclamar, já tinha uns três anos desde que tive uma secretária. Demorei justo porque sempre dava atrito com a Paola, mas — Duarte coça a cabeça. — eu preciso de você aqui.
— E eu gosto de trabalhar aqui, mas não gostei do que ela falou.
— Todo lugar vai ter algo para implicar com o seu trabalho... Fica comigo...
As palavras dele em seu tom grave de voz, a fizeram estremecer e se encher de uma doce ilusão que torturava por dentro. Queria e muito ficar com ele, mas era de um jeito totalmente diferente de como ela desejava. Não era certo.
Duarte não resistiu, levantou-se e puxou-a pela cintura sem dar espaço ou oportunidade de fuga, envolveu-a com os braços fortes, cujo abraço permitiu que o cheiro de perfume a impregnasse, deixando-a tonta e desconcertada.
— Lia...
— Hum? — Ela gostou de ser chamada assim, Duarte era o primeiro a lhe dar esse apelido, talvez o único.
O abraço serviu para ele demonstrar que tinha carinho por ela. Mostrar também como ficava perfeita a imagem da doce menina de cabelos pintados de verde nos braços de um macho forte e brutão como o Duarte.
— Minha colorida... Gosto muito de você. Algo que transcende o físico. Sinto paz, muita paz contigo por perto. Você sente isso?
Cecília sentiu foi uma ereção e sorriu...
— Me sinto tarada, melhor me soltar.
Ele riu e apertou-a um pouco mais nos seus braços e finalmente a deixou ir.
— Ah se eu fosse solteiro, Lia.
— Bom, aí não teria problema. O que não topo é... dividir minhas coisas. Não sou mulher que traí.
— Por isso que eu disse: se eu fosse solteiro. Não traio porque se for pra ser, a confiança deve ser a base.
Quando ele a soltou de seus braços, ela sorriu:
— Ótimo. Daqui trinta dias vou sair, se o senhor quiser trazer alguém para eu treinar é só me avisar que passo tudo direitinho.
Subitamente ele se calou, achando que ela só estava chateada e mudaria de ideia, mas não foi o que aconteceu. Os dias passaram e por duas vezes, Cecília cobrou dele a pessoa para ser treinada. Duarte, talvez tivesse uma carta na manga e esperaria mais para o final ou não levou a sério o aviso prévio da jovem Ceci.
Faltando uma semana para encerrar o aviso, Cecília observou Duarte nervoso. Certa manhã, ele e largou os pés no representante da empresa resultante da união de três marcas de cerveja, esta querendo que a geladeira do concorrente fosse retirada de perto daquela da lata "amarelinha".
— Não vendo espaço no meu Empório, só o que me falta eu tirar um parceiro da marca K, só porque a sua empresa A quer pagar por isso. Mas nem pensar.
Continua...
*****
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top