Ceci e Duarte - Parte I



Quais as chances de uma doce menina encantar um homem seco igual ao Duarte?

Todas possíveis!

Cecília mudou-se para Santa Catarina para morar com uma amiga, a Carina. Estava tentando esquecer Javier, um chileno com quem teve um romance conturbado que resultou em danos traumáticos a ela. Javier tentou se destruir quando não conseguiu contornar uma situação em que se envolvera e afastou dele a única pessoa que ainda lhe tinha um pouco de respeito.

Aos olhos de muitos, Cecília era a "porra loca", não seria ninguém na vida, devia ser doida e drogada, provável culpada pela ruína do rapaz que desde a adolescência se encantou por ela. 

Águas passadas, ela pensava enquanto vestia-se para a entrevista no mercado Empório, onde tinha uma vaga de caixa. Precisava trabalhar, pagar aluguel e comer. O comércio era no centro, mas no facebook, ela viu que a empresa fornecia o vale transporte, então ajeitou um currículo e se mandou atrás da vaga.

Não era pretensiosa a ponto de achar-se a melhor das candidatas, mas nascera com o dom de ser doce, era agradável e sabia lidar com o público de maneira tranquila. Tinha uma excelente aparência e sabia falar dois idiomas, castelhano por ser filha de mãe chilena e o português por causa da naturalidade brasileira do pai e pelo fato de ter crescido no Rio Grande do Sul.

Sentou-se junto a algumas pessoas que aguardavam a vez de passarem pela entrevista e chamou a atenção de imediato: cabelos lisos e verdes, piercings e tatuagens que apareciam, mesmo com a roupa discreta que optou por usar. Sorriu para todas, mas nem todos os sorrisos retornaram, algo que ela estava mais que acostumada: ser julgada pela aparência. Pensou: "foda-se, não vim ao mundo para agradar a todos".

No entanto aconteceu um imprevisto e o rapaz que trabalhava no CPD, informou que o patrão ficara preso na ponte que sai da Ilha de Florianópolis devido uma obra. Ele pediu que deixassem os currículos e disse que ligaria quando chegasse. 

Duarte retornou naquela tarde, muito tarde e irritado. E além disso, a menina da recepção/guarda-volumes, também novata, lhe passou uma ligação. O calor o fez abrir alguns botões da camisa social, estava com o suor a escorrer entre os pelos fartos do peito, efeito da estação e também por ter usado o carro popular da empresa sem ar condicionado. 

— Oi. — Ele fala secamente ao telefone.

— Seu Duarte, sou eu, a Cecília. O senhor não me conhece, mas estive aí essa tarde para a entrevista. O senhor poderia me receber?

Ele era bem conhecido pelo jeito truculento, mas ouvir aquela voz mansa no telefone foi uma carícia.

— É, estou mesmo a precisar de uma moça para o caixa. Mas preciso que tenha experiência porque é verão. Que comece operando e não treinando, entendeu?

— Ah tudo bem. Nunca trabalhei no caixa, mas sou boa pra atender as pessoas. O senhor não tem uma vaguinha no pacote mesmo? Tá chegando o natal e sempre precisa.

Duarte segurou o riso, esqueceu de dar bronca na moça inexperiente que lhe passara a ligação e encantado com aquela doçura do outro lado, não resistiu:

— Está bem, amanhã me apareças às nove em ponto. Mas chega no horário, jovem.

— Cecília.

— Tá. — Duarte odiava ser interrompido, mas com ela foi diferente e até engraçado. — Não te atrases, porque depois eu tenho representante agendado.

— AH! Que legal, seu Duarte! Obrigadinhaaaa. Até amanhã cedo.

Cecília contou à amiga que o dono do Empório abriria uma exceção, fazendo uma entrevista para uma vaga que parecia não estar em aberto. Ansiosamente nem dormiu direito e até sonhou que chegou atrasada, perdendo a oportunidade de emprego.

Ainda tinha duas parcelas do seguro pela frente, mas era muito melhor ter a carteira assinada.

No ônibus que tomou mais cedo do que precisava, lembrou-se da voz dele e do sotaque de português, sorriu e imaginou-o sendo um cara enorme, coroa com um baita bigodão, meio pançudo e de boné. Enfim, ele lhe transmitiu simpatia e Cecília gostou dele.

Chegou dez para as oito no mercado e descobriu que só abriria as oito e trinta. Além dela, havia uma moça que vira no dia anterior quando esperava para ser entrevistada, justo uma das que não lhe deu confiança. 

— Ele te ligou? Porque o seu Duarte me ligou, só tem uma vaga e ontem conversei com ele pelo telefone. — A outra lhe dissera.

— Ah, que legal. — Cecília não parecia muito preocupada com o "desespero" da outra e medo de perder a vaga. Gostaria muito de ter a oportunidade, mas se não fosse ali, ela procuraria em outro lugar e bola pra frente.

— Você tem experiência?

— No caixa não. — Cecília foi honesta.

— Estranho ele ter te chamado, porque eu tinha umas colegas com experiência e ele não retornou, me ligou direto.

— Que bom pra você então. — Sem se abalar, Cecília distraiu-se mexendo no celular até que o Empório abrisse e elas pudessem sentar.

Faltando dez para as nove, entra no mercado um homem moreno de cabelos pretos, barba cerrada, grandalhão e sério, este parou na frente delas.

─ Quem é a Cecília? — Perguntou com seu timbre alto e voz grave.

— Eu! Oi, eu que liguei pro senhor ontem, é o seu Duarte? — Cecília sorriu, levantou e apertou a mão do homem. Esse gesto o fez sorrir.

— Vem na minha sala. — Ele falou secamente quando soltou a mão dela. 

Ela percebeu que ele ficava olhando demasiado para suas orelhas com os pequenos alargadores, o piercing próximo da boca, o cabelo verde e a tatuagem de despontava no decote até bastante discreto que ela usava. No rosto não havia maquiagem, deixando que ele notasse o quanto menina era.

— Olha Cecília, peço-te desculpas, mas vou ser bem sincero. Você é uma moça bem bonita e até agradável, mas causa um choque visual. Nunca contratei pessoas muito tatuadas, com coisas penduradas e cabelos de cores... assim como é o seu. Eu fico sem saber o que te dizer.

— Ah, mas o senhor só avalia aparência? Assim nunca achar alguém igual a eu, que seja tranquila como eu sou, também sou muito honesta, não tenho preguiça de fazer as coisas e não tenho vícios. Só que me gosto assim, gosto de ser diferente. Eu sou uma pessoa do bem, seu Duarte. Podia me dar uma chance e se eu fizer alguma coisa errada, aí pode me demitir. Hum?

— Hum? — Ele parecia um pouco perdido na dela.

— O senhor nunca fez uma tatuagem?

— É... eu tenho.

— Então... e continuou sendo a mesma pessoa depois que fez?

— É claro. Mas que jovem danada! —  O comentário dele fez ambos rirem.

Um homem sem argumentos, esse era o Duarte naquele primeiro contato.

Acabou contratando a Cecília e apelidou-a carinhosamente de Colorida. Pior que o homem gostava muito de vê-la interagir com as pessoas, seu sorriso fácil, sua postura respeitosa, agilidade no pacote de presente, as ideias que ela dava às pessoas que se escoravam no balcão e puxavam conversa.

— Ai, panetone de presente? Credo, nem todos gostam. Olha que chocolate agrada muito mais. Mas não esses de caixa, fica legal comprar um saco de "Sonho de Valsa", aí compra uma caixa dessa daqui ó, papel de seda e coloca os bombons dentro, depois compra um pedaço dessa fita vermelha e traz tudo que eu embrulho pro senhor.

— Mas vou gastar demais.

— Vai nada. Se a pessoa vale a pena, não fica caro não. Depois, o senhor chegou naquele carrão, tem dinheiro e Natal é só uma vez no ano. Vai lá...

Duarte ouviu a conversa e disfarçou o que pode, mas precisou se interromper em certo momento e dar os parabéns a ela que ficou vermelha, feito a pimenta malagueta mais bonita do setor hortifrutigranjeiro.

— Ai, não precisa falar nada, eu gosto muito disso, pena que logo o verão acaba e de certo que o movimento baixa muito.

— A maioria dos funcionários comemora isso, porque é cansativo.

— Ah isso é, mas em contrapartida, a hora voa.

Ela sabia que o Duarte tinha namorada, porém notou que ele flertava com ela e disso ela não gostava. Não ia ficar no meio de um relacionamento. Ele também nunca lhe abordou, então tudo era mais fácil. Não encorajaria de forma alguma, porque não precisava disso. Havia homem solteiro aos montes e ela sempre foi bonita, haveria de encontrar um cara legal e que fosse só dela.

Cecília e Carina, sua amiga, andavam às voltas com seus artesanatos e empolgavam-se, apertando o orçamento e planejando a abertura de um atelier num futuro próximo e possível. Foi quase um ano de economias para comprar o que seria o capital inicial delas.

Sendo solteira e sem compromissos trabalhava todos os domingos em que fora escalada e guardou umas folgas para que pudesse viajar no inverno até o interior do Paraná, onde sua mãe fora viver com a nova família.

— Mas ela não tem um ano de casa, como que tem uma semana pra tirar?

— São folgas que deixamos acumular, seu Duarte. — Explicou a chefe da frente de caixa ao seu Duarte.

— Alguém falou comigo antes de combinar as coisas? Não. Então avisa ela que não dá e paga isso em hora extra mesmo. Dê a ela um final de semana e pronto.

— Sim. — Bete ficou sem graça e precisou conversar com a Cecília. Claro que ela ficou sentida e até pensou levianamente em pedir demissão, mas tinha seu projeto com Carina e não estava pronta para chutar o balde e viver só da lojinha. Por mais que ela fosse doce e amável, acordar naquele domingo no qual seus planos foram frustrados, não foi o melhor dos dias. Seu humor estava péssimo e foi com esse semblante tristonho que chegou na empresa, no Empório de Duarte. Enquanto organizava seu posto de trabalho, a recepção, ia relembrando de como conseguira a oportunidade e os pontos positivos daquele emprego, até seu patrão que sempre lhe fora tão educado e simpático.

Ao abrir a porta do estabelecimento, já estava mais tranquila e sorriu para um cliente habitual. Cássio, um bonitão que vivia lhe paquerando com o olhar, naquela manhã, antes de sair do empório passou por ela e brincou:

— Não achei igual no corredor, queria comprar uma réplica sua.

— Não tenho preço, sou valiosíssima!

— Ah isso eu sei, desculpa a brincadeira. Se eu passar aqui ao meio dia, tem algum problema? Queria te convidar para tomar uma caipira de uva niagara na praia e comer um camarãozinho, hum? Só pra conversar e se conhecer melhor.

Cecília deu seu sorriso de menina e abriu a boca para responder.

— Ah, claro...

— Ceci, seu Duarte me ligou ali no balcão e pediu se você pode subir. A Keila fica no seu lugar uns minutos.

— Passa aí depois Cássio, vou lá levar um "sabão" do homem. — Ceci estava muito calma aparentemente, mas subiu a escada caracol, com dor de barriga. Não era possível que dois minutos de conversas seriam punidos com advertência verbal ou por escrito, mas foi preparada. Não queria perder o emprego por uma falha.

— Seu Duarte... — Cecília empurrou a porta entreaberta e pôs a cabeça para dentro da sala. Não viu o homem e achou que de repente ele tinha saído. Mas um ruído chamou sua atenção e meio desconfiada deu a volta na mesa encontrando debaixo dessa, um imenso homem ajoelhado lutava para retirar ou enfiar algo na tomada.

— Lia, pega aqui...

— Hum? — Cecília nunca fora chamada por outro apelido que não fosse Ceci que as colegas do empório lhe deram. Mas ele acabara de lhe apelidar de Lia. — Ah...

Ela percebeu que ele queria lhe entregar um plug de tomada por um cantinho daquela mesa, lhe alcançando.

— Querida, coloque na tomada, por favor. Fui ligar o estabilizador e acho que o problema é essa tomada aqui de baixo — Duarte aguardou Cecília ligar e testou — Faz favor, dê a volta e troca comigo, você é pequena e eu quase não consigo me mexer debaixo dessa mesa.

Realmente, Duarte era um homem de compleição física grande. Alto e forte, charmoso, moreno e peludo. Peludo? Os dois botões abertos da camisa social revelaram ao olhar tímido da moça, não apenas músculos e pelos, mas virilidade, masculinidade a exalar. Cecília estava a centímetros do homem e tentava ser discreta, mas foi pega por um olhar castanho escuro tão curioso quanto o dela. Segundos passaram, um esboço de sorriso no rosto barbado, um corar no rosto delicado e jovem dela quase passaram despercebidos.


Continua... 

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