Anoitece
Mais uma vez, o céu se enche em laranja.
Mais uma vez, os pássaros se calam.
O vaivém de passantes reduz, não mais falam.
Buscam refúgio em suas casas, longe da cobrança,
A chance de esquecer o dia feroz
Com uma distração qualquer que lhes sirva
A terra digital agindo como um grande farol,
Cegando-os do vazio da vida.
Uns estão com a família, diluindo as mágoas,
Outros estão em corpo, mas não de espírito,
Este já pairando em áreas remotas do inconsciente.
Há também o jovem, que um miojo
Muitas vezes lhe é suficiente
E que fantasia enriquecer,
Fazendo seus projetos estudantis e artísticos
Dignos de compaixão, que lhe inspiram prazer.
Mas até a noite consegue ferir seu coração
Preenchido de aflição, banido em exílio.
Ao escurecer, Deus e Satã, os espíritos, enfim,
Todos revelam as suas facetas
Para uma humanidade que nega sua natureza.
Não mais se dorme num domo de estrelas
Confiando a fogueiras e pedras polidas a vida
Que, apesar de perigosa, tinha sua beleza.
Hoje, é a selva de concreto que aprisiona
[e viver custa caro.
Já a outros viventes, a noite é uma criança
Nela encontram razão, arte, amor, bonança.
É o encontro das almas de dois amantes
Que remoeram as horas até se reverem.
Ainda é cedo, que importa se o tempo voa!
Em uma existência tão curta, devemos ficar á toa,
Acorrentados à rotina, renascendo a cada feriado
E fim de semana? Por que não viver a noite,
E adiar o açoite costumeiro da escola e do trabalho,
Que trancam nossa existência a cadeado?!
Sendo sincero, não sei onde estou nisso tudo,
Sendo apenas mais um dos filhos desse mundo
Duas de milhões de mãos cruas
Que querem se agarrar a um sentido!
Não sou poeta, não sou Homero,
Nem Drummond. Não sou ninguém.
Apenas relato o que vejo a quem estiver perto
E esta é mais uma noite de insônia em que fico desperto.
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