III. O ômega destruído

Capítulo 3 - O ômega destruído

Eu ainda me encontro incomodado pelo término mas ao menos o domingo passou rápido e gostoso na companhia de Seokjin e Namjoon. Nós ficamos o dia todinho vendo filmes de comédia e comendo besteiras. 

Minha mãe me mantinha em dietas para que eu continuasse magro e com pele lisinha como de bebê mas desde que saí de casa admito que venho comendo o que me dá vontade. Eu não me arrependo disso.

Falando nela, por estar me ligando constantemente, deixei meu celular desligado. Portanto, na manhã seguinte, ali estavam inúmeras ligações perdidas. Só que eu ainda não me sinto bem para falar com ela e ouvir o famoso: eu te avisei. 

— Bom dia, Jungkook. — ouvi uma voz rouca e charmosa soar atrás da porta. — Posso entrar? 

— Pode, sim, Nam hyung. — eu me encontro na janela, observando o sol fraco da manhã, me sentindo um pouco como ele mas tudo é recente, acredito que em algum momento essa melancolia irá passar. 

— Fiquei sabendo que seus testes atrasaram. Jin pediu para que eu levasse você para buscá-los. 

— Ah, eu tinha esquecido disso.

Havia ido ao médico fazer alguns exames, incluindo testes para ver minha taxa de gravidez e ver os melhores anticoncepcionais que poderia tomar. Mesmo que a igreja seja contra, assim como a minha mãe, eu me acho novo demais para procriar então é melhor que eu tome os remédios. 

Os resultados eram para ter ficado prontos na sexta, porém tiveram contratempos no hospital e só saíram agora. Se fosse antes eu enlouqueceria, correria até o dr. Oh e exigiria tudo na minha mão pois longe de mim correr o risco de uma gravidez logo após a lua de mel. Porém, depois do que aconteceu, eu sequer me importava. 

— Quer saber? Não ligo.

— Tem que ligar, é o seu corpo, sua saúde. Não é porque está sem parceiro agora que não é interessante saber o quanto você é saudável e fértil. 

— Acho que você tem razão. — e vai que uma hora eu precise começar a tomar os evita-bebês. Nunca se sabe, como dizem: é melhor prevenir do que remediar. — Onde está o Jin hyung? — pergunto enquanto busco nas caixas empilhadas um suéter pois parece um pouco frio lá fora. Talvez não tanto para um alfa ou beta, mas nós ômegas temos a temperatura do corpo baixa então, consequentemente, sentimos mais frio.

— Foi trabalhar. 

— Trabalhar? — um estranhamento se fez presente em minha voz.

— Ele é enfermeiro e trabalha um dia sim, um dia não lá no Hospital Central. Você não sabia? — me olha, confuso com a minha cara pensativa.

— Ele me disse, mas não recordava. Não é meu foco, sabe? Ao meu redor não tem ômegas que costumam trabalhar... 

— E o que esses ômegas fazem? Porque trabalhar significa ter dinheiro e, dinheiro, significa ter sustento para abastecer sua casa, sair para se divertir ou ter suas conquistas pessoais. 

— Eles cuidam da casa, da família e vão a igreja. Inclusive, minha mãe me ensinou assim. 

— Sua mãe... É, eu conheço a peça. Mas o que você acha disso? — enfatiza o "você".

— Uhm... Que cada um sabe o que é melhor para si — minha fala soou mais como uma pergunta insegura. — Bem, é o que o Jinnie expressa.

— Sim, exato. Ômegas podem fazer o que quiserem. Todos os lupinos podem. E preferir trabalhar fora ou arrumar um parceiro que concorde em fazer isso enquanto você cuida da casa, é direito de escolha de cada um. Ninguém tem nada haver com as nossas vidas. Te aconselho em não ouvir tudo o que sua mãe diz pois nem sempre ela pode estar certa. Apenas faça o que você achar melhor. Sempre. Ouviu? — disse, doce. 

A única coisa que pensei foi: pelo jeito ele é tão sábio quanto meu melhor amigo. Acho que não é atoa que Jin - que odiava falar de casamento - quis casar com esse beta. 

— Eu acho que quero trabalhar... Bem, eu nunca pensei em fazer isso, mas eu deveria... Uhm... Ter meu próprio dinheiro, poder sair para comer e conquistar minhas próprias coisas sem necessitar pedir a ninguém, parece interessante. 

— Você foi criado numa redoma de vidro mas consegue captar as coisas bem. Nunca esqueça: o melhor para si mesmo sempre. — sorri satisfeito, todo covinhas.

— Eu sou de captar tudo, só fingia não ver. — dou de ombros, vestindo o suéter, pegando o celular e o seguindo para fora. Não troquei de roupa pois trajava uma apresentável.

— E por que? 

— Porque eu não queria me deixar influenciar e desagradar minha mãe tendo um pensamento diferente do que ela deseja e anseia. Mas agora eu estou cogitando mudar tudo. Drasticamente. Pensei bastante nessa noite e eu estou disposto a tentar ser um novo Jungkook. 

— Entendi. Que você tenha ótimas conquistas nessa nova fase, Kook. 

— Eu também espero por isso. 

Ao chegar no hospital, aguardo para ser atendido. O Dr. Oh Jonghyun não demorou a aparecer. Ele é um beta de uns quarenta e poucos anos, bem apessoado e gentil. 

— Olá, Jungkook! Este é seu noivo? — ele me cumprimenta simpaticamente, assim como troca um aperto de mãos. 

— Esse é Namjoon, meu amigo. Hyung, esse é o dr. Oh Jonghyun. — os apresento. 

— Prazer em conhecê-lo, doutor Oh.

— Igualmente. — também dão um aperto de mãos. — Sentem-se. — o fizemos. — Que bom que trouxe um amigo com você. Ele servirá de apoio pois, infelizmente, tenho uma boa e uma má notícia hoje. — meus olhos se arregalam. — A boa é que aquela sua pequena anemia desapareceu, você está completamente saudável. — deve ser porque eu parei com as dietas malucas mas no momento não penso a mais sobre, meu foco está em qual será a novidade infeliz.

— E a má? — as palavras saem rápido. 

Ele suspira, me olhando. Ah, que agonia!

— Você toma supressores desde o primeiro cio e nunca teve uma relação sexual, correto? 

— Sim, por que? 

— É justo como pensei. Sinto muito. — dá para ver no seu olhar que ele sente. Falando em sentir, a mão do Namjoon aperta meu ombro, demonstrando amparo. Eu não entendo. — Para cada lupino funciona de um jeito e há uma porcentagem, por isso temos exames detalhados sobre. Mas, geralmente, quando acontece de se tomar esse medicamento no primeiro cio há uma grande chance de você diminuir a taxa de gravidez ou até se tornar estéril de imediato. Você não zerou suas chances. — sabe quando você capta um pouco de esperança em uma notícia ruim? — Porém, há fortes consequências explícitas no seu exame de fertilidade, Jungkook. — e na mesma rapidez que ela veio, ela se foi. 

Ele continua:

— Se dopar no primeiro cio é como impedir de se desenvolver por completo. Seu corpo sente a maturação interrompida, portanto, vem a baixa probabilidade de engravidar. Todavia, você usou o supressor em todos os cios seguintes o que fez seu caso se tornar grave. Por sorte você não zerou suas chances e se tornou infértil, mas sua taxa para conseguir conceber um feto está em 5%. Você não está lidando bem com o tanto de medicamento no seu organismo, se ocorrer alguma gravidez, terão riscos para o bebê e também para você visto que seu corpo está muito frágil para uma gestação e sendo assim ele pode não suportar.

— O-o que quer dizer? — eu entendo mas não quero aceitar que é verdade.

— Quer dizer que um dia, se você conseguir engravidar, virão complicações por seu organismo estar cheio de remédio e a taxa de você, o bebê ou os dois vierem a falecer são altas. — explica calmo com a expressão um tanto triste. Olho para Namjoon e ele também possuía a mesma.

Eu não sei o que dizer... Mal sei o que pensar... De repente, lágrimas surgem nos meus olhos e meu peito fica pesado. Essas consequências... Eu não quero aceitá-las pois elas não são escolhas minhas! O ato de me dopar no primeiro e em todos os outros cios não foi inteiramente meu, eu não sabia das consequência, fui persuadido a usar tal medicação! 

Agora eu só consigo me perguntar o porquê... Por que minha mãe fez isso? É ingênua e não sabe? Ou simplesmente fez por querer? Ela não queria que eu tivesse filhos? Qual o direito que ela tinha na minha vida de me fazer ficar estéril ou ter complicações graves se viesse a engravidar? Isso é crime! Grave!

Se meu mundo se encontra desabando aos poucos desde o término, nesse instante sinto que está desabando de vez. 

Eu não pretendia ter um filho por agora, mas eu sonhava em ter algum dia. Saber que isso não será possível ou, se vir a acontecer, será extremamente complicado, me corta o coração. 

Privado. Como se não bastasse ser privado de tudo e qualquer coisa em todos esses anos, mais uma vez eu estava assim. Impedido. Dessa vez, de ter um bebê. O meu filho. Por culpa da mesma pessoa.

A dor da recém descoberta de que eu não saberei como é uma gravidez está acabando comigo. Eu não irei me sentir diferente. Não haverão suspeitas e testes. Eu não farei uma surpresa depois dançar de pura alegria com minha ou meu alfa por nosso filhotinho estar presente, estar dentro de mim, em sua primeira casa. Minha barriga não crescerá proporcionalmente a cada mês me deixando com mudanças de humores e em uma destas minha ou meu parceiro não poderá me acalmar ressaltando o quão lindo estou mesmo gordo e cheio de estrias. Ou me agarrar, abraçar forte e dar beijinhos para acalmar minha raiva repentina. Eu não terei as mudanças boas ou ruins das etapas, podendo comentar com outras (os) gestantes. Não irei me sentir conectado ao bebê pois não haverá bebê algum. Não poderei conversar com a minha barriga e acariciá-la, nem mesmo sentir o filhote mexer. Não sentirei desejos e não vou planejar o enxoval. Não irei acordar a noite e correr até o hospital, passar pela dor do parto mas no fim ser agraciado com a satisfação e alegria genuína. Não terei meu filho nos braços e sentirei o tal amor incondicional e gigantesco. Eu não poderei. Não terei o prazer de ter uma das maiores felicidade do mundo... Eu não serei pai.

Ou se eu for, nós iremos nos machucar. Eu, a pessoa que estiver comigo e meu filhote. Um de nós poderá morrer, talvez os dois, não quero fazer alfa algum (a) passar por uma dor dessas. Não quero que ninguém sofra então será melhor me conformar e sequer tentar engravidar.

Por isso, eu choro. Sem me importar de estar na frente de ninguém. Só sinto... Sinto uma dor inexplicável e inevitável.

Eu sei que há adoções mas isso não ameniza meu desespero neste instante: o momento da terrível descoberta.

— Calma, Jungkook. — Namjoon aperta uma das minhas mãos e eu deito minha cabeça no seu ombro, me sentindo estilhaçado outra vez. — Nós podemos achar soluções. Deve haver um jeito, certo, doutor? 

— Nós podemos iniciar um tratamento para tentarmos reverter os efeitos colaterais mas eu não posso garantir nada.

Sem garantias de melhora ou que eu terei uma chance verdadeira de uma gravidez saudável... Será que devo tentar ou aceitar esse fático destino?

— Ao menos já é uma saída. Há esperança. É melhor tentar do que arrepender de não ter feito pois temos o famoso 'e se der certo?' — disse o Kim.

E esse destino não foi escolha minha. Eu tenho mesmo que fazer algo contra isso! 

Minha mãe me fez aceitar calado várias coisas alegando ser para o meu bem. Ser estéril ou ter uma gravidez de risco não é bom para mim. Eu estou revoltado com essa escolha dela. E talvez não só com essa.

— O-o que eu d-devo fazer? — questiono, fungando.

— Primeiramente, parar de tomar os supressores. Caso continue saiba que sua taxa pode se tornar de 95% para 100% infértil e aí não poderemos fazer nada. — eu vou jogar todas essas pílulas ridículas no lixo! — Vou precisar fazer alguns estudos aprofundados, testes, para então tentarmos usar remédios de meios naturais para desfazer o efeito do medicamento que está no seu organismo. Caso dê certo, você poderá ter uma chance maior de engravidar e sua gestação irá conseguir chegar ao fim, sem muitas complicações ou riscos de morte. Mas se não funcionar você terá que viver com essa terrível realidade. O que me diz?

— Quando a gente começa? 

🐺👗

O doutor Jonghyun prometeu que irá fazer todos seus estudos o mais breve que conseguir e iniciar o tratamento comigo. Só me resta esperar enquanto nunca mais tomo um remedinho sequer que impede meu cio de chegar. O que, creio eu, não irá demorar. 

Seokjin ficou furioso, querendo esganar minha mãe porque de acordo com ele Mari deveria ter me explicado direitinho como funciona esse nosso lado instintivo e sofrido mas ao qual devemos passar de três em três meses e não me entupido de medicação.

Eu sei que cio é coisa do nosso lobo interno ao qual anseia se acasalar para aumentar ainda mais a taxa de gravidez e isso se faz com sexo, não sou tão bobo assim. Só que minha mãe fez parecer que era uma maldição terrível que eu não iria suportar passar e que os alfas iriam acabar comigo, então eu fiquei traumatizado, não quis saber mais disso nem por curiosidade. Agora eu que vi que as coisas não são bem assim, fiquei chateado comigo mesmo por não ter pesquisado antes.

Talvez Mari só quisesse me proteger, mas me impedir de passar por algo que é natural da nossa espécie só complicou tudo. Até porque, além das consequências dos supressores, meu cio agora será mil vezes pior. 

Jin me pediu para ter calma, não é "coisa de outro mundo", porém tenho que ter consciência dos fatos e estes são que passarei por novidades bem doloridas quando for a hora. Acho que posso lidar com isso. Assim como irei lidar com a fúria da minha mãe a qual eu estava evitando desde o dia de meu rompimento com Park Hana.

Então, na manhã seguinte, Seokjin me trouxe à casa dos meus pais. Namjoon foi conosco até metade do caminho, pois hoje ele teve que trabalhar - descobri que ontem o beta só estava de folga porque teve um vazamento de gás na agência de viagens a qual ele trabalha e todos tiveram que evacuar o local para o problema ser resolvido.

— Se quiser podemos voltar. — disse o rosado no instante em que paramos e observamos a fachada da residência.

— Eu preciso conversar com ela de uma vez por todas. 

— Tudo bem. Mas não ceda as conversinhas, Kookie. Você sabe que é reprimido por causa dela, que não conhece muita coisa do mundo porque ela ocultou os detalhes agindo como se isso fosse para seu bem só que não foi. Ela só colocou uma venda nos seus olhos te impedindo de vivenciar as situações e amadurecer com elas.

— E ainda me impediu de ter filhotes! — acrescento. — Não se preocupe, hyung. Não vou mais ouvi-la. Estou decidido que vou fazer o que eu quiser e viver como... Uhm... Não sei quem posso citar mas vou descobrir e vou viver!

— É assim que se fala! — ergue a mão para um high five, eu bato nela. — Vai lá, garoto. Arrasa. E qualquer coisa me grita! 

— Hyung... — eu já tinha saído do carro então escoro na janela. — Você sabe que eu não grito. — ri nasalado. 

— Pois aprenda a berrar quando preciso.

— Uh, vou tentar me lembrar disso. Me espera, eu não vou demorar.  

Suspiro, caminhando até a porta, tocando a campainha. Quem atendeu foi Bon-Hwa, meu pai alfa. 

— Meu filhote! — me abraça. — Como está? 

— Ah, aconteceram muitas coisas. — um bico toma meus lábios, entretanto, eu não vou me permitir chorar. — Eu ando triste e irritado mas vai passar. 

— Espero que sim. Não sei o que houve, porém acredito que sim. 

— Foi Hana. Ela fez coisas horríveis e-

— Eu avisei que isso ia acontecer. — nem preciso virar para saber que se trata de Mari. — Falei para o seu pai não aceitar aquela alfa pois mesmo sendo daquela patamar, ela vem de uma família com pensamentos liberais demais. Te alertei que alfas fazem a gente sofrer e, agora, olha só para você, está sofrendo. Seu cabelo está feio, você tem olheiras, está magro e que roupas são essas, Jeon? — olho para baixo notando que vestia um moletom preto comum e unissex. 

É do meu amigo. Jin é de fases, testava todos as roupas existentes sem ligar para a classe a qual muitos associam e, no fim, acabou descobrindo um amor a mais por esse tipo de peça. Não usa clássicos de ômegas que mamãe aprova, gosta de roupas simples, básicas, puxadas para cores neutras ou coloridas, depende do seu humor. 

Minhas roupas mais quentes para proteger do frio estão aqui, por isso ele me emprestou esse conjunto até eu pegar as minhas de volta ou comprar novas. Como esperado, Mari não gostou.

— Eu não vim aqui falar sobre roupas. — murmuro, me sentindo realmente horrível. De cabeça baixa eu mexia na barra da blusa, um tanto constrangido. — É sobre aquela noite.

— Vou deixar vocês conversarem. Estou saindo para trabalhar. — disse papai. — Boa sorte com o que vai dizer, Mari. E com o que vai decidir, Jungkook.

— Obrigado. — agradeço.

Assim que ele saí minha mãe me fita, de braços cruzados, batendo o pé no chão em impaciência.

— O que aconteceu? Você não atendeu nenhuma das minhas ligações, se fosse para não usar o celular como se deve, nem tinha te dado um. Também fui ao seu apartamento mas você não estava lá para me explicar. O porteiro disse que você talvez vai vender. Por quê?  

— Hana e eu terminamos e-

— Duvido. Ela sabe fazer você comer na mão dela. — disse desgostosa.

— Não tem volta, ela destruiu tudo. — explico, amargurado. — É por isso que desde quando saí de lá deixei avisado que pretendo vender o apartamento. Além de trazer sentimentos ruins, não quero nada que venha daquela alfa.

— Não devia vender nada, afinal, o lugar é seu. Não foi por isso que saiu de casa? — pergunta sarcástica. — Para viver sua própria vida e seu romance? Eu sabia que isso iria acontecer. Sempre te avisei, Jungkook. Agora você sabe do que eles são capazes.

— Eu sei. 

Entretanto, não vou dizer que sinto muito e que deveria ter a ouvido. Até porque se o erro não tivesse acontecido, eu não veria o quão precisava de uma mudança em minha vida a qual estava sendo vivida de acordo com as vontades da mamãe e não as minhas. 

— Se entregou a ela?

— Essa vitória ela não pôde ter. 

— Ao menos nesse ponto você prestou. Não se entregue, Jungkook. Já teve o seu exemplo vivo que alfas são sofrimento. Se o fizer, saiba que doerá muito mais da próxima vez. E eu te deserdo. 

Deu vontade de rir pois Mari nem faz ideia dos meus planos. Está claro que quando eu me transformar, ela vai me deserdar. E, mesmo a amando, eu tenho que fazer isso por mim. Chegou a hora de ser mais egoísta porque essa é a minha própria vida, tenho que aprender a vivê-la intensamente, da maneira que quiser. 

— Não se preocupe com isso. — minha virgindade não lhe diz respeito, penso.

— Não quero que sofra mais. Você tem que voltar para casa, sou eu quem tem o amor e carinho que precisa. Sabe disso, né? Eu sou a única que irá te proteger do mundo. Enquanto estiver sob minha proteção, nada irá te acontecer.

— Nada irá me acontecer? — ri irônico. — Nada como... Eu não poderei ter filhos porque a senhora fez o favor de me induzir a tomar remédios justo no primeiro cio? — ela abre a boca mas nada sai. — Você sabia, não é? Tinha plena noção das consequências e mesmo assim me deu aquela pílula. Por que? — eu não estou falando alto só que dessa vez minha cabeça está erguida, tentando procurar no seu olhar alguma justificativa, porém eu só encontro um grande vazio. 

— Porque eu sou sua mãe e eu sei o que é melhor para você. 

— Pelo jeito essa sempre será a sua desculpa. — é sempre assim. Toda vez que eu chego a questionar algo. Nego. — Você não tinha o direito de não me explicar nada, de me criar preso, sem saber viver, sem quebrar a cara e me virar para consertar os erros. Por mais dolorosos que fosse, eu tinha o direito de saber, de aprender. Da sua desculpa de proteção eu só vi mentiras para me impedir de descobrir o mundo lá fora. Eu fingia não ver porque sempre vivi para te agradar, para te dar orgulho. Mas agora... Esse pé na bunda me fez enxergar muita coisa. Hana tem razão quando diz que só faço o que você manda, que eu não tenho vontade própria ou não sou encantador o suficiente. Como eu poderia, se apenas te sigo cegamente fazendo dos seus costumes os meus e sendo quem não é o melhor de mim, por você, por te amar. Nada disso nunca foi bom. É tóxico. 

— Não. É o certo. — afirma áspera.

— Eu acreditei por muito tempo que isso era o certo, sim. Mas depois de ontem... Como se não bastasse me transformar em um ômega reprimido, você praticamente me deixou estéril! — eu estou indignado, expondo tudo o que guardei lá no fundo e por consequência minha voz aumenta o tom.

— Olha lá como fala comigo, Jungkook. Você devia me agradecer que não irá ficar buchudo e com o corpo horrível depois de parir. E sou eu quem te faço ser o melhor dos melhores, não se perder no mundo e virar um vadio. Se você é perfeito, é por minha causa. Eu quem estou ao seu lado e sempre estarei para qualquer coisa. — ela só estaria para soprar ordens no meu ouvido. Do contrário, ficará contra mim. Doí, porém, eu sei. E dessa vez não vou fechar meus olhos e concordar, nem fingir que está tudo bem.

Não me leve a mal, eu amo minha mãe, porém, ela tem uma personalidade difícil. Tudo tem que ser apenas do seu jeito e fim. Ela é rancorosa e ignorante, além de que tem umas ideias que me incomodam e que agora estão incomodando ainda mais. 

O mundo não é só o que ela me mostrava, sempre soube disso, mas o problema é que os medos dela já haviam se tornado, em parte, meus. Os pavores eram semelhantes, a vida dela virou a minha. Apenas não tomei atitude por medo do que desconheço que é... Tudo. Só que não quero de forma alguma terminar como ela, com uma visão limitada sobre a vida, sozinho, amargurado, sem acreditar nas pessoas e muito menos no amor. Então se eu decidi mudar, se quero mesmo o fazer, preciso me afastar dela. Preciso parar de ouvir suas palavras e aceitá-las como verdade absoluta.

— Não é minha culpa se você caiu em ilusões e agora está magoadinho. Você não tem direito de descontar em quem é bom para ti, em sua própria mãe.

— Eu fui idiota, eu sei, não preciso que jogue isso na minha cara. Mas, mãe, você não tinha o direito de interferir tanto na minha vida. Agora eu me machuquei do mesmo jeito e ainda descobri que tenho uma probabilidade baixíssima de ter filhos e alta chances de riscos, tudo porque você me dopou com supressores desde a primeira vez. Seja sincera, por que fez isso comigo? O que te levou a cometer esse crime? — pergunto, deveras magoado.

— Você não precisa de filhos.

— Quem decide isso sou eu! — minha voz volta a ficar alta. — Para você eu não preciso de alfas, não preciso de filhos, não preciso trabalhar, não preciso de mais o que? De viver minha própria vida? Eu estou perdido por sua causa, eu nem sei o que deveria fazer, por onde eu deveria começar! E, olhe só, você é uma mãe tão boa que nem me apoia nas minhas decisões. Nunca apoiou! 

— Abaixa o tom. — disse rude, autoritária. — A mamãe sabe por onde você tem que caminhar. Eu sei o que você tem que fazer. Sempre tive esse plano para você. Para ele não precisa de alfas, bebês, ou o que for. Desde que veio ao mundo, eu sempre soube que você era especial, Jungkook. Você nasceu com um propósito, eu só esperava o momento certo para te dizer e você só precisa voltar a ver as coisas da maneira correta. 

— Do que está falando? — questiono, confuso.

— Você irá para o convento. — sorri alegre, completamente animada. — Será frade. — meu queixo foi ao chão. 

Eu não quero ser frade, eu quero viver o que perdi nesses vinte e dois anos por culpa dela.

— Você fez de propósito por querer que eu seja frade? Isso... Isso é um absurdo! Que loucura é essa? Eu não vou ser membro da nossa comunidade religiosa e viver separado do mundo, da vida social, eu respeito mas não é para mim. Não é esse meu sonho! — não conheço meus sonhos ainda, porém tenho total noção de que este não é um deles. 

— É o que? Encontrar um alfa bom e casar? Ser papai e viver feliz para sempre com sua familiazinha? Por favor. Essa coisa de final feliz de filme não existe. Seu pai me fez acatar a ordem de te deixar seguir conservador e ter essas merdas, mas para mim não serve. Eu sei que é desgastante, isso corrói você. Eu quero que você seja outro tipo de conservador, não quero que você tenha nenhum maldito dessa classe, nem viva em função de um. Você viu que eles ferem, eles só acabam conosco. Por isso você será frade, servirá somente a Jesus e nosso Senhor Deus. Assim será feliz, irá conquistar a salvação e não sofrerá nunca mais. 

Quer que eu seja o ômega exemplo, mas quando meu pai fala para eu continuar fazendo o que os ômegas supostamente devem fazer, ela não concorda? Ela quer que eu seja um santo? Eu não a entendo. Em um momento acredito que Mari pensa de um jeito, no próximo instante descubro que pensa de outro, no que eu deveria acreditar? A verdade é que ela quer me ver como um imaculado? Sei que quer muito me proteger, me salvar, mas age tão estranho e nunca é capaz de explicar. O que passa na cabeça dela, afinal? Isso não é saudável.

— Eu não... Eu tenho 22 anos e direito sobre mim mesmo para fazer o que eu quiser. Mais uma vez: essa não é a minha vontade! — argumento.

— Jungkook, você está sendo imprudente. Foi aquele seu amigo que te trouxe que te está induzindo a se desvirtuar? Já disse para se afastar dele. Venha comigo, eu vou cuidar de você e você servirá a Deus que é o único que deve ser amado e o único que te fará feliz.

— Eu já disse que não! — grito e no segundo seguinte sinto meu rosto arder. Levo minha mão até lá, ainda mais indignado. — Você me bateu? — minha voz quase não sai.

— Cala a boca e me obedeça.

— Eu te odeio! Eu nunca mais vou te obedecer e você nunca mais colocará a mão em mim! Ouviu bem? Nunca mais! Eu vou embora, viver a minha vida e você pode esquecer de mim! Finge que eu morri! Se não, irei te denunciar por ter me induzido a tomar pílulas! — lágrimas saem sem parar e eu grito da forma como nunca fiz. 

— Perdão, Jungkook. — tenta segurar meu braço para me impedir de passar pela porta mas a afasto bruscamente, indo em direção ao carro com ela no meu pé. — Filho, volte. Vamos conversar como os ômegas civilizados que somos. — me viro após abrir a porta só para dizer, ou melhor, gritar: 

— Me deixa em paz! 

— Jungkook, eu te amo... — eu nunca a ouvi dizer essas palavras. Meu corpo paralisa, fico ali a observando enquanto choro e sinto o peito apertar. — Eu te amo. — por um instante quase cedi. Quase. Mas o ardor no meu rosto me alerta. Ela está querendo ser sentimental para me manipular. Eu não posso aceitar. 

Pensando bem, acho que nunca serei capaz de esquecer tudo o que ela me fez e sei que tem planos de fazer mais caso eu opte por voltar e continuar ao seu lado.

— Se me amasse nunca teria feito as coisas que fez. — disse, entrando no carro e me sentindo aos pedacinhos. De novo.

— Não fecha essa porta. Volte aqui. Você precisa de mim, Jungkook. Venha por bem ou por mal, pois você me deve obediência!

— Quer saber? Vai a merda! — grito, mais uma vez perdendo a compostura, batendo a porta do carro ao qual Jin pisa no acelerador de imediato me levando para longe dali.

E, encolhido no banco, mais uma vez, eu me acabo num choro intenso.

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