Capítulo 24

— Segure. — estendi a mão e ela agarrou.

Já vi isso nos filmes, tem que dar certo aqui também.

— Você tem dedos calejados. — ela comentou.

Revirei os olhos. O pouco treinamento que tive com Luciano resultou em mãos ásperas e cheias de calos.

— É, eu sei disso. Tenho mãos de guerreira. — falei de queixo erguido.

— Tudo bem, senhora guerreira — debochou — Agora, por favor, leve-me para Vrede.

— Calma, preciso me concentrar. — Peguei o medalhão. Que os céus me ajudem. — Será que você poderia me dar uma pequena descrição sobre Vrede? — Olhei para ela.

— É um lugar mágico. As pessoas lá estão sempre alegres. Não existe dor e nem sofrimento. Não existe tristeza e nem raiva. Apenas paz. As ruas são banhadas de prata. As casas são pequenas e coloridas. E também tem um grande lago azul no meio da cidade.

A minha mente não consegue projetar uma imagem nítida do lugar. São informações que me fazem pensar em várias coisas ao mesmo tempo. O risco de eu nos levar para um lugar nada a ver é grande.

— Eu gostaria de tentar algo — falei — Por favor, pense neste lugar e deixe-me ler a sua mente.

Ela me olhou com estranheza.

— A mente de uma pessoa é um lugar perigoso; de um deus, é mil vezes mais.

— Eu só quero ver como é Vrede. A sua descrição não está me ajudando. E se eu não souber como é o lugar, não tenho como nos tirar daqui. Apenas imagine o lugar e mostre para mim.

Ainda me encarando com uma sobrancelha erguida, desconfiada, ela suspirou.

— Tudo bem, faça.

Não sei se é necessário, mas fechei os olhos e toquei na cabeça dela. Senti uma forte onda de energia a percorrer por todo o meu corpo e quase afastei a mão, mas me mantive forte. É uma deusa exilada muito poderosa. E não está pensando apenas em Vrede; várias imagens confusas flutuam da mente dela para a minha. 

— Concentre-se apenas em Vrede, por favor. — Abri os olhos e a olhei: o seu rosto está contraído e ela está ofegante — Por favor, deusa. Concentre-se em Vrede! 

— Eu… — esforçou-se para falar — Eu não… consigo.

Ai, minha nossa. A minha cabeça está começando a doer. O que eu fiz? Baguncei com o cérebro dela. Cada vez mais ela me transmite uma forte energia, juntamente com pensamentos aleatórios. Consigo ver a sua antiga casa, os seus irmãos, as brigas, os poderes e…

— Aaaaaaah! — grito ao sentir uma dor insuportável na cabeça, que percorre pelo meu pescoço, ombros, tronco, pernas e logo sou jogada para longe. — Droga. — grunhi pondo a mão na cabeça.

Senti algo escorrer de meu nariz e ponho a mão. Verifico e vejo que é sangue. Caramba, a mente de um deus é realmente perigosa, ela não estava brincando.

Levanto e fico sentada. Ao longe, posso ver a deusa exilada de pé e cabeça baixa. Os ombros sobem e descem, devido a forte respiração. Ela parece frustrada, e a culpa é toda minha. Eu prometi que a tiraria daqui, e não estou fazendo muito progresso.

Logo, como um estalo de dedos diante dos meus olhos, lembro de algo. Como não pensei nisso antes?

Luci? — chamo. — Luciano, pode me ouvir?

Fecho os olhos, numa tentativa de buscar por ele, da mesma forma que fiz com a espada. Eu não consigo senti-lo, não consigo vê-lo. Sinto os meus olhos mexerem, inquietos debaixo das pálpebras, mas tudo o que encontro é escuridão.

Forço mais um pouco. O que há de errado? Por que não está dando certo? 

E se eu…

Visualizo a casa de Luciano e sou jogada lá; pelo menos o meu espírito. Deixo um grito de horror escapar. Está tudo revirado como se alguém tivesse invadido o local e feito uma vistoria bruta. As cadeiras e mesa estão de pernas para o ar, assim como o sofá. Corro para o quarto e fico apavorada com as portas do guarda roupas abertas e todas as coisas jogadas no chão. Saio de lá horrorizada e caminho direto para o quintal, passando pela cozinha que se encontra normal.

— Ai, meu Deus! — grito e ponho a mão na boca — Jujuba! — corro até a cadela e caio de joelhos diante dela — O que fizeram com você? — sussurro. Jujuba está morta e o seu pequeno corpo ensanguentado. Os olhos estão abertos, mas sem vida. Que crueldade. — O que aconteceu aqui? — olho para todos os lados; marcas de cinzas e sangue mancham a grama. Volto a olhar para Jujuba e tento tocá-la, mas a minha mão transpassa o seu corpo. Por um momento tinha esquecido de que não estou aqui de verdade.

Lágrimas escorrem sobre a minha face. Lembro-me de quando Luciano e eu resgatamos Jujuba das ruas. Ela era apenas um filhote assustado, que nós cuidamos com muito amor. E agora está morta. Não quero imaginar o quão dolorosa foi a sua morte, considerando o seu estado.

E Luci, será que estava aqui quando aconteceu? Será que algo aconteceu com ele?

Começo a entrar em pânico. Sinto um forte puxão e abro os olhos. Estou novamente no deserto. Sem pensar muito, me levanto determinada e ando até a deusa.

— Qual é o seu nome? — pergunto.

— Else. — olhou para mim com o cenho franzido.

— Muito bem, Else. — Coloquei as mãos na cintura. — Eu vou nos tirar daqui. Mas preciso muito da sua ajuda.

— Não sei. Viu o que acabou de acontecer. Não deixarei que tenha acesso a minha mente novamente.

— Fique tranquila. Também não sei se quero ter essa experiência de novo.

— Então, o que quer que eu faça?

— Apenas esvazie a sua mente. Segure a minha mão e não pense em absolutamente nada, independente do que aconteça. O resto é comigo.

— Acho que consigo fazer isso.

— Eu preciso que você tenha certeza — ela ergueu a sobrancelha — Isso é muito sério. Nada pode dar errado.

— Tudo bem, eu consigo fazer isso.

— Ótimo, vamos lá então.

Estendi a mão e Else a segurou firme. Peguei o medalhão e fechei os olhos. Nada pode dar errado agora. Concentrei-me o máximo e não permiti que nenhum pensamento irrelevante invadisse a minha mente. Nada pode dar errado, absolutamente nada.

Leve-nos até lá.

E então, aquela sensação a qual reconheci de imediato. Mas permaneci concentrada, e quando a viagem terminou, consegui cair sem me espatifar toda no chão. E rapidamente me levantei.

— Não acredito que isso deu certo.

— O que?! Você não sabia que daria certo?! 

Olhei para baixo. Else encontra-se deitada no chão.

— Para falar a verdade, não. Mas estou muito feliz que deu. — falei aliviada — Venha, segure a minha mão. — ela pegou a minha mão e eu a ajudei a levantar.

— Eu te mataria, mas também estou feliz por finalmente ter saído daquele lugar, obrigada. Mas… — olhou em volta — Aqui não se parece nenhum pouco com Vrede. — apresentou-me um olhar questionador.

— Bom… — cocei o braço sem nenhum motivo — Estamos na terra.

— Terra — experimentou a palavra e logo arregalou os olhos — Terra?! O planeta o qual o Rei do Submundo quer invadir?! Por que me trouxe para cá?!

— Desculpa. Eu tive uma visão com este lugar. Esta é a casa do meu namo… amigo. Alguma coisa aconteceu com ele. Eu tive que vir para cá. Mas veja pelo lado bom, você não está mais naquele deserto. — tentei sorrir.

— Você me prometeu Vrede. — rosnou.

— Eu sei, mas… eu não podia. — quase chorei.

Else respirou fundo. Deve estar lutando para não me matar. Ela me encara com fúria nos olhos. Vira-se, dando-me as costas e põe as mãos na cintura. Posso ver os seus ombros subindo e descendo, denunciando a sua forte respiração. Eu a compreendo, de verdade, mas... Se algo aconteceu com Luci, não sei o que farei. Eu preciso encontrá-lo.

A deusa exilada se volta para mim e eu prendo a respiração.

— Será que você poderia me dar roupas? Eu sei que sou uma maravilha. Mas não sou do tipo que gosta de ficar se exibindo. — falou com graça, para o meu alívio.

— Imagina se gostasse. — Entrei na brincadeira e gargalhamos — Venha comigo, acho que tem roupas minhas aqui. Talvez fiquem pequenas em você, mas dá para o gasto.

— Tudo bem.

Fomos para o quarto de Luciano e eu caminhei até o guarda roupas. Estava certa, tem mesmo roupas minhas aqui; Luci as guardou.

— Que bagunça — Else comentou.

— Sim, não sei o que houve aqui, mas suspeito de que não foi nada bom. — Peguei uma calça jeans e uma blusa azul de algodão e com mangas curtas. — Tome, vê se serve. — ela pegou as roupas e estalou os dedos, fazendo a calça e a blusa aumentarem de tamanho — É claro que você sabe fazer isso. Vou procurar um par de sapatos. 

Else começou a se vestir, enquanto eu rodei todo o quarto a procura de sapatos, mas não encontrei nenhum meu, apenas de Luciano. Talvez Else não se importe.

— Só encontrei esses — mostrei os tênis All Star — São meio grandes, pois são do meu amigo, mas pelo que vi, isso não é problema para você.

— Cabem certo nos meus pés — pegou os tênis — Apesar de não se compararem com os sapatos que eu costumava usar, vão servir. Afinal, o deserto de Berg foi a minha casa por muito tempo, estou acostumada com o bruto.

— Claro. — juntei as mãos e esfreguei uma na outra, respirando fundo — Então... você gostaria de juntar-se a mim numa busca implacável? Preciso encontrar o Luciano. Mas não posso fazer isso sozinha. — falei enquanto ela calça os sapatos.

— Você não tem ninguém?

— Bom… eu tenho uns irmãos, mas… é complicado.

— Problemas de família; sei como é.

— Pode me ajudar?

— Primeiro você me trás para este lugar amaldiçoado, e agora quer que eu te ajude?

— Oras, eu te tirei do Deserto Berg. — argumentei.

— E você vai ficar jogando isso na minha cara?

— Desculpa, mas é que você me deve uma.

— Não te devo nada. O combinado era que eu não te matasse, e você me levaria para Vrede. Eu não te matei, mas veja só, não estamos em Vrede.

Engoli em seco.

— Tudo bem. Mas você é uma deusa, não pode se teletransportar para lá?

— Menina burra. Se eu pudesse, você não acha que eu já não teria saído daquele deserto maldito?!

Engoli em seco novamente.

— Toma — entreguei o medalhão a ela — É um medalhão portal. Você…

— Um medalhão dos Verlossers.

— O que?

— O povo de Aflossing. Um povo de cabelos alaranjados. O meu irmão fez esses medalhões para eles.

— Só percebeu agora? Não viu quando eu o usei?

— Claro que vi. Mas admito que não tinha colado fé de que daria certo. Os medalhões não foram criados para teletransportar duas pessoas apenas com um. Cada pessoa deveria ter o seu. Não sei o que você fez, mas que bom que fez.

Ergui uma sobrancelha. A safada só está me contando isso agora. Ela viu todo o meu sufoco, e ficou quieta na dela. Eu brigaria com ela, se não soubesse que era uma deusa e poderia me matar com um estalar de dedos.

— Sei. Bom, já que conhece o medalhão, deve saber como usá-lo. Eu já vou indo.

Fiz menção de sair.

— Espera — parei — Eu vou te ajudar.

[···]

29.07.22

[···]

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