Capítulo 18
Acordei de supetão, levantando assustada da cama. Olhei para os lados e demorei para reconhecer o lugar, até ouvir um latido. Voltei a deitar.
— Oi, Jujuba.
A cachorrinha subiu em cima da cama e deitou em meu colo. Eu comecei a acariciar sua cabeça, enquanto tento recobrar a memória. O que foi que aconteceu? E como eu vim parar na casa de Luciano?
— Que bom que acordou - como se ele tivesse lido os meus pensamentos, apareceu na porta.
— O que aconteceu, Luci?
Ele se desencostou do batente e veio até a cama, sentando na ponta, mantendo uma boa distância de mim. Seus olhos me analisam por trás dos óculos de um jeito que me faz sentir despida.
— A dama das estações está se despertando.
— O que?
— Seus poderes se manifestaram fortemente hoje. De uma maneira que você não conseguiu controlar, e eles acabaram te dominando.
— Isso... Isso é possível?
— Sim, é.
— Eu fiz algo de ruim? - perguntei receosa.
— Brigou com os seus irmãos, mais ainda com Frans. A casa está destruída.
— Meu Deus - sussurrei. — E o que eu estou fazendo aqui? Como vim parar na sua casa, Luci?
— Natanael me pediu ajuda. Ele achou que você mataria a todos. Mas de alguma forma Frans conseguiu te conter. Talvez a falta de experiência e habilidade tenha te deixado em desvantagem. Então você desmaiou e eu te trouxe para cá.
Assenti, sem saber o que dizer.
Não lembro de quase nada. O que ainda tenho guardado na memória é o momento em que cheguei em casa exigindo uma verdade. E então, depois de ficar um pouco aborrecida por sentir que estava sendo tapeada, comecei a citar as palavras da profecia, para mostrar que sabia de algo. E isso acendeu algo dentro de mim, dando-me uma sensação boa, mas que logo após se tornou mais forte que eu. E eu entrei em transe.
— É perigoso - falei após um tempo.
— O que?
— Esse poder.
— Apenas quando não pode controlar.
— Exatamente! Eu não sei controlar. Eu não sei de nada - falei cabisbaixa.
— Não sabe... Ainda.
— Como assim?
— Eu quero te contar tudo o que você não sabe. E quero poder te ensinar também, se assim você permitir.
Franzi a testa.
— Por que nunca me disse nada antes? Como você sabe a respeito disso mais do que eu?
Ele suspirou e abaixou a cabeça.
— Eu sinto muito. Nunca fui de acordo em manter esse segredo. Mas a sua família exigiu.
— A minha família... Mas porquê?
— Queriam proteger você, e todo o resto do mundo.
— Proteger de que?
— De você mesma, Helena.
Arregalei os olhos.
— De mim?! Eu não faço mal para uma mosca! - dei risada.
— Você precisa acordar, Helena. Pense, analise, reconheça. Está tudo bem diante de teus olhos. Você só precisa querer enxergar. Pense em tudo o que já aconteceu até agora, repasse as palavras da profecia e interprete-as.
Olhei profundamente nos olhos de Luciano e pude sentir o peso de toda a verdade cair sobre mim. Eu só precisava conectar as coisas. Agora, é como se uma venda tivesse sido arrancada de meus olhos, permitindo-me ver.
"Você nasceu condenada"
Afinal, Frans está certo.
Eu sou a única que pode salvar o mundo. Mas também sou aquela que pode destruí-lo.
"O seu poder é imensurável, capaz de levá-la a grandeza, ou a pior das loucuras."
— É porquê eu não sei controlar - cheguei a uma conclusão — O poder que habita em mim é forte demais e difícil de ser dominado. E eu só tive conhecimento da existência dele há pouco tempo. Eu não sei absolutamente nada de como dominar, conjurar, controlar. Nem sei de tudo o que sou capaz - suspirei. — É isso, não é, Luci? É como diz a profecia: Ele é salvação, mas também é perdição. Eu posso ser completamente dominada pelo meu próprio poder e enlouquecer. E acabar causando uma grande catástrofe.
O meu poder é a minha perdição. E a perdição de todos que me cercam.
— É, é mais ou menos isso.
Suspirei com pesar.
— Por que eu? O que foi visto em mim para receber tamanha responsabilidade? Com tantas pessoas responsáveis, sensatas, cultas, sãs, decididas, objetivas. Eu sou apenas... - suspirei novamente — Isso.
— "Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes."
Franzi a testa.
— Isso faz parte de alguma profecia?
— Não, isso está na Bíblia Sagrada.
— Ah.
— O que quero dizer, é que... Por mais que você pense que não é capaz de cumprir com esse propósito, por não ser tão forte, ou por não fazer sempre as coisas certas... Ainda existe uma chance de provar para si mesma que você é sim capaz, independente de qualquer coisa. Essa pode ser a chance de você se tornar aquilo que ninguém esperava. É a chance de você se superar e amadurecer com essa nova e grande experiência - ele abaixou a cabeça e sorriu — Você está conseguindo entender alguma coisa do que estou falando? - voltou a me olhar.
— Estou sim. E agradeço pelas palavras - falei sorrindo, mas com os olhos marejados — Você é incrível, Luci. É a única pessoa que tem me tratado com toda a gentileza que eu não mereço. Você é a única pessoa que eu permitiria me tacar pedras, mas você é gentil e bondoso comigo. Muito obrigada. Obrigada por tudo.
Os olhos dele também estão marejados.
— Não tem o que agradecer. Eu aprendi que fazer coisas boas só nos trás coisas boas. Não quero dizer que a minha vida é bonita o tempo todo, mas que por mais que eu passe pela mais forte das tempestades, o meu coração e a minha consciência estarão em paz, e não tem nada melhor do que sentir essa leveza na alma.
— Depois me ensina a ser assim. Estou precisando.
— Claro, ensino sim.
O clima ficou tão bom que eu desejei pausar o tempo para viver esse momento por mais algumas horas, talvez por mais alguns anos. Mas tem muita coisa para fazer. Afinal, eu tenho um mundo para salvar.
— O que acha que devo fazer agora?
— Você precisa aprender a usar os seus poderes, sem que eles te dominem.
— Mas como?
— Seria mais fácil se você fosse treinada quando era apenas uma criança. Mas como eu disse há poucos instantes... Eu quero te ensinar.
— Por favor, me ensine.
— Darei o meu melhor. Mas precisamos fazer isso rápido. O rei do submundo está cada vez mais próximo.
— Explica.
— Chegaram notícias de que ele está viajando entre os mundos, para chegar até você. E aí, uma guerra se iniciará. Entre os submundanos e os protetores da terra.
É por isso que os meus irmãos apareceram do nada lá em casa.
— Frans, Pri e Nate. Eles...
— São protetores da terra. E os seus pais também - eles desviou o olhar. — E eu.
— E Adriel e suas primas? - não consegui evitar a pergunta.
— Não sei o que são. Mas não senti uma sensação muito boa quando estava perto deles, nada pessoal.
— Claro - lembrei do surto de Adriel — Eu entendo.
— Mas por que acha que são alguma coisa? Só para saber.
— Eles tem poderes. Uns poderes sinistros.
— Hmm, entendi - ele ficou um pouco estranho, mas rapidamente voltou ao normal. — Além dos treinos, temos mais uma missão.
— Qual?
— Encontrar a espada que matará o rei. Sabe que tem que encontrar uma espada, não é?
Revirei os olhos, já ficando cansada.
— Sim, eu sei. Preta, vermelha, roxa e laranja. São as cores dela.
— Como sabe?
— Eu vi num sonho. Eu vi a mãe, e falei com ela - lembrei de uma coisa. — Luci, eu ouvi vozes, no meio da rua, achei que estava surtando. Elas diziam coisas do tipo "ele vai nos matar" "nos ajude".
— Você falou com a mãe? - perguntou perplexo.
— Sim. Ela estava dividida em três mulheres, e tinha um ar de sabedoria e um poder ondulante e forte.
Os olhos de Luciano brilharam.
— Incrível! Que privilégio, Helena, que privilégio.
— Acho que sim.
— Mas sobre as vozes, acho que sei o que podem ser. O rei do submundo tem uma legião de pessoas que ele capturou nos mundos e planetas que invadiu. Chamam de "Os aprisionados". Eles tem suas mentes controladas pelo filho do rei para que trabalhem em seu favor. Mas alguns tem suas mentes blindadas e conseguem clamar por socorro para ninguém em especial. Parece que de alguma forma chegou até você.
— Que doideira.
Mas... Sabiam o meu nome.
— Já aconteceu de uma mulher conseguir ouvir os clamores. Mas ela foi capturada. Seu nome era Thália. Não se sabe se ainda está viva.
— Certo. Mas uma coisa para a lista, salvar os aprisionados.
— Matando o rei, automaticamente serão salvos.
— Okay.
Estou tentando por em ordem todos os meus pensamentos. O meu cérebro ainda está processando todas essas novidades incomuns para mim. Aos poucos estou aceitando a minha nova realidade.
— Você ainda tem alguma dúvida? Gostaria de saber de mais alguma coisa? Pode perguntar o que quiser.
— O que é um igual?
Leves brasas acenderam-se nos olhos de Luciano e isso me atingiu de alguma forma. Eu senti o coração palpitar e bater mais forte e mais rápido, até mesmo a minha respiração desregulou. Com apenas um olhar, um misto de sentimentos acertou o meu coração de maneira desconcertante.
Alegria, raiva, tristeza, prazer, medo, esperança, frustração... E amor.
Sentimentos meus, mas outros não tão meus assim.
"Não abandone o seu igual, menina. Sem ele, você acabará se perdendo"
A voz do oráculo sussurrou na minha cabeça. E então eu percebi que...
É ele.
— É... Onde...
Ele tentou falar, mas está muito desconcertado e surpreso para conseguir pronunciar algo.
— Você é o meu igual - falei. — O igual que o Oráculo e a mãe disseram.
— Disseram?
Nunca vi Luciano tão embasbacado.
— Sim. O que isso significa?
— Bom... - engoliu em seco. — Eu pensei que... Uau.
Estou quase tendo um treco com essa falta de palavras dele. Ser um igual é tão importante assim ao ponto de deixa-lo sem fala, ou é algo grave?
— Acalme-se, Luciano, pelo amor de Deus. Organize os seus pensamentos e tente me explicar. O que é um igual? - voltei a perguntar.
— Certo, certo - respirou fundo. — Iguais são pessoas que tem uma mesma fonte de poder. É como se fossem irmãos gêmeos, nascidos de uma mesma placenta... - fez careta. — Esse exemplo não foi tão legal.
— Estou quase entendendo.
— Todos nós temos uma fonte de poder. Essa força, essa energia... tem que vir de algum lugar.
— Tipo os poderes do superman que vem da luz do sol?
Luciano fez uma careta engraçada, parecendo estar processando o que acabei de dizer.
— É, tipo isso mesmo. Na verdade... É exatamente isso.
— De onde vem os meus?
— De Sirius. É a estrela mais brilhante do céu noturno visível a olho nu. Ela é a sua fonte de poder. E a minha também. E é por isso que somos iguais.
"Bem aventurados os que contemplarem a tua luz"
— O teu poder é Luz?
Um sorriso contido brotou no rosto dele o deixando assustadoramente lindo. O meu coração pulou dentro do peito, feliz com esse brilho diferente que ele tem.
— Sim, todo tipo de luz. E o seu também, mas... Como você é a dama das estações, é muito mais poderosa que eu.
— Fala mais sobre os iguais.
— Tudo bem, é... Existe um tipo de conexão entre nós. Entre nossas almas e nossos corações. De alguma forma, você está ligada a mim, e eu a você. Isso é bom e ruim - sorriu. — A parte boa é que quando estamos juntos, ficamos mais fortes e podemos transferir energia quando um de nós estiver machucado ou algo do tipo. A parte ruim, é que quando essa ligação fica muito forte, sentimos tudo o que outro sente...
— Eu senti.
— O que você sentiu?
— Sentimentos, sentimentos variados.
— Não quero nem imaginar o quão péssimo foi.
— Não foi ruim.
— Hm. Pode acontecer mais do que isso, você pode sentir minhas dores físicas também.
— Isso eu já não sei se quero experimentar.
Rimos.
— Eu imagino que não deve estar sendo muito fácil lidar com tudo isso vindo a tona como um tsunami de informações. Afinal, ter apagado a sua memória, abafado os seus poderes e ocultado o conhecimento de você, não adiantou nada. A profecia tem que se cumprir.
Assenti.
— Eu sei que perdi muita coisa, e estou um pouco chateada com a minha família por isso. Mas entendo o motivo deles. E como não tem mais como chorar pelo leite derramado, vamos ao que interessa. Vamos treinar e encontrar a espada de quatro cores. Vamos matar o rei, e vamos salvar o mundo.
O sorriso de Luciano iluminou tudo. Se havia alguma escuridão dentro de mim, foi vencida pela luz dele.
— É assim que se fala.
[...]
02.04.22
[...]
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