Capítulo 07

A minha noite com Adriel foi ótima. Mas fui pega de supresa quando acordei pela manhã e não o encontrei. Não consigo acreditar que ele simplesmente foi embora.

Peguei o celular e mandei uma mensagem, perguntando se estava tudo bem. E quando olhei a hora no canto da tela, me assustei com o quanto estou atrasada para a faculdade.

--- Mas que merda!

Joguei a coberta para o lado e literalmente saltei da cama. Se tem uma coisa que detesto, é chegar atrasada nos lugares. Tudo bem que estou sempre dormindo nos primeiros horários de aula da faculdade, mas prefiro chegar a tempo de entrar na sala antes da porta ser fechada do que passar o constrangimento de precisar interromper uma aula, isso é o que importa para mim, mesmo não valendo nada.

Se eu achava que não precisava de academia, estou sentindo na pele agora que preciso sim. Correr pela casa está me deixando exausta, e eu consigo perceber o quanto estou sedentária.

E pela segunda vez na manhã, tive uma surpresa. Enquanto corria pelo corredor, em direção ao banheiro, esbarrei em uma pessoa extremamente alta e musculosa. Pessoa essa que não estava esperando ver tão cedo.

--- Qual o seu problema, garota?

--- Natanael? O que está fazendo aqui?

--- É bom te ver também, maninha. Onde estão mamãe e papai?

--- Em algum tipo de viagem a trabalho. O que está fazendo aqui?

O meu irmão mais velho me olhou com uma expressão séria, e isso me deu calafrios. O pensamento de que algo de errado aconteceu tomou conta de mim, e por um momento esqueci de que estou absurdamente atrasada para a faculdade e que ainda estou apenas de sutiã e calcinha.

--- Frans e Priscilla já chegaram? - quis saber, ignorando descaradamente a minha pergunta.

--- Eu acho que não. Eu nem sabia que você estava aqui. Chegou sem avisar e nem nada. Eles também estão vindo pra cá?

--- Sim.

Natanael saiu da minha frente e seguiu em direção a sala, e eu logicamente fui atrás, ansiando por mais informações.

--- O que está rolando? Algum tipo de reunião entre irmãos, a qual ninguém quis me contar? - questionei.

--- Você saberá, assim que Frans e Priscilla chegarem.

--- E você não pode me contar?

--- Não.

--- Por que?

Ele parou de andar e virou-se para me encarar. O seu olhar de impaciência me diverte.

--- Porque eu não vou falar duas vezes. - a sua voz soou tão fria como gelo.

[...]

Eu desisti de ir para a faculdade sem pensar duas vezes. Não tinha mais nada a perder, já que estava atrasada há duas horas. Que mal poderia acontecer se eu perdesse um dia de aula?

O mistério de Natanael mexeu com os meus instintos. A minha curiosidade estava num nível extremamente elevado e eu já tinha perguntado umas mil vezes qual o propósito daquela reunião entre irmãos, e por que eu quase ficaria de fora, já que não fui comunicada de nada. Mas Natanael não abriu o bico, até os meus outros irmãos chegarem.

Priscilla foi quem chegou primeiro, os seus olhos escuros arregalados, demonstrando uma preocupação indescritiva aguçou ainda mais a minha curiosidade. Mas ela também optou por não me dizer nada, o que me irritou um pouco.

E quando Frans chegou, fiquei ansiosa e animada para que acabassem logo com aquele mistério ridículo. Mas o meu irmão simplesmente olhou para mim com uma expressão horrorizada, como se eu estar ali fosse um pecado.

--- O que está fazendo aqui? Deveria estar na faculdade.

--- Eu resolvi ficar para a reunião. - falei o que parecia ser o óbvio ao meu ver.

--- E quem disse que você poderia participar?

Eu recebi aquela pergunta como um soco no estômago. A sensação foi de que eu não era bem vinda ali, na reunião organizada pelos meus próprios irmãos, e nem mesmo na presença deles, independente do evento.

Eu tenho plena consciência de que sou a filha menos produtiva, e de que não faço nada de útil para contribuir na edificação desta família. Mas eu não imaginava que seria posta de lado dessa maneira.

--- Eu autorizei a presença dela. - Natanael me defendeu.

--- E por que? Helena é uma irresponsável. Ela não tem condições nenhuma de participar da nossa conversa, devido ao assunto importantíssimo que temos a tratar.

Isso doeu.

--- Independente de qualquer coisa, ela tem o direito de saber.

--- Não agora. É arriscado demais. Você tem noção de que se ela se envolver, poderá colocar tudo a perder?

Ouvi Priscilla suspirar com pesar e fiz o mesmo. As palavras de Frans estão me detonando. Sempre estivemos em pé de guerra, desde a infância, mas agora parece que ele reuniu todas as suas energias para me jogar no fundo do poço.

--- Está pegando pesado. - disse Natanael.

--- Estou sendo sincero.

--- Eu não vim da Austrália para chegar aqui e ver vocês discutindo besteiras. Vamos começar logo. - Priscilla resolveu se pronunciar.

--- Não começo nada, enquanto Helena permanecer aqui. Olha só pra ela.

Eu fiz a grande besteira de olhar para mim mesma, e me dei conta de que ainda continuo de roupas íntimas.

Patética. Sinto-me patética. Diante dos meus irmãos mais velhos, cheios de responsabilidades nas costas, com suas vidas praticamente prontas, eu percebo que realmente sou a vergonha da família, talvez até mesmo um peso.

Porque apesar de ser a mais nova, não sou mais uma criança. Mas não sei explicar o porquê me sinto tão pequena e impontente e frágil. Sinto que ainda não sou capaz de administrar a minha vida sozinha, porquê quando tento fazer isso, tudo dá errado.

Eu queria muito poder colocar a culpa na ausência dos meus pais. Queria poder dizer que a exigência por uma filha perfeita, mas a falta de pais perfeitos me transformou nisso. Mas como resumir tudo nessa desculpa, se os meus irmãos passaram pelo o mesmo que eu, porém conseguiram seguir suas vidas e construir seus castelos com as pedras que foram postas em seus caminhos?

Eu consigo compreender que a única fracassada aqui sou eu. A única que não tem um propósito de vida e não sabe o que fazer e nem para onde ir. A única que não conseguiu criar metas e objetivos para tentar alcançar. A única que só está aqui ocupando um espaço no mundo e talvez até tomando o lugar de alguém, um alguém que talvez soubesse o que quer.

--- Frans tem razão. Já estou me retirando, para que... Nada.

Suspirei e me afastei deles.

--- Não precisa sair, Helena, Frans é um...

Natanael começou a falar, mas eu interrompi.

--- Façam a reunião idiota de vocês, eu não me importo.

[...]

Eu fugi. Como sempre fiz quando as coisas começam a perder o controle e eu não consigo dar conta.

Fugi para o único lugar que sinto um pouco de paz; uma praça que fica escondida por umas árvores, à alguns metros da minha casa. Ela está praticamente abandonada, pois quase ninguém vem aqui. E eu gosto do silêncio e da calmaria.

Este lugar me faz refletir. A ausência de pessoas o fez florescer, e é a mais bela das imagens para mim. Consigo lembrar da minha infância, quando eu vinha quase todos os dias para montar um jardim, o que deu muito certo. Eu lembro que vivia brigando quando passava alguém apenas para arrancar uma flor, que eu sabia que logo morreria e não serviria para mais nada. Agora o jardim que eu criei e tanto defendi está mais belo do que nunca. Precisando capinar, mas sem deixar de transmitir beleza.

Talvez essa tenha sido a única coisa boa e bonita que eu tenha feito em toda a minha vida.

Talvez eu fizesse um bem maior para a humanidade, não existindo.

Talvez...

--- Oi, Helena.

O gritinho que saiu por entre os meus lábios foi inevitável. Tamanha era a minha distração, eu não esperava que aparecesse alguém assim do nada.

--- Nossa, quase que eu tenho um treco agora. - falei com a mão no peito.

--- Desculpa, eu não queria assustar você. Está tudo bem? - perguntou com um tom preocupado na voz.

--- Está sim, e com você?

--- Estou bem. Mas não minta para mim.

--- Como assim?

--- Eu não acreditaria se me dissesse que essas lágrimas são de emoção por perceber que o seu jardim continua intacto.

Pisquei os olhos e dei uma fungada. Que droga, quando eu comecei a chorar?

--- Não se preocupe, eu estou bem. - enxuguei o meu rosto com as costas da mão.

--- Posso sentar com você?

--- Claro.

Aquele homem ruivo, o qual eu já amei tanto, fez questão de sentar ao meu lado no banco, mesmo depois de eu ter sido horrível com ele. E isso me causa uma dor no peito tão forte, que volto a chorar, e dessa fez como se a atitude dele fosse uma faca sendo enterrada no meu coração, lentamente.

Luciano me abraçou, e eu permiti que ele fizesse carinho na minha cabeça. Permiti que ele me consolasse. E quando fechei os olhos, tive aquela mesma sensação de quando estava beijando Adriel.

Fui transportada para um lugar escuro, úmido e fétido.

Uma risada soou atrás de mim e eu me virei assustada. Aquele mesmo homem com um machado nas mãos. O seu sorriso é macabro e o seu olhar é tenebroso.

--- Olá, Helena.

[...]

19 · 02 · 22

[...]
















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