--- Helena Cardoso. Helena Cardoso dos Santos! HELENA CARDOSO DOS SANTOS!

Como se a minha alma tivesse saído do corpo e voltado de repente, abri os olhos. Percebi que a minha cabeça estava encostada na janela e logo consertei a minha postura. Os olhos do professor Raimundo me analisam por cima dos óculos redondos de grau. E ele não parece nada feliz.

--- Presente, professor. - falei como se não tivesse acabado de sair de um profundo sono durante uma aula importantíssima de...

--- Não é chamada, Helena. Cadê a pesquisa que passei na semana passada, para entregar hoje?

Aula importantíssima de anatomia.

--- Eu... Espera, está aqui.

É claro que eu fiz essa pesquisa, eu sou uma aluna exemplar, que sempre cumpre com as obrigações estudantis. Já ganhei várias olimpíadas de matemática, além de sempre ter ficado em primeiro lugar nas feiras de ciências com minhas apresentações fantásticas e experimentos surpreendentes. Também tenho medalhas de ouro que ganhei nas competições de soletração.

Mas tudo isso foi do ensino fundamental ao ensino médio, e não, eu não consigo encontrar a maldita pesquisa na mochila, nem mesmo o meu caderno está aqui.

--- Não temos o dia todo, Helena. - disse o professor.

--- Eu jurava que estava aqui, mas infelizmente esqueci o caderno em casa. Mas eu fiz essa pesquisa. Posso trazer na próxima aula?

--- Não, você teve uma semana inteira, não posso disponibilizar outra, até porquê na próxima vou passar uma avaliação.

--- Ah, tudo bem então.

--- Lucas Nascimento.

Observei o meu colega ir até a mesa do professor com o caderno em mãos e senti a dor do arrependimento cair sobre mim. Posso lembrar que no início do semestre eu era mais responsável. Entregava todas as atividades, fazia todos os trabalhos e me empenhava em cada apresentação. Mas tudo isso mudou de repente, quando conheci ele.

Adriel Carvalho de Sousa.

O motivo de minhas noites más dormidas, de minha má alimentação, e de minha falta de foco.

Foi por conta dele que não fiz essa pesquisa, que lembro que vale uma nota significativa. Passei todos os dias da semana com ele, me divertindo como se não houvesse amanhã. E traindo o meu atual namorado, Luciano.

Droga.

[...]

No final das aulas, saí apressada da faculdade. Marquei um encontro em um restaurante com Luciano. Ele tem se queixado por não ter me visto em nenhum dia da semana passada. Para ser sincera, estou me forçando para ir ver ele, pois toda vez que olho para seu rosto, sinto culpa e vergonha, pelo o que estou fazendo com ele.

Não é um problema tão difícil de resolver. É só terminar e pronto. Mas algo dentro de mim ainda sente a necessidade de mante-lo por perto. Sinto-me horrível por fazer isso, porém não consigo simplesmente cortar os laços e deixa-lo ir embora. Não estou preparada para isso.

Por outro lado, também não consigo deixar Adriel, e voltar a ser uma namorada fiel.

[...]

Luciano é um homem bonito. Seu cabelo ruivo realça os seus olhos cor de mel. Ele é alto e forte, e tem a pele bronzeada. Os óculos de grau são um charme.

--- O que foi? - perguntou ele, repousando as mãos sobre a mesa.

--- Nada, por quê?

--- Está me olhando de um jeito.

--- Que jeito?

--- Como se estivesse me analisando.

--- Ah. - sorri --- E eu estou.

--- Por que?

--- Fico me perguntando o que eu fiz para merecer uma pessoa tão maravilhosa como você.

Ele sorriu e abaixou a cabeça, tímido.

--- Ora, não seja modesta. Você é uma mulher incrível. É gentil, amorosa, verdadeira, e é linda.

Quem é essa pessoa que ele está descrevendo? Não sou nada disso.

--- É você quem está sendo gentil agora.

--- Só estou falando a verdade. - olhou para mim --- Eu amo esse teu jeito de ser. Eu amo você.

--- Eu também.

As palavras saem de um jeito tão automático, que nem parecem reais. Um dia, creio eu, que já foram sim. Mas não consigo dizer quando foi que um eu te amo perdeu o significado quando se trata de mim e Luciano. Eu simplesmente não sinto mais o mesmo de tempos atrás.

Mas por quê eu simplesmente não dou um basta nisso?

--- Você pode ir lá em casa hoje? Quero fazer um jantar pra gente.

--- Vai cozinhar?

Eu adoro a comida dele.

--- Vou sim. Vi uma receita na internet e quero muito reproduzir, tomara que dê certo.

--- Claro que vai, você é muito bom na cozinha.

--- Obrigado. Mas e então, pode ir?

Poder, posso, mas...

--- Eu não sei, tem tanta coisa pra fazer. Coisas da faculdade.

Mas adoro inventar desculpas para não ficar sozinha com ele num mesmo ambiente. Porque toda vez que a gente se beija, é em Adriel que penso. E toda vez que a gente transa, é do corpo de Adriel que sinto falta.

--- Por favor, estou com saudades. Nos vemos tão pouco ultimamente. Sei que está focada em seus estudos, mas posso te ajudar com isso. Podemos estudar juntos.

Droga. Se eu passar mais uma semana afastada, ele vai começar a estranhar. Não faço nada, além da faculdade, ou pelo menos é a única coisa que deveria fazer. Os meus pais pagam tudo pra mim, e eu não preciso trabalhar. Tudo o que querem de mim são boas notas, coisa que tenho deixado muito a desejar. Luciano não vai acreditar que todo o tempo que tenho, dedico somente aos estudos.

--- Tudo bem, eu vou. Estou curiosa para saber o que vai aprontar na cozinha dessa vez.

O sorriso dele iluminou tudo. É quase possível tocar na alegria que emana dele. E isso acaba me distraindo por um momento.

--- Muito obrigado, prometo não decepcionar.

--- Eu sei que não vai.

Ele nunca decepciona.

[...]

Em casa, pude respirar melhor. Na minha cama, fiquei deitada por uns minutos, olhando para o teto.

As vezes paro e penso "o que estou fazendo da minha vida?"

Eu sei que sou uma pessoa horrível por muitas coisas que ando fazendo. Para uma mulher de 23 anos, me sinto infantil as vezes. Enquanto muitos jovens da minha idade lutam por sua independência, ou por um futuro melhor, eu sou uma dondoca, filhinha de papai, que sempre teve tudo desde sempre, e que não consegue administrar um relacionamento.

Os meus 3 irmãos mais velhos já tem suas vidas feitas. Dois casaram e uma está morando no exterior e namorando um gringo. Eu sou a única que não fiz nada na minha vida, e finjo que estou focada numa faculdade que nem queria fazer. Fisioterapia foi escolha dos meus pais.

"Boa tarde, princesa. Vem pra cá hoje?"

Esse tipo de mensagem acaba comigo.

"Adoraria, mas já tenho compromisso. Sinto muito."

"Tranquilo"

Ele nem se importa. Provavelmente deve procurar outra mulher para colocar em meu lugar e se divertir. Como um homem solteiro, não há nada que impeça. Eu não tenho nem o direito de sentir ciúmes. Adriel não é o tipo de cara que toleraria ciúmes meus, ainda mais por já ter me pedido em namoro 3 vezes e eu neguei, por já ter um namorado, e ter dito que com ele é apenas sexo.

Infelizmente pra mim não é mais... Apenas sexo.

[...]

09 · 02 · 22

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