|Capítulo 9|
— Tiago. Ei! — chamei baixinho. — Já dormiu?
Ele estava deitado em um colchão no chão, perto da minha escrivaninha. Seus olhos estavam fechados, imaginei que talvez não estivesse em sono profundo ainda, e estava certa, pois não demorou a afastar as pálpebras. O cenho estava franzido, como se estivesse irritado.
— Que é? – perguntou, sonolento.
— O que você acha que vai acontecer quando esse ano acabar... e eu me formar?
— Ãh?! — redarguiu, sem entender.
— Nada. — Puxei a coberta e apertei os olhos com força, fugindo dos pensamentos que me tomavam.
Depois de alguns segundos, escutei o barulho da capa plástica do colchão se esticando e se comprimindo, depois senti os passos suaves que se findaram ao peso que foi exercido sobre minha cama, afundando as molas com cuidado.
— Do que exatamente você tem medo? — perguntou, puxando meu cobertor com cuidado.
Eu abri os olhos devagar e a figura cansada de Tiago se revelou em minha frente, estava sentado, com uma das pernas sobre a cama.
— Não sei. De tudo, ou de nada. Depende do ponto de vista. Minha mãe quer me mandar pra São Paulo, ou para a UFRJ, mas eu não quero, Tiago. Eu quero ficar aqui. Com eles, com você, com o mala do Edu.
— Não pode se prender assim, Eva. Nós temos as nossas vidas, você tem a sua. Seu irmão trabalha, eu também, seus pais você bem sabe. Precisa ter o seu caminho, e não é com a gente segurando suas asas — disse e se ajeitou no colchão. — A gente ama você. Vamos sempre estar aqui.
— Eu sei, é que — Me sentei e esfreguei as mãos no rosto —, eu me sinto tão segura com vocês aqui. Vocês me completam... Você principalmente — falei, em um tom mais baixo.
— E você acha que morando longe vai ser diferente? — Pôs a mão direita sobre a minha. — Claro que não, Eva.
— Então você não se importa se eu for embora? — questionei.
— Lógico que eu me importo. — Riu. — Você tem que parar com essa mania feia de distorcer o que eu digo.
— Nunca fiz isso — falei e ri também. — Desculpa te fazer levantar por bobagem. Se nossa vida fosse um livro, essa seria a parte que o leitor acharia sem sentido e provavelmente as editoras cortariam do roteiro — brinquei. — Obrigada... Você quebra um galho legal quando o Edu some. — Dei dois tapas de leve em sua mão e ele cruzou os braços.
— Então é isso que eu sou, um quebra galho. Vejamos a que ponto eu cheguei. — Fingiu indignação e pôs dois dedos na testa. — Agora eu vou dormir, trabalhei feito condenado hoje, e amanhã temos que levantar cedo.
— Mas amanhã é sábado.
— É. E eu vou te levar a um lugar.
Manhã do dia seguinte
— Êpa! — Eduardo gritou abrindo a porta do quarto e colocando meio corpo para dentro. — Passarinho que não deve nada a ninguém já 'tá cantando.
— Cala a boca, Edu! — Enfiei o travesseiro em meu rosto e continuei deitada.
— Beleza, irmão? — Eduardo deu um assobio.
— E aí? Tranquilo?
Nunca entendi esse tipo de cumprimento feito dois selvagens. Afinal, eles não respondiam as próprias perguntas, e mesmo assim não havia necessidade de dizer se estava tudo "beleza" ou "tranquilo".
— Comprei pão, traz a cria da costela aí pra comer senão ela não desce — falou, deu um tapa na parede perto do interruptor e ouvi os passos dele descendo as escadas.
Estava com muito sono, dormi mal, o que me confortava era acordar e saber que Tiago estava ali comigo. De certa forma, me sentia segura com ele por perto, era como se ele me protegesse do bicho papão que habitava no meu próprio subconsciente e me sabotava a todo momento.
— Levanta, Luna! — meu amigo chamou, sua voz estava um tanto rouca por causa do sono que tentava esconder.
Respirei fundo, ainda afogada no travesseiro, depois o joguei para o lado e olhei para o teto.
— Espero que tenha esquecido aquela coisa de me levar não sei onde. Eu tô um caco.
— Então vai colar seus pedacinhos e levantar daí agora já! — disse. — Vou lavar meu rosto, espero você lá embaixo.
Demorou mais de dez minutos para que o download de Evaluna baixasse completamente na minha cabeça. Sentia meu corpo pesado, uma sensação de cansaço e esgotação mental que acabava com o meu ânimo, ou melhor, nem o deixava aparecer. Estiquei minhas pernas para baixo e os braços para cima, antes de dar um salto e me sentar na cama, pondo os pés no chão frio. Meus dedos ainda dormentes tatearam o piso em busca do par de chinelos, até que o encontraram do lado direito. Olhei para o relógio, era sete e meia da manhã. SETE E MEIA!
— Não mata ele, Eva. Você ama seu irmão — sussurrei enquanto esfregava os olhos.
— EVA!
— JÁ VAI, INFERNO! — gritei de volta.
Meu humor, excepcionalmente aquele dia, estava terrível.
Fui até o banheiro, passei os dedos nos fios do meu cabelo para desembaraçá-los e banhei meus olhos em água gelada para espantar o sono. Desci até a cozinha e meu irmão estava sentado à mesa, na cabeceira. Tiago estava terminando de colocar algumas xícaras sobre o tampo de mármore.
— Eduardo tem uma novidade, Eva — Tiago disse enquanto puxava uma cadeira para se sentar.
Fiz o mesmo e cruzei os braços sobre a mesa, meu irmão estava com a boca cheia.
— Largou a bebida? — perguntei com a testa contraída, ainda expressando muito sono com meus trejeitos.
— Eu... — Ele bebeu um gole de café e bateu no peito enquanto o pão descia garganta abaixo. — Pedi a Joyce em namoro.
— Aí depois você acordou.
— 'Tô falando sério, Eva.
— Se você diz — respondi e estiquei minha mão para abrir a sacola de pães. — Só não vai fazer burrada — adverti com a faca de serra adentrando um dos gordinhos e pálidos pães franceses.
— Chamei ela pra almoçar com a gente amanhã.
Foi impossível conter minha feição de asco.
— Eduardo, amanhã é domingo.
— Melhor ainda. A gente vai ter a manhã inteira pra preparar algo legal.
— Namorada é tua, problema é teu — falei.
— Eu posso vir pra cá, ajudo vocês com o almoço em família.
— Que família?
— Eva, colabora! — Eduardo retorquiu.
— Estou colaborando, eu só acho meio chato ter que tratar como "maninha" uma pessoa que eu não conheço e não sei até quando vai frequentar minha casa, por motivos de meu irmão não parar com ninguém. — Dei um sorriso forçado.
— Vou lá ver como 'tá o pneu do carro — disse Tiago, levantando-se e batendo as mãos nas calças. — Você vai trocar de roupa pra gente sair daqui a pouco. — Apontou para mim, deu uma piscadela e estalou a língua no canto da boca.
Revirei os olhos e esperei que saísse. O silêncio tomou conta da mesa, eu não estava em um estado de humor muito bom para ter a notícia de que em breve outra pessoa estaria ali no meu cantinho. Meus finais de semana em casa sozinha seriam o final de semana com Eduardo e a namorada. Logo seria Eduardo e a namorada, Tiago e a namorada, Eva... um balde de pipoca e uma garrafa de kisuco.
— Vou lá pra cima me trocar — falei.
— Tá bem — meu irmão respondeu, um tanto sem graça.
Talvez eu não houvesse me expressado da melhor maneira, mas tudo bem. Depois eu explicaria com calma tudo o que estava na minha cabeça naquele momento.
Assim que me arrumei, fui até a saída e Tiago já estava me esperando com o carro ligado. O que era bom, eu não iria precisar empurrar.
Meu amigo não quis me contar para onde estávamos indo, seria uma surpresa. Nunca gostei, mas decidi não retrucar. Talvez já tivesse magoado gente demais desde o minuto em que acordei.
Quando ele parou o carro em um estacionamento aberto da cidade, que eu conhecia, mas não frequentava muito, comecei a entender. Descemos do carro, ele não disse uma palavra até que estivéssemos na entrada. Era um portal com algumas luzes de néon e uma bilheteria.
— O Geraldo tá aí? — Tiago perguntou à moça que estava varrendo o chão, atrás do balcão.
— Você é o...?
— Tiago.
— Ah, ele estava esperando você. Precisou ir ali na rua de trás pegar uma coisa com um rapaz, mas já está voltando. Pode entrar e esperar lá. — Ela sorriu e voltou a prestar atenção na vassoura.
Tiago me encarou com um olhar suspeito, depois passamos pelas cortinas pretas e tivemos visão do salão de shows, vazio, com as luzes brancas ligadas.
— Bacana aqui, não é?
— Muito — respondi. — Faz tempo que não venho. Na verdade, nunca estive aqui de dia.
— Eu consegui uma apresentação pra Triple Tuning... Sábado que vem.
— Mentira!!! — Olhei para ele e abri meus braços, oferecendo um abraço de felicitação. — Isso é perfeito! — Me soltei de seu corpo e voltei a encará-lo, com as mãos nas dele.
— Não quero contar para o Edu e o Douglas ainda. Quis mostrar pra você primeiro.
— Eles vão amar a notícia — respondi. — O Edu principalmente.
— Por falar nele. Como você está com a notícia? — perguntou.
— Bem. Eu só... Sei lá. É muito complicado, Tiago. Eu vejo muito o meu pai no Eduardo. Mas eu sei que se ele firmar compromisso com alguém, não vou ser mais prioridade dele. Isso é egoísta, eu sei, mas me assusta.
— Olha, Eva. Tudo acontece por um motivo. O Eduardo está querendo alguém pra dividir a vida dele. Uma coisa que daqui um tempo você também vai querer, e eu espero sinceramente que...
— Meu garoto!!! — Ouvimos uma voz do outro lado.
— Geraldo. — Tiago se virou para ele, soltando minhas mãos.
Preferi que fosse assim, eu não queria que fosse mais um momento constrangedor em que ele me dissesse coisas sobre o futuro. Provavelmente como eu encontraria um rapaz em um banco de praça e me apaixonaria. Eu não queria ser lembrada do óbvio.
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