|Capítulo 6|
— Eu... Eu queria d... — Fui interrompida pelo toque do meu celular. O peguei com pressa e atendi. — Oi.
— Oi, Eva. Liguei pra avisar que cheguei bem. E pra saber se você 'tá bem.
— Não faz nem dez minutos que você saiu daqui, Tiago — comentei.
— Queria chegar rápido em casa. Fiquei preocupado contigo.
— Não precisa. O Edu 'tá aqui — falei e olhei para o meu irmão.
— Amanhã faz o que eu te falei. Se arruma e me espera que eu vou te buscar.
— Está bem.
Eu estava cansada de retrucar. Sabia que não adiantaria de nada, então eu achei melhor não prolongar o assunto. Além do mais, Eduardo estava ao meu lado e iria querer esclarecimentos. E naquele exato instante eu desisti de dá-los.
— Boa noite, Luna.
— Faz tempo que não me chama assim. — Ri.
— Eu te chamava assim quando nos conhecemos.
— É. — Suspirei, relembrando de quando nossa amizade começara. Uma sensação nostálgica me acometeu. — Boa noite, Tiago.
Desliguei a chamada e meu irmão estava me encarando de soslaio.
— Eva...
— Eu.
— Deixa. — Sacudiu a cabeça. — Me conta, como foi lá com a canguru sorridente e o filho de Aristóteles?
— Hã? Aristóteles era filósofo.
— Que seja, o cara lá. — Balançou as mãos.
— Foi legal. Quer dizer. Foi bom pro Tiago, então eu fico feliz
— Você é trouxa demais — afirmou sem cerimônias.
— Eduardo! — O repreendi. — Eu sou uma boa amiga. Faria o mesmo por você.
— E eu lá preciso da sua ajuda, testa-de-nós-todos? — Ele deu um tapa de leve entre os fios da minha franja e eu revidei torcendo seu braço para trás.
— Ai, ai, ai, Eva! 'Tá doendo.
O soltei e nós dois gargalhamos. Meu irmão era o meu refúgio. Eu não demonstrava muito com palavras, mas agradecia a Deus todos os dias por meus pais não terem usado proteção antes de se casarem e, por consequência, darem a luz a Eduardo.
Ele sempre foi meu porto seguro, meu pé no chão. Mesmo se estivéssemos no mesmo cômodo e não conversássemos, saber que ele estava perto de mim me deixava mais segura. Eduardo tinha lá seus defeitos de juventude. Gostava de sair com algumas pessoas que eu reprovava, namorava umas moças que eu não curtia e afundava a cara na cerveja quando se magoava. Era um rebelde enclausurado, mas era o meu rebelde.
— Quer ver um filme? — perguntou.
— Vou dormir. Amanhã tenho que ir cedo para o colégio e depois vou direto pro lar das crianças, temos que fazer o penúltimo ensaio antes da apresentação. — Coloquei as mãos nas orelhas, puxei os brincos que usava e os deixei sobre o criado-mudo.
— Amanhã à noite vou dar uma volta — falou meio sem jeito.
— Aline? Júlia? Débora?
— Joyce.
— Ah, claro. Joyce — repeti em tom de deboche e ele me encarou com os olhos semicerrados. — Se você se iludir outra vez eu vou socar a sua cara.
— Não vou me iludir. Eu quero só curtir agora — respondeu se levantando, enquanto eu retirava meu relógio de pulso.
— Não dou duas semanas para estar enchendo a cara de corote.
— Eu, hein? Eu lá bebo isso aí? Me respeita — brincou.
— Sério, Edu. Toma cuidado — falei e puxei meu edredom para sobre meu corpo, tombando as costas nos travesseiros fofos. — Eu não gosto de te ver magoado depois.
Ele se aproximou do interruptor, apagou a luz e respondeu:
— Vou tomar, esposa de Adão.
— Cala a boca! — Joguei um dos meus ursos de pelúcia nele que se esquivou e depois gritou um "dorme com Deus" enquanto descia as escadas.
Meus olhos estavam inchados e meus cabelos encharcados molhavam o uniforme amarelado estupidamente horroroso. Eu estava encarando a folha com as respostas da lição de matemática enquanto devorava um pedaço de pizza fria que antes estava jogada na geladeira. Escutei a porta da sala abrir e depois de alguns passos ecoarem corredor adentro, lá estava ele.
— Bom dia, Edu.
— Comprei pão, não esperou o café? — comentou enquanto jogava a sacola de papel sobre a mesa.
— Não tive tempo — respondi com uma das bochechas cheias. — Daqui a pouco 'tô indo.
— Ainda é cedo. — Ele olhou para o relógio com desenho de galinhas, sobre a geladeira.
— É que eu vou com o Tiago. — Enfiei o último pedaço de pizza na boca e completei com pressa. — Ele entra no trabalho daqui a pouco.
— Ah, 'tá. — Eduardo parecia desconfiado.
Terminei de engolir a pizza fria, guardei o papel na mochila e peguei meu celular que estava ao lado do prato. Neste exato instante ouvi a buzina de Tiago do lado de fora.
— Lava pra mim. — Apontei o recipiente sobre a mesa. — Te amo. — Dei um beijo na bochecha de Eduardo e saí correndo, tropeçando em meus próprios pés entre os móveis da casa.
Nunca fui a pessoa mais coordenada.
Toda aquela minha pressa e o bom humor que poderia existir em mim se desfizeram quando abri a porta. Senti a comida revirar no meu estômago e depois minhas pernas bambearam.
— Bom dia, menina. — Ele estava lá, parado na cerca como um abutre.
— Oi. — Tentei não parecer tão incomodada ou amedrontada mas foi impossível. Corri até o carro de Tiago agarrada à bolsa em meus braços como se, com ela, fosse possível me defender de alguma forma.
Abri a porta do automóvel e me joguei no banco do carona. Eu respirava ofegante e minhas mãos tremiam. Eu sabia que estava pálida, mesmo sem ver meu reflexo. Meu melhor amigo estava verificando alguns documentos em sua carteira, por conta disso não percebeu o que acabara de acontecer.
— Eva, o que foi? — questionou ao ver o meu estado.
Não respondi. Edilson já estava passando dos limites. Não foi um simples "bom dia", eu o vi olhar para o meu corpo como se fosse me atacar a qualquer momento, não era paranoia. O sorriso malicioso e a sua linguagem corporal diziam explicitamente suas intenções. Foi a primeira vez que eu realmente senti nojo ao encará-lo.
Tiago olhou para os lados e viu o homem parado na cerca, olhando algumas flores que a sobrinha dele plantava no jardim quando o visitava com a família.
— Ele falou alguma coisa? Anda, Eva, me diz!
— Na-nada. — Gaguejei de nervoso. — Foi só um bom dia. — Expirei com força.
— Eva, não mente pra mim.
— A gente pode ir, por favor? — pedi impaciente. Ele o fez.
Não me disse mais nada além de um "você precisa me contar tudo e parar de me esconder as coisas", que eu ignorei.
Não queria discutir. Eu queria esquecer. Ele me deixou no colégio e voltou para o trabalho, pois já estava no limite máximo do horário. Eu peguei minhas coisas e entrei no portão principal. Estava perdida nos meus pensamentos mais trágicos quando senti alguém me puxar pelo braço.
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