|Capítulo 4|

Pense em uma situação completamente tediosa, pensou? Agora adicione nesta cena um professor de meia idade e fala arrastada explicando como se calcula a hipotenusa, e aí? Ruim? Mas espere, agora adicione um fundo musical em harpa com apenas três notas que se repetem e repetem e repetem e repetem... Sucessivamente, sem parar.

Era exatamente esse o sentimento que eu tinha enquanto estava sentada na mesa do pub, na companhia de Tiago, Leda e Marco. O rapaz não parava de falar sobre cálculos e fórmulas, Leda e meu melhor amigo conversavam entre si, já que estavam mais próximos — ao menos uma coisa boa — e eu estava fadada a ouvir horas e horas de assuntos que eu não fazia a mínima ideia, só para ajudar Tiago a ser feliz.

"Eu espero que ele me pague um lanche muito bom amanhã como recompensa por esse martírio" pensava, com as bochechas escoradas nas mãos e os cotovelos na mesa de madeira envernizada.

— Eu amo as músicas do Luan — disse a mocinha.

Eu sabia que Tiago detestava Luan Santana.

— Nossa, que massa, Leda. Eu também curto — falou ele, como se fosse verdade. Creio que deve ter feito aulas de teatro junto de Eduardo, é a única explicação.

— Você gosta, Eva? — perguntou Leda, virando-se para mim e cortando o irmão que estava pronto para me contar sobre sua aventura no acampamento de matemáticos.

— De quê? Luan Santana? — Ajeitei a postura. — Digamos que não sou uma grande fã. Eu prefiro Three Days Grace.

Tiago coçou o canto da boca e olhou para baixo com um sorrisinho. Era a banda favorita dele.

— Quem é esse? — questiono, e eu me segurei para não revirar os olhos.

— É uma banda de rock. Quando chegar em casa eu te mando umas músicas deles por WhatsApp — respondi da maneira mais adorável possível.

— Legal — ela disse. Depois, bebeu um gole do seu suco de morango e olhou para o irmão, enfim calado. — Quer ir embora, Marco?

— Estou com um pouco de sono, mesmo — respondeu ele antes de bocejar mostrando todos os dentes e suas obturações.

"Glória!"

— Eu levo vocês em casa, depois deixo a Eva — disse Tiago, pegando a carteira para pagar a conta.

— Não precisa. — Marco, neste momento, guardava o celular no bolso da calça jeans. — A minha mãe mandou mensagem, disse que eles saíram agora há pouco do restaurante, a gente pega uma carona, é no caminho aqui. — Apontou para a rua com um gesto espalhafatoso.

— Beleza, então. Vou pagar e a gente se acompanha até a saída. Já volto. — Meu amigo se levantou e foi até o balcão.

Eu e Leda nos entreolhamos, ela nunca deixava de sorrir. Como conseguia?

Assim que Tiago retornou, nós três nos levantamos, juntamo-nos a ele e saímos nos esquivando do restante das pessoas. O lado de fora estava mais abafado, Pradópolis nunca fora uma cidade muito fresca, as noites eram bem acaloradas e não era no bom sentido. Alguns carros paravam em frente ao estabelecimento, outras pessoas entravam a pé, nós decidimos ficar ao lado do carro de Tiago — que não era um modelo muito moderno e atraente — aguardando que Joaquim e Tereza chegassem. Não demorou muito para que aparecessem.

O automóvel seminovo parou devagar no acostamento.

— Oi, Eva — disse dona Tereza, abrindo a porta do carro preto. Ela era antiga conhecida da minha mãe, das épocas que as duas lecionavam na mesma escola especial para idosos que não terminaram os estudos. — Cadê o Eduardo?

— Ficou em casa, tinha umas coisas pra fazer — respondi.

— Saudade da tua mãe, depois que virou guia, nunca mais a vi — comentou.

Eu apenas dei um sorriso, não era o tipo de assunto que eu gostava muito de comentar.

Leda e Tiago se despediram com um abraço, para minha pessoa apenas abanou os dedos de forma empolgada. Ela e o irmão entraram no carro dos pais e, depois de se despedir de nós, Tereza fez mesmo. Joaquim deu duas buzinadas antes de engatar a marcha e seguir o caminho. Eu os observei dobrar a esquina e enfim olhei para meu melhor amigo. Seus cabelos já mais compridos pela falta de corte no último mês, sacodiam contra o vento que embatia em nossas faces naquele momento. Parecia que iria chover.

— Luan Santana, é?

— Para de palhaçada — retorquiu e estalou a língua no céu da boca. — Vamos embora.

Tiago remexeu nos bolsos da jaqueta e da calça até achar as chaves do carro, assim que o fez, eu abri a porta do carona e me sentei. Quando meu amigo bateu a porta e pôs o cinto, desembaçou o vidro com um pedaço de camisa que ficava no painel e em seguida girou a chave na ignição. Foi preciso mais de uma tentativa para que o veículo desse o ar de sua magnânima graça e se movesse em direção à saída do bairro.

— O que vocês falaram? Ela deu algum sinal? — perguntei, pois não havia escutado a maior parte da conversa dos dois.

— Ah, nada de muito novo. Ela me chamou pra ir jantar na casa dela qualquer dia desses, mas foi só isso.

— Só?! — Perguntei retoricamente. — Isso é um feito e tanto, pode ir tratando de me agradecer. Eu me sacrifiquei por esse jantar, faça valer a pena.

— Se sacrificou? — Riu.

— Foi um inferno. Nunca mais me ofereço pra esse tipo de coisa. Espero que aproveite bem o jantar com ela e toda a patota porque eu não saio mais com ela e aquele bisonho daquele irmão dela. NUNCA MAIS, SENHOR TIAGO!

— Eu não pedi. — Ele deu de ombros e eu dei um tapa em seu braço. — Cuidado, Evaluna. Não distraia o motorista.

— Um motorista muito ingrato, não se esqueça. — Cruzei os braços e olhei para frente outra vez.

O barulho um tanto alto do motor preencheu o silêncio que se instalou e meu amigo pigarreou. Parecia incomodado e não era com o encontro ou com a minha presença.

— Eva — começou —, você 'tá bem?

— E-eu? — questionei confusa. Não entendi o motivo da pergunta. — Estou bem, sim.

— Senti você meio triste durante o ensaio. Ficou olhando o celular toda hora.

— É saudade dos meus pais — falei. — Já tem quase dois meses que não nos vemos, essa época é meio complicada pra mim, mesmo — completei.

— Não é só isso — afirmou e me olhou de soslaio. — Ele está enchendo você outra vez?

— Na-não, Tiago. Claro que não — gaguejei.

— Você mente mal. Eu já disse que não é pra esconder esse assunto de mim.

Esfreguei minhas mãos sobre as coxas, inquieta. Tiago tinha razão em suas desconfianças, eu só não queria falar sobre aquilo, não com ele, não naquele momento.

— Amanhã a gente conversa sobre isso — retorqui.

— Só me fala, o Edilson tem mexido contigo?

Eu o encarei com a face queimando tanto que eu podia sentir todos os meus poros.

— Uhum — murmurei e abaixei a cabeça.

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