|Capítulo 10|

Domingo não era lá o meu dia favorito da semana, mas tinha suas vantagens. Eu amava acordar tarde, fazer nada e comer brigadeiro no fim da noite. Não era o caso daquele.

— Eva, tira o frango do congelador pra mim! — gritou Eduardo enquanto passava o aspirador de pó na sala.

— Ivi tiri i fringui di congilidir pri mim pi-pi-pi-pó-pó-pó — murmurei entre os dentes, me levantando da cadeira. — Como se a namorada fosse minha. Que saco!

Tiago avisou que chegaria mais tarde, sua mãe havia pedido ajuda para alguns serviços em casa, e eu jamais faria o meu melhor amigo abandonar a mãe por nossa causa.

A caminho da geladeira, olhei para a tabela de tarefas pendurada na porta do armário. Senti que faltava algo, então estreitei as pálpebras e me aproximei do papel.

— Limpar a garagem, já foi. Lavar a varanda, já foi. Compras no mercado, já foi... Pegar os frios no açougue, sexta feira — falei, com uma lentidão considerável nas últimas sílabas. Meus olhos deram uma volta pela cozinha e eu expirei pela boca. — EDUARDO! — berrei.

Os meus passos em fúria tomaram a direção do cômodo onde meu irmão se encontrava. Ele estava de cócoras, limpando o tapete.

— O que foi?

— Foi que você me pediu para tirar o frango da geladeira.

— E?!

— Que frango, Eduardo? — questionei com as mãos na cintura. — Você foi no açougue?

— Era minha vez?

— Puta que pariu, Eduardo — pronunciei seu nome da maneira que minha mãe faria, se estivesse em casa. Ergui minha mão e pressionei o septo, com os olhos fechados. — Só acontece quando é sua vez.

— Me perdoa. Eu esqueci.

— Eu não ligo pra carne, Eduardo. Como o que tiver. Eu quero ver o que você vai arrumar para servirmos para a Suelen.

— Joyce.

— Que seja. Já viu a hora? Sabe que, aqui, tudo fecha onze e meia no domingo — recordei.

— Não tem nada? — Ele me encarou, apavorado.

— Não, Edu. Na verdade, tem. Ovo e farinha.

Eduardo sorriu de canto e olhou para mim de forma sugestiva.

— Ah... Não. Nem adianta. Eu não vou pra cozinha hoje. A namorada é sua.

— Mas a sua farofa é a melhor, você tem um segredo que deixa ela uma beleza.

— É Sazon, Eduardo. O segredo é Sazon — expliquei, com as mãos na cintura.

— Eu já tentei, não fica igual — Eduardo se lamentou.

Por mais que eu detestasse a ideia de uma desconhecida almoçar em minha casa em um domingo, tirar a minha paz e me fazer ir para a cozinha no pior dia da semana, não conseguia negar favores ao meu irmão. Ele sempre fazia tudo para me ver bem, seria ingratidão da minha parte não fazer aquilo por ele.

— Está bem. — Pressionei os lábios. — Mas, essa semana, você vai lavar a louça todos os dias.

— Eu não almoço em casa.

— Deixei de saber. Se vire. — Abanei as mãos, deixando meu irmão plantado na sala.

Enquanto pegava os ingredientes no armário, escutei a buzina de Tiago do lado de fora. Como ele já tinha liberdade para entrar, continuei focada na culinária. Não que fosse algo que me desse prazer, ou que eu exercesse com maestria, mas focar na comida me libertava de alguns pensamentos que às vezes iam e vinham sem avisar. Pensamentos ruins. Enquanto os meninos estivessem comigo, eu estava tranquila. Ficar sozinha era o grande problema.

— Ei — disse o meu amigo enquanto entrava na cozinha. — O Edu disse que você está com o cão no couro. — Zombou, antes de me dar um beijo na bochecha.

Eu continuei picando a pimenta sobre a tábua.

— Nada. Eu só fico com ódio porque o Edu arruma os problemas dele e eu que é que tenho que resolver.

Tiago escorou-se na pia, ao meu lado, e cruzou os braços.

— Quer ajuda? — ele perguntou.

Contraí a face e balancei a cabeça em movimentos sutis, puxando os pedacinhos de condimento já bem pequenos com a faca até a borda da tábua. Depois lavei minhas mãos e peguei uma vasilha.

— Você está bem, mesmo?

— Uhm. — Assenti.

— Galera, tô indo buscar a Joyce — Eduardo disse, colocando apenas o pescoço e a cabeça no portal da cozinha. — Já volto.

— Beleza, cara. A gente ajeita tudo aqui — afirmou Tiago.

— Te amo, Eva.

Eu continuei com a cabeça voltada para os alimentos, sem responder nem encará-lo. Ouvi, então, os passos de meu irmão se afastarem e, em seguida, sua saída até a garagem para pegar o carro.

— Essa implicância aí com a moça, algum fundamento?

— Não é implicância, Tiago. Você não entenderia. Não tem irmão — rebati.

— Então me explica — ele pediu.

— É que... — Abandonei tudo sobre a bancada e me aproximei dele. — Enquanto o Eduardo está fora, ficando com as garotas, ninguém interfere aqui em casa. Sabe? Eu gosto da minha rotina. Quando o Eduardo arruma alguma namorada, eu sou obrigada a mudar os meus planos, fingir que gosto de almoços em família com quem não é da minha família, além de ter que dividir a atenção do meu irmão. Tiago, quando o meu pai não está aqui, é o Edu que me sustenta. Eu não quero ficar sozinha — admiti.

— Eu não estou valendo nada, então?

— Não é isso. Você entendeu.

Meu melhor amigo riu.

— Eu acho que... — Tiago se ajeitou no lugar e prosseguiu — você deveria desencanar disso. Todos vão ter que tomar decisões na vida, Eva. Eu já te disse que não deve viver em função de ninguém. Então, por favor, tenta apoiar o Eduardo só um pouco, dessa vez. Se der merda, eu mesmo te ajudo a decepar a cabeça dela — brincou e me estendeu a mão. Eu a segurei. — Eu estou com você aqui.

— Obrigada — sussurrei.

Como a casa da moça não era mais de quatro ruas longe da nossa, meu irmão não demorou a retornar. Eu já havia preparado a refeição, já que não foi um cardápio muito elaborado. Pensando nas palavras de Tiago, moldei meu melhor sorriso no rosto e ergui a cabeça para esperar a minha nova cunhada. É, eu estava preparada. Os passos de Eduardo, seguido de outro par de pés, logo revelaram o casal no corredor.

— Gente — meu irmão chamou a nossa atenção, estávamos de pé, perto da janela —, essa aqui é a Joyce.

Ela passou à frente dele e, primeiramente, caminhou até o meu melhor amigo, estendendo os braços a ele e afagando-o em um abraço muito íntimo para um primeiro contato.

— Prazer, eu sou a Joyce. Você deve ser o cantor.

— É — respondeu Tiago, sem graça.

— E você é a irmã — enfim ela disse, virando-se na minha direção.

— Eva. Eu sou Eva. — Sorri, já preparando o meu psicológico para o abraço apertado que ela me ofereceria, mas ele não aconteceu.

Ela apenas deu um pequeno riso, com a mão sobre a boca.

— Perdão, esse nome sempre me lembra aquela coisa de Jardim do Éden, Adão...

Estava cada vez mais difícil me fazer de simpática naquela situação.

— Eu... Fiz o almoço — pronunciei com dificuldade.

A mocinha ruiva caminhou de volta na direção de meu irmão, então, puxou uma cadeira e se sentou à mesa.

— Estou morta de fome — disse ela. — Eduardo falou que você ia preparar seu melhor prato. Estou ansiosa para provar a famosa farofa da Eva.

— Não fique... — falei, mas Tiago me deu uma leve cutucada pelas costas. — Quer dizer. Eu não sei se é exatamente um prato muito bom. É só ovo e farinha.

— É ótimo — meu irmão interviu.

Nós nos sentamos à mesa e eu imaginei que teria paz. Imaginei...

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