Extra III
🚫 Capítulo com potenciais gatilhos.
Aono Sousuke
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Sufocado, Sousuke inalava o ar gélido e noturno, na esperança que seu pulmão ficasse satisfeito com aquela quantidade de ar. Ele não ousava olhar para trás, o lugar onde os acontecimentos daquela noite pareciam incrédulos o bastante para serem repassados em voz alta. Caminhando sem uma direção certa, o garoto enfiava uma das mãos no bolso à procura do celular; no entanto, seus dedos encontraram uma lembrança daquela noite, que agora estava diante de seus olhos.
Aono Sousuke não odiava Ichikawa Sophie. Tinha muitas opiniões sobre a garota que arrastava centenas de alunos atrás de si, pessoas tolas que sonhavam em serem responsáveis por pagarem o seu latte matinal, mas todas eram voltadas para o modo como a estrela da Hachi se portava. Tudo bem que, um dia após o incidente das tatuagens - ele não entendia o por quê todos se referiam ao ocorrido daquela forma - Sousuke desejou silenciosamente que o latte “acidentalmente” caísse em seu rosto no momento em que uma garota loira e com ares de fã lhe entregava a bebida.
Também não era como se colocasse a culpa pelo vazamento de um segredo seu, na garota. Não se importava com a opinião geral de um bando de idiotas que, com sorte, não veria mais em alguns meses. Tampouco se importou com o sermão que ganhara de seu pai no dia seguinte, que poderia estar ciente das tatuagens a muito tempo - caso se importasse com o filho - e o fato de ter faltado nos dois meses seguintes ao vazamento era único e exclusivamente devido a falta de vontade. O mesmo valia para a volta ao colégio que, mesmo com as insistentes ligações do diretor, não foram suficientes para fazê-lo voltar até que se sentisse disposto a isso.
Ecoando uma risada triste por onde passava, Sousuke analisava a foto reluzente, em partes, devido à iluminação em neon da cabine fotográfica. A outra parte era atribuída a sua parceira de fotografia, e não, ele não estava sendo sarcástico por Sophie estar reluzente da cabeça aos pés, com brilhos e paetês por toda parte daquilo que ela escolheu para vestir. Parecia inacreditável o quanto ele - e qualquer pessoa que estivesse ao lado dela - automaticamente apagava-se em razão do sorriso solar que ela exibia, assim como os tons caramelados dos olhos da garota, parecendo sempre que ela estava imersa em uma chuva de doces confeitados. Sousuke rejeitava plenamente a ideia de tornar-se um seguidor daquela patricinha popular, mas mesmo que quisesse desviar o olhar, algo nela o intimava a manter os olhos na fotografia. Incomodado, o garoto enfiava rapidamente a foto no bolso, recusando-se a acreditar que Ichikawa Sophie ainda era alvo de seus pensamentos mesmo tanto tempo depois de deixá-la naquela festa pouco atrativa, ao lado de um namorado pouco atrativo.
Era estranho atribuir uma causa à repentina aproximação dos dois. Quer dizer, Sophie estava entrando - e muito - na sua vida. Naquele dia, estava decidido a deixar a garota para trás assim que a reconheceu, emaranhada e ofegante embaixo de suas pernas. Com o canto do olho, podia ver que ela não havia o reconhecido - e não poderia esperar menos, ou acreditava que ela realmente se lembrava de cada um que a venerava como uma superstar? E definitivamente, ele não fazia parte disso - e se nunca haviam passado de conhecidos, qual foi o motivo para que ele avisasse sobre o sangue que escorria como um córrego pelo braço dela?
Sousuke estava prestes a entrar no salão de cerimônia, quando algo o fez parar. Ao olhar nos olhos de Sophie, viu a genuinidade de um olhar perdido. Incrédulo, pois a Sophie que conhecia exibia uma confiança gananciosa aonde quer que estivesse. No entanto, naquele momento a garota confiante assemelhava-se a um filhote de gato. E nos próximos que se seguiram, o desmaio, o primeiro tempo de aula e os olhares em sua direção. Por que Ichikawa Sophie estava olhando para ele? E por quê parecia tão compenetrada a continuar olhando?
A garota parecia incomodada com aqueles olhares. Aos olhos de todos, os kanjis cravejados em diamantes faziam-a ser a estrela do colégio, como ela gostava. Mas quando Sousuke olhava para ela, via uma garota de ombros baixos, mordiscando a caneta transbordando nervosismo, e sutilmente, movimentando o pingente de um lado para o outro. Em outro momento, Sophie parecia distraída, os olhos vagos, olhavam para um ponto da paisagem que o fazia duvidar se o foco da garota estava realmente naquilo que olhava. Os dedos ainda continuavam lá, cautelosos e repetitivos, incomodados com algo que deveria ser motivo de suas jogadas cotidianas dos fios de cabelo longos, evidenciando o colar. No entanto, ela parecia querer escondê-lo.
Irritante. Sua opinião sobre a garota não havia mudado, nem mesmo quando ela tentava o convencer do seu gosto pelo colar. Na verdade, Sousuke não entendia por quê estava tão entretido com aquilo. Achava que Kentin e Sophie se mereciam, mas aquela Sophie que insistia em cruzar o seu caminho instigava-o a falar, mesmo quando não deveria.
Misteriosa, cigana, divertida, cativante. Uma garota que ele jurava conhecer, desabrochava-se em mil versões que o traziam para perto, ainda que seu consciente o ordenava a ficar longe. Por quê não foi embora quando teve a chance? Para começo de conversa, porque aceitou ficar? O que era aquele sentimento que irradiava de seu peito, por milissegundos, assim que os cabelos da garota desprenderam-se do penteado e caíram como cascata ao redor do seu corpo? Por quê aceitou dançar com ela? Por quê se sentiu tão motivado a continuar naquele jogo? Por que se sentiu tão sufocado quando Kentin a tirou dos seus braços? Por que estava tendo tantas perguntas relacionadas a uma garota que não era motivo de sua afeição?
— Ei, cara, o que foi? Você está muito distraído.
Piscando os olhos, Sousuke olhava ao redor, se dando conta que havia parado na praça central quando os seus pés desorientados ditavam o caminho que sua mente nebulosa não podia decidir. Balançando a cabeça em negação, o garoto recusava o cigarro que lhe fora oferecido, ficando apenas com a garrafa de cor azul que Nick, o detentor da pergunta, colocava em suas mãos.
— Não é nada. — Tomando um gole longo, Sousuke ignorava a ardência provocada pelo líquido. Sua garganta queimava, mas ele não tinha intenção de parar.
A praça central de Shibuya reunia jovens que, assim como ele, procuravam distrações que os impedissem de encontrar os problemas em casa. Alguns faziam aquilo de forma permanente, outros - ele estava incluso - voltavam para casa apenas para serem acolhidos pela imensidão do lugar quando sentissem vontade.
— Cara, você tá acabado. Tem certeza que não quer relaxar? — Sorrindo para o nada, Nick colocava o cigarro na frente do garoto, que recusava mais uma vez. Já havia experimentado uma vez, e a sua recusa não era por moralismo, passava longe disso. Naquele lugar, ele via pessoas, jovens que aparentavam menos do que as expressões robóticas demonstravam ter, perderem a noção do dia, tempo, e até mesmo do próprio corpo. Viraram escravos daquilo que usavam em nome do relaxamento. E as vezes até perdiam a vida por causa disso. Sousuke não gostava da ideia de ter outro agente, se não ele, a deter o poder da sua vida - ou da sua morte. - Se algo o impedisse de continuar neste mundo, então que fosse ele, consciente de que aquele seria o seu fim.
Nick não era seu amigo, muito menos conhecido. Nem mesmo sabia o nome verdadeiro dele. O nome a qual ele se referia surgiu em uma noite em que o homem estava bêbado o bastante para concluir uma única frase. Em meio às palavras sem sentido, o nome “Nick” saia dos lábios embriagados, e desde então, Sousuke se acostumou a chamá-lo assim.
Também não sabia sua idade, nem se possuía família. Quando Nick estava mais ou menos sóbrio, aparentava estar na faixa dos 27 anos de idade, ou poderia ser dois anos a menos, se retirada a barba que cobria parte do seu pescoço. Estava sempre trajado com calças que facilmente caberiam dois dele, além do manto manchado de tinta, que parecia acompanhá-lo onde quer que fosse. Sousuke não fazia ideia se o homem fazia da praça a sua moradia, no entanto, sempre que aparecia, Nick estava lá para saudá-lo com seu olhar perdido, e o sorriso de dentes amarelados, sempre parecendo mais mentalmente longe do que realmente deveria estar.
Voltando a caminhar, Sousuke alisava as mãos umas nas outras, agradecendo pela brisa noturna da primavera ser aceitável. Em seu celular marcavam 01:34 a.m, o que significava ser o momento para voltar ao seu presente. O bairro silencioso só era convidativo aos grilos, que viam na ausência de som uma oportunidade para fazer o próprio. No meio daquela sinfonia animalesca, o garoto ultrapassava a fila de apartamentos iguais, até girar as chaves que abriam a porta do seu. Notando um ruído da TV ao fundo, Sousuke entrava cautelosamente, desviando das roupas espalhadas pelo chão. Reconhecendo uma camisa sua, ele tinha certeza que vira aquelas peças de roupa no varal, antes de sair de casa. No centro daquela desordem, sua mãe cochilava no sofá, enquanto um vidro com remédios descansava na mesinha de centro.
— Mãe. — Suspirando, Sousuke balançava delicadamente a mulher de expressão tranquila. Sem sucesso, o garoto se aproximava, ajoelhando-se ao lado dela. — Mãe, acorda. Já está na hora de ir para cama.
— Ah, Sousuke.. Me deixa em paz.. Eu estou bem aqui..
— A senhora me prometeu que não tomaria mais isso. — Apesar de estar perto da mãe, o tom de Sousuke saia como um lamento para si mesmo. Ao olhar para o vidro pela metade, algo no garoto se despedaçava, mais uma vez.
— Eu só tomei unzinho.. Juro, filho.. — Balbuciando, a mulher se esticava a medida que o seu filho tentava a tirar do sofá. Assim que teve sucesso, Sousuke caminhava em passos lentos, acompanhando os tropeços de sua mãe. — Agora.. você vai me abandonar como o seu pai também, não é, filho..?
— Não, mãe. Eu estou aqui com você. — Respirando de forma cansada, o garoto depositava a mãe lentamente em sua cama, ignorando os pedidos da mais velha para que fosse recolocada no sofá. Minutos depois, quando a mulher finalmente se entregava ao sono, Sousuke dedilhava os cabelos da mesma cor que o seu, tomado por um sentimento doloroso e cruel. — Sempre vou estar.
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