Capítulo 26 - Felicitações


Bocejei, soltando um muxoxo quando o despertador não desligou sozinho. Rolei nos lençóis, tateando o celular e despertei completamente quando olhei para a tela.

— Dia 27 de julho!? Hoje não é o dia que...

Me calei, desbloqueando a tela do celular. Abri o Google, teclando rapidamente na aba de busca, e rolei as opções até achar a que eu buscava. Quando cliquei e o site apareceu, não contive o grito que saia instintivamente da minha garganta.

Dia 27 de julho... O dia que a minha campanha com a Davenne seria lançada. E no site, no Instagram e no Twitter, além de outras redes da marca, meu rosto estava estampado e acessível para o mundo.

— Não acredito! — Gritei, com os olhos marejados. Apertei o celular contra o peito e olhei para o quadro de fotos, observando as lembranças que lá estavam e as novas que eu havia colocado. Apesar de ainda ter esperança, e esperar pelo retorno de Sophie, eu não podia negar que estava cada vez mais apegada a essa vida.

É claro que eu estava cheia de mensagens, comemorando o lançamento, mas primeiro, queria comemorar com a minha família. Era até estranho que a casa estivesse tão silenciosa, e permaneceu dessa forma quando me levantei e ultrapassei os corredores, não encontrando ninguém.

Estava prestes a voltar para o quarto para trocar de roupa e procurar lá fora quando a luz da cozinha se acendeu de repente, levando meu coração junto. Yuina, Hanako e tia Miya estavam distribuídas em volta da mesa, segurando confetes coloridos.

— Surpresa!! — As três gritaram em uníssono, soltando os confetes em cima de mim. Ri e juntei um pouco deles, jogando de volta. — Não poderíamos deixar de comemorar o seu primeiro ensaio fotográfico.

— Primeiro de muitos! — Tia Miya completou.

Tentei segurar as lágrimas, mas sem sucesso, elas começaram a rolar pelo meu rosto. Sorri e as acolhi em meu abraço, pensando que nem se eu imaginasse com perfeição, poderia chegar perto do acolhimento que tinha agora. Eu as amava com todo o meu coração, e era muito grata por tê-las.

— Vocês são a melhor família que eu poderia pedir, sabiam? — Limpei as lágrimas, as apertando. Yuina murmurava um “eca”, e para a provocar, apertei mais. — E isso não é justo. Agora eu vou com o rosto todo inchado para a escola!

— A minha filhinha é linda de qualquer jeito. Você cresceu tanto... — Hanako dizia, alisando o meu rosto de maneira emocionada.

— Mãe! Eu já tenho 17 anos! — Ri, apontando para o bolo que estava em cima da mesa. — Isso é pra mim?

— É claro meu amor! Sua mãe e eu fizemos. — Tia Miya alisava os meus cabelos com carinho, deixando Yuina enciumada. — E pra Yuina também, é claro.

— Podem dar carinho pra ela, eu nem ligo mesmo! — Yuina mostrava a língua, rodeando a mesa quando me aproximei para fazer cócegas nela. — Chata!

Alcancei Yuina, que ria e tentava devolver as cócegas. E quando nos cansamos, sentamos na mesa para comer bolo de nozes e recheio de doce de leite, compartilhando risadas e um momento especial.

Entrei na sala de aula 5 minutos antes da aula começar, ofegante e com alguns fios de cabelo na frente do rosto, e antes de cruzar a porta, Kaori e Keiko pulavam em cima de mim, me abraçando.

— Você tem noção de que está no site da Davenne!? — Kaori me chacoalhava, me impedindo de responder. — Garota você me dá tanto orgulho!

As outras meninas completavam o abraço e me parabenizaram pela campanha. Kobayashi virava o rosto, resmungando algumas palavras que não me dei o trabalho de ouvir. Estava tão feliz com toda a recepção, que decidi que era nas coisas boas que deveria me focar.

— Parece que para falar com você agora só comprando um bilhete. — Aono ironizou, quando me sentei na frente dele. Aquele era o jeito dele me cumprimentar?

— Bobo. — Ri. — Você viu?

Eu estava feliz com as felicitações da minha mãe, de Yuina, tia Miya, as meninas, Pokko... Mas estava apreensiva e ansiosa pelas palavras de Aono. É claro que eu estava esperando demais, sabendo do jeito dele, mas...

— Talvez tenha passado pelo feed. — Ele murmurou, olhando para o lado. — Você está... apresentável.

Sorri, fingindo não ver a vermelhidão nas bochechas do garoto. Em seguida, a sala inteira se silenciou com a entrada do sensei. Provas ainda eram provas, não importa o tamanho da felicidade que você esteja sentindo.

No intervalo, enquanto o nosso grupo compartilhava muffins e onigiris, uma garota da sala do Kentin pediu que eu a acompanhasse, e mesmo desconfiada, a segui. Não tinha conversado com ele desde o acontecido no restaurante, e sinceramente, não sei se queria adicionar uma conversa tão exaustiva a um dia tão solar.

Mas, contrariando as minhas expectativas, Kentin não pediu para me chamar para conversar comigo. Ao menos não do jeito que deveria ser.

Da janela da sala de aula dele, vi as pétalas de rosa espalhadas no pátio, formando a palavra “Sorry”. Kentin estava ao lado delas, segurando um buquê de lírios brancos.

Suspirei, agradecendo a menina e me preparei mentalmente para descer e encarar mais uma vez as desculpas de Kentin. Todo o corredor me encarava com curiosidade, e escutei os cochichos e os desejos de ter um namorado como o meu. Se soubessem os pormenores, não desejariam tanto.

Keiko e Kaori olhavam para a cena com brilho nos olhos, e os outros alunos formavam uma roda ao nosso redor. Olhando os rostos, não encontrei quem eu procurava, é claro que não. Aono não ousaria participar de toda aquela mídia, e se eu também pudesse, seguiria o seu exemplo.

— Eu sei que eu errei, mas... Quero consertar o meu erro. Quero mesmo te fazer feliz.

— E você chegou à conclusão que flores e um pedido de desculpas em público é o meu sinônimo de felicidade?

— Eu me esforcei para fazer algo que fosse do seu agrado.

— Tem certeza, Kentin? Hoje foi o lançamento da minha campanha com a Davenne. Todo mundo, exceto você, lembrou desse dia. Seria do meu agrado se você demonstrasse que se importa comigo.

Kentin sorria forçadamente, olhando para o lado, pois eu não fazia questão de murmurar. Me entregando as flores, o garoto alisava o meu cabelo, e pela primeira vez em muito tempo, eu tinha certeza que não queria ser tocada por ele.

— A gente não precisa chegar nesse ponto, Sophie... Eu te amo. Você sabe disso. Me deixa te provar que eu posso ser diferente.

Olhei para baixo, observando os lírios que em outra ocasião, encheram o meu peito de sentimentos. Estar com Kentin era complicado. Eu sempre estava com a sensação de estar o afastando, por não ter conseguido amá-lo. Tinha medo que, inconscientemente, estivesse olhando por lentes negativas apenas por não reconhecê-lo como meu amor. Eu havia dado chances para conhecê-lo de verdade, mas e se aquela nunca tivesse sido a minha intenção? Como saber se os meus pensamentos acerca de Kentin estão certos, se eu peguei aquele relacionamento em andamento?

— Tudo bem. — Suspirei, segurando as lágrimas. A felicidade que eu sentia escorria pelos dedos, dando lugar a tristeza que eu sentia por não conseguir gostar de Kentin. Ele era o namorado da Sophie, então eu deveria... Eu teria que aceitá-lo, do jeito que fosse.

Tecnicamente, aquelas eram as primeiras férias que eu vivenciava. Era bom não ter preocupações escolares, mas ao mesmo tempo, era ruim encarar o teto o tempo todo. Estava quente dentro de casa e os afazeres lá fora também não ajudavam o tédio a passar, por isso, quando o celular tocou, anunciando uma mensagem seguida de um convite, não hesitei em me arrumar.

— Pra onde você vai, mocinha?

— Pra uma festa. Posso?

— Vá com cuidado! — Hanako gritava da cozinha, me dando permissão. Dei um beijo em Tia Miya e andei aos pulinhos até a porta, ansiosa para chegar no meu destino.

Encontrei as meninas na estação e juntas seguimos até a casa de Peiji. Havia sido uma surpresa o amigo de Aono nos convidar para o seu aniversário, mas eu que não quebraria a cabeça pensando nos motivos quando poderia fugir do tédio e comer bolo à vontade.

— Estamos no fundo! — Alguém gritou assim que bati na porta. E sem alguém para nos receber, decidi entrar e seguir as instruções, encontrando um cenário festivo em uma garagem que aparentemente havia virado um depósito de instrumentos musicais. — Ah, são as amigas do Sou!

— Fiquem a vontade! — O garoto nos abraçava, receptivo. — Tem cerveja na geladeira, sanduíches e outros petiscos na mesa.

— Feliz aniversário. — Cumprimentei, estendendo a mão com um ticket. — Como eu não sabia o que você gostava, comprei um vale presente do Panda Coffe.

— Bolo e café de graça!? É um baita presente. — Peiji riu, agradecendo.

Ainda ficava um pouco acanhada com os amigos do Aono, mas com o passar das horas e cada um deles tomando cuidado para nos incluir na conversa, acabei me soltando. Aono apareceu depois, juntamente com Kana, trazendo mais garrafas de cerveja. 

— O Peiji foi muito gentil convidando a gente. — Comentei, mordiscando um Doritos com um tipo de molho branco. Aparentemente, festas de adolescente modernas são assim.

— Ele não fala em outra coisa desde que planejou essa festa. — Aono respondia, tomando um gole da garrafa que segurava. O barulho da música nos fazia quase gritar para sermos ouvidos, somado às reclamações de Ayane pelas escolhas das músicas.

— Não sabia que estávamos tão requisitadas assim. — Brinquei.

— Convencida. — Aono revirou os olhos. — Bom, se bem que ele não foi o único interessado.

— Não? — Perguntei, confusa.

Ao invés de responder verbalmente, Aono apontou para onde Ayane e Keiko estavam conversando. Abri um sorriso, entendendo o que ele quis dizer.

— Sério?

— Uhum.

Olhei mais um pouco, antes que parecesse intrometida. Eu estava acompanhando as atualizações aos poucos, em conversas com Keiko, que havia se aproximado bastante de Ayane nesses últimos dias. Eu estava feliz por ela.

— Falando nisso, você acha que rola Kaori e Pokko?

— O quê?

— Você não percebeu? — Perguntei, chocada. — Que o Pokko gosta dela!

— Quê Kami o ajude. — Aono sorriu de maneira irônica, tomando mais um gole. 

— Ah, para! Eu torço mesmo para que os dois fiquem juntos.

— A questão é se você consegue imaginar esse relacionamento.

— As pessoas podem mudar, sabia? Às vezes, a vida pode nos surpreender de formas que nem imaginamos.

Suspirei, sentindo minha própria frase se voltar contra mim. Se no começo de tudo, eu pudesse imaginar que ultimamente estaria com tantas dúvidas acerca dos meus sentimentos... E que uma parte deles estivesse bem ao meu lado.

— Sou! — Kana chamava, se colocando entre nós dois. — Vem, vamos dançar.

Aono acenava e eu retribui, sorrindo fraco. Enquanto Kana ria e envolvia os braços no pescoço do garoto, fiquei observando como eles ficavam bem juntos. Aono merecia alguém como ela, que gostava dele de verdade. Mas ao mesmo tempo em que eu torcia por sua felicidade, meu estômago embrulhava ao imaginá-lo com outra pessoa.

— Achei que uma estrela não tivesse tempo para comparecer à festa de meros mortais.

Ogetsu me tirava dos meus devaneios sem sentido, e sem perceber, minhas feições denunciavam o quão grata eu estava por isso. Ri e balancei a cabeça em negação, surpresa por ele ter visto o ensaio.

— Nem chego perto disso. — Brinquei.

— É claro que chega! Ter o seu rosto por aí não é algo que todo mundo consiga fazer.

Assenti, sorrindo boba. Depois do lançamento do ensaio, Kimiko me ligou, avisando de novas propostas, e eram tantas, que faltava tempo para a minha agenciadora analisar tudo.

— Daqui a pouco são vocês. E já fica a dica para me colocar na capa do primeiro álbum.

— Se depender do Sousuke, isso já é certo. Acredita que ele foi em Nanto só para pegar um chaveiro que você queria? — O garoto ria, logo descobrindo que havia falado o que não devia. Mas já era tarde demais para a minha curiosidade. 

— Como assim? — Pisquei os olhos, aturdida. Quando recebi o chaveiro, dias depois da estadia dele em Nanto, a possibilidade de esse ter sido o motivo passou pela minha cabeça. Mas como era um pensamento muito egocêntrico da minha parte, o abandonei. — Ele não me contou nada disso…

— Ah, é que... Esquece isso, ok? Não fui eu que te falei. — Ogetsu ria, coçando a nuca. Antes que eu pudesse pedir para que ele falasse mais, Peiji se colocava no meio de nós, nos puxando para a mesa.

— Hora do bolo cambada! 

Aono olhava para mim, e eu, agora tendo conhecimento de um segredo seu, olhava-o cheia de dúvidas. Eu não achava mais que ele me odiava, mas seria loucura achar que havia algo mais que uma grande amizade. Era só amizade, certo...?

Enquanto eu divagava, via Kana compartilhar um pedaço do bolo com Aono, sendo recusado por ele. Desviei o olhar, não querendo alimentar meus pensamentos malucos.

Quando eu estava sentada no fundo da garagem, Aono empurrava o meu corpo para o lado, se sentando. Olhei-o confusa, apontando para o lado festivo.

— Por quê não vai se sentar lá?

— Tá me expulsando?

— Não, não é isso... — Engoli em seco. — É só que... Talvez pensem errado se nos virem juntos aqui, em um lugar tão afastado.

— E o que poderiam pensar? — Aono riu, achando graça do meu súbito acanhamento.

— Nada, né... — Forcei um sorriso, querendo me bater por parecer tão boba. — É besteira minha.

Aono assentia, e em seguida olhava para o bolo. Acompanhei o seu olhar, fitando o chantilly.

Risonha, peguei um pouco de chantilly e passei em cima dos lábios de Aono, que respondia com uma careta, e em seguida, retribuiu sujando um pouco da minha bochecha. Ri e tentei fugir da guerra de chantilly que havia se criado entre nós dois.

Aono segurava o meu pulso, parando a minha ação e por breves segundos, que para mim pareceram uma eternidade, fiquei sem ação, apenas o encarando. Prendi o fôlego sem perceber, e estática, dei abertura para que ele sujasse o meu rosto com a mão livre.

— O quê vocês estão fazendo? — Ayane nos encarava de maneira estranha, e com a pergunta sendo feita a alguns metros de distância, o olhar dos presentes recaiu em nós.

Aono se levantava, como se não tivesse acelerado os batimentos do meu coração segundos atrás. Pisquei, tentando perguntar para uma mente sem respostas o que havia acontecido. E lentamente voltando à realidade, o vi conversar com o grupo e em um desses momentos, Kana limpou com trejeitos de intimidade, o rosto de Aono, perguntando como ele havia se sujado.

O garoto riu e apontou para mim, dizendo algo que parecia a explicação de como o chantilly havia parado em seu rosto. Kana seguiu o seu dedo, encontrando o meu rosto parcialmente empalidecido, meus olhos aéreos e minha bochecha suja de chantilly. Seus olhos estreitos, lábios rígidos e expressão pouco harmoniosa pela primeira vez, ao menos a primeira vez que eu havia entendido esse sentimento, transmitiam o que eu sentia ao vê-la do lado dele. Kana estava sentindo ciúmes. E havia uma boa possibilidade que tal sentimento também estivesse me consumindo.

O começo das férias felizmente havia se distanciado do tédio, e a cada dia eu tinha coisas legais para fazer. Com a aproximação dos festivais de verão e a época de descanso, as atrações eram ofertadas diariamente, com opções para todos os gostos. Uma delas me fazia encarar o letreiro com os olhos brilhando, e minhas pupilas competiam com os dizeres luminosos qual deles brilhava mais.

— Achei que nunca fosse sair daquela fila. — Aono resmungava, trazendo dois bilhetes na mão. Havia o arrastado assim que vi o anúncio da abertura da temporada de verão do parque de diversões Taketo, e apesar de algumas - muitas negativas -, o garoto aceitou o convite. — Qual é a graça de um parque de diversão?

— Você ainda pergunta!? — Olhei para ele, chocada. Aono vestia uma jaqueta de couro preta, acompanhado por uma camiseta longa de mesma cor. Usava calças skinny, seguindo o tom da jaqueta, em um modelo que exibia os desfiados na altura do joelho. E sem esquecer dos coturnos de cano alto, o que o deixava idêntico a um astro do rock moderno. — Eu não me importaria de ficar olhando para tudo isso. Masss, eu quero brincar.

— Já desisti de perguntar o motivo de você não convidar o seu namorado para te acompanhar.

— E eu já cansei de dizer que você é o meu A.E. — Sorri, me colocando a um passo à frente dele. Aono me encarava, com os olhos semicerrados e eu tinha certeza que estava julgando até o mínimo fio do meu cabelo. Meu figurino era composto de vestido de renda, terminando na altura da coxa. Uma péssima ideia considerando que estávamos ao ar livre, mas que me pareceu ótima ao encarar o meu reflexo no espelho. Sapatos maryjane e nos cabelos, as presilhas de pandinha que Aono havia me dado.

Tsc. Vamos. — Sem esperar minha resposta, Aono pegava na minha mão, me puxando. Sorri com a sua iniciativa e o segui, passando por fileiras de pessoas, barracas com brinquedos e estátuas vivas. Era tão mágico a energia de um parque de diversão, que não seria estranho se eu tivesse a vontade de nunca mais sair dali.

— O quê você acha da gente ir no cavalinho!? — Apontei, animada.

Aono seguiu o meu dedo, olhando para o brinquedo composto de crianças na casa dos 5 anos de idade. Em seguida, ele olhou para mim, considerando a minha pergunta. Como eu explicaria para ele que aquela seria a minha vez no brinquedo e apesar de estar  - um pouco - velha para ter tal vontade, eu precisava ir.

Eu sabia que ele continuaria me julgando até a minha terceira geração, mas surpreendente, Aono me levou até o brinquedo. Sorri, correndo atrás dele.

A responsável pelo brinquedo nos olhava como se estivesse vendo uma miragem. Para quem olhasse de fora, era engraçado ver dois adolescentes em uma fila de crianças pequenas, e eu não precisava olhar para o rosto de Aono para saber que ele estava se contorcendo com tudo isso. Apertei a sua mão, fazendo-o olhar para mim.

— Obrigada.

— Pelo o quê? — Aono perguntava, desconfiado.

— Por ter vindo comigo. — Sorri, iluminada pelo brilho do carrossel. Mas Aono sabia que não era só o carrossel que estava me iluminando.

Encontrei um assento na frente do cavalinho de Aono, e quando o brinquedo começou a se mover, joguei a cabeça para trás, fazendo os cabelos soltos se movimentarem junto comigo. Aquele sentimento... Liberdade, e algo mais, que eu encontrava refletido nos olhos de Aono.

Compartilhando olhares, não precisávamos dizer nada para que nos entendêssemos e silenciosamente, alimentamos aquele sentimento escondido. Aono sorria, captando as minhas expressões luminosas, que só ele conseguia visualizar, e em troca, Aono me entregava a fagulha das pupilas negras.

Sem segurar no apoio, senti o vento acariciar o meu rosto no subir e descer lento do brinquedo, que fazia o mundo à minha volta parecer tão circular. Olhei para as crianças, que riam e abriam os braços como se tivessem super-poderes. As imitei, lançando os braços no ar, sentindo que era capaz de fazer qualquer coisa.

Ri, tropeçando os pés na grama batida assim que desci do brinquedo, voltando a realidade. Demorou um pouco até que a tontura passasse, e nem ela seria capaz de diminuir a minha animação. Aono estava parado ao meu lado, me encarando de canto de olho.

— O que foi? — Perguntei, curiosa.

— Você é maluca. — Aono respondeu, me dando as costas. — E eu também devo ser, pois olha onde eu estou.

— Nunca te disseram que as melhores pessoas são assim? — Ri, apontando para o outro brinquedo. — Próximo!

Me arrependi da escolha do trem fantasma no segundo em que entramos naquele túnel escuro. Pisquei os olhos, não conseguindo ver um palmo à frente. Tentava me convencer que era só um brinquedo, mas nem os meus pensamentos positivos me impediram de gritar desesperadamente quando o primeiro monstro apareceu.

— Você tem medo disso!? — Aono ria, aparentemente ao meu lado. Não conseguia vê-lo, e isso me deixava ainda mais indignada por não ter efeito nenhum nele.

— Não é medo. É só... Ahhh! — Me agarrei a ele, apertando o seu braço. Aono gargalhou e passou o braço por trás da minha cintura, me puxando pra perto.

— Você está trêmula. — Ele constatou. — Pode fechar o olho se quiser, bebezinha.

— Ora, seu... — Prendi os lábios e fechei os olhos automaticamente na introdução de uma nova criatura, desistindo de tentar me defender. Senti os dedos de Aono acariciarem a minha cintura, e o seu corpo posicionado de uma forma que me deixava quase encostada no seu peito. Agora, meus tremores eram outros.

— Você ainda está tremendo. Aquele brinquedo te deixou com tanto medo assim?

Aono riu, me deixando para trás. Olhei para as minhas mãos, que estavam misteriosamente trêmulas, e naquele momento constatei que as batidas do meu coração continuavam aceleradas. Mordi os lábios, afastando as lembranças da proximidade em que estávamos, e o cheiro que provinha dele, café e menta. O contato de seus dedos contra o tecido do vestido, que de nada serviu para impedir a sensação deles, como se estivessem tocando em minha pele nua.

— Você não vem? — Aono gritava, em frente à sessão de achados e perdidos. Assenti, balançando a cabeça violentamente em negação para levar aqueles pensamentos impróprios bem, bem para longe.

No meio tempo que exploramos o parque, juntei as mãos para pedir um balão inflável - e é claro, que com todo o meu charme eu consegui -, tirei fotos, encontrei uma menininha que havia se perdido da mãe, a levei para a cabine onde acolhia crianças perdidas, fiquei esperando até que a mãe da garotinha chegasse, e entreguei o balão para ela, que acenou em despedida, sorrindo. Acenando de volta, olhei para Aono, que havia acompanhado a minha pequena aventura.

— Ah, desculpa pelo balão. — Cocei a nuca, sem graça. — Eu insisti tanto pra você comprar.

— Não tem problema. — Aono estendeu a mão, abrindo um sorriso de lado. — Ela vai cuidar bem dele.

Sorri, assentindo, olhando para o ponto onde a menininha com o balão estava. Encarando o vazio, peguei na mão estendida para mim, ansiosa para desbravar outras aventuras, ao lado dele.

Encarei a montanha russa, mordendo os lábios e sofrendo por antecipação. Não era apenas uma montanha russa, era A montanha russa. As voltas fariam um estrago no meu estômago sensível, fora a altura que dava medo em qualquer um. Menos em Aono, que estava impassível ao meu lado.

Prendemos o cinto de segurança e eu suspirei fundo, sentindo uma gotícula de suor descer pela minha testa. Aono estendeu a mão para mim assim que o brinquedo começou a se movimentar, oferecendo um apoio silencioso. E poucos segundos depois, eu estava girando e gritando, girando e gritando, e girando e gritando.

— Isso foi muito legal! — Gritei, expressando a minha rouquidão pelo tom falho da voz.

— Você só gritou que ia despencar dali de cima o tempo inteiro. — Aono arqueou as sobrancelhas.

— Ah, mas... — Rolei os olhos, querendo esquecer os meus momentos vergonhosos. — Faz parte! — Fiz sinal de positivo, indicando que eu estava perfeitamente bem. Depois de alguns segundos analisando o que ainda o mantinha ali, Aono - felizmente - pareceu achar algum motivo convincente e permaneceu.

Seguimos para a roda gigante, e apesar de dar um medinho parecido com a montanha russa, eu não correria risco de ficar de cabeça para baixo. Agradeci quando a responsável pelo brinquedo verificou a trava do assento, e respirei aliviada ao ter certeza que estava tudo certo. Por uns 3 minutos.

— O quê aconteceu!? Por quê o brinquedo parou!? — Olhei para os lados, vendo que me jogar dali não era a melhor ideia. Mas esperar que o conserto chegasse também não me agradava em nada.

— Calma. — Aono ria de mim pela trigésima vez no dia. — Eles só pararam para as pessoas entrarem.

— Ufa. — Encostei no suporte, aliviada.

— Acho que eu acabei de descobrir um medo seu. 

— Nada a ver! — Estalei os lábios e em seguida, alisei os braços, sentindo a brisa gelada me pegar desprevenida.

Ao meu lado, Aono deslizava a jaqueta pelos braços, passando para o meu corpo. Me sobressaltei, o encarando com os olhos mergulhados em espanto.

— O- o que você está fazendo!?

— Você está com frio.

— N- não, eu não... Não precisa, tá? Eu estou bem. — Olhei para os lados, sentindo o quentinho da jaqueta. Eu era uma péssima mentirosa. — Se você me emprestar, vai ficar com frio...

Shhh... Eu sou o mais velho. Você fica com a jaqueta e fim do assunto.

Tsc, isso não é justo. — O encarei com o canto do olho, vendo um lampejo de sorriso em seus lábios. Não aguentei e sorri também, me silenciando quando a roda gigante começou a se movimentar.

Abri os lábios sem perceber, olhando os pontinhos luminosos lá embaixo. Mais a frente, a luz dos postes, os faróis dos carros, e ele. Aono era agraciado com a brisa do vento, que balançava os fios de cabelo sem preocupação. Ele piscava lentamente, parecendo tão concentrado na visão noturna quando eu estava em seu rosto. Sem perceber, meus dedos seguiram até os fios rebeldes, pondo-os atrás da orelha dele. Aono acompanhou o movimento dos meus dedos, e não me parou, apenas encarou o caminho que eles despretensiosamente faziam até encostarem em sua bochecha.

Eu estava hipnotizada. Como se a lua liberasse um pó mágico que havia me deixado tão... insana. Abaixei a mão, encontrando a dele, que não ousou se mover. Aono me olhava como se quisesse descobrir até onde eu iria, talvez tão vítima do pó mágico quanto eu. Deslizei os dedos pela abertura dos dedos dele, sentindo reverberar pelo corpo inteiro o movimento suave de subidas e descidas da roda. Abaixo e acima de nós, o mundo continuava, por meio de risadas e gritos animados, mas para mim, ele nunca esteve tão silencioso. Assim como o garoto que me intimava com o olhar. Nada saía dos seus lábios, mas eu sabia exatamente quais eram as suas palavras. E as aceitei.

— Senhores. Senhores, vocês precisam sair.

Pisquei os olhos, saindo do transe. Olhei para os lados, vendo a nova fila de pessoas que esperavam para entrar no brinquedo e assenti, envergonhada. Aono também se empertigou ao meu lado, como se tivesse sido pego em um momento bastante constrangedor.

— Desculpa. — Me levantei, zonza o bastante para esquecer que era preciso destravar o brinquedo. Sorri de modo sem graça para a moça que me olhava com cara de poucos amigos, e sai de fininho, esperando Aono do lado de fora.

Não preciso dizer que o clima ficou estranhíssimo depois do momento da roda gigante. Andamos mais um pouco, comemos pipoca, tiramos fotos com as estátuas vivas e finalizamos o passeio com um cumprimento mais estranho ainda em frente a estação. Nenhum dos dois sabiam se apertavam as mãos, ou se um abraço era o suficiente. Em um impasse, Aono erguia a mão o mínimo possível, se contentando com um “até logo”, bem no momento que eu estava posicionada para abraçá-lo. Recuei, sentindo as bochechas queimarem de vergonha, e retribui o aceno, me distanciando sem dar as costas para ele. Andando daquele modo estranho, tropecei em um homem que me encarava de maneira amedrontadora, e rapidamente me desculpei, deixando Aono definitivamente para trás.

No metrô, encostei a minha cabeça na janela ao mesmo tempo que minhas pernas frenéticas traduziam a bagunça do meu coração. As lembranças do que vivi naquela noite dançavam na minha mente, e apertando a bolsa, prendi os lábios, desesperada com a vontade genuína do meu coração de acompanhar aquela dança.

O destino que me pregou tantas peças e me transportou para esse mundo não agiria diferente no momento em que a confusão fazia parte dos meus dias. Amanheci com um convite de Kentin, que não era bem um convite pois ele dizia explicitamente que eu deveria estar pronta às 19h. Suspirei, lembrando das poucas interações que tivemos desde o começo das férias. Eu poderia dizer que o meu relacionamento era como um barco naufragado, com uma tripulante que se recusava a abandoná-lo.

Suspirei, caminhando até o quadro de fotos, destacando uma. Rolei o retrato em minhas mãos, observando a imagem de tempos felizes. Ali estava a Sophie que Kentin conhecia, e o Kentin que Sophie conheceu. Tudo seria mais fácil se os sentimentos do passado se transportassem para o presente, assim como a alma.

— Pensando alto? — Atrás de mim, Tia Miya surgia com uma pilha de roupas limpas. 

— Obrigada tia, deixa que eu guardo. — Peguei a pilha com cuidado, depositando na minha cama. — Eu só estava pensando em algumas besteiras.

— Besteiras? Hmm, o que anda se passando nessa cabecinha? Não sou como a sua mãe, mas também sei dar ótimos conselhos.

Sorri, precisando mais do que nunca daquele colo. E sem pestanejar, me sentei ao lado dela, encostando a cabeça em suas pernas.

— O amor é difícil.

— Então é isso... — Tia Miya sorriu, alisando os meus cabelos. — Algo de errado com o seu relacionamento?

— Quero salvá-lo. — Suspirei. — Mas não sei como. Já tentei de todos os jeitos, mas parece que estou piorando as coisas...

— Hmmm, deixe-me ver. — Tia Miya analisou. — É preciso muito mais que vontade para salvar um relacionamento. Você pode ter todas as boas intenções desse mundo, se não tiver o ingrediente essencial, só estará travando uma batalha perdida, querida.

— E onde eu posso encontrar esse ingrediente especial? — Pedi, perdida.

— Dentro de você. Só precisa encontrá-lo, querida.

— E se eu não encontrar? O que eu faço, Tia Miya?

Tia Miya mexia em meus cabelos, formando uma trança. Apertei os meus olhos, angustiada com o silêncio do quarto e o barulho da minha mente.

— Então talvez você deva ouvir o que o seu coração está querendo te dizer. O amor, do mesmo jeito que avisa quando vem, nos informa quando se vai.

Com respostas ou sem respostas, estava de braços dados com Kentin, sentindo a brisa gelada da maresia. Longe da terra firme, observava as comemorações que chegavam aos meus ouvidos na forma de uma melodia distante.

— Por quê a gente não comemora o festival, no festival? — Perguntei, sem olhar para Kentin, que tomava um gole de champanhe. O iate estava repleto de pessoas que eu não conhecia, músicas e barulhos que em nada pareciam com a energia de um festival.

— Por que é mais divertido desse jeito. — Kentin respondia como se aquela fosse uma pergunta boba. Em seguida, ele parecia notar que eu estava a caráter, diferente dos outros convidados, que estavam com roupas comuns. — Foi mal não ter te avisado que não precisava usar essa roupa.

Assenti, apertando o yukata contra o peito. Havia escolhido um na cor verde, com detalhes em violeta, e gastado um tempo considerável na internet para aprender a fazer um coque que ficasse parcialmente caído para o lado. Diante de tantos olhares distorcidos, me sentia uma estranha.

Não só nas vestimentas. Me sentia uma estranha em cima daquele iate, ao lado daquelas pessoas, ao lado de Kentin. O garoto que balançava a taça, alheio às minhas indagações parecia absurdamente distante de mim, mais do que parecia no momento que abri os meus olhos e descobri da sua existência e do papel que faria na minha vida. Olhei para baixo, para onde o mar seguia o seu fluxo, e naquele momento, quis perguntar para ele qual era o segredo que o permitia continuar, mesmo depois de tantas tempestades.

Kentin me envolvia, me puxando consigo. Me colocou no meio dos amigos dele, sorriu, se aproximou e me beijou. Ouvi as palmas no nosso momento romântico, misturado ao som do festejo longe de nós. Imaginei o momento em que os meus dedos encontraram os dedos de Aono, juntamente do momento em que Kana limpava a sua bochecha, suja de chantilly. Me afastei de Kentin, sentindo a queimação nos lábios parcialmente inchados, e aos abrir os olhos, encontrei as pupilas azuladas, do meu caminho e destino. Era assim que deveria ser.

 A primeira explosão dos fogos serpenteava no céu, transformando o azul escuro em colorido. Kentin e seus amigos erguiam a taça para o alto, enquanto os meus olhos permaneciam petrificados no céu, preenchendo-o de vermelho e dourado. Se houvesse alguma resposta no céu, em meio à todo aquele colorido, eu precisava saber mais do que nunca.

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EU OUVI CAPÍTULO DUPLO? Chegamos com o cap 26 de MNVSE e nem deu pra sentir saudade né? Depois do tempo sem atualizações, era justo recompensar vcs de alguma forma!
Alguma coisa tá mudando aí né? Brigas recorrentes com o Kentin e o espaço sendo liberado para o Aono, as coisas estão avançando e a nossa menina ta tão confusa… Termina logo com esse embuste, mulher! 
De novo eu fico rendida pelas cenas fofinhas dos Aokawa e é Canon que eu quero um Aono pra mim :') 
Espero que vcs tenham gostado do cap e só deixo um spoiler aqui: cap que vem promete! se eu fosse vcs nao perdia… um xêro sz

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