Capítulo 24 - Prelúdio
O fim da primavera é um pouco melancólico, mas não deixa de ser bonito. Lentamente, me despedia das cerejeiras que perdiam o rosa habitual, empalidecendo até se tornarem nada mais que uma lembrança. E haviam muitas. Momentos que eu achei que jamais vivenciaria, estavam guardados comigo com a esperança de uma próxima vez. Ao mesmo tempo que havia a vontade, pairava a incerteza.
Aono e eu visitamos o Classic Music Hiragawa durante a semana inteira, na companhia da simpática senhora Uzuhara, que nos dava conselhos e nos ouvia tocar até os primeiros raios de sol começarem a ir embora. Em seguida, Aono e eu caminhávamos observando o céu de pré-verão, sentindo a brisa morna bater em nossos rostos e levantar nossos fios de cabelo.
E tomávamos sorvete. Bom, eu tomava. Foi difícil convencer Aono a me acompanhar na minha aventura gastronômica, mas quando consegui, tinha certeza que não tiraria da memória os olhos e as bochechas do garoto, que possuíam um brilho gostoso de ver. Naquele momento, quando Aono estava apenas sendo o Aono, tinha vontade de estar perto dele e captar cada expressão que ele fazia, gravar as mínimas e as máximas expressões faciais. O mundo exterior sumia quando éramos ele e eu, o meu relacionamento com o Kentin, aqueles sonhos que me assombravam... Eu tinha vontade de estar com ele. Para sempre.
Na manhã em que acordei sobressaltada, sentindo o peito arder ao acordar repentinamente de um sonho ruim, levei a mão à altura do coração, sentindo-o bater de modo desordenado. Fazia alguns dias que aquelas imagens não me visitavam, me fazendo acreditar que o perigo delas já havia passado. Mas ao estarem a tona novamente, traziam um prelúdio amargo, desembocando no meu estômago e se espalhando pelas minhas articulações.
...– A previsão desta tarde indica que os ventos ao leste...
Comendo um onigiri, limpei os resquícios de arroz que grudaram em minhas bochechas enquanto prestava atenção no noticiário. Era comum que as tempestades aumentassem na transição entre primavera e verão, mas naquele momento, o anúncio delas transcendia o literal, fazendo o meu imaginário metafórico associar a uma premonição.
— Sophie, o que foi? Você está pálida.
Precisei de um tempo para escutar os chamados de Tia Miya, que balançava uma das minhas pernas com um semblante preocupado. Piscando, assenti roboticamente, o que serviu para aumentar as preocupações.
— Não é nada. Eu só lembrei que estou atrasada para a escola.
Tranquilizando-a, depositei um beijo estalado em sua bochecha e ajeitei as alças da mochila em minhas costas, avisando que estava de saída. Ao fechar o portão, acenei para a senhora Mitsage, abrindo um sorriso cordial.
— Tenha um bom dia, Mitsage-san.
— Bom dia, querida! Já está de saída?
Assenti, e a conversa terminou com Mitsage me desejando um ótimo dia de aula. Enquanto caminhava até a estação, deixei a mente vagar nas lembranças da primeira vez que fiz esse caminho, sem saber que o destino me traria até aqui. Lembrei de como olhei para os prédios, que apesar de estarem como sempre estiveram, ainda me causavam fascínio. Lembrei de apreciar a ida e vinda de pessoas que eu não conhecia os nomes, mas que aprendi a diferenciar quando passavam por mim. E me lembrei dele.
Era difícil não pensar em Aono quando estava ali, parada no mesmo sinal em que o conheci. Do seu jeito taciturno e arredio, quase como um gato. Das tentativas de me afastar e quantas vezes eu lutei para que isso não acontecesse.
E então veio aquele sonho. Aquela premonição que me deixava arrepiada só de lembrar, a imagem de Aono, seus cabelos balançando contra o vento e as lágrimas que pingavam no chão. Antes que eu não pudesse mais vê-lo e gritar por seu nome, onde tudo acabou. E o vermelho-sangue invadiu os meus pensamentos.
— Eei, eei! Tá pensando na bezerra que já morreu? — Kaori balançava as mãos na frente do meu rosto, enquanto Keiko me observava com as mãos apoiadas na cintura. Eu já estava na escola?
Abri e fechei os lábios, me perguntando quando eu havia chegado em frente ao portão. Andei tão distraída que hoje poderia ser um daqueles dias que fez conhecer Aono, mas felizmente o meu subconsciente ainda sabia diferenciar sinais de trânsito. Depois de alguns minutos em que as garotas esperavam por respostas, sorri.
— Estava pensando que já estava com saudades das minhas amigas. — Abri os braços, as abraçando.
— Sei sei. — Kaori murmurou, emitindo um grunhido pelo abraço repentino. — Enfim, a gente quer muito a sua ajuda.
— Em quê?
— Em alguns passos da dança que estamos ensaiando. — Keiko explicou.
— Mas vocês não estavam com tudo pronto?
— Estava. — Keiko suspirou, olhando para os lados. — Mas a Kobayashi decidiu jogar baixo e, aparentemente, vamos ter que competir contra o favorecimento que ela terá. Por isso precisamos ser perfeitas.
— Favorecimento? Expliquem isso direito.
Keiko tomou a frente. Ao nosso lado, algumas garotas passavam comentando sobre a festa que Kobayashi daria.
— Tá vendo? Esse é um dos motivos. O outro é que tá fazendo cards buscando votos e oferecendo compensações para quem votar no grupo dela.
— Mas isso não é considerado ilegal?
— Só se ela estivesse fazendo isso de forma explícita. — Kaori comentou, quase explodindo de raiva. Suas bochechas avermelhadas indicavam o quanto ela queria socar a rival naquele momento. — Mas não é considerado burlar as regras ao dar uma festa. E as compensações não estão descritas de forma explícita.
— É, ela só fala que vai ficar muito agradecida e coisas assim. Mas as fotos do card são muito sugestivas.
— Em falar na querida...
Antes que eu pudesse perguntar sobre o que Kaori estava falando, senti o perfume adocicado ao extremo, que significava problema. Ao virar o rosto, a vi com os cabelos impecáveis, brilhando contra a luz do sol.
— É uma pena que não tenha sobrado convites para vocês, meninas. Mas se vocês quiserem, posso oferecer a vaga que ficaria com o pessoal que vai servir as comidinhas. Soube que você não anda mais recebendo convites para modelar, Ichikawa, então o dinheirinho pode te ajudar a ajudar nas despesas de casa, né?
Meu sangue subiu. Ela ter uma richa comigo, tudo bem - apesar de não ter ideia de como isso começou. - Mas insultar a minha família dessa forma...
— Você é idiota, garota? — Kaori aumentou o tom de voz antes que eu tomasse a frente. — Ela vai ser simplesmente a capa da Davenne! Vai estar em todas as mídias digitais e nas lojas. Para alguém que não estampa nem sacola de supermercado, é difícil compreender a magnitude disso.
— E quem te passou essa informação tá bem errado. — Completei. — Mas não me importa que você pense assim, afinal, você não é minha amiga. Não tem por que você estar a par da minha vida, né? A não ser que a sua seja tão medíocre que cuidar da minha seja a única coisa que te resta a fazer.
Keiko olhava para mim e para Kaori, como se nós duas estivéssemos ligadas na tomada. Aos poucos, um pequeno grupo acompanhava a discussão.
— Oh não, vocês entenderam errado! — Kobayashi se recolhia falsamente assim que viu a movimentação. Ainda assim, era nítido o deboche no tom e nas expressões da garota. — Não quis ofendê-las, apenas ajudar. Sabe que eu te estimo muito Ichikawa, por isso me entristece saber que virou uma esquisitona.
— O que? — Cruzei os braços, arqueando as sobrancelhas para a audácia de Kobayashi.
— Não é o que está acontecendo? De it-girl e número 1 da turma para uma esquisitona que se inscreve em categorias esquisitas junto com um esquisitão. Fiquei chocada quando descobri que você não ia competir na dança esse ano. Não é influência das más companhias?
Aono. Ela estava falando de Aono e naquele momento, senti mais do meu sangue esquentar, ao ponto de ferver na minha cabeça.
— Primeiro, eu achei ter sido bem clara ao te proibir de se referir aos meus amigos dessa forma. — Comecei, fechando os punhos. Kobayashi tinha um sorrisinho convencido no rosto que começou a se apagar quando me aproximei. — Segundo, eu não lhe devo satisfações. Nem a você nem a ninguém dessa escola. As minhas escolhas só me dizem respeito e cabe a mim determinar o que quero fazer ou não. Terceiro, você é tão amargurada assim por causa da porcaria de um título? Se quer tanto assim, ele é todo seu. Bom, isso era o que eu diria se coubesse a mim decidir quem é a número 1 ou não. Os alunos decidiram isso. E até que eles escolham você, o que certamente não vai acontecer devido aos seus modos baixos, eu ficarei. E você e toda a sua inveja não vão ser capazes de me derrubar.
Enquanto Kobayashi se encolhia, fazendo um teatrinho como se eu fosse bater nela, a olhei com todo o desprezo que eu podia sentir por uma pessoa que só causa confusões. Antes de sair, virei brevemente só para a olhar mais uma vez, vendo que atrás daquela parede de tijolos falsos, eu a havia atingido. Seus olhos estupefatos demonstravam isso.
— Mas uma coisa. Se você precisa comprar os alunos com festas e presentes para ganhar uma competição, então isso só mostra o quão perdedora você é. Se quer ser a número 1, então comece a fazer isso de forma justa.
Andei, ignorando os rostos surpresos que acompanhavam a cena e estava disposta a me enfiar no primeiro banheiro quando Tanaka me interceptou. Demonstrando ter visto toda a confusão, ele aplaudia enquanto pulava de animação.
— Minha vilã tá pronta!!
— Que nada. — Ri, retomando a calma. — Aquilo foi só uma pequena tentativa de fazer aquela garota se colocar no lugar dela. — Não podia dizer que parte das minhas palavras foram um embaralhado de frases marcantes que as mocinhas dos mangás falaram, então só recebi o elogio.
— Garota, você vai brilhar tanto nesse papel. Eu vi raiva, vi dramaticidade, vi uma mulher que não deita pra ninguém! Olha, que os deuses da atuação ajudem os outros clubes que competirão com o nosso.
Ri, vendo que só Tanaka conseguiria trazer a paz de espírito que eu precisava. Após conversar com o garoto por alguns minutos, me despedi assim que o sinal tocou. E é claro que, ao passar pelos corredores, o assunto sobre a minha briga com Kobayashi reinava nas conversas locais.
Entrei na sala sentindo que todos os olhares encontravam o meu no mesmo momento, até o do sensei. Pigarreando, o tutor da turma se levantava, indicando a página 52 do livro, onde começaria o assunto da nossa próxima prova.
Nos 45 minutos que se seguiu aquela aula, girei a caneta de um lado para o outro, dividindo as atenções entre o que tinha acontecido no portão do colégio, e a inquietude de Aono, que não me cumprimentou da maneira habitual. Nem ao menos comentou sobre Kobayashi, o que bom, era compreensível já que ele não gostava dela. Mas seu silêncio me deixava agitada, e a permanência dele, quando o intervalo começou, só aumentava a minha agitação.
Não consegui perguntar o motivo daquele silêncio pois, quando estava prestes a juntar as cadeiras como fazemos sempre, Kentin acenava do lado de fora da sala, fazendo um sinal com a mão para que eu fosse me encontrar com ele. Assenti, acenando para os meus amigos antes de ir até Kentin, abrindo um sorriso que nem de longe se assemelhava ao meu sorriso habitual.
— Achei que teria que chamar de novo.
— Eu estava entregando o bentô para o Aono. — Expliquei, me arrependendo no mesmo instante ao notar as sobrancelhas arqueadas de Kentin. Mas aquilo não era algo para se esconder, era?
— Como?
— A mãe do Aono não pode preparar o bentô para ele. Então eu gentilmente me ofereci para trazer já que também faço as minhas.
— Não era a sua mãe que fazia? — Kentin perguntou, e eu pude sentir a chateação estampada na sua voz.
— Antes, era. Mas ela acordava muito cedo e não tinha necessidade, então tomei essa tarefa pra mim. Já era uma vontade minha. Aprendi a amar cozinhar. — Sorri na parte final porque era uma verdade. Cozinhar é muito divertido.
— Espera, você está me dizendo que mudou a sua rotina e está agindo como a babá de um garoto, e espera que eu ache normal?
— Eu não disse para que pensasse dessa forma. — Me defendi, achando o rumo da conversa estranho.
— E de qual jeito você queria que eu pensasse, Sophie? Você nunca preparou uma marmita sequer pra mim. Odiava cozinhar antes, não podia nem pensar em fazer um ovo frito. Agora se dispõe a acordar todos os dias antes do horário para preparar a comida de um cara que pode fazer sozinho?
Fiquei em silêncio. Não havia resposta para aquela pergunta. Não quando "eu" não era "ela", a garota que ele conheceu.
— A Kobayashi tem razão. — Disse ele, chamando a minha atenção para as palavras iniciais. — Você tinha tudo, Sophie. Era reconhecida. As pessoas lutavam para estar perto de você. Agora, é reduzida a uma esquisita.
— As pessoas ainda gostam de mim!
— Por quê você se tornou um produto fácil? O que eu quero dizer, Sophie, é que você era temida. E as pessoas gostavam de você por isso.
— Você está querendo dizer que era melhor quando eu machucava e maltratava as pessoas ao meu redor? Como você fez com o Aono? Como fez com o garoto que disputava uma vaga com você no time nacional de basquete?
— Então você ouviu o que aquele garoto disse. — Kentin grunhiu, a frase soando mais como uma afirmação do que uma pergunta. — Você é minha namorada, e ainda assim fica ouvindo coisas tão deploráveis ao meu respeito?
— Você é o meu namorado, e ainda assim está dando razão à uma garota que não faz questão de esconder seus preconceitos em relação à mim.
Kentin se calou, trincando os dentes. E também resignada ao silêncio, abaixei o olhar, pensando que nosso relacionamento não tinha mais sentido. Estávamos em altos e baixos constantes, brigando e se reconciliando, e em todas as vezes, acusavámos um ao outro de não nos reconhecermos mais. Temendo que mais palavras saíssem e tornassem aquela a última de nossas palavras como um casal, me virei, caminhando em passos lentos de volta para a sala, encontrando rostos atônitos que indicavam ter escutado tudo o que se passou entre Kentin e eu.
❁
— Sabe, você não precisa mais fazer isso. Digo, trazer marmitas.
Aono caminhava ao meu lado, os seus cabelos balançando de modo fervoroso contra a brisa quente. Passávamos ao lado do lago onde semanas atrás eu havia pulado, juntando toda a insanidade e desejo presentes no meu coração. Ao lembrar disso, abri um sorriso.
— Eu prometi. Kentin não pode ditar o modo como eu devo viver.
— Não quero ser motivo de briga entre você e o seu namorado.
— Não é. — Sorri, tranquilizando-o. — Kentin e eu só estamos passando por uma fase ruim.
— Ele ainda te obriga a usar aquela coisa?
— Aquela coisa? — Perguntei, confusa.
— O colar.
— Ah. — Abri um sorriso que não chegou aos meus olhos. — Ele não me obriga. Uso porque gosto. — Apontei para o colar escondido no tecido da camisa social. Kentin parou de pedir que eu andasse exibindo ele por aí, mas isso não significava que ele não deveria estar ali quando ele quisesse fazer a "conferência". — Foi um presente. Namoradas usam presentes de namorados.
— Você tem uma visão de relacionamentos tão estranha.
— Não é estranha! — Me justifiquei. — Você não acha que presentes devem ser usados?
— Acho, sim. — Ele começou, me dando esperanças. Mas antes que eu pudesse abrir os lábios, Aono levantou um dedo, indicando que havia um "mas". — Mas não sou a favor que as pessoas usem aquilo que não se sentem confortáveis em usar, em nome do amor. O amor não sufoca dessa maneira.
Fiquei um tempo em silêncio, pensando no peso dessas palavras. O amor não sufoca... Mas tudo o que senti com Kentin, até agora, foi baseado nas sensações de estar a todo momento submersa, sem previsão para emergir.
— Mas por exemplo, e se a Kana te presenteasse? Você não usaria?
— A Kana não é a minha namorada. — Aono lembrou, sorrindo de lado. — E depende. Se ela me presenteasse com algo que não me deixasse confortável, eu não usaria.
— Hmmmm... É por isso que você não tem namorada. — Brinquei, o cutucando de leve.
— Não que eu não ache que o amor possa ser representado de outras formas. — Aono se esquivava, se defendendo. — Se eu amasse muito alguém, acho que faria uma tatuagem com essa pessoa. Algo que fizesse eu me lembrar dela pra sempre.
— Qual é a lógica? — Ri, balançando a cabeça em negação. — O colar eu posso tirar e guardar, mas e a tatuagem? Se você descobrir que não é amor depois...
— Por isso eu disse que "se eu amasse muito alguém." Mas isso não vai acontecer. E também tem técnicas para retirar a tatuagem hoje em dia.
— Mas devem ser dolorosas e... Espera? Como assim não vai acontecer?
— É isso que você escutou, Jones. Eu não vou me apaixonar.
— Nem pela Kana!?
— Nem por ela, nem por ninguém. — Aono suspirou, verificando o celular assim que o aparelho vibrou.
Fiquei pensando em suas palavras enquanto o observava olhar a tela do celular e o colocar novamente no bolso, com uma expressão raivosa. Naquele momento, pensei se a chateação de mais cedo não tinha relação com o toque do celular.
— Você não vai me dizer por que estava estranho mais cedo?
— Eu não estava estranho. — Aono coçou a nuca, forçando a respiração.
— Você pensa que eu não reparo em você, Akkun? — Brinquei, rindo assim que os olhos estreitos encontraram os meus. — Sei o que cada expressão sua quer dizer. Assim como sei que está chateado agora.
Aono pensou, pensou e pensou. Rolou os olhos por uma, duas, três vezes até suspirar e se dar por vencido diante do meu olhar pidão. Apontando para um banco, o garoto se acomodou enquanto eu fazia o mesmo.
— Meu pai. — Ele começou. — Não para de mandar mensagem.
— E ele disse o que quer? — Perguntei, sabendo que aquele assunto era delicado.
— Disse que quer me ver. Mas eu não quero vê-lo, entende? Ele se afastou a tanto tempo e... Eu só queria que continuasse afastado.
— Aono, eu sei que é difícil. — Iniciei, pegando na mão dele e o encarando diretamente. — Mas você tem que perdoar o seu pai algum dia. Mesmo que não mantenham contato depois... Esse ponto final vai fazer bem pra você.
— Perdoar o canalha que desgraçou a mim e a minha mãe? — Disse ele, rindo de modo incrédulo. — Você não sabe o inferno que foi passar por tudo aquilo. Os repórteres fazendo campanha em nossa casa, ver a minha mãe cada vez mais fragilizada e longe do que ela amava, ser assunto no colégio... E tudo piorou quando a minha mãe me deixou com ele. A vida que ele levava... Aprendi a odiar a vida, convivendo com o mesmo cara que hoje quer estreitar laços comigo.
Senti as mãos de Aono geladas, e as bochechas vermelhas seguravam lágrimas que ficavam retidas nos olhos. De repente, fui transportada para todos os cenários que o garoto me descreveu, suas idas e vindas do colégio, esquivando-se de repórteres, em outro, o vi com as bochechas salpicadas de lágrimas ao ter que dar entrevistas de como a sua família foi arruinada. Uma audição de violino em que Aono caiu em prantos, e diversos comentários sobre a sua situação delicada surgiram, isolando-o. Fui transportada para o dia em que ele, quando era apenas uma criança, se segurava nas pernas da mãe, pedindo que ela não o deixasse.
— Sinto muito. — Era tudo o que eu podia dizer, nauseada com o tanto de informação. — Sinto muito mesmo.
— Não é culpa sua. — Disse ele, me tranquilizando. — Acho que já está na sua hora de ir. — Aono apontava para a estação, que estava a alguns metros a frente. — Não quero que chegue tarde em casa.
— Sim. — Me levantei, sentindo a perna fraquejar, como se elas não quisessem ir, quisessem ficar. — Aono? — O chamei, poucos metros depois. A luz do poste que ficava atrás do banco deixava as suas feições luminosas, mas eu sabia que aquilo era ilusão. Dentro e fora do Aono, na verdade, havia muita dor.
— Sim?
— Você não é o seu pai. — Despejei. — Não jure que nunca vai se apaixonar por causa dos erros dele. Não deixe que o seu coração sangre por causa dele. Você merece mais do que ele te deu a vida inteira, e eu peço aos céus que não só você encontre isso em outra pessoa, mas em si mesmo.
Aono não respondeu. Seus olhos estavam fixos em mim, os lábios abrindo e fechando enquanto uma vermelhidão tomava conta de suas bochechas. Surpresa. Era isso que estava estampado no rosto dele.
À noite, rolei, me cobri e descobri dos lençóis até aceitar o fato de que não conseguiria dormir. A conversa com Aono ainda era o foco dos meus pensamentos, e as minhas palavras, somadas às dele, me deixavam com a agitação da mesma tempestade que estava para chegar.
LINE
AONO SOUSUKE (ONLINE)
(00:18) Você: Também não consegue dormir?
2 minutos depois. Visualizada.
(00:22) Akkun ❤️: É a Nyakko. Ela está com medo dos trovões.
(00:24) Você: Acho que deve ser por isso que não consigo dormir. Detesto trovões.
No céu, e nos meus pensamentos.
Continuei.
(00:25) Você: A Nyakko está bem? Saudades dela.
foto
(00:27) Akkun ❤️: Ela está mandando oi.
(00:28) Você: AHAJSJDISJSISSUWU QUE FOFA
Nyakko estava com a língua para fora, deitada na cama do Aono. Muito fofinha.
Chamada de vídeo atendida
— Sabia que eu podia estar só de cueca?
— Você atenderia se estivesse só de cueca? — Ri, devolvendo a brincadeira. Havia ligado em chamada de vídeo pois precisava ver a Nyakko, uma foto não era suficiente. — Quero ver a Nyakko.
— Tá aqui encolhidinha do meu lado. — Aono disse virando a câmera. Com a luz da tela, Nyakko miou, e o barulho ecoou nos meus ouvidos cobertos com o fone, me fazendo rolar na cama, rendida com tanta fofura.
— Ela é tão fofinha! — Comentei, enquanto descia com cuidado as escadas da beliche para não acordar a Yuina. Ela tinha sono leve, e já era uma baita sorte ela não ter acordado até então. — Mas e você, tá bem?
— Uhum. — Aono respondeu, virando a câmera novamente para o seu rosto. Pelo ângulo, ele estava escorado em um travesseiro, e alguns dos fios preso em um rabo de cavalo escapavam no tecido. — Ele não mandou mensagem depois daquela vez. Acho que desistiu.
— Isso é bom. — Sorri, mesmo achando o contrário. Aono tinha que conversar com o pai dele, mas eu como uma pessoa de fora não podia me meter - mais do que estava me metendo. -
— E você? Conversou com o Kentin?
— Hmmm... Não. — Mordi o lábio. Pra falar a verdade, eu havia esquecido o desentendimento com Kentin, pelo tanto de coisa que aconteceu depois. Mas ao recobrar na memória, senti que deveria prestar mais atenção naquilo.
— Olha, é nítido que eu não gosto dele. — Aono comentou de maneira óbvia. — Mas eu acho que vocês devem conversar. Não sei, o relacionamento de vocês está meio... estranho? Acho que não é bom só remendar problemas. Eles sempre se soltam depois.
— Você quer me dar conselhos amorosos? — Ri, encontrando um canto confortável no antigo quarto de brinquedos. — Eu sei, eu sei. Vou conversar com ele, prometo.
Aono assentiu, e um por tempo a conexão ganhou o som característico da noite. Quebrando o silêncio de maneira repentina, olhei para a TV, tendo uma ideia.
— Você já tá com sono?
— Não.
— Por Kami, o que estamos fazendo quando deveríamos estar dormindo para nos preparar para amanhã? Mas enfim, acho que a gente pode encontrar o sono assistindo um filme.
— Um filme? — Aono se ajeitou, e dessa vez dava para ver a camiseta larga que ele usava, escrito "eu não acredito em pôneis." Aono e suas camisetas esquisitas.
— É, um filme. — Confirmei, ligando a TV. — As meninas me mostraram um aplicativo que dá pra assistir filmes com os amigos, cada um assistindo na sua casa. O filme vai ser exibido ao mesmo tempo para nós dois.
— Acho que eu sei qual é. Já usei com o pessoal. — Aono sumiu do meu campo de visão, e por um tempo fiquei encarando o teto branco, até algo peludo tomar o espaço da tela. — Nyakko, sai de cima do meu celular.
Ri descontroladamente, precisando tapar a boca para cessar o barulho. Em seguida, retomada a visão do teto branco, fui surpreendida com os olhos de Nyakko, encarando a tela.
— Oi, Nyakko! — Cumprimentei. Aono voltou segundos depois, voltando a aparecer na tela. — O que você estava fazendo?
— Pegando meu notebook. Já escolheu o filme?
Foi aí que eu tive uma ideia melhor ainda. Uma que eu estava preparando há muito tempo.
— Vamos ver a princesa e o sapo.
— Ah não, sem filme Disney.
— Ah, sim. — Retruquei. — Você prometeu quando estávamos no Acampamento.
— Não lembro de ter prometido nada.
— Prometeu sim! — Fiz biquinho. — Por favorzinho.
— Tá, ta. — Aono assentiu a contra gosto. — Não sei se vou me manter acordado até o final do filme, mas se sim, vamos ter que assistir um filme da minha escolha depois.
— Vai ter aranhas assassinas e goblins?
— Com toda certeza. — Aono sorriu.
— Hmmm... — Fiz uma careta. — Ok, fechado.
E assim, iniciamos uma madrugada de choros e gritinhos quando a Tiana e Naveen ficam juntos - aliás, o Naveen é o melhor príncipe da Disney, e é claro que os choros e gritinhos foram meus, Aono bocejou de 5 em 5 minutos - e um filme que eu não recomendaria nem pro meu inimigo. Passei a metade do filme com vontade de ir ao banheiro e a outra desejando não ficar sozinha à noite nunca mais.
— Você não tem pena de me fazer assistir a um filme desses!? — Gritei, quando o filme estava nos créditos.
— Gostou? É uma trilogia. Se quiser, assistimos os outros dois em outro dia.
— Eu não quero nunca mais assistir um filme recomendado por você! — Choraminguei. — Aquela cena da aranha assassina comendo o rosto do fazendeiro... E como assim é uma trilogia se no final a aranha assassina morre?
— Ué, elas morrem mas os filhos dela ficam. — Aono explicava como se aquela fosse a coisa mais normal do mundo. — E nem vem, você me fez assistir a coisa mais melosa da minha vida. Humanos que viram sapos e depois viram humanos de novo com um beijinho? Nesse caso, as aranhas assassinas parecem mais verossímeis.
— Seu... seu... Seu sem coração! Você não consegue ver a beleza no beijo de amor verdadeiro.
— Talvez porque seja só balela. — Aono retrucou, rindo com um fundo de verdade. Em seguida, ao notar o meu bocejo, o garoto suspirou, apontando. — E você, tem que parar de sonhar acordada e ir dormir.
— Humpt, te digo o mesmo, mocinho.
— Esqueceu quem é o mais velho aqui? — Aono disse, com um sorriso sapeca nos lábios. Acabei de perceber que não me importaria se eu visse esse sorriso mais vezes, mesmo que isso significasse que ele estava mexendo comigo.
— Ah não, você não vai usar a carta da idade.
— É a minha carta coringa. — Ele respondeu, ainda com o mesmo sorriso. — Agora é sério, Jones. Vai dormir.
— Ok, ok. Você também. Tem que estar disposto para me acompanhar amanhã.
Nesse momento, Aono arqueou as sobrancelhas de maneira engraçada. E a isca estava mordida.
— Na verdade, é você quem vai me acompanhar amanhã. Não fique muito para trás, Jones.
Assenti, sorrindo. Aono estava ansioso pelo amanhã. Para tocar ao meu lado. E eu também estava.
❁
— Eles não deveriam adiar esse Show de Talentos? Se a previsão do tempo estiver certa, está vindo uma tempestade pesada por aí. E já que ontem não choveu...
Enquanto eu preparava a mochila com a roupa que usaria na apresentação, olhei para o celular, ainda sem mensagens de Kentin. Não queria ficar tanto tempo sem falar com ele, mas temia uma descontração. Por isso, prometi a mim mesma que conversaria com ele quando o Show de Talentos acabasse.
Mamãe, Yuina e Tia Miya iriam para o colégio no horário da apresentação, e enquanto eu atravessava o curto caminho até a rua do colégio no trem, balancei as minhas pernas, indicando nervoso. Havíamos treinado o bastante para isso, mas... Eu não podia fazer feio. Era a primeira apresentação de Aono desde que havia largado o violino, e nada, absolutamente nada poderia dar errado.
Entrei no espaço enfeitado com os cartazes e laços produzidos pelas turmas, procurando os meus amigos que se encaminharam em minha direção ao me verem. Keiko e Kaori tão nervosas quanto eu, cansadas de ensaiarem, Pokko, que só assistiria e torceria por nós, e Aono, que estava com o semblante impassível, mas uma pequena ruga ao lado dos seus olhos explicitava que havia uma certa ansiedade em se apresentar depois de tanto tempo. O Show de Talentos da Hachi não era como nenhuma audição que ele já havia participado, mas ainda nutria uma certa grandeza, devido à importância familiar da maioria dos que aqui estudavam. Por isso, quando o evento teve início e o diretor tomou a frente, não poupou elogios aos pais e aos alunos presentes.
— Você tá nervoso? — Cochichei enquanto o diretor puxava o saco do pai de Kentin, que em falar nele, havia passado direto por mim no corredor. Kentin não participaria em competição nenhuma, mas além do voto popular, parte da média total de notas provinha dos juízes, membros do Conselho Estudantil. Por isso, com um lugar que o colocava em tanto destaque, o pai de Kentin sorria e acenava enquanto recebia aplausos, mesmo que não houvesse razão aparente para recebê-los.
— Por quê estaria? — Aono rebateu, confuso.
— Ah, por ter tempo que você não se apresenta com o violino em público.
— Ah. — Aono respondeu, entendendo. — Eu não me afastei totalmente do público, apesar de ter trocado o instrumento. Mas posso lidar com isso.
— Certo. — Sorri, voltando a prestar atenção ao que o diretor dizia.
Quando o discurso enfim terminou e foi iniciado o dia de apresentações, voltei a ficar nervosa a cada meia hora que nos aproximava da nossa apresentação. Quando foi a vez das meninas, gritei e dancei, às apoiando enquanto a música rolava. Kaori hipnotizava no palco, e Keiko não ficava atrás. Seus movimentos fluidos e passos coordenados, além da clara sincronia das gêmeas, as fizeram merecedoras de todos os aplausos que recebiam. De todos eles, arrisco dizer que os aplausos de Pokko foram os mais fortes.
— Eu nem sei quem são as outras, mas elas dançam pra caramba. Meu voto é delas. — Surpreendendo a todos nós, Ayane pedia espaço para os alunos ao nosso lado, se colocando entre Pokko e Aono. Atrás dela, Peiji, Ogetsu e Kana completavam o grupo. — Aliás, quero o contato da garota de saia roxa.
— Vocês demoraram. — Aono estreitava os olhos, cumprimentando a todos. Reparei que o cumprimento com Kana foi o único que demorou mais de 2 segundos. E eu juro que não contei. — E aquela é a Keiko. Vocês se viram no CXC.
— Que mancada! — Ayane levou as mãos até a cabeça, visualmente chateada. — Não esqueço mulher bonita.
— Tá, mas e aí... — Peiji tomava à frente. — Quando vai ser a vez de vocês?
— Na próxima categoria. — Respondi, aproveitando para cumprimentar o grupo. Indo de oposto a Aono, meu cumprimento com Kana foi o mais rápido.
— Entendi, entendi...
— E vocês não disseram até agora qual música irão tocar. — Ogetsu observou, ajeitando os óculos. Eu nem sabia que ele usava óculos.
— É segredo. — Aono respondeu, antes de se afastar. Havia chegado a hora da nossa preparação. — Vamos? — Estendendo a mão para mim, Aono me esperava, e instintivamente, olhei para Kana, que estreitava os olhos para aquele pedido. Sem olhar mais, aceitei.
Respirei fundo a cada nome que era chamado, ficando cada vez mais próximo do nosso. Aono me olhava com curiosidade, observando o subir e descer do meu peito agitado.
— Tá nervosa? — Ele repetiu a pergunta, com divertimento na voz.
— Ah, pode rir. — Estalei os lábios. — Diferente de você, nunca fiz isso.
— Mas pelo o que eu lembro... Quem teve essa ideia maluca foi você.
— Sim, e eu não me arrependo, mas... Fico nervosa mesmo assim.
Aono suspirou, se aproximando devagar. E quando ficou perto o bastante, colocou as mãos em meus ombros, me fazendo olhar para ele.
— Escuta. Eu já toquei com muitos pianistas durante as minhas audições, mas... Nenhum deles se equipara a você.
— Você só tá dizendo isso pra animar...
— Eu não diria se não fosse verdade. Você sabe que eu sou sincero.
— Bom, isso eu não posso negar. — Ri, lembrando de todas as vezes que fui xingada por ele.
— Então... Acredita em mim agora?
Assenti, parando no caminhar ao observar o rosto de Aono tão perto do meu. Enrubesci, sentindo o meu corpo queimar apenas com o ar entre nós sendo compartilhado. Estar tão perto de Aono era... quente. Mais quente que o tempo que estava por vir.
— Aono Sousuke e Ichikawa Sophie? Vocês estão prontos? — Alguém intervinha, nos fazendo tossir e nos mover cada um para um lado. Assentindo, esperei a garota sair para olhar para Aono, e sorrir de maneira fraca. Ele também sorriu, me oferecendo a mão.
Olhei ao redor, encontrando rostos conhecidos. Minha mãe, que sorria, Yuina, Tia Miya e as gêmeas, além de Pokko e os amigos de Aono, que aos poucos se tornavam meus amigos também, e por último, Kentin.
— Prontos. — Afirmei, com um sorriso.
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Oioi cerejinhas, como vcs estão? Chegamos com a primeira parte do cap 24 (sim, esse capítulo é gigantesco e em breve vcs saberão o pq) com o início de uma nova estação!! Por aqui já estamos curtindo o verão e como vcs sabem as estações em MNVSE tem total relação com a história, né? Ao longo desses 23 caps estávamos ambientados na primeira, onde a nossa protagonista acordou em um novo mundo e foi desabrochando junto com as cerejeiras, se adptando à nova realidade e vendo o seu universo florescer. Agora que estamos chegando no verão, o que vcs acham que irá acontecer? Pra mim, verão é sinônimo de intensidade... E com essa palavrinha, convido vcs a estarem aqui para o próximo capítulo! Um xêro
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