Capítulo 21 - Impulsos


— O que você está fazendo aqui? 

Ríspido, Aono estreitava os olhos, me encarando. 

— Eu vim te buscar. — Respondi, sincera. Aquele lugar exalava uma tristeza profunda, e poucos minutos ali já me deixava com calafrios.

— Quem é essa, Sou? Tua namorada?

Risonho, o garoto ao lado de Aono se levantava, cambaleando em minha direção. Como resposta, encolhi instintivamente o meu corpo.

— Não se mete nisso, Jack. Ela já está indo embora.

— Não estou não! — Protestei. — Não até você vir comigo.

Hmmmm, a gatinha tem atitude... — Me olhando de cima a baixo, Jack se aproximava, passando o braço em volta do meu ombro. As pessoas ao redor paravam para nos olhar, apontando.

— Jack. — Aono dizia em tom de aviso.

— O quê foi, cara? — Se aproximando mais, Jack dirigia o seu sorriso assustador para mim. O garoto exalava um forte cheiro de bebida, e sua aproximação me assustava ao ponto de não conseguir fazer mais que me forçar a dar alguns passos para trás. — Foi ela que te procurou, nada mais justo que a incluirmos na diversão. Fala pra mim, gracinha, qual é o seu nome?

Jack ainda sorria diante da minha paralisação, esperando por uma resposta que não seria capaz de sair. Prendi a respiração, procurando alguma forma de escapar daquela situação, até perceber que o rosto de Jack não estava mais virado na direção do meu, e sim para Aono, que impacientemente colocava uma das mãos no pulso do garoto.

— Tira a mão dela.

— Qual foi, Sousuke? — O sorriso no rosto de Jack morria à medida que o aperto se intensificava. — Eu pensei que a gente fosse---

— Achei que já estivesse claro, Jack. Tira a porra da sua mão.

— Ou o quê? — Disse o garoto de forma debochada, passando os dedos no meu ombro. Fechei os olhos, tentando conter a bile que subia pela garganta. — E eu achei que já estivesse claro que aqui, a gente divide tudo. Até as namoradas gostos---

No segundo seguinte, fui empurrada para o lado, precisando de equilíbrio para não cair. Enquanto eu buscava por ar, contendo o pânico que paralisava as minhas veias, a roda de pessoas que assistiam a interação levavam as mãos à boca. E foi um urro vindo do centro da roda que fez o meu relógio mental voltar a girar.

Os lábios de Jack pingavam sangue e o nariz estava direcionado em um ângulo retorcido. Nas maçãs do rosto, uma mancha arroxeada se destacava na pele clara, e no punho de Aono, havia a marca do que havia sido feito.

— Toca nela de novo, e você vai ser um homem morto. — Ameaçava Aono, quase rosnando. A raiva estava presente em seu tom de voz e nos seus gestos.

— Seu... filho da--- — Jack não completou o xingamento. Em vez disso, partiu para cima de Aono, e em poucos minutos, o ressentimento verbal dava lugar a troca de socos sem intenção de cessar. Meu coração estava acelerado, e os olhos custavam a acreditar no que viam. Mais ainda, não queria acreditar que ninguém estava intervindo.

— Aono, para! — Pedi, vendo o garoto  desferir golpes consecutivos contra o rosto do outro. Apesar do pequeno corte no lábio inferior, Aono levava a melhor, deixando mais marcas. Mas aquilo nem de longe era algo para se comemorar.

Daquele jeito, Aono parecia distante do garoto que eu conhecia. Como se estivesse entregue ao desespero e aos demônios ocultos que lhe cercavam. Naquele estado, liberando toda a fúria retirada, Aono estava mais próximo do futuro que o aguardava. E aquela possibilidade fez o meu corpo agir.

Alguns braços ainda tentaram me interceptar, mas esquivando de todos eles, entrei onde ninguém mais se interessava em chegar. Com os olhos marejados, agarrei o corpo de Aono, escondendo o meu rosto em sua camisa ensopada.

— Já chega... Por favor.

Aono tentava se soltar, me ignorando. Aquele ato liberou as lágrimas que saltavam dos meus olhos, e aumentando o aperto, mordi os lábios, precisando de toda a força possível para que ele não voltasse a fazer o que estava fazendo.

— Eu sei que você não é assim! A pessoa que é tão gentil comigo não faria essas coisas! Então por favor, volta...

Sentindo o corpo do garoto se afrouxar, olhei para cima, no mesmo momento em que seus olhos nublados estavam voltados para mim. Jack estava caído a alguns metros dele, e passada a briga, os espectadores se juntavam em volta do garoto, avaliando o seu estado.

— Me solta, Ichikawa. Eu vou embora.

Por instinto, o soltei, mesmo que não fosse o que eu queria. Aono se foi antes que eu pudesse dizer alguma coisa, e dividida entre ir até Jack e segui-lo, resolvi escolher a segunda opção, sentindo que Aono não poderia ficar sozinho naquele momento.

— Aono, espera! Espera, por favor!

Apressei o passo, desviando de transeuntes até alcançá-lo. Aono prosseguiu até virar em um beco estreito, e somente nesse momento, parou.

— O que você foi fazer naquele lugar? — Entredentes, Aono me perguntava sem se virar.

— O que você foi fazer naquele lugar? — Retruquei, parando a poucos metros dele. Aono estava com a camisa branca salpicada de sangue, os punhos cerrados e alguns fios das mechas loiras grudadas no pescoço suado.

— Isso não é da sua conta.

— Por quê não? Eu achei que nós fôssemos amigos.

— Não, nós não somos.

— Por causa do Kentin? — Perguntei com uma ponta de mágoa. — Eu sei o que ele disse pra você. Sei que falou para que se afastasse.

— Quem te falou isso? Ah claro... — Rindo consigo mesmo, Aono levava um das mãos até o cabelo, o puxando para trás. — A mesma pessoa que te falou desse lugar. Eu já até desconfio de quem seja...

— Você não respondeu a minha pergunta. — Insisti, desviando o assunto. Não queria que ele brigasse com a Ayane por minha causa.

— Não me afastei de você por causa de ninguém.

— Não é o que parece.

— Será que você não percebe do que está indo atrás? — Virando para mim, Aono me encarava com os olhos mergulhados em dor, assim como todo o conjunto da expressão. — Eu sou uma bomba, Ichikawa. Quero te poupar da explosão.

— Ichikawa? Me poupar da explosão? — Exclamei, exasperada. — Com quem você pensa que está falando? Eu não sou criança, Aono. Não preciso ser protegida por você. Não preciso que um namorado me impeça de conversar com quem eu quero. Não preciso que ninguém tome decisões por mim. Não mais.

— E estragar o seu relacionamento por causa de um problema? — Aono insistiu, fechando os pulsos. — Eu não quero que você se arrependa depois. Que diga que todos os erros de sua vida aconteceram depois que estive presente nela.

Aono abaixava a cabeça, parecendo já ter ouvido aquelas palavras, muito tempo atrás. Naquele momento, vi o pequeno Aono, acuado, após ouvir aquelas duras palavras da pessoa que deveria protegê-lo de todos os dizeres ruins. E com o passar dos anos, a sensação de ser indesejável o acompanhava como um brinquedo de recordação.

— Eu nunca seria capaz de dizer isso. — Revelei. — Nunquinha.

Aono levantou o olhar no momento em que uma fresta de sol iluminava o beco em que estávamos. Meus traços eram iluminados enquanto os dele, devido à uma tenda próxima que impedia a passagem de sol, continuavam imersos na penumbra. Mas nos seus olhos, a promessa de dias iluminados se refletiam na forma de uma garota. E naquele instante, o garoto se lembrou com quem estava falando.

— Eu estou falando sério, Aono Sousuke. Só vou sair da sua vida quando você quiser. Mas por quê não me aguenta mais, e não para me proteger de algo que não preciso ser protegida.


Aono, teimoso do jeito que era, se recusou a tratar os pequenos ferimentos. Algumas pessoas nos encaravam com expressões duras nos rostos, e outras cochichavam sobre o fato de jovens tão novos serem delinquentes. 

— Pra onde você tá me levando? — Perguntei, ignorando os olhares das pessoas que passavam.

— É segredo. — Aono sorriu, exibindo o corte no lábio.

Assenti, caminhando um pouco atrás. Ainda me lembrava do fato de Aono ter socado um garoto a menos de meia hora atrás, e estava genuinamente preocupada com a possibilidade de uma revanche. Mas naquele momento, com o garoto relaxado, senti que deveria aproveitar o momento.

— Um prédio comercial? O que viemos fazer aqui?

Perguntei, confusa. O prédio era tão grande quanto os meus olhos poderiam medir, e se pareciam com aqueles prédios executivos que a gente vê na TV.

— Nos outros andares, nada. — Aono comentou, passando a mão no lábio para limpar o sangue seco. O movimento retomou a pontada de dor, sendo revelada por meio das pálpebras apertadas. — O mais interessante está lá em cima.

Misterioso, o garoto apertava o botão do elevador, me deixando sem mais informações. Desconfiada e curiosa, o segui, ficando poucos segundos ao lado dele até atingirmos o último andar. Quando a porta voltou a se abrir, Aono se dirigiu à uma escada.

— Eu ainda não estou entendendo... — Comentei enquanto subia. A escada era bastante escura, devido a cor terrosa das paredes.

— Você vai entender já, já.

Risonho, Aono parava abruptamente, me fazendo colidir com as suas costas. Alisando o nariz dolorido, perdi o momento que o garoto abria uma pequena porta, revelando uma lufada de ar que jogava o meu cabelo para trás.

— E chegamos. — Aono disse depois de um momento, me levando de encontro a toda Tokyo debaixo dos meus olhos.

— Isso é... Incrível. — Comentei, girando os pés para observar tudo. Seja lá qual fosse a direção que os meus pés me levavam, havia toda uma cidade esperando para ser contemplada. — Dá um medinho, mas é muito lindo.

O local era totalmente aberto, salvo por um pequeno guarda-corpo. O vento trazia uma certa sensação de liberdade, que aproveitei enquanto abria os braços, sentindo a leveza me envolver.

— Sabia que você ia gostar. — Comentou Aono, enquanto eu estava com os olhos fechados. — Quando eu não estou lá, venho para cá. É bom para pensar.

Assenti, abrindo os olhos novamente. E quando o fiz, não pude ficar mais espantada do que já estava.

— O quê você está fazendo? — Berrei, vendo-o sentado em cima da proteção. Uma das pernas do garoto estavam para o lado de fora, aumentando a aflição.

— Aproveitando a vista. — Aono disse normalmente, como se o fato dele estar quase pendurado naquela coisa não fosse o suficiente para causar pânico. — Você deveria fazer o mesmo.

— Eu!? — Exclamei. — Nesse espacinho? 

— Achei que a senhorita Jones não tinha medo de nada.

Fiz um bico, estreitando os olhos como se perguntasse “Você está me desafiando?” e em seguida, caminhei cautelosamente até a proteção, indecisa.

— Vem. Eu te seguro.

Assentindo, peguei a mão do garoto, levantando o primeiro pé. Fechei o olho à medida que erguia o outro, e apertei o lábio quando lentamente me sentei. Aono envolvia o meu corpo, enlaçando os braços em mim para que eu ficasse mais segura. Não estava esperando por aquilo, e imediatamente corei, sentindo o meu coração palpitar.

— Viu. Eu disse que valia a pena.

Assenti, olhando para a cidade daquele ângulo. Ainda temia olhar para baixo, e ver a distância que estávamos, mas pouco a pouco, o medo deixava de ser uma prioridade. Senti o vento bater na minha bochecha, convidativo.

— Um pouquinho. — Confessei. Em seguida, relaxei, balançando as pernas lentamente. — Por que... Você vai naquele lugar?

Silêncio. Desviei o olhar, apertando os lábios. Talvez eu não devesse entrar naquele assunto, mas não consegui deixar de perguntar.

— Eu não sei. — Aono confessou. — Só me sinto confortável lá.

— Mas... Aquelas pessoas... Aquelas coisas que eles estavam usando... 

Me calei, lembrando das coisas que vi. Jovens compartilhando garrafas com embalagens estranhas, trazendo olhares vagos e sorrisos tortos. Outros, enrolados em cobertores, passavam cigarros e deixavam a fumaça os levar para um mundo desconhecido e irreal.

— Você quer saber se eu uso drogas, Jones? — Perguntou Aono, com uma risada baixa e entristecida.

— Eu não...---

— Não uso. — Disse Aono ao me interromper. No momento em que o encarei, seu enlace em volta da minha cintura me trouxe mais para perto. — Já me ofereceram, e eu já senti vontade de experimentar... Mas não.

Olhando para baixo, não respondi. Vendo que não teria resposta, Aono prosseguiu.

— Acho que o que me mantém lá é que de um jeito ou de outro, todo mundo tá no mesmo barco. Apesar de tudo, a gente se entende.

— Sinto muito por ter causado a briga com o Jack.

— Você não teve culpa. — Aono suspirou. — O Jack é um escroto. Já não é a primeira vez que ele causa confusão por lá.

— Você já... Brigou alguma vez?

— Lá? — Aono prosseguiu assim que assenti. — Não fisicamente. Não me olhe desse jeito, já disse que a culpa não foi sua. Eu só estava muito estressado e acabei descontando nele. Não deveria ter feito isso.

— Não deveria mesmo. — Afirmei, um pouco mais aliviada. — As coisas não devem ser resolvidas dessa forma. E se ele quiser se vingar?

— Acho difícil. — Aono sorriu, me tranquilizando. Sabia que ele queria passar uma impressão segura, mas eu ainda sentia medo. — Aquilo tudo é só fachada. O Jack não é um cara que fica na linha de frente.

— E por isso mesmo que ele é perigoso. Você já pensou se ele forma um grupo para te perseguir?

— Você está vendo muito filme de ficção, mocinha. — Disse Aono rindo, enquanto bagunçava o meu cabelo. — Relaxa. Eu sei me virar.

— Falando assim, você parece mesmo um delinquente. — Brinquei, encarando o céu parcialmente alaranjado.

— Nunca disse que não era. — Sibilou Aono, piscando um dos olhos. Em seguida, nós dois nos perdemos na imensidão laranja do céu.


Encarei o mural ao lado da sala do clube de Teatro, tomando coragem para ler os nomes. Os resultados das audições haviam saído, o que significava o começo das semanas de treinos intensos, em preparação para o Festival Cultural. Abrindo um dos olhos, rolei a vista pelos nomes grafados no papel, soltando um muxoxo ao não encontrar o meu nome.

— É, acho que eu estava esperando demais mesmo. — Sussurrei, ajeitando a mochila em minhas costas para sair.

— Passarinho! — Disse Tanaka do fim do corredor. O garoto saltitante me alcançava com pulinhos, sorrindo de ponta a ponta. — Ansiosa para os ensaios? Já aviso que não serão fáceis, mas acredito que você vai tirar de letra.

— Do que você está falando, Tanaka-san? Eu não passei.

— Ah, sem essa de “san”. — Tanaka disse com um sorriso de lado. — Já temos intimidade o suficiente para não precisarmos dessas formalidades. E que história é essa de quê você não passou? Tenho certeza que coloquei o seu nome no mural.

— Deve ter sido um engano, eu não estou lá. — Suspirei, apenas querendo ir para casa. Eu não estava com expectativas altas para participar dessa peça como uma das principais, mas ter um baque bem diante dos seus olhos é doloroso. — Eu já olhei na lista, e outra garota foi a escolhida para interpretar a mocinha. Não tem o meu nome lá.

— Mas é claro que não tem! — Tanaka riu, dando tapinhas no meu ombro. Que mudança de expressão era aquela? Confusa, estreitei os olhos, esperando que ele prosseguisse. — Você não vai fazer a mocinha, passarinho. O seu papel é o da vilã.

— Mas eu não fiz teste para ela... — Comentei em voz alta, paralisada. Eu havia pulado o nome escolhido para a vilã, por não esperar que eu fosse convocada. Afinal, eu não havia feito o teste. Não era justo. — Não posso aceitar. Outras garotas devem ter feito testes excepcionais, e como eu não fiz o teste, eu...

— Sophie. — Tanaka me silenciou, colocando o indicador sobre o meu lábio. — Quer saber o motivo pelo qual você não foi escolhida para o papel da mocinha?

Assenti, incapaz de falar. Tanaka prosseguiu.

— Por que você tinha potencial demais para ela. — Recolhendo o dedo, Tanaka sorriu diante do meu choque. — Não que ela não seja ótima também. Mas a sua expressividade artística precisa ser canalizada em um papel que a permita explorar.

Não sabia o que falar. Abri e fechei os lábios, em busca de alguma palavra, algo que pudesse contradizer o que ele estava dizendo. Por quê não tinha como, uma pessoa como eu, que até então mal tinha expressões, ter tantas no atual momento que poderiam transbordar.

— Você tem talento, garota. — Tanaka finalizou. — Tudo o que você precisa fazer é acreditar nisso.

Naquele momento, me lembrei de Dália e as suas palavras em frente ao espelho. Colocando as mãos nas bochechas, prendi os lábios, precisando de apenas alguns segundos para surtar.

Cruzei a porta do colégio, encontrando Aono sentado no último degrau. Explodindo, pulei e gritei ao mesmo tempo, sacudindo as mãos.

— Espera. — Disse Aono, pegando as minhas mãos. — Devagar.

— Eu passei!! — Sorri genuinamente. — Eu passei mesmo!

— Não esperava um resultado diferente. — Abrindo um sorriso, Aono soltava as minhas mãos. Em seguida, vasculhou os bolsos e fechou as mãos na minha. — Por isso, tomei a liberdade de te dar isso. Não vai pensando que eu comprei exclusivamente para te dar. Eu só comprei os iogurtes e...

Assenti, abrindo as mãos. No centro dela, um pequeno gatinho da promoção das Meninas Mágicas Anima me recebia com toda a sua fofura.

— Eu não acredito!! — Exclamei, apertando o chaveiro no peito. — Como você conseguiu? Eu soube que estava esgotado em todas as lojas participantes de Tokyo.

— Eu, hmmm... — Coçando a nuca, Aono se virava para o lado, incomodado. — Achei por aí. Não quer?

— Quero. — Assenti, ainda querendo descobrir como ele havia conseguido. Ele estava em Nanto alguns dias atrás, mas não quis me aprofundar no assunto. — Obrigada. — Agradeci, encarando o presente. Eu já havia ganhado todos os chaveiros possíveis da coleção, mas ainda assim, apertava aquele chaveiro cheio de significados para mim.

— Oi! — Uma garota de cabelo vermelho nos interceptava, na saída do colégio. Estreitando os olhos, a reconheci como um dos membros do Conselho Estudantil. — Vocês já estão sabendo da semana de Show de Talentos? Vou deixar esse card com vocês caso tenham interesse.

Assenti, pegando o papel. Alguns metros depois, li em voz alta as informações com tinta preta.

—  ...Nesse ano teremos competições de Dança, Canto, Cordas e Piano... Espera, Cordas e Piano!? — Exclamei. — Aono, a gente tem que participar!

— Hm?

— Olha Isso! — Insisti, colocando o papel na frente do rosto dele. Afastando a minha mão, Aono passou o olho pelo papel, suspirando em desinteresse. — É sério que você não ficou animado?

— Não. Acho esse Show de Talentos um saco.

— Ah, para! — Balancei a cabeça em negação. — Vai ser super legal.

— Você sabe que eu não toco mais violino.

— Não sei. — Revelei, sincera. — Tudo o que eu sei é quero te ver tocando de novo.

— Não vai rolar.

— Hm, quem sabe? — Sorri. — Você não pode falar pelo amanhã.

— Não? — Aono me encarava, confuso.

— Não. Quem sabe o que vai acontecer? Tudo o que podemos fazer é... aproveitar o hoje.

— Não sei se acredito nessas coisas.

— Como não? É a coisa mais certa que tem. Se não aproveitarmos o que temos ao nosso alcance no momento, poderemos nos arrepender. É por isso que quero fazer tudo o que quero, sem arrependimentos.

O céu estava bonito. Pássaros atravessavam o caminho salpicado de nuvens, ora sumindo entre elas, para depois serem descobertas, seguindo o seu caminho. A brisa era convidativa para o balançar lento dos meus cabelos, criando ondas de ar imaginárias em minhas bochechas. E abaixo da ponte em que nós dois passávamos, o rio corria transmitindo paz.

— Como isso. — Sorri, largando a minha mochila. Ao mesmo momento em que o som seco atingia o chão, me preparei, apoiando ambas as mãos no parapeito. Meu coração estava acelerado e a mente elétrica, conduzindo aquela ideia maluca. No segundo seguinte, saltei.

— Jones!! — O grito de Aono ecoava na avenida vazia no segundo em que meu corpo era recebido pela água gelada. Gotas de água dançavam no ar, lentamente voltando ao estado original. Prendendo o ar, aproveitei os segundos embaixo da água, sendo bombardeada com sensações.

Em seguida, ermegi, sentindo o estalar das batidas do meu peito ecoarem nos meus ouvidos. Joguei o corpo para trás, levando o cabelo junto comigo, ricocheteando o nada. Olhei para Aono, que havia descido a rampa e me olhava de maneira incrédula.

— Isso foi demais! — Gritei. — Eu nem acredito que tive mesmo coragem de fazer!

— Você é louca? — Aono me respondia, exasperado. — Sabe o risco que correu?

— Não foi você que disse que eu não deveria ter medo de nada!?

Rindo, caminhei para fora da água, encharcada, mas estranhamente leve. Ter saltado daquela ponte me fez perceber mais ainda que a vida poderia ser bela de muitas formas.

Atchim! — Espirrando, encolhi os ombros segundos depois de ter saído da água. No calor do momento, não pensei que ia tremer de frio depois.

— Tá vendo? — Balançando a cabeça em negação, Aono estalava os lábios, irritadiço. O garoto me olhava de cima a baixo, encharcada dos pés até a cabeça, e tirava o blazer. Em seguida, desabotoando a camisa social branca, Aono deslizava o tecido pelos braços, ficando com o peito nu.

— O que você tá fazendo? — Exclamei, trêmula. Meu queixo batia violentamente contra os meus dentes, e não precisava me ver para saber que eu estava pálida.

— Esquentando você. — Aono revirava os olhos, se aproximando. Abri e fechei os lábios, tentando dizer que não precisava, mas com a proximidade, senti a garganta secar. Encarei aquela tatuagem de serpente, cercando todo o ombro do garoto e empalideci, mais do que estava. — Li em algum lugar que é bom compartilhar calor.

Assenti, evitando olhar para o lado, onde Aono me mantinha em seus braços. Engolindo em seco, senti as bochechas e o corpo esquentarem, como se eu estivesse sendo assada em brasas escaldantes. Segui o olhar pelos braços tatuados, me envolvendo. Sem perceber, meu olhar subia até os lábios de Aono.

Ele também me encarava, apesar de parecer fazer força para evitar. Seus olhos percorriam as minhas bochechas, a ponta do meu nariz, e finalmente os meus lábios. Umedeci os meus em instinto, notando cada traço do formato de sua boca.

— Estranho. Apesar dos minutos que passou na água gelada, seu corpo está queimando. — Não sei se era devaneio meu, mas poderia jurar que Aono estava sussurrando. Fechei os olhos, sentindo o batuque sufocante no meu peito. — É febre?

— Não, eu... — Em um estalo, me afastei, ofegante. Aono aproximava a mão na direção da minha testa, mas o interrompendo, balancei a cabeça em negação. — Eu estou bem. Mas acho que é melhor ir para casa, o vento frio pode me deixar gripada.

— É verdade. — Aono assentiu, recolhendo a mão, sem jeito. Evitei olhar para o processo de recolocação da parte superior do uniforme, mas não estaria sendo sincera se dissesse que não olhei algumas vezes para o seu abdômen.

Em seguida, Aono me levou até a estação e por todo o caminho até em casa, pensei sobre a proximidade dos nossos corpos e a maneira como o meu corpo reagiu a isso.

— Para de besteira, Sophie... Não aconteceu nada. — Pensei alto comigo mesma, olhando para os lados depois que percebi. Balançando as pernas, roí a unha do dedo mindinho, estranhamente inquieta.

— Sophie, onde você estava? Por quê está toda molhada?

Não é preciso dizer que cheguei idêntica à um gato molhado em casa, espirrando e com o nariz escorrendo. Hanako trouxe uma toalha, secando o meu cabelo.

— Eu estava... Hmmm... Ahn...

— Ora, Hana! — Tia Miya se aproximava, ajudando a me secar. — Deixe a menina ter um segredinho ou outro. Até parece que você não era desse jeito na idade dela.

— Miyako!! — Hanako balançava a cabeça em negação, me encarando com os olhos estreitos. Em seguida, a mulher suspirava e apenas deixava a toalha em cima da minha cabeça, se afastando. — Depois que estiver seca, vá para o ofurô¹. E aí de você se ficar doente.

Assenti, sentindo calafrios com o “aviso”. Em seguida, antes de me enfiar na banheira quentinha, pisquei em agradecimento para tia Miya, que piscava de volta para mim, cúmplice.

No final de semana, Aono, as gêmeas e eu nos reunimos na casa de Pokko. As provas que marcavam o passaporte para as férias de verão estavam chegando, e como todos nós queríamos aproveitar os dias de folga sem preocupações com recuperações, tudo o que precisávamos fazer era estudar.

— Oh, obrigada pela gentileza, querida. — Sorrindo, a mãe de Pokko, uma mulher baixa e que usava óculos, pegava o pote que eu havia trazido com biscoitos caseiros. — Mas não precisava se preocupar. Aqui o que vocês mais vão ver são doces.

— Minha mãe não me deixaria vir sem nada. — Respondi, agradecendo a hospitalidade. Os pais de Pokko eram donos de uma padaria que funcionava no andar de baixo, então já dava para imaginar o cheiro gostoso que emanava na casa inteira.

— Vem gente. O quarto fica por aqui. — Pokko nos mostrava o caminho, e ao passar pelo corredor, vi os retratos dele e da família, em frente a padaria. Sorri ao ver a versão pequenininha do Pokko. — Fiquem à vontade. O quarto não é muito grande, mas dá para todos.

— O quarto é ótimo. — Comentei, olhando o espaço. Havia uma cama, dvd’s, figures actions e consoles de jogos, além de livros, muitos livros.

— Parece um quarto de nerd. — Kaori comentou, jogando a bolsa em cima da cama.

— Kaori! — Chamei a atenção da garota, que respondeu estalando os lábios.

— Tá tudo bem. — Pokko sorriu, pegando os materiais para estudo. — Parece um pouquinho mesmo.

Enquanto todos escolhiam os seus lugares, me aproximei de Pokko, o ajudando com os materiais. Antes de nos juntarmos ao restante do grupo, cochilei em seu ouvido.

— Você gosta da Kaori, não é?

— O quê? — Corando expressivamente, Pokko balançava a cabeça em negação.

— Sabia! — Sorri. — Quando você vai tomar coragem de falar pra ela?

— Ichikawa-san, eu não... — Desistindo, Pokko suspirou. — Uma garota como a Kaori nunca gostaria de alguém como eu.

— Por quê não? Você é divertido, engraçado, super inteligente, e tem um coração gigante. Qualquer garota ficaria muito feliz de ter alguém como você ao seu lado.

— Mas... Você consegue imaginar a Kaori se apaixonando por mim?

Abaixei a cabeça, pensativa. Apesar de ser minha amiga, negar que Kaori era um tanto superficial era não enxergar a realidade. Mas eu queria acreditar que ela veria que não deveria dar tanta importância para aparências.

— A Kaori é uma menina muito especial. — Comecei, suspirando. — Ela tem todo esse jeito extrovertido, mas na realidade, tem fragilidades que ninguém percebe. Ela precisa de alguém que a apoie em todas as horas, e acho que você é a pessoa certa pra isso.

— Você é uma pessoa muito boa, Ichikawa-san. Espero que esteja certa. — Pokko sorriu, voltando a se juntar ao grupo. Voltei também, pensando em um milhão de formas de ajudar os dois.

— Bom, vamos lá. — Iniciei. — A gente tem aqui Inglês, Matemática, Ciências e Língua Materna. Qual a gente estuda primeiro?

— Qualquer uma menos Matemática pelo amor. — Comentou Keiko, se jogando para trás.

— E você, Aono? Alguma sugestão?

— Sei lá. Qualquer coisa. — O garoto coçava os olhos, bocejando. Acho, só acho que eu havia o tirado da cama quando liguei.

— Então, Língua Materna. Certo?

Todos assentiram, abrindo os cadernos. E na primeira meia hora, corrigimos questões, respondemos outras, tiramos dúvidas e relembramos o conteúdo.

— Eu já estou cansada... — Kaori se espreguiçava, bocejando. — Quando vai ser a hora do descanso?

— Hora do descanso? — Aono zombou. — Você quase nem fez nada.

— E quem é você pra falar, número 150° do ranking? 

— Pelo menos eu---

— Ei gente, sem brigas! — Interceptei. — Vamos passar para Inglês e depois descansamos, ok?

Abri o caderno de inglês, lendo as questões. Minha pronúncia estava consideravelmente melhor, graças às horas de estudo.

— Inglês é melhor estudar por meio de músicas, séries e etc. — Comentou Keiko, passando as folhas.

— Então o que vocês acham da gente assistir um filme? Pokko, coloca alguma coisa aí!

— Você estão querendo fugir dos estudos, isso sim.

— E você que nem queria vir? — Kaori apontava para Aono, emburrada.

— Não queria vir por isso mesmo. Vocês são chatas.

— Ora, seu...---

— Gente! — Aumentei o tom, calando a todos. — Dá pra gente fingir só um pouquinho que é civilizado?

— Mas eu sou civilizada. — Retrucou Kaori. — Ele que não é.

— Ah, claro, claro. — Aono revirava os olhos.

Fechei o caderno, suspirando. Em seguida, fui até a estante com os dvd's, olhando por um por um.

— Eu nunca tinha visto tantos. — Comentei. — É tudo jogo?

— A maioria. 

— Que maneiro. — Peguei um deles, lendo a sinopse. Em seguida, abri, me dirigindo para a TV. — Como que coloca?

— Ué, a gente não vai estudar mais? — Keiko perguntava, se levantando para limpar o short.

Hmmmmm, depois. Acho que merecemos um descanso.

— Ótimo! — Kaori saltava para a cama, se jogando no colchão. — Assim eu posso arrumar o meu feed.

— Eca, sua frufru. — Aono jogava um travesseiro em Kaori, que respondia dando língua. Enquanto isso, Pokko me ajudava a ligar o jogo, me entregando o console.

— Agora é só você apertar aqui... e aqui... e pronto.

— Obrigada. — Agradeci, me sentando na ponta da cama. Em seguida, passei o olho pelas instruções de jogo e apertei o play.

— Vou pegar os biscoitos e ver se o pudim que a mamãe fez já está pronto. — Pokko avisava, saindo assim que todos nós assentimos. Keiko se jogava no chão, encarando o teto, Kaori vibrava a cada seguidor novo que ganhava e Aono ficava de pé do lado direito da cama, me vendo jogar.

— Você nunca vai passar dessa fase se jogar dessa forma. — Aono avisava, olhando para a tela. Meus dedos se mexiam freneticamente, mas o boss sempre me matava, me deixando frustrada.

— Como você sabe?

— Já joguei esse jogo diversas vezes. Não é assim que se derrota o boss.

— Então como é? — Perguntei, entregando o console para ele. E Aono precisou de apenas 2 minutos para completar a missão que eu estava literalmente suando para conseguir. — Incrível! Como você fez?

— Em vez desse botão, que você estava apertando... — Aono se aproximava, apontando para o botão. — Aperta esse, e esse em seguida.

— Ahh, entendi! — Sorri, balançando a cabeça. — Acho que você vai ser o meu sensei de jogos.

— Passo. Já dá muito trabalho ser o seu A.E.

— Que papo é esse de A.E.? — Perguntou Keiko, entediada.

— É uma brincadeira nossa. — Respondi, risonha. Não queria esconder o significado das minhas amigas, mas certas coisas deveriam ficar entre as pessoas da brincadeira. Assim como tinham coisas que eu compartilhava com as garotas, mas não com Aono.

Keiko assentiu, voltando a se entreter com o nada. Seu olhar apenas desviou do teto quando Pokko voltou, trazendo guloseimas. 

— Tem pudim, biscoitos, pão doce, pão de tonkatsu, rolinho de maçã com canela e bolo. Se vocês acharem que faltou algo, é só falar que eu busco.

— Uau, quanta coisa! — Exclamou Kaori, indo até a bandeja para pegar um rolinho. Mordendo um pedaço, a loira balançava a cabeça em afirmação, se deliciando. — Tá uma delícia. Vocês dois aí não vão comer nada?

— Depois. — Aono respondeu por mim e por ele, mal tirando o olho da tela. Os dedos se movimentavam com rapidez, representando os golpes que a minha personagem sofria. Havíamos trocado o jogo para o modelo duo player, e simplesmente não conseguimos mais parar de jogar após empatarmos as vitórias e as derrotas.

— O quê deu neles? — Keiko perguntava enquanto comia um pedaço de pão doce.

— É a magia dos jogos. — Pokko respondeu.

— Não foi justo! — Protestei. — Você não me avisou que usaria esse movimento!

— Ué, você já viu algum combatente avisar quando vai atacar?

Estalei os lábios, apertando o play para mais uma partida. No meio dela, peguei um rolinho, prendendo entre os meus dentes. Estava aprendendo as delícias de passar o dia estudando, mas sem estudos, na casa de um amigo.

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~ Conteúdo Extra ~

— O descanso acabou. Qual matéria a gente vai estudar agora?

Kaori perguntava, olhando para Keiko e Pokko. No fundo, o som do jogo e dos botões eram a trilha sonora do quarto.

— A questão é se os dois vão sair desse jogo ainda hoje...

Saldo de vitórias 

Sophie 36 × Sousuke 37

— Mais uma! — Exclamaram os dois, em uníssono, fazendo o restante do grupo se entreolhar.

Dicionário

O

furô: Banheira usada para relaxamento

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Cerejinhas, hi!!! Cheguei com mais um cap de MNVSE e como sempre, muita coisa aconteceu kshskahsj tivemos o Aono fazendo o carinha de pano e chão e confesso que adorei a pose de bad boy. A conversa que eles tiveram depois e as seguranças que o Aono tem em relação a Sophie, eu queria que eles ficassem juntos logo!!
Finalmente tivemos uma vitoria pra nossa Sophi e o papel para a peça, não foi do jeito que ela queria ne? Agora ela vai ter que suar para ser a vilã, alô Lavenne e Kobayashi vcs vão precisar dar umas aulinhas para ela kshsksjsk
Sou apaixonada pela cena do lago e mais apaixonada por essa tensão deles dois, SE PEGUEM LOGO!!!
E finalizamos com o quinteto juntinhos, e o que era estudo virou bagunça como todos os encontrinhos né
O quê vcs acharam do capítulo? quero saber as impressões de vcs e o que esperam para o prox. Beijinhos!!

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