Capítulo 2 - O Início (II)
07 de Dezembro
“Amanhã é o festival cultural. Estou muito ansiosa para o nosso maid café. Mal posso esperar para ver o Ken naquela roupa de garçonete."
08 de dezembro
"O festival cultural foi maravilhoso!! Infelizmente nossa turma ficou em 2°lugar, mas isso não importa. Depois que finalizamos o nosso turno, Ken me levou para dar uma volta e ver o que as outras turmas tinham preparado. Ficamos juntinhos na casa do medo da turma 3-B, que ganhou o 1° lugar."
12 de dezembro
"Compras natalinas com Keiko e Kaori. Patinamos no gelo e comemos bolinhos de maçã no Stuff's. Estava uma delícia."
20 de dezembro
"Adivinha quem vai estar na capa da próxima edição da Court? Euzinha!! Kimiko acabou de me mandar uma mensagem dizendo que eles procuram um perfil exatamente igual ao meu. Depois de tantos “não”, sinto que essa é a minha chance de brilhar."
25 de dezembro
"Kentin me levou para Shinjuku. Fomos a Shinjuku Gyoen e terminamos a noite no Kabukicho Tower, eu realmente amo aquele lugar."
26 de dezembro
"Estou usando as pantufas que o Ken me deu. São macias e fofinhas."
27 de dezembro
"Não consigo dormir ao pensar que eu vou realmente modelar!! Não é tão fácil conseguir trabalhos aqui, mas tenho esperança que o meu ensaio na Court abrirá um leque de possibilidades para mim.
Lembrete: Não esquecer! Dia 10 de janeiro."
03 de janeiro
"Meu pai me deu uma caneta da sorte. Ele disse que vai me ajudar no novo ano letivo.
Amanhã vamos para Nara, ver cervos e comprar biscoitos amanteigados. Mal posso esperar."
…
Não havia uma continuação no diário. E o motivo, explicava a minha presença no corpo daquela garota. Ao ler o seu último mês antes do acidente, suspirei. Sophie era contagiante, e eu não precisava conhecê-la para saber disso. Folheei mais algumas páginas, acompanhando meses de sonhos, passeios e a vida de uma adolescente normal. Eu ainda estava chocada com o fato de garotas daquela idade serem tão livres e independentes, totalmente diferente do estilo de vida em Thornfall. Não tínhamos permissão para sair sozinhas, e os passeios eram restritos até o pôr do sol. Passear com o noivo antes do casamento estava fora de cogitação. Trabalhar era uma função exclusiva dos homens. E mulheres na idade de Sophie, já estavam casadas, ou prestes a casar. Saber que nesse mundo, as mulheres são livres para fazer o que querem, me deixava cada vez mais instigada a vivenciar tudo o que aquele lugar poderia me oferecer.
O quarto era fofo. Sophie e Yuina dividiam o espaço, e eu aprendi que dividir um quarto com a irmã significava horas e horas discutindo quem dormiria em cima, disputas pelo espaço no espelho, e entradas silenciosas da mais nova quando eu estava em situações constrangedoras - lê-se aqui caretas e tentativas de me inteirar no mundo digital. Não era nada poluído. - Yuina era a minha tradutora oficial no quesito tecnologia, e por várias vezes, ela me olhava como se estivesse lidando com um alienígena a cada vez que eu perguntava sobre funções básicas da internet.
— Acho que o senhor sabe como a Yuina pode ser mandona. Aprendi muito com aquela professora impaciente. — Sorrindo, olhei para as árvores, cujas folhas se balançavam lentamente. Lembranças doces invadiam a minha mente ao mesmo tempo em que deixava a minha imaginação flutuar entre elas.
Naquele meio tempo, enquanto eu aprendia a navegar na internet e usar o celular sem aparentar ser uma extraterrestre, continuei a vasculhar cada canto do quarto de Sophie, em busca do meu material de pesquisa. Haviam muitas pelúcias, polaroids diversas e incontáveis figures. Enquanto olhava com curiosidade cada uma delas, meu coração criava camadas e camadas de gelo, quando estive de frente com uma figure que era uma cópia fiel de quem eu fui no passado: Emilli McMillan.
Minha versão passada estava segurando um lírio, minha flor favorita. O vestido que usava era o mesmo daquela noite em que fui envenenada. Olhando ao redor, encontrei uma prateleira repleta de livros, e em um deles, meu coração reagiu da mesma maneira de outrora. Minha cabeça reagia com um forte latejar, no mesmo segundo em que flashes do acidente se mostravam cada vez mais claros para mim. A capa borrada de antes, agora estava na minha frente, não podendo ser mais familiar.
“Victor?” Foi o que eu pensei, assim que fitei a capa. Eu reconheceria aqueles fios dourados e os olhos púrpura em qualquer lugar. Ao lado dele, Bianca, tão esvoaçante quanto a minha mente poderia lembrar. No centro da capa, os dizeres “O labirinto do amor” estavam com uma fonte desenhada, em tons de azul.
Precisei me sentar para acreditar no que eu via. Não só havia sido transportada para outro mundo, como também descobria que o meu próprio mundo só existia porque alguém o fez? Toda a minha vida havia sido moldada por outra pessoa?
Comecei a folhear os volumes, descobrindo mais do que o meu eu de antes poderia saber. Levava a mão à boca a cada nova informação. Minha mãe não havia morrido por causas naturais, como foi dito por meu pai quando eu tinha 5 anos. Ela havia sido assassinada. E o motivo de seu assassinato havia sido tão incrédulo, que lembro-me de ter voltado naquela página duas vezes antes de prosseguir.
Minha mãe fazia parte de uma família muito antiga, cuja origem era datada antes mesmo de Thornfall ser unificada. Pessoas daquela família nasciam com poderes especiais, as lendas contavam que os mais experientes poderiam até mesmo moldar um reino à sua vontade. Por causa da periculosidade desses poderes, foram caçados por séculos, até serem praticamente extintos. As poucas ramificações se infiltraram em outros reinos e abandonaram a sua identidade para viverem como pessoas normais.
Uma dessas pessoas era a minha mãe, que se mudou para Thornfall e conheceu o meu pai, quando ele ainda sonhava em entrar para a guarda real. Eles se casaram e tiveram uma única filha, a qual foi chamada de Emilli. Quando eu nasci, minha mãe confiou o segredo de sua família ao meu pai, que viu naquela informação uma chance de entrar no Castelo. Ele a vendeu para o rei em troca de uma nomeação como o comandante das forças do rei. Dois anos depois, minha mãe foi misteriosamente assassinada.
Precisei de um tempo para assimilar tudo o que eu lia. Não conseguia acreditar que meu pai poderia ser tão ganancioso ao ponto de destruir a própria família, mas ao lembrar que ele fizera algo parecido comigo, pude concretizar a ideia. Eu o odiei, e ainda o odeio por isso.
Nas próximas páginas, recebi da pior forma todas as respostas para as perguntas que atormentavam a minha mente, dia após dia, naquele palácio. Nunca havia entendido o motivo exato para ter sido entregue ao rei, ainda na primeira infância. Sempre pensei que a falta que o meu pai sentia da mamãe o fizera se desfazer da única coisa que ainda os mantinham unidos, mas eu nunca estive tão redondamente enganada. Da mesma forma que aconteceu com a minha mãe, minha estadia no palácio se resumia ao uso dos poderes que até então, eu não sabia que tinha. Toda vez que eles me utilizavam para esse fim, minhas memórias eram apagadas, certificando-se que eu nunca descobrisse do que era capaz de fazer.
Senti toda a comida que eu havia ingerido no dia subir de uma forma nada agradável pela minha garganta. Comecei a me perguntar se Victor sabia de tudo aquilo, tola, o meu coração torcia para que a resposta fosse negativa. Não tinha forças para acreditar que todo o tempo que passamos juntos, e a forma como ele me via, não passava de uma ilusão dolorosa e traiçoeira.
Terminei o último volume que contava a minha história com a revelação que eu mais ansiava: quem havia me envenenado. Não me lembrava de ter inimigos declarados, mas sabia que muita gente não gostava de mim. A começar pelas donzelas da Corte, que sempre me viam com desprezo. Algumas delas achavam que eu usaria truques baratos para ficar com o príncipe, e outras, achavam que Victor nunca se relacionaria com alguém tão patética e desprovida de títulos nobres, diferente delas.
Uma das que me odiavam profundamente era a senhorita Lavenne Granzia. Em todos os bailes, a garota de fios castanhos perfeitamente arrumados, não era nada discreta quando o assunto era pegar no meu pé. Em um deles, Lavenne despejou uma taça de vinho contra o meu vestido. Naquela época, infelizmente, não pude fazer nada. Queria ter sido mais segura para revidar.
Lavenne queria a todo custo se tornar rainha. Proveniente de uma boa família, ela acreditava que possuía todas as características para um dia estar ao lado de Victor. E, na concepção dela, minha existência era um risco. Pela proximidade que eu tinha com o príncipe, Lavenne temia que Victor me tomasse como esposa, sem saber que o príncipe nutria um romance secreto, e não era comigo. Naquela noite, a donzela aliada com um homem que fazia todos os seus caprichos, acreditando um dia estar ao lado dela como marido, planejaram e executaram o meu envenenamento, sem deixar suspeitas. Com a minha morte e a trégua forçada entre Thornfall e Printya, o foco passou a ser o reino vizinho, acusado inocentemente pela tentativa de assassinato ao príncipe Victor. A verdadeira história começa quando Victor e Bianca precisam descobrir um jeito de viverem o seu amor no meio de dois reinos em guerra.
Assim que terminei de ler, suspirei com a revelação de toda a minha vida ser resumida em um único arco de uma novel chamada “O labirinto do amor.” Na história, minha existência serve como base para o desenrolar do romance principal. Em pesquisas rápidas na internet, descobri que a novel estava listada entre as três mais famosas de todo o Japão. Muitas pessoas queriam que o meu final fosse outro, e eu nunca pude me sentir mais feliz ao saber que tinha fãs. Um desses fãs era a Sophie, que possuía centenas de tweets com o meu nome, publicados no Twitter.
— Eu estava começando a entender a ligação entre o meu eu do passado e o meu eu do presente. Foi nessa época que eu descobri o maravilhoso mundo das novels e mangás, e assim como ela, rapidamente fiquei viciada. — Depois de muito procurar por menções a “Emilli McMillan” e ver comentários que iam desde elogios ou críticas a minha personalidade, parei de vasculhar a minha vida passada e voltei ao foco no que realmente importava, que era conhecer Sophie. Eu já sabia que ela adorava ler, sua comida favorita era macarons e era a melhor aluna da Sendai Hachifuni. Mas eu ainda precisava de mais informações.
O nome completo de Sophie era “Sophie Marie Ichikawa Jones”, mas para todos que a conheciam, era apenas “Ichikawa Sophie”. O “Jones”, sobrenome do seu pai americano, não combinava no lugar que ela vivia. Ela é uma verdadeira mistura entre os Estados Unidos e o Japão, sendo o primeiro país a sua nacionalidade. Por isso, desde que se mudou para o Japão, quando tinha 6 anos, é acostumada a ser taxada como “estrangeira” por todos aqueles que têm conhecimento de sua nacionalidade.
A escola não foi um lugar muito receptivo, à primeira vista. Desde o primeiro dia, Sophie se destacava pela cor de sua pele, herdada de seu pai, e os traços que mesclavam perfeitamente a sua parte leste-asiática e a americana. Seus olhos arredondados e marcantes eram iguais aos olhos de sua mãe, que se destacavam pela proeminência destes. Enquanto a cor provinha de seu pai, um caramelo claro que destacava o formato de seus olhos.
Além das características faciais, Sophie se destacava entre as garotas de sua classe devido a sua altura. Pude comprovar no primeiro dia em que me olhei no espelho, sendo refletida a imagem de uma garota que possuía “apenas” 1,77cm de altura. Para mim, que na minha vida anterior ostentava meus 1,61cm, é uma diferença e tanto.
Ao entrar no colegial, Sophie decidiu sair do estigma de garota estrangeira, que sempre a deixava a mercê de piadas acerca de suas características físicas e comentários sobre a sua origem, para a garota mais comentada da Hachi, principalmente quando começou a namorar Yamada Kentin, ainda no 1° ano. Sophie passou a ter o maior status de popularidade do colégio, sendo reconhecida com o seu trio de garotas, ela e as gêmeas Kurokawa Keiko e Kaori, por serem os maiores símbolos de moda e beleza do colégio.
Tendo a vida que sempre quis, Sophie entrou para a Pinneaple Productions, uma agência que preparava modelos, atores e criadores de conteúdo para o mercado. Mesmo que o seu perfil fosse compatível com a maioria das exigências dos clientes que procuravam a Pinneaple, ela nunca era escolhida para modelar. E ela sabia o motivo.
Nas plataformas digitais, Sophie se define como “criadora de conteúdos cotidianos”. Nas redes ela compartilha a vida dela com 100 mil seguidores, apenas no Instagram.
— Confesso que ao ver que a minha antecessora tinha uma vida bem agitada, entrei em pânico ao pensar que nunca conseguiria manter a vida dela daquela forma. Eu não podia imaginar o que era compartilhar uma rotina com alguém que não fosse Dália e Aisha, imagina para um público tão grande. Também não podia decepcionar no quesito manter a popularidade em dia, tarefa dificílima para alguém que até então era odiada por todos ao redor. Meu pânico triplicou quando ouvi a mamãe e a tia Miya conversarem sobre a proximidade de um novo semestre, e as dúvidas relacionadas a minha ida naquele período. Até então, minha vida como Sophie era restrita a interagir com a Yuina, mamãe e a tia Miya. Estar em um lugar completamente novo, com pessoas desconhecidas, mas conhecidas ao mesmo tempo, e ter que me policiar para que o último ano escolar fosse perfeito, era como pedir para que um gatinho se misturasse no meio de leões. Aquilo não funcionaria. — Encarei o rosto de Richard, vendo-o sorrir ao mesmo tempo em que as lembranças do último ano percorriam em minha mente. Enquanto eu estava perdida em pensamentos, escutei ao fundo uma voz conhecida, e que estava logo atrás de mim, impaciente.
— A mamãe perguntou se você já terminou. Ela deixou a gente passar na Stuff's, vamos logo! — Estreitei os olhos para a garota de laços vermelhos em cada lado dos fios soltos, me perguntando se realmente o chamado partira da mamãe. Antes de me afastar, olhei mais uma vez para o retrato, abrindo um sorriso largo ao balançar a cabeça.
— Acho que é o suficiente por hoje. Agora vamos, antes que você me arraste à força. — Mostrando a língua, Yuina pegava a minha mão, me arrastando com seus passos rápidos e ansiosos. Permitindo que ela me guiasse, observei a imagem da minha irmã de costas, seu cabelo castanho volumoso acompanhando a direção do vento. Em seguida, dirigi o olhar para as folhas das árvores e para o céu coberto de nuvens, mas que ainda assim exibia um tímido sol, lutando para ser revelado. Deixei que a brisa gelada fizesse cócegas em meu rosto, e naquele momento, tive a plena certeza de que eu pertencia aquele lugar, e definitivamente, não me imaginava em outro lugar que não fosse onde estou agora. Eu amava o Japão, os meus amigos, a vida que tenho agora. E principalmente, a mim mesma.
.
.
.
Oi, corações! Chegamos com a segunda parte das memórias da Emilli, e podemos dizer que tivemos grandes revelações, né?
No final, a Emilli mencionou a vida colegial e.. O quê será que aguarda a nossa coadjuvante preferida? Fiquem ligadinhos nos próximos capítulos que essa história está só começando. Um xêro!
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top