Capítulo 15 - Confissões e (re)Descobertas
— Eei. Assim eu vou pensar que você não gostou de me ver.
Sentindo o meu nariz ser apertado pelos dedos de Kentin, pouco a pouco a realidade voltava ao meu corpo em forma de gestos e palavras. Abrindo um sorriso, balancei a cabeça em negação, alisando as pétalas de girassóis em um gesto de carinho, que era esperado de namoradas presenteadas.
— Deixa de ser bobo. Adorei que você veio.
— E não é só isso que eu tenho pra te dar. — Soando convencido, Kentin vasculhava os bolsos, retirando um chaveiro. — Comprei na viagem. A vendedora disse que a cor lilás do kimono representa a beleza, e as camélias desenhadas representam o amor e a esperança, além de serem usados como um amuleto de proteção. Mas é claro que eu só comprei para impressionar a minha namorada.
— Ken, isso é lindo! — Derretida, Kaori olhava para a pequena boneca Kokeshi, presa ao ligamento do chaveiro. — Af, por quê você é tão perfeito!?
— A Kao tem razão. — Com o chaveiro em minhas mãos, olhei para a boneca, observando a delicada técnica de pintura. Em seguida, olhei para Kentin, que estava com aquela energia convencida de sempre. — Obrigada. Mas eu não trouxe nada pra você... Me desculpa por isso.
— Você pode me pagar com um beijo. — Kentin apontou para o próprio lábio.
Olhando para as minhas amigas, arrisquei um passo, desconcertada. Ainda era difícil para mim a tarefa de iniciar beijos, mais ainda quando eu não sabia se era isso que eu queria fazer. No entanto, no fantástico mundo dos casais, Kentin realmente merecia um beijo. Um buquê de girassóis e uma lembrança fofinha certamente mereciam um beijo de cinema.
Com a mão livre, deslizei os dedos pela nuca do garoto, olhando para os seus olhos cristalinos até que a aproximação dos nossos lábios me forçasse a fechar os olhos. Na escuridão, sentia a boca de Kentin procurar a minha na forma de um beijo carregado de saudades. Tentando suprir a minha parte, imaginei estar na pele de uma protagonista de mangá shoujo, no exato momento em que ela beijava o seu amado. Era ridículo apelar para a fantasia quando eu deveria apreciar os beijos de Kentin na realidade, mas isso era algo que eu ainda não conseguia fazer.
Mais tarde, foi a vez de receber os abraços da minha família e contar todas as novidades, inclusive o acidente de Kaori. Ao ouvir, Hanako levava a mão à boca, preocupada com o estado de saúde da minha amiga.
— Olha só que risco vocês correram! E você ainda disse que eu não tinha motivos para me preocupar.
— Ela tá bem, apesar da torção. O chato é que a gente não conseguiu fazer todos os passeios que queríamos, mas tenho certeza que vamos compensar no Acampamento de Outono.
— Ah, como eu queria ser jovem.. — Deixando o rosto cair em cima da mesa de jantar, tia Miya suspirava, imersa em tristeza. — Viajar, participar de festivais e de quebra namorar com um gatinho.. A vida é tão injusta com os mais velhos..
— Tia, a senhora nem é tão velha assim! — Tirando os olhos do celular, Yuina arqueava as sobrancelhas. — E eu sei que você tá conversando com uma pessoa. Eu bem vi que a senhora ficou com as bochechas vermelhas depois que aquele homem passou do nosso lado, no caminho do colégio!
— Ah é? — Parando de descascar as cenouras, Hanako colocava as mãos na cintura, olhando para a irmã mais nova. — Que história é essa, Miyako?
— Isso é só a Yuina inventando histórias! — Estalando os lábios, tia Miya levantava parcialmente a cabeça para fuzilar Yuina com o olhar. — Não se pode mais ser gentil nessa cidade? E por quê vocês não implicam com essa mocinha que ganhou esse buquê de girassóis, ein? Isso vai acabar em casamento..
— Ei!! — Interferindo, balancei a cabeça em negação. — Eu tô do seu lado, sabia!?
— Desculpa, sobrinha querida. — Zombeteira, tia Miya apontava para o girassol, posto em um vaso. — Mas é que até eu queria ser presenteada dessa forma.
— Se a senhora namorar com...-
— Shhh! — tia Miya interrompeu as palavras de Yuina, olhando para mim.
— Ah, parem vocês duas. — Balançando a cabeça em negação, voltei para o meu afazer, que no momento era cozinhar o macarrão. Estava descobrindo que fazer comida em um mundo moderno era uma terapia. — Não é nada demais.
— Nada demais? — Hanako discordava, se perdendo em lembranças. — Seu pai adorava me dar flores. É um gesto de amor muito bonito.
Sorri, vendo que falar de Richard a deixava muito saudosa. Por todo o momento da refeição, que Yuina usou para vez ou outra provocar a tia Miya em relação a esse homem misterioso, fiquei pensando nas palavras de Hanako e no gesto de Kentin. Tínhamos brigado, isso era fato. Mas talvez eu estivesse olhando por lentes erradas, sendo enérgica demais com alguém que deveria ser a minha melhor companhia. Kentin tem um temperamento difícil e na maioria das vezes, discordamos. Mas ele ainda era o meu namorado, então estava na hora de vê-lo como tal.
Esse pensamento murchou nos primeiros minutos em que me encontrei sozinha. Rolando as fotos da galeria, cliquei nas fotos recentes do Acampamento, inclusive aquelas que foram tiradas no celular do Aono. Imediatamente, minha mente traiçoeira me levava para aquela noite estrelada, refletida no rio salpicado de estrelas. Se eu fechasse os olhos, podia sentir a sensação de estar diante daquele cenário, compartilhado com alguém que me sugava para um abismo desconhecido apenas no ato de olhar. Eu podia sentir o aroma daquele casaco, entregue a mim para me livrar do frio. Vi as covinhas aparentes ao mesmo tempo que uma risada genuína chegava aos meus ouvidos, me deixando feliz por ouvi-la. Senti as palavras ganharem força em meus lábios, saindo como sonatas desconhecidas, mas calorosas.
“Me deixa ver as estações passarem ao seu lado. Quero ver as cerejeiras se desprenderem dos galhos. Quero ver a última pétala voar para bem longe, anunciando a chegada do verão. Quero ver a época das cigarras, e os festivais. Quero estar do seu lado quando as folhas caírem, e quero lembrar de todos esses momentos quando a neve começar a cobrir as nossas lembranças. E também quero estar com você no próximo ano, e recomeçar esse ciclo para o outro, e o outro, e o outro.”
O que eu queria dizer com aquilo? Por que aquelas palavras saíram dos meus lábios? Eu seria capaz de dizê-las a Kentin? Querer estar ao lado de Aono... de que forma?
— Caramba, dá pra sentir o cheiro de queimado daqui... Sua mente tá fritando.
Piscando os olhos, vi Yuina parada em frente à beliche, me olhando com divertimento nos olhos.
— Desculpa. Você tava aqui há muito tempo? Falou alguma coisa?
— Não, nada demais. — Rindo, minha irmã mais nova subia as escadas, se jogando ao meu lado em seguida. — Eu só estava dizendo que ganhar flores de alguém querido é muito maneiro. Ah, são as fotos da viagem? Quem são esses?
Olhando para a tela do meu celular com curiosidade, Yuina passava as fotos à medida que via as pessoas presentes nela.
— Aono e Pokko. São meus novos amigos.
— Ah, esse é o Aono.. Ainda bem que ele voltou para a escola, né?
Assenti, me dividindo entre olhar as fotos da viagem, e olhar para o chaveiro colocado em cima da penteadeira. Suspirando, guardei minhas dúvidas e preocupações só para mim, prometendo a mim mesma que mudaria a minha relação com Kentin.
❁
Dias depois, uma revisão surpresa deixava a turma com uma aparência mortífera. A cada nome chamado, uma expressão mumificada surgia nos rostos desesperados.
— Ichikawa Sophie. — Assim que levantei a mão, o sensei me chamava, com cara de poucos amigos. — Não esperava que você pudesse cometer erros tão grotescos. Espero que isso não se reflita na sua prova.
Causando um silêncio ensurdecedor, a queda do meu rendimento resultava em pequenos burburinhos e olhares desconfiados. Engolindo em seco, pedi desculpa para a minha antecessora, esperando que ela ouvisse minhas súplicas de onde quer que estivesse. Não estava sendo fácil me acostumar com matérias que nunca vi na vida, mas eu estava fazendo o que estava ao meu alcance. Pelo visto, precisava estendê-lo por mais alguns quilômetros.
— Eu odeio essa matéria.. — Desabando na cadeira, Kaori choramingava. Seu pé estava melhorando a cada dia, e desde que voltamos as aulas, a garota tem sido a protegida da classe, e é claro, ela estava adorando ser mimada. — Sério, eu sou linda. Deveria mesmo estar sofrendo com matemática?
— Kao-chan, coitadinha.. — Surgindo da parte frontal da sala, uma menina com cachinhos limpava as lágrimas fantasiosas da garota, que abria um sorriso satisfeito. Como eu disse, ela estava adorando aquilo. — Esse professor tem que pagar por te fazer chorar!
— Eu estou bem, obrigada. Ai, o que seria de mim se não fossem vocês… — Enrolando uma mecha de cabelo entre os dedos, Kaori suspirava, deixando metade da sala em transe.
Arqueando a sobrancelha para tudo aquilo, olhei para Keiko, que me olhou de volta com uma expressão de “não olhe para mim, você sabe como a Kaori é.” E sabia mesmo.
— Você não vai falar pra eles que já está melhor? As pessoas estão super preocupadas.
— E parar de ser o centro das atenções? Negativo. — Balançando os ombros em resposta, a garota voltava a se entreter com o restante da sala. — Poder estar perto de Kurokawa Kaori é um privilégio para poucos.
Assentindo, mesmo sem entender, me levantei e segui para a carteira do Aono, que estava como sempre, apoiado com o rosto na mesa, alheio a toda algazarra da classe. Puxando uma cadeira, me sentei em frente a ele, afastando uma mecha de cabelo que estava na frente do rosto dele.
— Como foi a sua revisão? O professor brigou comigo só por que eu errei algumas contas.
Suspirando, o garoto parecia fazer força para voltar à posição original. Quando o fez, me encarou com um olhar oscilando entre o tédio e a irritação.
— Você é a melhor da turma. Ele não podia esperar outra coisa.
“Melhor da turma..”
Sentindo a cabeça latejar com aquela alcunha, balancei a cabeça em negação, brincando com um círculo invisível na mesa.
— Até os melhores falham às vezes. Mas e você?
Estalando os lábios, Aono me entregava o papel. Estreitando os olhos, demorei alguns segundos me dividindo entre encarar os riscos vermelhos, e os olhos dele, que pareciam não estar focados em nada.
— Qual é o seu ranking geral?
— Hmm.. Sei lá. Acho que ano passado eu estava em 287.
— 287!?
— Eu não ligo para notas.
— Mas deveria! — Chocada, passei novamente o olhar pelo papel. Eu estava engatinhando no quesito matérias escolares, mas até alguém como eu saberia dizer que a situação do garoto não estava nada boa. — Você não vai conseguir vaga nas melhores faculdades se continuar assim.
— Não é como se eu estivesse muito preocupado com isso.
— Você p-r-e-c-i-s-a tirar notas boas. — Estreitando os olhos, encontrei os dele, que pareciam tão calmos quanto as ondas do mar no início da primavera. — Já sei, e se a gente fizer uma roda de estudos? Temos alguns dias até as provas, e se todo mundo topar, podemos ajudar uns aos outros.
— Não vou participar.
— Por que não? — Ronronando, insisti, unindo minhas mãos às dele. — Por favorzinho. Se você participar e conseguir chegar até a posição 150 do ranking, te concedo um pedido.
— Um pedido? — Com uma risada frouxa, Aono afastava as minhas mãos, colocando as dele em frente ao corpo. — E o que eu poderia pedir? Uma selfie? Maquiagem importada?
— Ah, para! — Cutucando o braço dele, pedi mais uma vez, ativando o meu modo gatinho fofo. Tendo a ciência do gosto dele por gatos, tinha certeza de que ele não seria capaz de resistir. — Diz que você vai participar.
— Vou pensar.
— Eba! — Me levantando, andei aos pulinhos até o meu lugar, abrindo um sorriso ao olhar para trás e fazer sinal de positivo. Em troca, recebi um estalar de lábios, típicos de Aono.
Antes do fim das aulas do dia, reservei os 10 minutos finais para ir à frente das carteiras. Depois de todo o acontecido e as provas que foram reunidas contra Kobayashi, não tinha sentido me manter afastada das minhas funções como representante de turma. Usando daquela posição, pigarriei, chamando a atenção de todos para mim.
— Eu estava pensando e… cheguei a conclusão que vai ser benéfico a todos se nos juntarmos em uma roda de estudos, e compartilharmos nossos conhecimentos uns com os outros. As revisões nos mostraram que os níveis das provas serão muito altos neste ano, então eu adoraria contar com a ajuda de vocês para que todos nós possamos tirar boas notas.
Abrindo um sorriso confiante, encarei os rostos desconfiados e a troca de olhares entre os alunos. Kobayashi foi a primeira a se levantar, jogando a mochila nos ombros.
— Eu não vou participar dessa idiotice. Prefiro aprimorar o meu conhecimento estudando sozinha.
Deixando a sala com passos audíveis, as palavras da garota incitava outros que pensavam como ela. Pouco a pouco, os passos chegavam até os meus ouvidos com certeza de que aquela tinha sido uma ideia boba. Abrindo um sorriso fraco, estava prestes a aceitar o meu fracasso, quando a voz de Pokko me manteve no lugar.
— Eu acho uma ótima ideia. Se todos nós nos ajudarmos, teremos mais chances de conseguir entender as matérias. Eu sou bom em ciências, se algum de vocês precisarem de ajuda.
— Eu... eu também gostaria de participar. — No fundo da sala, uma garota com sardas nas bochechas erguia a mão, timidamente. — Eu sou boa em literatura, se alguém precisar…
— Sério mesmo? Caramba, eu não to entendendo nada daquela matéria…
— Sou boa em Matemática!
— Estudos sociais aqui!!
— Inglês!
Sorrindo, encarei as pessoas que ficaram, tendo certeza que a união entre a turma não estava completamente perdida.
— Ótimo! Amanhã, no final da aula, nós vamos estudar até o conteúdo entrar na nossa mente!
❁
De tarde, deixei o auditório pensando que estava cada vez mais próximo de iniciarem as audições para a peça. Com o formulário de inscrições em mãos, segurei-o em frente ao peito, incerta da direção que queria seguir.
— Tchau, passarinho. E nem pense em marcar outra opção que não seja os papéis principais!
Acenando para Tanaka, caminhei em passos curtos até o lado de fora, encarando as nuvens baixas. Ao desviar o olhar para a direção oposta, vi Aono sentado nos últimos degraus, encarando a mesma paisagem que eu.
— Se não fosse um pensamento tão doido, eu poderia jurar que você estava me esperando.
Rindo, fiquei de pé ao lado dele. Eu estava pensando em ir para casa sozinha já que as gêmeas passariam no hospital para a checagem de Kaori, mas agora eu tenho companhia, acho.
— Não estava afim de ir pra casa.
— Por que?
— Bobagem. — Sorrindo de um modo não natural, Aono descia o olhar para o papel em minhas mãos. — O que é isso?
— Estou esperando o dia em que você vai me contar sobre essas “bobagens”.. — No momento em que o garoto abaixou a cabeça, mantendo os olhos fixos ao chão, prossegui, não insistindo em algo que ele não queria contar. — Ah, isso? É o formulário de inscrição para a peça que apresentaremos no Festival Cultural.
— Mas isso não é só no fim do ano?
— Uhum. — Caminhando ao lado dele, encarei o nosso reflexo em um estabelecimento com portas de vidro. — Mas começamos a ensaiar bem antes. As peças do clube de Teatro tem níveis altíssimos de excelência, e cada ano é um desafio para que o próximo não perca a qualidade.
— Eu imagino. — Balançando a cabeça em afirmação, Aono se distraia com um anúncio de vendas de guitarras. Aquilo era bem a cara dele. — Já decidiu em qual papel vai se inscrever?
— Pra falar a verdade, ainda não. — Revelei, olhando para o chão. — Os papéis mais concorridos são os das personagens principais, a mocinha e a vilã. Mas eu estou pensando em ficar nos bastidores mesmo.
— Não consigo pensar em um motivo para você não tentar um dos papéis principais.
— Ah, eu não sei se daria certo.
— E por que não?
Sentindo-me transparente ao olhar atento de Aono, prossegui.
— Acho que eu tenho medo de não ser boa.
— Não consigo entender. — Suspirando, Aono encarava o céu. — Você sempre diz para que eu siga em frente. Mas não é o que você está se recusando a fazer agora?
— É que..
— Você não sabe se vai dar certo se não tentar. Sei que isso é clichê, mas.. É como as coisas são.
Arregalando os meus olhos, encarei Aono no exato momento em que o sol se libertava das nuvens, exibindo o brilho amarelado das 15h da tarde. Caindo como uma cascata em seu corpo, o brilho solar levava embora aquela aura noturna que o rodeava, fazendo-o brilhar.
— Você está andando muito comigo. Já tá até aprendendo a dar conselhos.
Estalando os lábios, Aono bagunçava o meu cabelo, irritadiço.
— Chata.
Deixando-me para trás, Aono seguia em passos irritados, me fazendo prender a risada. Alcançando-o segui o seu olhar para dentro de uma cafeteria, mais precisamente em uma das mesas.
— O que você está olhando?
— Hm? — Parecendo ter voltado a realidade, Aono balançava a cabeça em negação. — Nada.
— Você estava olhando para a mesa daquela senhora. E o seu olhar denunciava um sentimento pessoal. — Voltando a encarar a mesa, assisti ao ato da mulher dirigir colheradas de sorvete para a boca de uma criança pequena, que eu julguei ser filho dela. O garotinho sorria e abria os braços, pedindo por mais.
— É só que… eu me lembrei dos dias em que a minha mãe me levava para tomar sorvete. Na maioria das vezes, ela me levava depois das aulas de violino.
Tentei imaginar uma versão pequena de Aono, animado como aquele garotinho. Amparado pela mão de sua mãe, o garoto pulava animado e ansioso para chegar à sorveteria. E quando já estava lá, sentado em uma das cadeiras, escolhia o maior sorvete de todos, abrindo um sorriso satisfeito a cada colherada dada por sua mãe.
Ao olhar para o rosto dele, vi sofrimento e uma angústia silenciosa. Reservando ambos os sentimentos para si, Aono erguia um dos pés, fazendo menção de sair da frente daquele estabelecimento. Em um ato mais forte do que eu, impedi a sua intenção, segurando-o pelo pulso.
— Então vamos fazer novas memórias.
Olhando para nossa ligação, Aono abria um sorriso saudoso, como se aquilo fosse impossível. Antes que ele confirmasse o que o seu sorriso queria dizer, me antecipei, encarando todas as feições que o faziam ser quem era.
— Não me diga que é impossível. Estamos aqui, não estamos? Se eu posso seguir em frente e superar o meu medo, você também pode… Empurrar toda essa tristeza com boas memórias.
Afastando a minha mão, esperei pela resposta que veio na forma de um menear de cabeça. Em seguida, cruzamos a porta da cafeteria, me deixando surpresa por aquilo ter dado certo e por Aono estar realmente disposto a ter novas memórias comigo.
— Eu te disse que não gostava de coisas doces.
— Mas antes você gostava!
— Tsc.
Nos acomodando, encarei o cardápio ilustrado, salivando com todas as delícias ao alcance dos meus olhos. De maneira tímida, a garçonete indicava a nova linha de gelados, uma taça onde bolo e sorvete se encontravam, além de uma generosa calda de morango, pedacinhos da fruta e chocolate branco picado.
— Vou querer essa. — Apontei para a maior taça do cardápio, surpreendendo a moça. — Tem como adicionar uma camada extra de doce de leite? E esses marshmallows.
— Hmmm, tem sim. — Arqueando as sobrancelhas, a garçonete olhava para mim e para Aono, se demorando mais na minha direção. Em seguida, pigarreando, ela se dirigia para o balcão. — Já venho entregar o seu pedido.
— Ela achou que estivesse atendendo uma formiga humana.
Mostrando a língua, deixei o corpo relaxar na cadeira enquanto observava a paisagem externa.
— Eu gosto de doces, ok?
— Nem precisa dizer.
Dez minutos depois, nossa taça extra grande estava diante de nós, causando-me salivação excessiva. Pegando a colher com certa rapidez, levei o sorvete para a minha boca, emitindo sons de contentamento e prazer.
— Sério, não tem nada melhor do que isso.
Olhando para a taça com clara relutância, Aono cedia ao meu olhar de aprovação e experimentava um pouco. Fazendo uma careta, o garoto afastava a colher dos lábios, deixando uma pequena linha de calda de morango entre eles.
— É muito doce.
— É claro que é! — Sorridente, lambi a colher com resquícios da camada de doce de leite, sentindo-me a poucos passos do Paraíso. — É por isso que é tão bom.
— Não sei como você não fica enjoada com esse tanto de coisa.
— Impossível. — Chegando na parte do bolo, me segurei na cadeira para não derreter em meio ao sabor cremoso do chocolate e dos pedacinhos crocantes de Oreo. — Eu poderia comer isso todo dia...
— Tenho pena do seu estômago. — Se servindo de pequenas colheradas, Aono estava alheio ao meu encontro cósmico com o açúcar, olhando para mim com vergonha alheia.
Minutos mais tarde, Aono alisava a barriga, fazendo uma careta.
— Sabia que não deveria comer aquela mistureba que você pediu. Fico enjoado só de lembrar.
— Ah, para. — Cutuquei o seu braço, rindo em divertimento. — Você quase nem comeu.
— E é por isso que eu estou assim. Nem imagino como você tá por dentro depois de misturar tanto doce.
— Melhor impossível. — Ergui os braços, exibindo uma aura floral. — Não esquece da roda de estudos. Se tiver alguma dúvida, anota que a gente vai estudar sobre ela amanhã, ok?
— Tá, tá.. — Bocejando, Aono bagunçava o meu cabelo antes de se afastar. Ele tinha mesmo que fazer isso toda hora? — Vou fazer questão de desligar o meu despertador.
— Você não é nem doido de fazer isso! — Gritei, rindo. Antes de sumir entre os corpos apressados, o vi levantar a mão, e mesmo sem poder ver o seu rosto, tive a certeza que ele estava sorrindo.
❁
No dia seguinte, o monstro da semana de provas continuava assombrando os alunos da classe 3-A. Enquanto todo mundo fazia o que podia para se manter acordado, o alívio veio com o toque do intervalo. Com gritos de “viva” que foram substituídos por um “menos comemoração e mais estudos” proferido de maneira rígida pelo sensei, a turma voltou ao modo sem esperança, andando como lesmas vivas para fora da sala.
Destoando da pressão mortífera, levei a minha cadeira até o lado direito da cadeira de Aono, sendo seguida por Pokko, que levava as cadeiras dele e as das gêmeas. Arqueando a sobrancelha, o garoto de aparência sonolenta olhava para a nossa organização.
— E o que vocês estão fazendo aqui?
— Viemos comer com você, ué.
— E é bom ir se acostumando.. Você deve ser sentir muito sortudo por estar almoçando comigo.
Convencida, Kaori jogava o cabelo para trás, deixando Aono com uma careta visível.
— Estou morrendo de felicidade por isso.
— Você está me zoando? — Antes que uma briga tomasse conta do nosso intervalo, pus uma salsicha entre os lábios de Kaori, que mastigava. — Que delícia. A tia Hanako é mestre em salsichas.
Balançando a cabeça em afirmação, mordi um onigiri e em seguida olhei para a mesa do Aono, que estava vazia.
— Você não vai comer nada?
— Geralmente eu vou no refeitório comprar alguma coisa, mas não estou com fome.
— Sua mãe não prepara seu bentou? — Arqueando a sobrancelha, Keiko fazia uma pergunta que imediatamente mudava a expressão de Aono, para aquela que eu via sempre que a tristeza o invadia.
— Não.
— Por que? Que estranho isso, uma mãe não preparar um bentou para o filho.
— Ela não pode.
Olhando para o nada, Aono emitia tanta tristeza, que era capaz de pegá-la entre os meus dedos. Sentindo uma náusea repentina, quis pegar nas mãos dele para que aquele sentimento passasse, mas antes, fui surpreendida pelos dedos de Kentin em minhas bochechas.
— Que reunião adorável. — Cruzando os braços, o garoto olhava de cima para todos nós, emitindo algo nos lábios que chegava perto de uma admiração irônica. — Posso roubar a minha namorada um pouquinho?
— Por que você não come com a gente? — Abrindo um sorriso, até fiz menção de chegar à minha cadeira mais para o lado, ato que Kentin já estudava desde que chegou.
— Porque é o único horário que a gente tem para ficar junto.
— Hm, ok. — Me levantando com um sorriso contido, assenti. Antes de sair, peguei dois onigiri, colocando no guardanapo antes de entregá-los para Aono. — Certifique-se de comer, ok?
Não o encarei depois disso. As garotas vibraram e diziam coisas como “meu casal perfeito” e “saiam daqui seus chatos”. Andando ao lado de Kentin, senti os olhares grudados em nós e os comentários que tentavam decifrar o quanto o nosso relacionamento era perfeito. Entretida neles, não escutei as primeiras palavras de Kentin.
— Você, tudo bem. Mas até as garotas entrarem nessa obra de caridade com aqueles esquisitos?
— Kentin. — Pedi.
— Não, nada contra. — Rindo, Kentin acenava para alguns conhecidos, puxando a minha cintura no processo. Em resposta aos acenos dirigidos a mim, sorri. — Mas o cara já está até achando que você tem que alimentá-lo. É por isso que não pode se envolver com essa gente, eles começam a achar que...-
— Quando você vai parar de falar essas coisas!? — O interrompi, juntando forças para ser paciente. Kentin era o meu namorado, e brigas deveriam ser evitadas. Mas eu não conseguia escutar aquelas palavras, sem ter vontade de triturá-las. — A gente já conversou sobre isso e o Aono não me pediu nada. Eu que tomei a decisão de dividir o meu almoço com ele, e não vejo problema nenhum nisso.
— Eu não quero brigar com você de novo… — Encontrando espaço ao lado de uma árvore, Kentin retirava uma parte do meu cabelo, acessando o pescoço. — Só quero te alertar pra que você não seja prejudicada, entende? Já parou pra pensar o que as pessoas falarão quando verem que vocês estão dando atenção para esses garotos? Todo mundo sabe que um é gordo e o outro é delinquente.
— E isso falaria mais sobre mim ou sobre elas? — Olhando para um ponto a frente, suspirei, disposta a encerrar aquela conversa. — Eu não me importo com a opinião de pessoas que julgam outras pela aparência ou por apenas não pertencer ao padrão que elas esperam.
— Uau. — Rindo de maneira surpresa, Kentin enchia o meu pescoço de beijos, novamente me levando ao abismo de não sentir nada. — Parece que estou conversando com uma nova Sophie.
— Você só gostou de mim por causa do meu pensamento de antes? — Receosa, virei para encarar o céu estampado nas pupilas de Kentin. Apesar de ser uma dúvida que pairava na minha cabeça a muito tempo, eu tinha medo da resposta. Pois se Kentin apreciava apenas a “futilidade” de Sophie, eu não saberia dizer se, enquanto eu estivesse em seu lugar, nosso relacionamento teria futuro.
— Quê? É claro que não. — Demorando alguns segundos consideráveis para responder, Kentin voltava a beijar a minha pele, me deixando com a dúvida de sua hesitação. — Quer saber? A gente nem deveria estar falando disso. E sim do próximo evento que eu quero que vá, como a minha namorada.
— Evento? — Indaguei. Não havia nada do tipo no colégio, a menos que não fosse do meu conhecimento.
— É. Meu pai vai comemorar a abertura de sua rede de hotéis na Tailândia. E como aquele velho adora se exibir, ele vai oferecer um evento para os amigos investidores dele e outras pessoas da alta sociedade.
— É algo do trabalho do seu pai. Você acha que eu devo ir?
Tradução: por favor, não me leve. Estou em pânico apenas em me imaginar em um evento tão grandioso como esse.
— É claro que sim. Por que não iria? — Rindo, Kentin alisava os cabelos, me deixando próxima do seu peitoral. — Se até o meu irmão pode levar a vagabunda que ele tá pegando agora, eu é que não seria impedido de levar a minha namorada.
Durante alguns segundos, fiquei em silêncio com a escolha de palavras e o tom raivoso do garoto, dirigido ao irmão. Em seguida, suspirei, encarando a cor azul do blazer que ele usava.
— Você deve estar contente com a ampliação dos negócios do seu pai.
— De certa forma. — Dessa vez, foi Kentin quem suspirou. — Mas do que adianta, se quando o meu irmão assumir tudo vai por água abaixo?
— Não pense dessa forma. Seu irmão deve se acostumar com a nova função.
— Aquele ali não se acostuma nem com uma mulher. — Alisando a minha bochecha, Kentin criava círculos imaginários, fazendo cócegas. — Toda semana é uma garota nova. Dessas golpistas, sabe? Minha mãe tenta apresentar a ele uma noiva refinada, mas ele tem o gosto para porcaria.
— Você não deve falar assim das mulheres que seu irmão se relaciona. Nem todo relacionamento dá certo.
— O nosso dá. — Sorrindo, Kentin olhava para mim e em resposta eu sorri, concordando. Vi a sua expressão satisfeita assim que os meus lábios se curvaram. — O problema do meu irmão é que ele se contenta com muito pouco. Mas eu não quero mais falar dele. Eu já escolhi o vestido que você vai usar no evento.
— O quê? — Me levantei, aturdida.
— Não se preocupa por que a minha mãe me ajudou nisso. O vestido é lindo.
— Ah, obrigada... Mas eu poderia ter comprado um.
— E perder a chance de te ter se arrumando no meu banheiro? Eu não podia perder essa.
— Não, eu posso me arrumar na minha...-
— Já tá decidido. — Selando os meus lábios, Kentin me puxava para perto novamente, levando uma das mãos à minha coxa direita. Aquilo me causava calafrios, não de uma maneira boa. — Vamos ser os melhores dessa festa.
❁
No fim do intervalo, o pensamento de ir para a casa do Kentin ainda rodeava a minha cabeça, como um carrossel. Eu sabia que não teria como fugir daquela tarefa, mas se somado ao fato de ter que trocar de roupa na casa dele, aquilo me deixava um tanto inquieta.
— Aconteceu alguma coisa?
— Nadinha. — Respondi, deixando Keiko aliviada. No restante do tempo, tentei focar nas revisões para a prova, mas vez ou outra, o fantasma do evento me assombrava, distraindo a minha atenção.
— E com essa matéria encerramos o conteúdo de provas. Espero não ter que corrigir provas com notas vermelhas.
Escutando um sonoro “sim, senhor!”, o sensei nos liberava. Aqueles que ficariam para a roda de estudo já começavam a arrumar as carteiras, formando um círculo.
Pegando o caderno, nossa primeira matéria a revisar seria matemática. Enquanto corrigimos questões e tiramos dúvidas de outras, senti algo, ou melhor, alguém me chacoalhar. Era Ume, a garota que ficaria com a matéria de Inglês.
— Você tá bem? Parece dispersa.
— Estou sim. Agora é ciências, né?
Com a confirmação da garota, segui para o próximo caderno, compartilhando as minhas anotações. No espaço de uma hora, nossos dedos já doíam e a garganta pedia por algo refrescante.
— Hora do suco!! — Batendo palmas, Ume fechava o caderno. — Quem se candidata?
— Eu posso ir. — Me ergui, segundos depois de notar que ninguém faria. — Mas vou precisar de uma ajudinha. Quer vir comigo, Aono?
Emitindo um suspiro cansado, Aono e eu seguimos para a máquina de bebida automática, que ficava no pátio. Enquanto eu lia em voz alta os pedidos de todos os integrantes da roda de estudo, notei um gatinho de cor caramelo assim que levantei os olhos.
— Um gato! Acho que ele tá perdido.
— O quê? — Estreitando os olhos, Aono me seguia enquanto eu tentava sem sucesso pegar o animal. Correndo, me afastei das máquinas de bebida, chegando nos fundos da dependência escolar.
— Era um gatinho, mas acho que ele...-
— Shhh! — Me puxando para trás de uma árvore, Aono olhava cautelosamente para frente, me deixando imersa em dúvidas acerca do seu comportamento atual.
— Ei, o que é...-? — Seguindo o olhar dele, separei os lábios em surpresa ao olhar para a cena a poucos passos de nós dois.
Garota xxxxx: Senpai, agora eu tenho coragem para falar que… Eu amo você! Por favor, seja meu namorado!
— É uma confissão!? — Incapaz de conter o meu choque, deixei as palavras saírem em um tom audível, no mesmo momento em que Aono me puxava mais para perto, colocando a mão em minha boca. Com nossos corpos colados, podia sentir a massa de ar quente que passava no espaço mínimo que nos separava, emergindo uma fervura líquida em minhas terminações nervosas.
Aquele minuto pareceu interminável. Ao olhar para Aono, tive certeza que ele compartilhava o mesmo choque que eu. Seus olhos noturnos pareciam maiores do que eram, arregaladas, as pupilas me prendiam em correntes que iam além da sensação dos dedos dele sobre os meus lábios. Não sou capaz de dizer o que estava acontecendo naquele momento, e por quê ele parecia não acabar.
Garoto xxxxx: Você ouviu alguma coisa?
Garota xxxxxx: Deve ter sido o vento...
Respirando aliviada, permaneci na mesma posição até que o barulho dos passos estivesse longe. Atordoada, arrisquei alguns passos para longe de Aono, sentindo o meu corpo formigar.
— V-você me assustou!
— Desculpa. — Passando a mão entre os fios de cabelo, Aono mantinha a cabeça baixa. No pouco que eu pude ver, notei uma pequena vermelhidão em suas maçãs do rosto. — Não queria que eles nos vissem.
— E acabou que eu fiquei tão nervosa que nem consegui escutar a resposta dele...
— Ele não aceitou. Mas disse que podiam ser amigos.
Chocada com a habilidade auditiva dele, diferente da minha que parecia inexistente assim que houve o contato físico, balancei a cabeça, penosa pela garota.
— Que pena... Ela parecia mesmo muito apaixonada.
— Besteira.
— Não é besteira! — Estalando os lábios, corri para alcançá-lo. — Foi bonitinho. Uma pena que não deu certo.
— Aposto que você é daquelas que se derrama em lágrimas em filmes com declarações clichês.
— E quem não é? — Recebendo uma careta óbvia em resposta, prossegui, entusiasmada. — Ah não. É meu dever te trazer para o time das comédias românticas. Uma vez dentro, você vai entender o poder de uma declaração.
— Não, obrigada.
— Você não vai fugir tão fácil assim, Aono. — Rindo, apertei a opção de suco na máquina automática, colocando a moeda em seguida. — Já estou até pensando qual filme iremos assistir. Deve ter algum no cinema.
— Se você assistir a algum filme de terror..
— Hmmm, então essa é a condição? Não sei se eu pularia de medo com esse gênero, mas tá combinado. Qualquer coisa, eu tampo os meus olhos.
— Mas aí não vale. Você não vai deixar eu tampar o meu olho na cena de declaração.
— Não vou mesmo. — Respondi, brincalhona. — Então combinado. Vamos assistir a um filme de romance e terror.
— Não vou conseguir dormir à noite.
— Por causa do filme de terror? — Arqueei as sobrancelhas, confusa.
Pegando os sucos e refrigerantes que o pessoal havia pedido, começamos a fazer o caminho de volta para sala. Antes de cruzarmos o corredor, Aono deu um jeito de bagunçar o meu cabelo, mesmo com a mão ocupada.
— Por causa do filme de romance.
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Oii, cerejinhas! Começamos o capítulo com o desenrolar do fim do Acampamento, a Sophie tadinha, tentando corresponder ao Kentin. Queria dizer aqui que amo quando o capítulo tem interações da família Ichikawa! Elas se acolhem tanto.
Tivemos Kaori sendo Kaori, e uma tentativa de aproximação entre a turma que parece estar dando certo depois de toda a confusão causada pela Kobayashi. Falando nela, a querida é completamente antipática, né?
Não vou comentar sobre a conversa entre a Sophie e o Kentin pq acredito que vcs já vão falar por mim kkkkkkk e encerro a interação do capítulo comentando o quanto eu queria dar um abraço bem apertado no Aono.
No mais, quero ler os comentários de vcs, teorias, xingamentos ao Kentin kkkkkkk e aguardem o próximo pq ele ainda vai dar muito motivo para ser odiado. Um xêro e até mais!!
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