O acordo

- Essa é a ideia mais estúpida que eu já ouvi! - não é novidade que Jennifer é uma ignorante que julga mal qualquer coisa que não venha dela, e é  por isso que eu não estou surpresa e nem irritada com sua "indignação " quanto a minha ideia para conseguirmos grana pra formatura.

- Bom, eu adorei - digo, sentada na cadeira do professor com meus pés apoiados na mesa.

É intervalo e eu estava comentando com algumas garotas sobre a ideia que tive para arrecadarmos dinheiro para a formatura, até Jennifer chegar e se intrometer. Mas de qualquer forma, ela ia saber de todo o jeito, então que comece desde agora a encher o saco!

- Tu praticamente tá mandando a gente se prostituir! - quem vê, pode até pensar que Jennifer está só exagerando, mas a verdade é que ela simplesmente me odeia, então dar uns selinhos por dinheiro se torna um delito muito grave por ter sido uma ideia saída da minha cabeça e não da dela. Infelizmente a galinha choca ainda nāo superou eu ter sido elegida representante. Na verdade ,nem é tão "infeliz " assim, adoro ver a inveja de Jennifer saltando pelos olhos toda vez que me vê.

- Mas aquelas pessoas dos filmes não fazem isso o tempo todo , né? - Jemilly comenta. Ela é uma das amigas de Jennifer, a do grupo das piranhas e só piranhas.

- Filme é filme, Jemilly! Vida real é totalmente diferente. Eu que não vou sair beijando por dinheiro,  e aposto que ninguém vai querer! - diz com entojo.

- Tu já beija a escola toda de graça,  qual é a diferença? - reviro os olhos.

- Fia, tu acha que eu sou tu é?

- Tu queria, né? - queria não, talvez ela seja pior/ "melhor". Quer dizer, eu nem ao menos sou uma piranha de verdade.

  Ela ri com deboche.

- Deus me livre!

  Dessa vez eu que rio.

- Deus sabe que tu quer!

- Eu topo ficar na barraca - Débora, uma das garotas com quem eu conversava antes de Jennifer aparecer,  interfere.

- Ótimo, precisamos de mais quatro garotas e quatro meninos também - começo a falar, ignorando totalmente Jennifer. Até algumas de suas amigas ( como Débora) estão ignorando ela agora.

- Eu só acho que os meninos vão fazer frescura pra participar - Jemilly diz, como quem acha minha ideia uma idiotice,   após Jennifer cochichar algo no ouvido dela.

Eu já disse o quanto odeio minha turma? Eu odeio minha turma, principalmente Jennifer e seu bonde, o que significa: oitenta por cento da sala.

- Vocês não tão vendo que isso não vai dar certo? - a hiena se exalta ao perceber que não está recebendo a "devida" atenção  - Essa ideia é ridícula! Ela nem sabe o que tá fazendo, ela não sabe nem tirar uma nota maior que zero - se tem uma coisa que eu odeio mais que Jennifer, é Jennifer falando de mim na minha frente como se eu não estivesse presente -, ganhou só por que deu pros machos todinho dessa sala!

   É bem rápido. Eu tiro os pés da mesa e vocifero um "Vai tomar no cu, caralho! " e em um pulo estou fora da sala ,em seguida caminhando pelos corredores cheios de adolescentes e música e comida. Jennifer deve estar rindo agora, ou algo do tipo , já que  conseguiu me abalar, o que me deixa com mais raiva, mas não é por isso que meus olhos começam a marejar, obviamente, porém nada sai, eu tenho esse bloqueio quanto a chorar perto de pessoas, e agradeço. Não é novidade pra ninguém que eu sou um fracasso no quesito notas, os professores, exceto Loreto ( que se mantém impassível com todo mundo, ou devo dizer sarcástico ), sempre estão por aí me lançando olhares reprovadores. Seja pelas notas ou pelas minhas atitudes que provavelmente eles julgam como as de uma vagabunda. Eu sei, eles são educadores, eles deviam ser acolhedores e pregarem o feminismo ou ao menos não pregarem o machismo, mas quem disse que a vida é justa? Exato, ela não é, e muito menos as pessoas.

- Eu só queria quebrar ela no meio! - digo, com as pontas dos dedos na tempora e fechando os olhos na tentativa de me acalmar. 

Ainda estou sentindo a mesma fúria de cinco minutos atrás quando Roberta me parou no corredor da saída e me trouxe para perto das meninas, alegando que ia ali , mas voltaria logo para saber o que aconteceu  pra eu estar andando pelos corredores igual a carminha de avenida Brasil com raiva da Rita.

Estranhei ela ter falado comigo numa boa, sem a sua aura de irritação de horas atrás, mas eu não tenho tempo para pensar no humor volúvel de Roberta agora. Então estou deixando pra lá. 

- Não se estressa que tu sabe que é isso que ela quer - Leticia diz enquanto prende os cachos loiros.

- E tem como não se estressar, Leticia? Aquela garota bota um pé na sala e eu já tenho vontade de sair! Tóxica! - Lorena está totalmente alterada, isso porque eu ainda nem sequer disse o que Jennifer fez.

- E adianta alguma coisa? Eu só acho que ela não vai sumir só porque a gente quer. Ou tu vai mudar de escola por causa dela? - ok, a loira cruzou os braços, sinal de que a discussão vai demorar se alguém não intervir, no entanto minha mente está tão imersa em Jennifer e no quão ela me afetou com o comentário sobre eu ser burra que continuo apenas escutando.

- Vocês vão mesmo brigar? - Alice intervém, e eu sinto um breve alívio.

- Eu mesma tenho mais o que fazer - Leticia diz, revirando os olhos da sua maneira debochada. O que ela não tem de altura se projetou em deboche.

- O que foi que aconteceu, Jô? - Alice me olha com seus enormes olhos escuros, ignorando as duas garotas ao seu lado e qualquer discussão que elas pudessem iniciar.

   Até agora eu nāo falei o que realmente aconteceu, só que  estou com muita raiva de Jennifer e preciso acertar ela com um cocô ou sei lá, três. Na verdade, um meteoro acabaria com Jennifer de uma vez. É isso, um meteoro. Universo , providencie um meteoro, por favor!

- Eu tava falando sobre a minha ideia pra conseguir grana pra formatura - suspiro  devagar  , porque eu preciso me conter para não ir até a hiena e eu mesma jogar uma pedra na cabeça dela - , vocês sabem, a ideia sobre a barraca do beijo que comentei no whats , ontem - e elas assentem em sincronia, o que é engraçado e eu até poderia rir se cada membro do meu corpo não tivesse queimando de raiva.  - Jennifer nem foi chamada, ela só ia saber na última aula junto com o resto da turma, mas quando eu tava conversando com algumas garotas a fim de ganhar alguma voluntária pra barraca e tal, a hiena entrou na sala e começou a se intrometer. E vocês sabem que a maioria da sala age escrotamente quando tá perto de Jennifer, Jemilly principalmente já que é meio que amiga dela. A gente tava conversando numa boa, talvez a gente até entrasse num consenso, só que Jennifer começou a soltar veneno - cruzo os braços e encosto na parede -, enfim, ela praticamente disse que a minha ideia é uma merda e que não vai dar certo - e que eu não sirvo pra ser representante porque sou burra. Pensei em acrescentar, mas não posso, não dá pra falar sobre isso com elas, não posso demonstrar insegurança pra tanta gente e me deixar mais insegura ainda. E sem contar que eu não posso manchar a minha imagem de fodona. Se Jennifer me acha burra, eu tenho que fazer o possível / impossível para não demonstrar que me abalo por isso e de alguma maneira mudar isso, eu preciso mudar minha posição de péssima aluna para melhor,  ou ao menos quase.

- Por que não tô surpresa que  àquela cara de cu não gostou da tua ideia? - Leticia fala , revirando os olhos.

- Ela só disse isso porque foi tu que tivesse a ideia! - Lorena começa, com sangue nos olhos. Qualquer dia eu pergunto o motivo de tanto ódio de Jennifer. Não que alguém precisasse de um motivo pra odiar ela,afinal é Jennifer.  - Ela ainda não aceitou que não  ganhou e vai encher o saco até tu desistir de ser representante e dar o cargo pra ela!

  E como ela pretende conseguir isso? pedindo ao coelho da Páscoa? Porque eu jamais vou ceder.

- Coisa que ela vai morrer querendo, então!

- Isso mesmo, Jô! - Lorena ergue a mão e fazemos um toque - O negócio é não se estressar por causa daquela porra. Ela só tá com inveja.

   Mas eu já estou estressada. Pior: afetada pelas merdas que ela me disse. E isso vai totalmente contra as minhas regras. Talvez obter respeito baseando - se em boatos seja mais fácil que com esforços como tentar representar uma turma.

- É, tu sabe que ela adora ter toda atenção pra ela e tu meio que tá acabando com o - Alice faz aspas com as mãos - "brilho " dela.

- Se é que ela já teve brilho algum dia - Leticia fala com desdén -, mas enfim, sobre a barraca do beijo, aonde eu assino pra participar?

Nós rimos. Leticia sim pega todos, e ela nunca perde a oportunidade de beijar mais bocas.

- Os meninos também vão, né? - Alice questiona.

- Hum, tá interessada em alguém?  - Leticia estreita os olhos, fazendo sua face maliciosa. Obviamente, Alice não disse nada demais, porém por ela ser a mais, digamos, romântica e só beijar alguém por quem ela for realmente apaixonada, nunca perdemos a oportunidade de encher seu saco.

- Com certeza deve ser no Lucas - falo. Lucas é um dos imbecis da nossa turma, no entanto ele não é tão perigoso pra humanidade, até tem concerto, diferente de Jennifer.

- Nada a ver - ela fala, rindo fraco sob nossos olhares cheios de malícia -, só perguntei porque queria saber se Jô ia deixar o Oliver dela participar.

  E a peteca passa pra mim.

- Alice, supera - desencosto da parede e começo a enrolar uma das pontas do meu cabelo. Por algum motivo de repente me sinto desconfortável, mas sei fingir bem, inclusive para mim. - Eu só peguei o garoto, a gente não tem nada.

- Tem certeza? - é como eu disse, Alice é uma romântica, daquelas incuráveis, e ela simplesmente acha que estou apaixonada por Oliver porque o beijei ou o chupei. Ela tem muita esperança em mim. Se soubesse que eu nem sequer o beijei.

- Eu vou beijar ele , então - Leticia alfineta.

- Beije o quanto quiser - sorrio, fazendo pouco caso.

- Desistiam, Jô não se apega - Lorena fala. - Mas talvez com Oliver seja diferente.

  Reviro os olhos, rindo.

- Bom, Oliver ou não, só sei que vou beijar muitas bocas nesse dia.

- Mais do que tu já beija, Lê? - Alice brinca. 

- Olha Roberta - Lorena ergue o queixo e eu me viro para a garota com o celular na māo que tem cabelos ondulados curtos que são soprados pela brisa como se ela tivesse num comercial de xampu.

- O que foi que eu perdi? - questiona , antes de desligar a tela do seu celular rapidamente. Mas num pequeno intervalo entre desligar,  meus olhos conseguem capturar o nome  " Oliver " em cima de uma conversa.

    Por que ela estava conversando  com Oliver? Ou melhor, "o quê."

- A insuportável da Jennifer não gostou da ideia da barraca do beijo. Tava falando um monte de merda - Leticia fala. No mesmo instante o sinal que indica o fim do intervalo,toca.

- Oh, meu Deus! - Roberta diz, com impaciência,  o que deveria me fazer rir porque Roberta sempre está falando essa frase por aí, é quase como seu bordāo, mas não faz, subitamente eu não consigo colocar Roberta e engraçado na mesma situação e principalmente, não consigo entendê -la, o que aconteceu pra voltarmos a ficar de boa? Até onde eu sei, ela devia esta me acusando de ter transado com Oliver - tu não deu bola pra aquela filha do cão, né?

- Não, eu tô de boa - falo, tentando me concentrar na conversa e não nos meus pensamentos que me levam a pensar em por quê Roberta estava conversando com Oliver.

- Ótimo - responde enquanto começamos a caminhar rumo a nossa sala. O corredor está quase vazio e Lorena e Alice seguem na frente , conversando animadamente sobre algum canal do YouTube, Leticia está um pouco atrás, com os olhos fixos no celular, e mais atrás estamos Roberta e eu. E eu sei que ela só estava esperando as meninas se afastarem para me encher de perguntas, ela não se contentaria com a minha resposta vaga, Roberta me conhece muito bem e eu não sei se esse é um bom momento para ela ter esse poder.  - Fale a verdade e não me esconda nada - diz, com seus olhos quase furando os meus.

- Besteira, tu sabe, foi só Jennifer sendo Jennifer hiena irritante.

- Tu tava queimando de raiva, fala a verdade, Jô. E não me vem com umas respostas vagas - não falei? -  A gente sabe que não é tão fácil te abalar - ou talvez seja até demais.

  Eu quero contar tudo a ela, o que é bobagem comparado ao caso que estou fazendo por pensar em não contar, mas eu só não consigo deixar a súbita hesitação de lado. Sei que no fundo estou assim por ter visto que ela conversou com Oliver e não me contou, também sei que ela tem liberdade pra fazer isso e eu não tenho nada a ver, mas eu sinto como se ela tivesse escondendo algo de mim.  Eu não gosto dele, nós não temos nada, Roberta sabe, ela não está me traindo, só que ,custava ela me contar algo já que ela está interessada nele? Tudo bem, acho que estou tendo paranóias  de novo, ela provavelmente só quis perguntar algo bobo, falar vagamente sobre algo.

- A hiena basicamente disse que eu sou burra demais pra representar a turma - despejo, e eu me sinto bem porque Roberta me entende. Ela deve saber de quase tudo pelo que passei, ela sabe o quanto eu já fui afetada por insegurança.

  Roberta está me olhando com as sobrancelhas franzidas e o nariz torcido antes de abrir a boca.

- Que vadia nojenta! - ela diz, e mesmo que ela esteja escondendo algo de mim, vejo sinceridade em suas palavras agora, como se ela ainda fosse a Roberta com quem converso sem hesitação - Não absorve essas merdas, certo? Tu é uma das pessoas mais inteligentes que eu conheço.

- Ah , claro - rolo os olhos.

- Escuta, garota - ela toca no meu ombro - , ela só quer te afetar, tu não precisa dar bola pra tudo o que aquela hiena diz! Tu é muito inteligente.

- Vou fingir que acredito - respondo. Mas mesmo que eu não quisesse, as palavras de Roberta ainda fariam efeito em mim, sempre fazem. - De qualquer forma, preciso fazer minhas notas subirem, e eu vou fazer - a encaro -, vou costurar a boca de Jennifer.

              
                    ~ |||| ~

No início da última aula , a qual pertence a Loreto e sua entediante matemática, assim como durante a penúltima, eu penso em Jennifer, nas merdas que saíram da sua boca e no quão eu me afetei. Penso em conseguir alguém para me ajudar com os estudos, na barraca do beijo e em Roberta. Por mais que eu queira deixar de lado, o assunto me chama, e eu realmente não vejo sentido. Que ela fale com Oliver! Não tenho nada a ver com isso. Ah, e em meio a tantas incógnitas, descobri algo sobre ele que não é lá tão relevante para mim, mas aparentemente Oliver sai todos os dias na penúltima aula e só volta na última. No caso, a de agora. E ele sai com permissão, o que quer dizer que descobri outra coisa : ele precisa sair na penúltima aula.

- Como vai, Oliver? - Loreto pergunta, quando o garoto de cabelos pretos e olhos hipnotizantes passa pela porta. Arrisco dizer que o castanho claro está mais claro hoje, assim como o cinza que até parece entrar num tom de azul.

-  Vou bem e o senhor? - ele diz , já entrando no corredor da sua mesa.

- Vou bem - o coroa responde, enquanto mexe na sua pasta preta.

   E eu até poderia detalhar mais o que Loreto está fazendo se os olhos de Oliver não capturassem os meus tão rapidamente e intensamente.

- Preciso falar contigo depois - ele diz ao passar por minha mesa, foi um sussurro, o que naturalmente deixou sua voz rouca e mesmo que não tenha soado perto da minha orelha, me arrepio como uma maldita!
 
   Passo uns segundos acalmando meus pêlos e mais alguns muitos acalmando a mim,porque de repente meu coração acelera e eu pareço uma idiota. O que será que esse imbecil quer comigo? Será que eu fiz alguma (outra) merda e agora ele quer tirar satisfação?

   Quando falta poucos minutos para o fim da aula, Loreto me dá a oportunidade de falar, a qual eu quase me humilhei para ganhar no início da aula. Quase toda a turma me encara após o professor dizer "a representante quer dar uma palavrinha com vocês ", e se eu não fosse quem sou , acostumada com toda  atenção, poderia congelar aqui mesmo nessa cadeira.

Fico de pé e ouço o "Lá vem " de Jennifer, o qual eu simplesmente desprezo, afinal de contas eu sou o poder aqui,  há muito tempo que ela não me atinge. Eu sou linda, eu tenho um histórico que me dá segurança, eu sou poderosa. Os meninos me veneram, assim como cada olhar deles nesse momento demonstra, as garotas que me odeiam sentem invenja, Jennifer sente invenja, e ela é uma otária que nunca vai me derrubar.

- Eu quero compartilhar com vocês a minha ideia pra conseguir grana esse mês.

  Jennifer está exibindo sua cara de rabo regada em deboche, mas eu me limito a olhar por breves segundos. Eu sei que ela já deve ter feito a questão de contar pra todo mundo a minha ideia, de uma maneira entojada e jogando todo o tipo de defeitos, mas eu ignoro.

- Acho que a gente poderia conseguir uma boa grana com uma barraca do beijo, tá chegando carnaval e como a escola fica aberta para o público ver as apresentações - concursos ridículos que ninguém mais tinha vontade de participar quando chegava no terceiro ano - , pensei que seria uma boa.

- Tá, mas quem vai participar disso? - Jennifer solta.

- Se tu não tiver despejado teu veneno contra a minha ideia, espero que muita gente - retruco, pouco me fodendo se todos estão me olhando. Loreto ri.

- Eu mesmo não - ela ri, com a cara contorcida em indignação.

- Que bom né, querida - sorrio encenando, e volto meu olhar para o resto da turma -, então, alguém tem interesse?

- É beijo de língua? - Gabriele, sentada atrás de Pricila,  questiona.

- Não, é só um selinho.

- E tu acha que as pessoas vão pagar por um selinho? - Jemilly alfineta. Ela já foi venenada por Jennifer.

  Certo, sentir na pele o sacrifício de manter ou conseguir poder é algo muito difícil, prefiro mil vezes os boatos. Eu não preciso dizer muito, não há questionamentos, eu só sou e pronto! Ninguém duvida. E é nesse momento que eu vejo enfatizado o quesito sobre eles sempre duvidarem de algo bom. Aparentemente, eu posso ser vadia, mas não alguém capaz de representar uma turma.

  Usando toda segurança que adquiri, eu tento me manter firme.

- Claro que vão - dou de ombros.

- Acho que não - Jennifer murmura.

- Meu objetivo no momento é responder suas dúvidas - falo, fixando em seus olhos invejosos. Peço a Loreto uma folha para anotar os nomes, ele assente e eu puxo um ofício de sua pasta , deixo na mesa e pego uma caneta. Ergo os olhos - Quem tem interesse?

    A mão de Leticia é a primeira a levantar, e depois de demorados segundos penso que será a única, mas então Roberta olha para os lados e ergue a sua, Lorena faz o mesmo, já Alice fica num dilema, sei que ela quer levantar a sua mão para ajudar a amenizar minha vergonha, mas também sei que ela sabe que não vai se comprometer com isso ( dar beijos em estranhos) e tem medo de me decepcionar.

- Não tô nem surpresa - Jennifer comenta com risos- , ela deve ter combinado com as amigas pra não passar vergonha.

  Eu penso em milhões de formas de xingá - la, mas eu opto pelo modo que ela não suporta, o educado.

- Ao menos eu tenho amigas, não é mesmo? - ergo minhas sobrancelhas e tento manter plenitude. - Então, ninguém mais vai?

  Nenhuma māo a mais se levanta, e um silêncio se instala. Pricila me encara com o mesmo entojo de Jennifer e quando me volto para as minhas amigas, vejo que Oliver nem sequer está com a cabeça levantada. Imbecil!

- É Jô, é óbvio que vai dar certo, ainda mais com ela organizando, alguém que entende tanto sobre o assunto - essa é Roberta,  usando seu talento de me ajudar. Ela fala de uma forma descontraída que ameniza a tensão e me lembra quem eu sou.

- Será que eu vou mesmo ter que perguntar a cada um? - questiono, sorrindo por dentro e agradecendo mentalmente a minha amiga,  e também me condenando por ter duvidado dela ou sei lá o quê. Roberta sempre será Roberta.  Vou até o lado oposto da mesa do professor, me apoiando na borda e ficando mais próxima de Jennifer hiena (infelizmente ). Estou trazendo o papel e a caneta sob a mesa até mim, indiferente a qualquer pensamento negativo.

- Pricila, tá a fim? - ela parece um pouco assustada com minha repentina pergunta, mas logo nega. Idiota ,óbvio que não estou falando sério. Desvio meu olhar - Se a gente não conseguir uma boa grana, podem me matar. Vamos, não é tão difícil e vocês são todos gatos - mais ou menos. Então é isso que é ser político? - Todo mundo vai querer pagar pra beijar vocês, até pra beijar Jennifer -  digo, o que a faz ficar com raiva e algumas pessoas da sala rirem, inclusive Loreto,o que foi a única coisa que ele fez desde o momento que Jennifer e eu começamos a nos alfinetar.

  No final da aula , não só tenho dez pessoas, mas sim vinte, o que é mais que metade da turma.

- Obrigada - digo a André que acaba de assinar seu nome na ata que deixei disposta na mesa do professor. Ele é a última pessoa que assina antes de eu me ver livre para encontrar Roberta na biblioteca e agradecer pela força. Agora tenho vinte e um.

- De nada - ele me encara -, mas tu sabe que pra tu tem beijo de graça né?

- Por hora eu não preciso - sorrio sacana, tocando seu ombro.

- Certeza? - ele toca minha cintura e eu só consigo ouvir o barulho do ar condicionado. A sala está completamente vazia.

- André, não força - retruco com os olhos nos seus e minha mão dando leves batidas em seu rosto, antes de me desfazer do seu "abraço".

- Posso falar contigo agora? - não, a sala não está completamente vazia. Eu olho pra trás e vejo Oliver com um fone no ouvido e um semblante impassível.

- Até mais, minha Deusa - André me diz, antes de beijar minha bochecha, na realidade, o canto da minha boca, me pegando de surpresa.  Otário - Falou, cara - diz pra Oliver e sai em seguida.

- Sou toda sua - sorrio devagar para o garoto em minha frente enquanto pego a ata e guardo no bolso do jeans.  Meus olhos ainda  sorriem quando meus lábios se fecham. E eles sorriem de uma forma tão maliciosa que até mesmo eu me surpreendo. Deve ser o sucesso da minha ideia que me deixou eufórica.

- Tem um duplo sentido nisso ou eu tô enganado? - Oliver questiona, tirando seu outro fone do ouvido. Acho que é sua forma de dizer que também é todo meu. Reprimo um riso que soaria estranho pra situação e volto para seu rosto que tem uma sobrancelha ( bem desenhada ) arqueada, entāo concluo que estou tão feliz que não consigo me irritar com a sua cara de " nada me abala".

- Tem os sentidos que tu quiser - dou de ombros, e ok, tem duplo sentido aqui também. Mesmo que tenha saído o mais natural possível.

- Beleza - ele suspira -, não importa, só queria falar sobre hoje .

- O que tem? - eu nāo sei exatamente do que ele está falando e também nāo quero me esforçar para lembrar quando ele já está prestes a dizer , entāo só pego minha mochila preta que estava jogada numa cadeira e ajeito nos ombros, puxando meus cabelos em seguida e jogando sobre os seios. Oliver pode até estar olhando nos meus olhos agora, mas eu o vi observar de relance cada movimento meu.

- Não queria falar daquele jeito.

- Que jeito? - eu sei, devo parecer uma sonsa, mas não sei mesmo do que ele está falando e Oliver parece não se irritar com minha falta de memória.

- Na verdade não queria ter falado aquilo sobre beijo e boquete, foi idiota.

  Ah! Isso!

- Sobre teu beijo ser melhor que meu boquete - o lembro. Bom, eu não esperava que ele fosse se desculpar por isso. - Não achei que tu fosse se desculpar por isso.

- É que eu nāo quero que tu pense que eu sou escroto assim - e seus olhos ficam tão sinceros que quase anulam toda a indiferença que ele carrega. - Falei sem pensar -  ele coça a garganta, levemente abaixando a cabeça - rum rum, desculpa.

Meus olhos se arregalam.

Sério que eu estou ouvindo isso? Ele tem noção que eu devo ter escutado coisas piores e que ninguém estava preocupado se me magoou ou não?

- Oh meu Deus - projeto Roberta, um tanto surpresa realmente , por ele estar fazendo isso , mas também por estar com vergonha. Estou mesmo vendo seu rosto impassível se desmontar? - Tu tá mesmo com vergonha? - e rio.

- Dá pra fingir que não tá vendo? - ele brinca e covinhas fundas furam seu rosto quando sorri. Caralho, é tão lindo!

- Não - cruzo os braços , ainda sorrindo -, então quer dizer que se importa com o que eu penso sobre você?

- Não é bem assim - ele ergue seu olhar pra mim e agora eles estão nos tons de sempre.

  Minha testa forma uma ruga.

- E como é, então?

- Na verdade é assim - ele admite, rindo fraco, desmontando completamente sua pose de indiferente -, só não fica alimentando paranóia, não quero nada contigo, só não quero que tu tenha uma imagem ruim de mim.

   Depois do "não quero nada contigo ", não ouvi mais nada. Olha só quem fala, o mesmo cara que quase me beijou sábado na sua cozinha, que me prensou contra o balcão, e caralho, quase sugou minha alma fungando meu pescoço. Um arrepio me percorre quando lembro. Aquilo foi tão aleatório que sempre acabo pensando que foi um sonho, assim como o sonho onde ele dizia que não ia conseguir se controlar por muito tempo , em relação a mim.

- Ah, não quer nada comigo?

- A gente não tá falando sobre isso.

- Quem foi que me agarrou sábado de noite?

- Eu - ele diz, simplesmente, molhando os lábios. Tentador-, não consegui me controlar, é difícil manter o controle quando tu provoca igual o diabo.

  Eu rio , o que faz eco na sala vazia.

- Não tem controle? - dou um passo a frente e me ponho a poucos centímetros de seu rosto - Tá sem controle agora?

  Ele passa a mão nos cabelos pretos e me olha atentamente.

- Caralho , não imagina a minha vontade de te beijar agora! - diz com sarcasmo - Te colocar nessa mesa e te deixar molhada.

- Olha só quem tá sendo escroto de novo - pontuo, ignorando qualquer arrepio ou frio que ele tenha causado.

- Não tô. Tu sabe que não.

- Não tá não? - arqueio as sobrancelhas em desafio.

- Tu entendeu - ele ri fraco, mas logo fica sério -, na biblioteca te tratei como uma vadia.

- E tá preocupado com isso? Tu ainda  não percebesse que eu sou uma vadia?

- Tem tanto orgulho assim?

- É o que eu sou , não é? Não é o que dizem? E o que tem demais em ser vadia?  - dou de ombros, mas meu semblante contém um pouco de irritação. 

- Não me dá o direito de te tratar com desprezo.

   Franzo o cenho, esse... esse garoto é totalmente surpreendente.

- Tu é meio feminista?

- Eu...- ele passa a māo na nuca, meio confuso. Ok, surpreendente e estranho - eu , mano, só achei que tu tivesse ficado ofendida. E achei que era o certo me desculpar porque fui idiota.

    Ele é tão imprevisível que consigo apenas assentir como uma tonta. Oliver Guimarães , Gustavo Guimarães... será que são realmente a mesma pessoa? Tipo, Gustavo é mais educado, mas Oliver está se demonstrando muito  bonzinho. Para! Como assim a mesma pessoa? Eu inventei Gustavo, Oliver existe. No entanto, qual é a chance de uma imagem que eu achei na internet se materializar na minha frente? Castigo ou presente? E não tem como Roberta alegar que sou doida. Dessa vez, Pricila também o reconheceu e ficou ainda mais surpresa que eu com seu sobrenome, eu vi na biblioteca os olhos grandes dela quase pularem. Não estou doida. Mas por que esse garoto apareceu aqui? Será que foi uma fada que o colocou?

Velho, o que eu estou pensando? Roberta tem razão, eu tô  doida!

Mas é que estou tão focada em conseguir Oliver, em esfregar na cara de Pricila que eu o tenho que acabo esquecendo o quão surreal é ele  estar na minha frente.

- ...Josy - ele fala, me olhando estranho. Deve ter me chamado mais vezes e eu aqui imersa em meu dilema.

- Tá desculpado - digo, meio fora de órbita.

- Beleza - ele assente , ainda me olhando estranho -, tu tá bem?

  Não! Preciso de um manicômio, e eu nem temo mais que eu me sinta em casa assim que entrar, eu já sei que vou me sentir em casa! Ultimamente estou tendo certeza!

- Tô, acho que é só uma queda de pressão.

- Não quer sentar? - ele coloca sua mão esquerda nas minhas costas, me dando apoio porque aparentemente eu estou mal de verdade, e mesmo que eu tivesse prestes a desmaiar ainda ia sentir o local queimando. Tudo que ele toca, queima, mas que merda!

- Em um momento tu é grosso e no outro educado. Tô confusa, Oli - zombo.

- Aprendi com a senhora - seus olhos brilhantes me encaram. Ah, esse cinza selvagem - , mas a gente já falou sobre isso. E acho que tá na hora de parar com essa frescura, se tu parar de querer me usar na tua briga com a ruiva, a gente pode manter uma relação mais saudável, tu não se joga em cima de mim então não vai existir mais discussão. Vou ser só educação contigo.

- Hum... tentador, Oli -  debocho, dando um passo pra trás e só agora percebendo que ele não tem mais sua mão em mim -  , mas não sei se vou conseguir me controlar, "é difícil manter o controle quando tu provoca igual o diabo. "

  Ele revira os olhos, e nossa que sexy! E...Caramba! é por isso que eu digo que não vou me controlar.

- Eu não faço nada - ele diz, convencido. Sério que está se defendendo com esse argumento?

- Tu que pensa  - murmuro.

- Vai aceitar? 

  Penso em dizer "sim", não que eu vá seguir com o "acordo", mas por essa ser uma oportunidade de mantê - lo por perto sem tanto esforço. Porém é  óbvio que antes eu ia jogar meu veneno.

- Nunca vi um homem rejeitar mulher assim, a não ser que ele não seja... hétero? - meus olhar sugestivo o faz rir.

- Se eu disser que sou gay, vai me deixar em paz?

- Tu é?

- Sou, ? - os olhos dele de repente parecem refletir cada toque seu em mim.

   Se eu fosse branca, provavelmente minha cara estaria vermelha, porque eu sinto ela queimando.

- Acho que não.

- Eu me mudei pra cá pra ter paz, tá ligada? Não quero me envolver em nada , já tenho meus problemas.

  Eu podia ter dito qualquer coisa, mas eu disse :

- Quais são teus outros problemas ? - ele coloca a mão na testa no mesmo instante, como se buscasse paciência - É que eu percebi que às vezes tu sai na penúltima aula - continuo, com minha curiosidade falando mais alto.

- Preciso frequentar a psicóloga, por isso saio - revela, o que como se ainda fosse possível, me pega de surpresa.  - Conseguisse terminar o trabalho? - é isso que ele diz em seguida, aparentemente está fugindo do assunto, mas soa tão natural que quase acredito que não.

- Terminei a capa e entreguei - dou uma trégua. Tá, eu consigo não ser chata com ele por mais de dois minutos.

Ele balança a cabeça.

- Então, tá gostando daqui? -  e começamos a caminhar em direção a porta, é como se estivéssemos começando de novo, é como se eu tivesse concordado em deixá - lo em paz, coisa que a minha parte má jamais aceitaria.

- Gosto, aqui é calmo, claro ,quando uma doida que vive no meu pé não tá por perto.

- Tu faz parecer que ela é uma psicopata!

- E não é ? Ela também deve ser feiticeira ou algo do tipo porque caiu mó dilúvio quando ela tava na minha casa, provavelmente foi ela que fez isso acontecer só pra dormir lá e arrancar meu fígado quando eu tivesse dormindo.

  A minha risada invade o corredor vazio.

- Que imaginação, eu que devia ficar com medo de tu, como você próprio sugeriu.

- Nós dois sabemos quem é mais perigoso aqui - ele estreita os olhos para mim, num gesto brincalhão.

- A ruiva, com certeza - estreito os olhos para ele, brincando também.

- Bem lembrado, mas eu me referi a psicopata que vive no meu pé.

- Como se a ruiva não fizesse o mesmo - jogo.

- Tu tem razão - ele ri.

- Achei que fosse mesmo amigo dela.

- Eu não devia dizer isso porque deve ir contra o protocolo - ele se aproxima de mim , encenando - tu sabe, vocês tão brigando por mim e seria trapaça tu saber esse tipo de informação, mas.... ela é irritante pra caralho! Fica me fazendo umas perguntas estranhas, como se jurasse que a gente já se conhecesse.

   Por que não me surpreendo?

- Aonde eu nasci, o nome da minha família inteira e se sei andar de skate.

- Tu sabe?

- Não.

   Gustavo sabia.

- Mas tu parece gostar dela, já que não se afasta - mesmo que eu tente disfarçar,  minha voz sai um pouco afetada.

- Diferente da psicopata, ela não se jogava pra cima de mim de forma tão direta e exagerada, dava pra fingir que a gente só tava tendo uma conversa de amigos,  só que depois do lance do namoro, tento falar o mínimo possível com ela.

- Como assim de forma exagerada? - parece que foi só isso que ouvi. E ela que quase o beijou ,sábado? E ele nem se afastou, isso foi tão surreal quanto o nosso momento, deve ser por isso que eu acabei esquecendo ou... preferi não lembrar.

- Assim, apoiando a perna na minha mesa e puxando os meus fones da minha camisa - ele zomba. - Ah, e tem melhor, fingir ser minha tia no telefone pra ligar pra casa de uma mina e fazer a mãe dela vir buscar ela na minha casa como se tivesse tirando a filha da inferno. 

- Não tenho culpa se a mãe dela é doida! - dou de ombros.

-  A mãe dela me ligou ontem e quase me comeu vivo - ele diz, sério -  perguntando se eu tinha feito algo com a filha dela, ou se a gente namorava. Ela é...

- Obcecada pela filha - completo -, mas não mais que o pai - informo. - É nessas horas que consigo até agradecer por não ter mãe nenhuma, vai que ela agisse assim - foi sem pensar, é óbvio que eu nunca agradeceria por não ter mãe, e é óbvio que a mãe de Pricila é bem melhor que a mulher que me colocou no mundo para me chamar de merda, mas às vezes eu finjo que nunca a vi, que nunca a conheci e que ela poderia ser melhor. No momento seguinte, estou surpresa por ter falado sobre minha vida praticamente pra um estranho. Já não basta ele parecer saber de todos os meus segredos, agora sabe realmente de um, que eu contei.

- Tu não conhecesse tua mãe? - ele dispara de uma vez, sem rodeios ou hesitação. É impressionante. Sem pena também.

- Ela foi embora quando eu tinha sete anos - o encaro. Ele sorri um pouco pra mim, e não, ele não está sendo solidário. É só um sorriso.

- Minha mãe viajou pro Rio quando eu tinha nove anos, no meu aniversário, e nunca mais voltou - ele comenta, com os olhos na saída. Eu ainda o encaro, seu rosto indiferente e frio agora me faz lembrar o meu. E então é como se o fato de compartilharmos  a mesma dor, nos unisse.

   Quando descemos as escadas que nos livram do prédio da escola, Oliver vai até sua moto, e automaticamente eu o sigo. Jennifer ainda está aqui, junto com Pricila (elas viraram mesmo amigas?) e uma garota do terceiro b. Sei que elas estão nos olhando, mas não tenho certeza se é por isso que continuo ao lado de Oliver.

- Quer carona? - ele questiona,  pegando um outro capacete preto, num modelo diferente do seu.

- Trouxe outro capacete por que pretendia sair com alguém ou esse alguém era eu?- não resisto. Ele ri.

- Dei carona pra minha tia - e estica o capacete pra mim antes de colocar o seu e subir. - Vem - ele liga a moto, a qual faz um ronco suave e mesmo se tivesse gritando, não seria necessário, todo mundo ali já nos observava.

  Certo, queridos, é isso mesmo que vocês tão pensando. Vou da escola pro motel!

- Não sei se tu sabe, mas eu não moro longe, posso ir andando.

   Ele levanta a viseira. Caralho, tão lindo.

- Não tô te reconhecendo.

   Eu sorrio de lado e então coloco o capacete, na sequência subo na moto e envolvo meu braço direito em sua cintura.

- E agora? Reconhece?

- Acho que sim - e ele sai, passamos por toda a movimentação perto da escola até chegar nas ruas calmas, eu poderia soltar sua cintura, até por que só estava me exibindo para Pricila,  mas não consigo , é tão bom tocar sua barriga por cima da camisa que me pego me perguntando como seria tocar sua pele sem esse tecido entre minha mão, tocar cada gominho do seu abdômen. E... eu preciso parar com essa merda!

   Oliver segue minhas instruções e logo chegamos na minha casa, onde tudo parece silencioso, mas sei que vovó já está aí à minha espera, isso se não estiver prestes a abrir a porta.

- Eu tava aqui pensando - falo, entregando o capacete -, se tu se apaixonar ,naturalmente, por mim, isso não vai  contra o acordo, vai? A culpa não vai ser minha.

- Mas isso não vai acontecer -  ele diz, simplesmente.

- E como tu tem tanta certeza?

- Tu não faz o meu tipo - e é isso, ele abaixa a viseira e some como o flash.

Filho da...

- Fiz bolinho de arroz - minha vó diz, da porta, assim que me viro pra ela. O que eu disse sobre ela estar a minha espera?

- A senhora não tava escutando minha conversa, tava? - vou até ela, que está com cheiro de cebola.

- Se oriente , menina. Acha que eu gosto de fofoca? - ela se exalta um pouco, o que me faz rir. Vovó odeia fofoca, ainda mais porque moramos numa rua cheia delas - Mas vi que um rapaz te trouxe, quem é?

- Oliver - digo, passando por ela -, aquele garoto novo na cidade que a senhora ouviu dizer que é traficante.

- Josy!- ela ponhe a mão na boca, espantada, e bate em mim com um pano de prato - Se esse menino for perigoso? Tá doida de ficar andando com gente assim?

- Vó - me jogo no sofá, esfregando meu braço no local aonde ela bateu -, ele não é traficante. Estuda na mesma sala que eu e tudo. E eu conheci a tia dele no dia da feira de doces, ela é bem legal.

- Se for assim... - ela pensa um pouco - tudo bem. Só tome cuidado! - minha avó morou a maior parte de sua vida em uma favela. Ela já ouviu e viu as piores histórias, então apenas me ver falando com um traficante não é uma coisa que ela deseje sequer imaginar.

- Tô tomando - respondo, pegando meu celular no bolso.

- E como ele é? É direito mesmo? Te respeita?

- Vó - a encaro, abismada -, a gente não tá namorando.

- Se ele te trouxe em casa é porque uma hora vai pedir pra namorar.

Eu começo a gargalhar de forma tão histérica que chega a brotar lágrimas dos meus olhos.

- Vó, foi só uma carona!

- Acho bom tu tomar cuidado com o que tu faz, sabe que só depois do...

   Então eu dou um pulo do sofá, a impedindo de falar sobre virgindade. Isso é ridículo! Às vezes me pego pensando como seria se ela conhecesse a Jô do colégio, a Jô arrombada e sem valor. Volto a rir.

- A gente não vai transar! - falo, num intervalo de risos. Vovó não tem muitos cabelos brancos e acabou de completar cinquenta e dois anos, mas quando fala essas coisas parece ter noventa.

- Só tô falando - ela diz, seguindo até a cozinha -, mas se acontecer, por favor minha fia ,use camisinha, pelo amor de Deus! Filho não é brincadeira.- e depois de quase um minuto, continua - Mas tu é muito nova pra essas coisas, melhor não fazer nāo viu? - diz ela, que teve sua primeira filha com quase a mesma idade que eu, e é exatamente por isso que teme tanto. Vovó nunca deu sorte com homem, dos três pais das suas três filhas ( a mulher que me teve e suas duas irmãs, minhas tias que nunca aparecem e quase nunca dāo notícias ), nenhum assumiu ou ao menos ajudou a criá - las. Ela fez tudo sozinha, às vezes penso que ela acredita que eles não assumiram por não terem concebido um filho num casamento, às vezes penso que ela não se achou no direito de se apaixonar por alguém de novo e se casar pois  teve filhas com homens diferentes,  às vezes penso que vovó se acha uma vadia e tem medo de que eu acabe transando com qualquer um e me torne uma também. Eu gostaria de fazer ela entender que qualquer garota , desde que com camisinha, tem o direito de transar com quem quiser.

- Sim, senhora, Dona Eunice - respondo, indo até a cozinha também -, agora cadê os preciosos bolinhos?

Ela ri fraco e tira uma tigela do balcão da pia e coloca na mesa.

- Todos esses bolinhos são pra mim? - brinco, fazendo uma voz de criança.

- Nem pense em comer tudo viu, morta de fome? Dá dor de barriga.

  Mas eu já estou comendo como uma desesperada, e mentalmente agradecendo por ter ela como minha  avó.

  Quando terminamos de jantar e eu de lavar uma pilha de pratos e algumas panelas  ( porque vovó adora cozinhar e sujar tudo ), vou até meu quarto e confiro as mensagens do whatsap. Roberta me mandou duas.

|Santos|

*Eu acabei de ver tu saindo com Oliver. 17:30pm

*Da próxima vez que for sair com teu boy, me avisa pra eu não ficar feito idiota na biblioteca te esperando. 17:31pm

  Eu só consigo pensar em duas coisas depois de ler isso , primeira : sua troca de mensagens com Oliver , e segunda: quando Roberta ficou tão dramática? Ou eu deveria me perguntar por que ela tá agindo assim, de novo?  Eu devia estar aqui comentando com ela sobre sábado, sobre Oliver quase ter me beijado, mas estou aqui, prestes a entrar numa discussão.

   Imediatamente digito uma resposta.

                          * Desculpa, eu esqueci ,blz? e não precisa desse drama. 20:32

E ela imediatamente começa a digitar uma resposta de volta.

*blz? haha 20:32pm

  Eu realmente não quero brigar com ela, ela foi muito legal comigo hoje ( assim como sempre ) e ultimamente discutimos mais que o normal. No entanto, de alguma forma ela está atiçando minha raiva.

                          * Oq foi? será que tu n pode simplesmente me desculpar? 20:33pm

* Tá ok. 20:34pm

    O que quer dizer : nada ok.

                            * Para com isso - carinha revirando os olhos. 20:34pm

* Com oq? 20:36pm

                  * De ficar com raiva só pq eu fui pra casa com Oliver. Eu não tenho nada com ele. E só pra reforçar, a gente nāo transou sábado 20:36pm

  Disparo de uma vez, sem pensar, mas no fundo sei porque disse isso. Talvez ela goste dele, e eu sei que é traição ela não me contar, mas é óbvio que ela não ia se sentir confortável contando isso depois de eu ter contado sobre os meus planos envolvendo ele e... então eu não penso mais nada, porque por algum motivo, pensar sobre esse assunto faz minha garganta fechar.

* Pq tá me dizendo que n tem nd com ele? 20:45pm

   Eu penso em dizer o motivo, mas algo dentro de mim não quer que ela admita que estou certa, obviamente porque assim eu teria que desistir de ter Oliver e ,infelizmente, estou sendo egoísta assim. Não quero desistir dele, por isso não quero saber se ela está interessada nele.

                       * Eu só quero deixar claro. Oliver é só o meu prêmio, tu sabe, eu só quero ter ele pra poder vencer Pricila, n é nada sentimental. Eu n tô a fim dele e jamais vou ficar, ele até serve pra dar uns amassos, mas é só isso.  20:48pm

  Não me sinto bem dizendo isso, dessa forma, ainda mais depois da conversa que tive com Oliver hoje na saída,  mas a única forma de eu continuar dando em cima dele sem parecer traidora , é mostrando toda aversão com relação a ele, a fim de fazer Roberta entender que só o quero para fins vingativos. Nada a ver com sentimentos. Não que tivesse algum sentimento.

Só quero que as coisas fiquem bem entre a gente porque a nossa amizade é importante pra mim, Roberta é importante pra mim,  mesmo que a parte boa que habita em mim, a que eu não costumo alimentar muito, esteja um tanto triste com a minha atitude. Mas que droga Oliver importa pra mim? Compartilhamos da mesma dor e só, o que não falta no mundo, infelizmente, são pessoas que foram abandonadas pelos pais/ mãe/ pai quando criança.

Minutos depois, ela não responde, então continuo.

                        * E qual é, eu sou a rainha da escola, posso pegar qualquer um daqueles imbecis que correm atrás de mim. 20:55pm

      * E Oliver é todo estranho, sabe? Tem cara de problema.  Quando ele se ajoelhar diante de mim , ou sei lá , se declarar, eu jogo ele pra escanteio e paro com toda essa merda, juro! Desculpa de vdd por ter te deixado pra sair com aquele idiota. 20:55pm

* Esquece, eu já esqueci. 20:57pm

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top