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- O que... Você 'tá fazendo aqui? - a curiosidade do loiro se misturava à surpresa de ver Kirishima sentado no degrau da porta, com a cabeça apoiada sobre os joelhos.

- Bakugou?! - o rapaz ergueu a cabeça ao ouvir a pergunta, assustado - E-Eu trouxe o livro que... Você está bem? Aconteceu alguma coisa com você? - ele se levantou ficando à frente do loiro visivelmente preocupado por vê-lo daquele jeito.

Bakugou, por sua vez, não respondeu, afastando o avermelhado para poder abrir a porta e entrar. Confuso, Kirishima apenas o seguiu com o olhar, esperando uma resposta à sua pergunta.

- Vai ficar aí? - Bakugou perguntou já dentro de casa. Mesmo não estando com cabeça pra isso, não estava a fim de ficar conversando do lado de fora.

- Licença.

Não era a primeira vez que Kirishima visitava a casa do amigo, pois, durante os cinco anos de faculdade, não foram poucos os trabalhos que exigiam que ele e outros colegas fossem até lá para realizá-los. Porém, agora se surpreendia da mesma forma que se surpreendeu da primeira vez que esteve ali: não pelo tamanho e beleza da casa situada em um dos bairros nobres da cidade, mas sim pelo contraste.

Já havia notado, enquanto esperava, que o jardim não era cuidado há muito tempo, mas o que o espantou foi a falta de alguns móveis na sala e o estado simplório demais para o, anteriormente, ambiente elegante. Procurou não reparar muito, mas seu olhar de espanto era inevitável.

- Então, o que veio fazer aqui? - a voz de Bakugou soou de forma cansada e irritada enquanto abria a geladeira e pegava um garrafa de água, depois de jogar a mochila no chão e ligar as luzes.

- Eu... Trouxe "A Arte da Oratória" pra você, Yamada pediu dois trabalhos pra semana que vem, então... - se apressou para abrir a bolsa e pegar um exemplar, vendo a irritação do loiro. - Aqui - disse se aproximando e deixando o livro na bancada da cozinha.

- E o que eu faço com isso? - perguntou colocando a garrafa no mesmo balcão, do outro lado. Ele sabia que não estava sendo "a pessoa mais eduacada do mundo" porém sua cabeça explodia e seu corpo estava quase cedendo ao esgotamento.

- Primeiro ele pediu um resumo de, no mínimo, quinze páginas sobre o livro. Sabe, os conceitos e consequências. Depois pediu que fizéssemos um texto argumentativo com tema livre e, adivinha, manuscrito entre quinze e vinte laudas - sorriu, tentando dar um ar leve à conversa e ao ambiente.

- Uhm - Bakugou apenas grunhiu, dando uma olhada no livro.

- Mas, não precisa decorar isso - se apressou em dizer, sem graça, por ter falado tudo de uma vez -, eu mandei tudo por mensagem, com a matéria de ontem também... Mas, você não viu, não é? - Kirishima disse com cuidado. - Aconteceu alguma coisa?

- Não - respondeu desviando o olhar, concentrando-se em algum ponto do chão.

- Katsuki... - o loiro imediatamente o encarou, ao ouví-lo chamar pelo primeiro nome - Eu não sei você sabe, mas todos nós estamos preocupados com você e-

- Então podem parar. Eu estou ótimo - Bakugou respondeu automaticamente colocando a mãos na bancada e encarando Kirishima.

O avermelhado, embora já acostumado com as respostas ácidas do amigo, não podia acreditar que Bakugou continuaria a agir daquela forma, já que era óbvio que nada estava bem.

- Você pode parar de ser egoísta, só por um minuto? A gente só que saber como pode ajudar! - Kirishima falava tentando manter o tom de voz baixo, ainda que estivesse a ponto de aumentá-lo.

- Ficando longe! - gritou, mas recuou assim que percebeu o que fez - Olha, eu não 'tô a fim de discutir com você agora - disse passando as mãos pelos cabelos e se inclinando na bancada de cansaço -, eu só quero ficar sozinho.

- Eu já perdi as contas de quantas vezes deixei você na sua porque não queria ajuda mas, se... - Kirishima não queria deixar as aquelas palavras saírem, mas não supostava mais aquilo - Se você soubesse o quanto eu odeio fazer isso... Me sentir incapaz de te ajudar... Sabe, às vezes, é bom conversar! Talvez eu possa ajudar-

- Ninguém pode me ajudar! Será que você não entende?! Caralho, eu não pedi pra ninguém se importar, nem você, nem a merda do Deku e os amigos dele!

- Seus amigos!

- A minha vida já 'tá complicada demais sem vocês, então não piore as coisas, antes que-

- Antes que o quê? Você decida se isolar e sumir de novo?! - Kirishima interrompeu, visivelmente perturbado - Bakugou, eu liguei, mandei mensagem, procurei por você e nada! Tem noção de como eu fiquei?

A preocupação era evidente no rosto do rapaz enquanto falava. Não era a primeira vez que via o amigo sumir e ficar fora por dias sem dar informações, sem ao menos dizer se estava bem e, pra ele, era impossível achar aquilo normal.

- Então para de tentar ser o cara bonzinho! E se eu sumir de novo?! Quem se importa!

- Eu me importo!

- Foda-se! É da minha vida que estamos falando aqui! - Bakugou gritou de volta, apontando o dedo inconscientemente para o balcão - O que eu faço ou deixo de fazer só diz respeito a mim.

A essa altura, os ânimos já estavam exaltados e o clima estava longe de ser o melhor. Mesmo separdos pelo balcão da cozinha, cada palavra soava como um golpe em ambos.

- E-Eu... Quero que você entenda que não 'tá sozinho! Que não precisa suportar tudo! Que eu estou aqui, cara! Essa casa, suas roupas de dois dias atrás, seu rosto... É claro que não está nada bem! É sério, eu só quero ajudar - retorquiu.

- Eu não quero sua ajuda! Eu não preciso que esteja aqui! Eu não quero você na minha vida! Para de fingir que me entende, que somos amigos, porque não somos! - dessa vez Bakugou gritava e as palavras saíam antes mesmo de processá-las.

Kirishima estava imóvel, sem reação. Sempre ouvia Bakugou falar que não era seu amigo ou que preferia ficar sozinho, porém depois lá estava ele, entre todos os colegas. Mas agora aquilo soava de forma fria e verdadeira. Quase cruel.

- Droga... Não foi isso que eu quis dizer - Bakugou retomou rapidamente ao ver Kirishima assentir depois de um tempo e se virar em direção à sala.

- Você está bem, não está? - o rapaz perguntou, parando na porta ainda de costas para o loiro.

- Eu só estou cansado. Eu não quis dizer aquilo - por mais exausto que estivesse e ansioso para acabar com a discussão, Bakugou queria esclarecer, pelo menos, sua última fala.

- Eu vou indo - Kirishima conseguiu dizer num sussurro, já do lado de fora da casa - Bakugou? - perguntou parando e o encarando, vendo que ele estava no batente da porta.

- Kirishima eu...

- Tudo bem. É você que escolhe afastar as pessoas. E machucá-las.

Ali, parado e vendo Kirishima ir embora, toda exaustão e raiva desabavam sobre ele.

- MERDA! - esbravejou, empurrando a porta atrás de si.

Desnorteado demais para fazer qualquer coisa, apenas pegou o celular da mochila e subiu, colocando-o para carregar no quarto antes de pegar uma toalha e se dirigir ao banheiro no mesmo cômodo.

Embaixo da água fria, Bakugou tentava se livrar não só do cansaço e suor, mas também das palavras que habitavam sua, agora conturbada, mente. Estava confuso, furioso, perdido e... Triste. Tudo o que ele menos precisava naquele momento.

Já estava de saco cheio de aguentar tudo sempre, de ficar vulnerável até mesmo quando mais tentava se proteger. Naquele momento, sentiu o rosto quente e sorriu sarcarticamente do fato da água se misturar às lágrimas.

Após um tempo, seu corpo relaxou sob a água e, após o banho, apenas enrolou a toalha na cintura e balançou a cabeça para tirar o excesso de água do cabelo. Nesse momento lembrou-se da terrível dor de cabeça e desceu as escadas até a cozinha em busca de alguns analgésico. Passou pelo livro na bancada e o ignorou, já que não conseguiria fazer nada.

Voltou ao quarto e sentou à beira da cama, olhando apenas para um reflexo escuro seu na televisão. Estava horrível. Por fora e por dentro.

Involuntariamente, seu corpo tombou para trás e ele ficou ali, olhando para o teto até suas pálpebras pesarem tanto ao ponto de não poder resistir e adormecer.

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