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— E aí, como estão? — Kirishima chegou na roda de amigos que se reunia na sala de estudos.

— Na merda — Bakugou tratou logo de responder, já nervoso pelas horas de estudo que pouco deram resultados —, esses idiotas não servem nem para explicar o que é pra fazer.

— A culpa não é nossa se você é burro— Uraraka rebateu, recebendo apoio de alguns colegas. — Além do mais, não é nossa culpa se você fica faltando aula.

— Se vou ou não às aulas é problema meu! Pelos menos 'tô melhor que vocês que vão e não sabem porra nenhuma!

— Eu só estou lá de corpo presente — Denki falou distraído vendo as duas  entradas do fone se repelindo —, já reparou nisso? — cutucou Jiro que estava ao seu lado.

— Isso é Física, Denki. Você bem que podia prestar atenção no trabalho.

— Acho melhor vocês falarem mais baixo  — Kirishima alertou apoiando uma mão no ombro do loiro para que se acalmasse —, tem gente estudando ali também — apontou para o fundo da sala onde dois estudantes olhavam de cara feia para o grupo.

— Foda-se! Eles que vão estudar em outro lugar! E você, 'tá parado em pé aí por quê? — Bakugou vociferou, mas logo parou ao encarar o estado do ruivo. — O que aconteceu com você?!

— Ah, isso? — olhou para si mesmo antes de puxar uma cadeira para se sentar. — Longa história.

— E 'tá sentando aí por quê? Não foi você que quis fazer a merda do trabalho comigo? — Bakugou falou vendo Kirishima se alocando ao lado de Mina e de Denki.

    Cansado demais para discutir, o ruivo apenas o encarou por alguns segundos tentando entender o motivo daquilo e colocou a cadeira ao lado de Bakugou. Pôs o paletó no encosto da cadeira, colocou a pasta no chão e, abrindo a bolsa, pegou o material necessário para iniciar os estudos.

    Com a camisa manchada de jabuticaba, cabelos bagunçados e vários arranhões pelo rosto e braço, a imagem que todos tinham era de que ele tinha acabado de voltar de um dos episódios de "Largados e Pelados" do Discovery Channel. Ninguém da roda precisou pedir detalhes da história, pois todos sabiam que era fruto do estágio do rapaz.

— Isso 'tá doendo? — Bakugou perguntou ranzinza, ponto o dedo em um dos arranhões que parecia mais profundo, acima do olho direito.

— Ai, cara! Agora 'tá! — reclamou afastando a mão do loiro e abrindo o livro.

    Por mais que Bakugou tentasse ser mais delicado, era impossível. De alguma forma, depois do que aconteceu, a presença de Kirishima causava-lhe um desconforto que não sabia identificar e que, instintivamente, o fazia querer prestar ajuda... Só que para ele era impossível fazer aquilo sem parecer agressivo.

— Então, onde vocês pararam?

— Kiri, acho que você não entendeu: nós estamos aqui há quatro horas e mal saímos da terceira página. Tanto que a Momo, Iida, Tokoyami, Midorya e Todoroki foram embora — Mina respondeu apontando para a saída.

— Hã... Então acho que podemos começar do início.

— Ah, nem vem! Eu não aguento mais! A gente já leu essas três páginas umas mil vezes e não entendeu nada! — Sero reclamou se afundando na cadeira.

— Mas vocês nem leram o livro durante o final de semana?! — Kirishima perguntou impressionado, não recebendo nenhuma resposta. Suspirou coçando a cabeça com a bocharra do lápis e retornou a falar. — Okay, eu posso fazer uma explicação mais simples, eu fiz um resumo ontem.

— Sério?! Vai ser nossa salvação! — Jiro quase pulou de alegria.

— Aqui — disse tirando algumas folhas amassadas da bolsa —, não é grande coisa, mas acho que dá para começar.

— Que porra de letra é essa?! Consegue ser pior que a minha! — Bakugou comentou ao pegar as folhas para ler.

— Como se isso fosse possível. Pra ler o que você escreve a gente tem que fazer um transplante de córnea e usar um telescópio — Kirishima rebateu pegando as folhas de volta.

— É melhor do que precisar de um médium pra interpretar o que 'tá escrito.

— Os dois vão parar com isso quando? Eu quero terminar isso logo, 'tô morrendo de fome... — Tsuyu interferiu na pequena discussão, que não passava de implicância da parte de Bakugou.

— Okay, primeiro vocês têm que saber do que o livro se trata e qual a importância dele — Kirishima começou a falar chamando a atenção de todos com sua explicação.

    Embora não fosse o aluno destaque da turma no quesito notas, principalmente em relação às poucas matérias de exatas, Eijiro era muito esforçado e fazia o máximo para estar com a matéria em dia. Por isso, passou a explicar os principais conceitos de "A Arte da Oratória" para os amigos.

— Basicamente, a retórica é a arte de falar bem, usar a linguagem a favor da comunicação e da persuasão. E a oratória é a arte de falar em público de forma técnica, bonita, sabe? A oratória é uma das manifestações da retórica e para Aristóteles ela pode ser usada para o bem e para o mal, digamos.

— Hm... Deixa eu ver se entendi: oratória é quando eu falo bonito e retórica é quando eu falo bonito pra convercer alguém — Sero falou um pouco confuso.

— É! É quase isso! Um depende do outro. Além disso, existem cinco elementos básicos que devem ser levados em conta na oratória: quem diz, o quê,  a quem, por meio de que e com que efeitos.

    O "professor" da turma continuou a explicar cada elemento, sendo interrompido algumas vezes pelas brincadeiras entre Denki e Mineta e pelas reclamações de Uraraka e Mina. Surpreendentemente, Bakugou prestava atenção em cada palavra de Kirishima, recebendo alguns sorrisos e olhares de aprovação do ruivo.

    Já passavam das nove horas da noite quando o grupo decidiu parar, pois já não absorviam nada. Após se despedirem, Kirishima se jogou exausto na cadeira, sentindo os efeitos do dia cansativo que teve.

— Hã... Eu acho que não entendi o que é pra fazer ainda — Bakugou falou olhando para as mãos ao ver que Kirishima guardava o material na bolsa.

— O quê?

— Eu não entendi o que é pra fazer! Vai ter que explicar de novo.

— Quando foi que você ficou tão burro? — Kirishima perguntou surpreso. Não era possível que, depois de todo aquele tempo, o loiro continuasse a não entender.

— Eu não entendi e pronto. E a gente não vai sair daqui enquanto eu não entender — disse o encarando, com um braço envolta da cadeira de Kirishima e o outro apoiado na mesa.

— Ah, qual é, cara! Olha que horas são! A gente não pode fazer isso amanhã?

— Não, porque o trabalho é pra daqui três dias e eu não tenho nada. Fora que tenho mais coisa pra colocar em dia.

— Eu tenho que acordar cedo amanhã e já 'tá tarde para ir pra casa — respondeu abaixando para pegar a bolsa.

— Eu te levo em casa — Bakugou rapidamente falou segurando seu braço.

— E vai fazer meu jantar, me dar banho e colocar para dormir? — Kirishima falou com sarcasmo o encarando.

— Se você deixar... — soltou, largando o braço do ruivo e sorrindo sorrateiramente.

    Bakugou sabia o que estava acontecendo ali, pelo menos o que ele estava fazendo, e não conseguia evitar, saía naturalmente. Gostava de implicar com o ruivo e vê-lo corar.

— Porra, Bakugou. Abre esse caderno e anota o que eu falo dessa vez.

    Novamente Kirishima repetiu os mesmos tópicos, com a voz arrastada e irritada vendo os risinhos do loiro. Ficaram ali por mais uma hora e, quando finalmente saíram, a Universidade estava totalmente escura e vazia, exceto pela presença dos guardas. Atravessaram a avenida principal conversando sobre trivialidades e a cerca do trabalho de Aizawa, que não haviam sequer começado.

— O que está fazendo? — Bakugou perguntou vendo Kirishima seguir em direção ao seu bairro.

— Indo para casa? — respondeu como se fosse óbvio.

— Eu não falei que ia te levar, 'cabelo de merda'?

— Cara, não precisa, olha o meu tamanho.

— Vem comigo — disse, seguindo na direção oposta.

— Hã? E você 'tá indo pra onde?

— Pra minha casa.

— O quê?! Eu tenho que ir, Bakugou.

— Dá pra calar a merda da boca e me seguir?!

    Kirishima estava perdido, sem saber o que pensar. Se parte de sua consciência dizia para ir embora e largá-lo ali, a outra insitia que tinha que seguí-lo, pois poderia ser algo importante, como um problema familiar. Mesmo a contragosto, se pôs a caminhar ao seu lado até chegar na casa do amigo.

— Espera aqui, eu já volto — Bakugou falou deixando-o na sala enquanto subia as escadas. Minutos depois, voltou com uma pequena maleta vermelha, que Kirishima identificou como sendo de primeiros socorros.

— O que 'tá fazendo? — o ruivo perguntou passando a mão pelo pescoço e depois nos cabelos, em sinal de cansaço.

— Eu sei que você é um idiota que não liga para os machucados — respondeu se aproximando e deixando a maleta na mesa de centro. — Agora senta aí — mandou, apontando para o o sofá.

— Cara, eu 'tô exausto, tá tarde e isso são só alguns arranhões de um gato. Nada mais. Não precisa de tudo isso.

— Já não falei pra calar a boca? — disse e, rapidamente, empurrou Kirishima pelo ombro, forçando-o se sentar.

    Sem relutar mais, o ruivo apenas suspirou. Bakugou abriu a maleta e, com um auxílio de uma gaze e um antisséptico líquido, começou a passar sem muita delicadeza, pois tinha as mãos pesadas, nos ferimentos de Kirishima.

— Ai! Isso dói! Você 'tá me tratando ou querendo abrir um buraco na minha cara?

— A culpa é sua por ficar brigando com gatos por aí — continuou, se atendo ao ferimento mais profundo.

    Após ter certeza de que passou o antisséptico por todos os arranhões, pegou um band-aid e colocou acima do olho direito, dessa vez de forma mais suave. Estava acostumado a ter aquela proximidade com o ruivo, pelos treinos, mas agora se sentia diferente, só não sabia o por quê.

— Acabou? — Kirishima perguntou sentindo o curativo grudar na pele.

— Acabou. Esses no braço são mais leves — respondeu fechando a maleta e jogando as gazes fora — Vamos?

     O ruivo nem precisou responder. Pegou suas coisas e voltaram para a rua, dessa vez seguindo o caminho oposto, uma vez que sua residência não era muito longe dali. Poucos minutos depois, estavam em frente à casa do rapaz, com latidos nervosos ao fundo e parca iluminação.

— 'Tá entregue, 'cabelo de merda' — Bakugou falou com um sorriso.

— Valeu. Eu ainda acho que isso foi desnecessário, mas obrigado.

— Larga de ser mal agradecido. Isso foi um... agradecimento.

— Pelo quê?

— Você é idiota? Por ter me ensinado! E é melhor você entrar — disse já dando as costas para Kirishima.

— Ah, obrigado. E boa noite.

— 'Tá.

    Kirishima apenas sorriu da atitude do amigo, embora soubesse que Bakugou podia ser alguém prestativo quando queria. Entrando em casa, silenciosamente, comeu, tomou banho e se preparou para dormir, tendo um sono profundo e sem sonhos.

    Pela calçada, Katsuki voltava para casa tentando entender o que estava acontecendo. Ele não era bobo, já havia jogado aquele jogo diversas vezes e gostava. Mas, ponderava se seria prudente jogá-lo com Kirishima, porque não sabia se aquilo era fruto de gratidão, remorso carência ou atração.

    Já na cama, depois de tomar uma ducha quente e escovar os dentes, olhava para o teto pensando em Kirishima, mais precisamente nas vantagens de alimentar aquela pequena ideia que vinha e ia com frequência, mas que se intensificara nos últimos dias.

    Virando de lado, chegou à conclusão de que ambos já eram adultos e não haveria problema nenhum se algo casual surgisse e, nesse caso, só dependia do ruivo para acontecer.

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