6. O jardim do cisne
🌻 Capítulo 6 🌻
A menina caminhou pelos bosques da ilha por horas, ainda procurando o coração do homem por entre as pedras, os troncos das árvores (e até mesmo dentro de um riacho) até que anoiteceu e tudo ficou escuro demais para que ela enxergasse qualquer coisa à frente. Exausta, ela de repente sentiu tanto sono que se encolheu debaixo de uma árvore com folhas secas. A relva era macia e acolhedora, o que a fez dormir de imediato — como costumava acontecer quando estava nos braços de sua mãe.
Ana despertou com o coro quase ensurdecedor dos pássaros e de outros animais, e, antes que abrisse os olhos, ela soube que já havia amanhecido. Os fracos raios do sol tocaram sua pele, fazendo-a despertar por completo. O vento fresco da manhã veio ao seu encontro, trazendo o cheiro doce e suave das flores. Atraída por aquela fragrância, ela se levantou e viu que, à sua frente, havia um maravilhoso jardim com milhares de flores — sobretudo rosas, que cobriam boa parte da planície e estendia-se até às verdejantes colinas. Ela sentiu, naquele novo lugar, que a primavera estava em seu auge. Era a estação favorita de Ana, que amava ver as flores desabrochando, o ipê de sua casa colorindo o jardim com seu amarelo vibrante e o calor do sol que trazia a chuva primaveril. Até mesmo a árvore acima dela, antes com as folhas secas, havia ganhado novas folhagens.
Diante de todo aquele cenário, Ana teve vontade de chorar — não de tristeza, mas de felicidade — pois aquele era, sem dúvida, um dos lugares mais bonitos que ela havia encontrado até então. A menina teve vontade de sair correndo, saltando por entre as flores; teve vontade de ir até o topo daquelas colinas e gritar: Olha como as coisas são bonitas!, mas Ana não estava ali apenas para se divertir. Ela também observou o céu cor-de-rosa, com raios alaranjados e um tímido azul por entre as nuvens cor de violeta. Estava tão bonito que Ana teve vontade de voar nele assim como os pássaros daquele jardim, que eram muitos: havia por ali numerosos pardais, pombos, beija-flores, andorinhas e muitas outras espécies que ela não sabia o nome. Eles entoavam seus diferentes cantos, comemorando a chegada de um novo dia. Sobrevoavam as flores, as fontes de mármore, as árvores. Alguns procuravam por comida, e outros — como as alegres andorinhas — simplesmente dançavam no céu. Ana também viu muitas abelhas zumbindo sobre as rosas, sempre tão dedicadas e harmônicas.
Deslumbrada com tudo aquilo, ela começou a caminhar pelo jardim. Observou as abelhas, uma das fontes — onde alguns pássaros se refrescavam — e, ao passar por um conjunto de flores cor-de-rosa, próximo à fonte, muitas borboletas assustaram-se e saíram voando em todas as direções. Algumas delas pairaram sobre Ana, e ela as observou até se afastarem. A menina continuou caminhando até encontrar um lago, muito diferente daquele que encontrou pela primeira vez. Este não refletia o céu, e sim as flores e as árvores ao redor. Mas não foi isso que mais chamou a atenção de Ana.
Havia um único cisne neste lago, flutuando elegantemente na água azul-turquesa. Era o cisne mais bonito que a menina já havia visto — pois já vira muitos no parque ecológico de sua cidade. Porém, nenhum era tão grande e tão elegante quanto aquele. Temendo assustá-lo, Ana se aproximou aos poucos, tentando esconder-se por entre as rosas. No entanto, o cisne já a tinha visto, virando seu longo pescoço em sua direção.
— Criança... — Ana ouviu a voz do cisne em sua cabeça, e teve certeza de que era uma fêmea. A ave abriu as belas asas, como se quisesse abraçá-la. — Aproxime-se, não tema!
Com os olhos levemente arregalados, Ana saiu por entre as flores e se aproximou da margem do lago. Apesar disso, após ouvir o falcão em seu jardim falar em sua mente e ver um homem-cervo, ela não se impressionava mais. A única coisa que a comoveu e a fez hesitar foi a beleza estonteante da cisne — as longas penas brancas, o comprido pescoço curvado e a peculiar mancha preta envolvendo seus olhos e o bico alaranjado.
— Oi — Ana disse timidamente, já totalmente visível para a cisne. A ave se aproximou, boiando suavemente sobre a água. Ficou tão próxima da menina que ela poderia tocá-la se quisesse.
— Bem-vinda ao meu jardim — a cisne olhou para ela. Ana não a via abrindo o bico para falar, mas ouvia claramente cada palavra em sua cabeça. A menina estava encantada demais para dizer qualquer coisa naquele momento, então apenas sorriu e se sentou na beira do lago. — Busca por algo, minha filha?
— Sim — Ana respondeu. — Tenho que procurar o coração de um homem. Ele está preso em uma cela e parece muito nervoso. Parece que sofreu um acidente muito feio, mas não sente dor.
— Oh, sim! O prisioneiro... — a cisne balançou a cabeça, como se lamentasse a situação do homem. — Pobrezinho. Está há milênios nessa situação, mas ninguém consegue ajudá-lo.
A menina se lembrou que o homem-cervo havia falado algo parecido.
— Eu quero ajudá-lo. — Ana declarou. — Mas não sei por onde começar.
— Ora, comece procurando o que lhe falta — a cisne sugeriu.
— Ele quer muito ouro — a menina contou. — Eu não tenho ouro.
A cisne emitiu um ruído rouco.
— Não, não, não — ela negou. — O ouro não vai tirar o homem daquele lugar. Você, criança, sabe o que o homem necessita. Senão, não estaria aqui em meu jardim. Poucos conseguem chegar a este lugar.
— Então, qual é o caminho para achar o coração? — ela perguntou.
— A beleza, é claro! — a cisne respondeu.
A menina inclinou a cabeça, pensativa.
— Não entendi. — Ana replicou. — Tudo aqui é muito bonito. Não sei para onde ir.
Ela escutou a risada da cisne em sua mente.
— Você sabe para onde ir. — a ave disse. — Só você pode saber. Escute o seu coração, pois, contrariamente ao homem, você o possui puro dentro de si. Pergunte, e ele lhe dará a resposta.
— Você disse que a beleza é o caminho para o coração. — Ana estava pensando muito naquela frase. — Eu não entendi muito bem.
— Conte-me uma coisa, menina: Como estão as coisas em seu mundo? — perguntou a ave.
— O meu mundo... Eu gosto do meu mundo. É um lugar muito bonito, mas queria que fosse como seu jardim — a menina admitiu. — Acho que, se tivesse mais flores e mais lagos como esse, as pessoas grandes seriam mais legais.
— Mais legais? — a cisne questionou. — Não há lagos como esse em seu mundo?
Ana sentiu que a cisne sabia de muitas coisas e sobre muitos mundos, mas queria que a menina respondesse; queria que ela pensasse nas próprias respostas.
— Sim, tem muitos lagos em meu mundo — ela falou. — Mas eles fedem.
— Que pena!
— E as pessoas estão estressadas. Mamãe se irrita muito com o trânsito para ir ao trabalho e me levar à escola. — Ana percebeu que queria desabafar, e achou que a cisne seria uma ótima ouvinte. — Por isso eu acho que, se o meu mundo tivesse mais jardins como esse, as pessoas seriam mais legais umas com as outras. Os adultos falam muitos palavrões e muitas coisas feias, mas não deixam as crianças falarem... Isso me lembrou o homem, que falou muitos palavrões também.
— Que interessante...
— Não é nada interessante — Ana estava começando a ficar triste ao pensar naquelas coisas. — Acho que as pessoas não gostam de coisas bonitas. Só pessoas bonitas.
—...Muito interessante. O que é uma pessoa bonita, menina?
— Pessoas que... — Ana parou. Pensou muito na resposta que estava na ponta de sua língua, mas percebeu que ela estava errada. Ela notou que muitas coisas que pensava eram, na verdade, coisas que escutava de adultos ou de outras crianças. Seguindo o conselho da cisne, ela perguntou ao seu coração e obteve uma rápida resposta: — Acho que as pessoas bonitas são pessoas boas. Eu tenho um primo que todos falam que é muito bonito, mas gosta de chutar cachorros e matar passarinhos. Eu não acho ele bonito, eu acho ele idiota.
— Você se acha uma pessoa bonita? — a ave perguntou. Ana achou que ela fazia muitas perguntas, mas não se importou em respondê-las. Gostava de ficar na companhia daquela encantadora cisne.
— Acho que sim. Eu não gosto de fazer essas coisas feias — ela refletiu, ainda se sentindo um pouco triste. — Isso deixa as pessoas feias.
A cisne tocou a mão de Ana com seu bico, como se para acalentá-la.
— Está triste, meu amor? — ela perguntou, preocupada. — Por que está triste?
— Você me faz muitas perguntas — Ana murmurou. — Perguntas me fazem pensar. E eu sempre penso nas coisas ruins e isso me deixa triste.
— Ah, criança... Sempre haverá coisas repugnantes em seu mundo — a cisne lamentou. — Mas são delas que as coisas bonitas se mostram. Quando se sentir triste com as coisas ruins, lembre-se deste jardim; que alimenta tantas esperanças a quem por ele passa.
— Desculpe. Eu não deveria ficar triste no seu jardim — a criança disse. — Você não parece gostar disso.
— Não lhe condenarei por isso, mas devo admitir que eu amo sorrisos — ela balançou a cabeça graciosamente, e Ana sorriu. Não para agradá-la, mas porque teve vontade. — Ah, agora sim!
A menina quis fazer mais perguntas, mas sua atenção foi desviada para algo que se aproximava deslizando pela água. Quando se aproximou o suficiente delas, a menina viu que se tratava de uma pequena canoa — mas não era uma canoa qualquer. Flores brancas enfeitavam as bordas e as extremidades, cobrindo boa parte da estrutura amadeirada. Por dentro, a canoa estava acolchoada por plumas e relva seca, como se fosse um enorme ninho flutuante.
Boquiaberta, a menina acompanhou a embarcação até que ela parou, sozinha, a alguns metros da cisne.
— Já era hora! — a cisne exclamou. — A canoa a levará ao seu próximo destino. Poderei acompanhá-la até o outro lado. Mas, depois disso, deverá partir sozinha.
Ana olhou para a embarcação e, sem dificuldade, pulou para dentro dela e se ajeitou em meio às plumas e à relva seca; e era tão macio quanto seu travesseiro. Ela queria muito chegar ao outro lado logo, apesar de ter gostado muito da companhia daquela cisne.
Quando a canoa começou a deslizar novamente, Ana inclinou o pescoço em direção à água, duvidando que a embarcação estivesse se movendo sozinha. E, de fato, ela não se movia sozinha: Ana conseguiu ver, com um pouco de dificuldade — pois eram tão transparentes quanto aquela água — pequenos seres com barbatanas, orelhas pontudas, calda de peixe e o rosto delicado. Eles nadavam e desapareciam debaixo da canoa, fazendo-a ganhar velocidade.
A menina também contemplou seu reflexo naquela água cristalina e percebeu o quanto era bonita — seus cabelos, os olhos escuros, a cor de sua pele, o brilho tênue que demarcava seu rosto. A criança sorriu para si mesma e voltou-se para a confortável canoa. Enquanto isso, a cisne nadava tranquilamente ao lado. A outra extremidade do lago ainda estava um pouco distante, portanto, Ana começou a observar as coisas ao redor — as árvores na margem, as colinas distantes, o céu da manhã agora quase todo azul. A menina começou a pensar na conversa que tivera com aquela ave e, inspirada pelo cenário ao redor, pensou em todas as coisas bonitas que conseguia se lembrar. Foi então que Ana percebeu que ela amava todas essas coisas: as estrelas, seu gato, o jardim de sua casa, o céu, as músicas que gostava... Eram tantas coisas que ela poderia fazer uma lista gigante (Ana gostava de fazer listas também). A menina também se lembrou dos dias em que passava horas separando brinquedos para doar, e percebeu que aquilo era tão bonito quanto aquele jardim.
Como prometido, a cisne acompanhou Ana até o outro lado do lago — que, para o seu pesar, a travessia foi mais rápida do que gostaria. Entretanto, ela não se lamentou, pois sabia que tinha um longo caminho pela frente. Daquele lado do lago, as colinas estavam mais próximas e o terreno se elevava. Uma tortuosa trilha abria-se margeada por flores do campo, convidando a menina a seguir em frente. Acima das árvores coníferas, no céu, Ana pôde ver uma única estrela — sua favorita, e a mais brilhante de todas.
A menina sorriu e olhou para a cisne, que abriu novamente as asas.
— Agora vá, minha criança — ela disse carinhosamente. — E não tenha medo! As flores a guiarão.
Ana saltou da canoa, sentindo a terra novamente sob seus pés. Ela olhou para trás para contemplar, pela última vez, o jardim à distância e despediu-se da elegante ave. Depois, observou a trilha circundada pelas flores do campo e correu estrada acima.
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