Capítulo 5 - SENTIMENTOS

— De novo, Evelyn! Mais forte! — A voz de Luke soou baixa, mas autoritária.

Eu ataquei de novo, tentando acertar um cruzado de direita em seu ombro, mas fui bloqueada com facilidade.

— Está muito lenta hoje. Qual é o problema?

Eu balancei a cabeça negativamente e tentei acertar um chute em seu estômago. Ele simplesmente segurou meu pé e girou o próprio corpo, pegando impulso para me jogar de costas no tatame. Senti o impacto e ofeguei em busca de ar, xingando-o com um palavrão.

— Chega por hoje. Você está distraída e dá pra ver a raiva fazendo fumaça na tua cabeça. Assim só vai se machucar e não vai aprender nada.

Eu suspirei e fiquei deitada no chão, olhando meu treinador e amigo andar sem camisa até a mesa, onde pegou uma garrafa de água e uma toalha de rosto e os deu a mim calmamente.

— Quer conversar? Nem Albert nem John disseram uma palavra sobre o fato de você ter feito uma viagem relâmpago para Los Angeles e voltado com Adriena Harrison a tiracolo, ferida e assustada.

— Sullivan — eu resmunguei. — Não volte a chamá-la pelo nome do cretino que foi seu marido. Em breve ela voltará a ser Adriena Sullivan.

— Tudo bem — ele aquiesceu. — Então, você vai me contar a história oficial do que está acontecendo desde ontem? Porque cedo ou tarde a história dela, seja qual for, irá se tornar de conhecimento público, e todos saberão que Evelyn Grimmer a está acolhendo.

Dei de ombros.

— Ela é minha cunhada. Se o Ryan estivesse aqui, ele a teria ajudado da mesma forma.

— Sim, teria. Mas ele também declararia guerra ao Harrison abertamente, e seria compreensível, pois era seu irmão. Mas com você é diferente, Evie. Você passou os últimos anos longe de qualquer notícia que não estivesse relacionada a livros e agora, além de estar prestes a começar as gravações de um filme, também acabará sendo envolvida em um caso de relacionamento de um casal e por alguém que não falava com você desde a morte do teu esposo.

Eu suspirei, olhando seu semblante sério à procura de julgamento, mas ele era meu amigo, jamais me julgaria.

Luke se aproximou e tirou meu cabelo do rosto.

— Não me entenda mal, querida. Eu aprovo totalmente o que você fez e sei que todos aqui consideram Adriena uma hóspede bem-vinda e irão tratá-la da melhor forma. Minha preocupação é com como você vai ficar ao ter a mídia voltada na tua direção por causa do que está fazendo por ela. Está pronta para enfrentar isso depois de menos de dois anos viúva?

Eu enxuguei o suor do meu rosto, pensativa.

Luke tinha razão. Até aquele momento eu havia me afastado da mídia, praticamente me isolando na mansão com Sophie, nunca ficando em evidência, apenas trabalhando dia após dia, porque essa foi a vida que escolhi. A partir do momento em que a denúncia de Adriena viesse à tona e seu relacionamento abusivo fosse exposto, eu também me tornaria alvo dos holofotes por estar ajudando minha cunhada.

Pensando em tudo que a ouvira contar na noite anterior, percebi que finalmente estava pronta para enfrentar a curiosidade pública novamente. Não por mim, mas por querer que minha cunhada fosse exemplo para as milhares de mulheres que sofrem caladas sob o domínio dos homens que deveriam amá-las, para que elas levantassem e se libertassem da dor e da vergonha, pois se uma de nós pode lutar, todas podem.

— Eu posso fazer isso, Luke. É o certo. Será difícil e eu provavelmente vou querer me esconder no armário para chorar, mas preciso ajudar a Adri.

Ele me deu um beijo na testa.

— Essa é a Evie que eu conheço. Você só precisava de um motivo para sair da própria concha, onde nem sabia que estava presa.

Eu admirei o homem alto, atlético e loiro, que em seus quarenta anos estava ainda mais bonito do que doze anos antes, quando foi contratado como meu segurança e treinador particular. Ele era um homem muito bom que acabou se tornando meu amigo com o passar dos anos.

— Não é justo. Você é tão lindo e seria um padrasto maravilhoso para a Sophie, se gostasse de mim como mulher.

Ele sorriu de lado.

— Você bateu a cabeça no chão quando caiu?

Eu suspirei.

— Não! Ah, Luke, você é tão perfeito, compreensivo, sempre sabe o que fazer. Eu teria ficado perdida sem a tua amizade. Sabe, em uma vida ideal, o Ryan teria te pedido para cuidar de mim depois que ele se fosse, teríamos nos apaixonado, casado e sido felizes para sempre.

Ele balançou a cabeça negativamente.

— Em uma vida ideal o Ryan ainda estaria aqui ao teu lado e eu seria correspondido pelo homem que roubou meu coração depois de tantos anos. Mas a vida está sempre indo contra o que planejamos. — Sua voz soou amarga.

Eu o olhei, penalizada. Ele já havia sofrido tanto na vida. Perdeu sua família em um ataque terrorista, seus amigos e seu amor no campo de batalha quase duas décadas antes, e agora estava apaixonado por alguém que nunca iria corresponder seus sentimentos. Adam era bem transparente sobre a quem seu coração pertencia, e estava longe de ser a um homem, por mais lindo e habilidoso que fosse.

— Sinto muito, Luke. Você tentando me ajudar e eu falando besteiras sem sentido apenas para aliviar a tensão. Se serve de consolo, eu faria muito gosto em ter você como cunhado, mas meu irmão...

— Não precisa se desculpar, meu anjo — ele me interrompeu. — Ninguém manda nos próprios sentimentos.

Eu suspirei.

— Luke, é porque eu te amo que quero que me escute agora. Esquece o Adam. Você merece alguém que te ame de verdade e o meu irmão só tem olhos para uma mulher, já faz quase dez anos. Desde a primeira vez em que a viu, ele se apaixonou. Ao longo dos anos eu o vi passar de relacionamento em relacionamento e nunca conseguir fazer dar certo, porque no fundo ele esperava apenas uma oportunidade. Com tudo que aconteceu nas últimas vinte e quatro horas, não vai demorar para que ele veja a oportunidade e não a largue mais. Então, pelo teu bem, esquece ele. Você é importante demais e não quero te ver sofrendo.

Ele concordou com a cabeça, parecendo triste.

— Você acha que ela alguma vez notou os sentimentos dele por ela?

— Eu não sei, mas não cabe a nenhum de nós saber disso.

Mais uma vez ele concordou.

— Tudo bem, vamos esquecer isso. Mas com tudo que aconteceu, você chegou a falar com o Daniel sobre o ator que vai fazer o papel de Rupert?

— Não. Eu ia ver os testes ontem e acabou sendo adiado para hoje por causa do que aconteceu. Vou tomar um banho e ver como a Adri está antes de procurar o Daniel. Sei apenas que uma parte do elenco chega hoje. O Derek e o Dylan chegam amanhã com suas famílias, e também o Christian com Amanda e as gêmeas deles.

— Isso é ótimo. Você estará cercada de amigos. E a Sophie vai adorar brincar com as gêmeas como se fossem bonecas.

— É isso que me preocupa.

Rimos, nos despedimos e ambos fomos por caminhos opostos.

Eu me sentia mais leve depois da nossa conversa. Luke era aquele amigo com quem se pode sempre contar.

Estava receosa com tudo que estava prestes a acontecer. O filme, a escolha do ator, a equipe de músicos que ainda não havia sido contratada, toda a situação com Adriena e o escândalo que aconteceria quando a mídia soubesse de sua história. A isso somava-se a minha preocupação por manter Sophie protegida da repercussão que tudo isso traria para a nossa vida.

Meia hora mais tarde eu estava tomando o desjejum com minha mãe, Daniel e Sophie, que já estava pronta para ir para a escola. Geralmente era John quem a levava e buscava, mas o dei folga pelo serviço do dia anterior e decidi que eu mesma a levaria e conversaria com Adri quando voltasse, pois ela ainda estava dormindo.

Os momentos com minha filha eram únicos. Ela era tão parecida com o pai, não apenas fisicamente, mas também no caráter e nas atitudes. Dentro do carro, notei que ela estava pensativa e um pouco triste, olhando pela janela.

— Uma moeda pelos teus pensamentos, minha bonequinha — falei.

Ela me olhou pelo retrovisor, seus olhinhos claros um pouco confusos.

— Mamãe, ontem a minha amiguinha Suzi estava chorando muito porque o papai dela disse que vai embora. E um menino da nossa classe, o Rudolf, disse que o pai dela ia embora porque ele não amava mais a Suzi. Ela ficou chorando muito até que a tia Nely chegou e levou ela embora. Por que o papai dela não ama mais ela, mamãe?

Eu suspirei. Minha menina era tão inocente e era assustador ver como crianças com a mesma idade dela poderiam ser cruéis.

— Meu amor, o papai da Suzi continua a amando. Ela é sua filha e ele nunca vai deixar de amá-la.

— Então por que ele vai embora e não vai mais ver ela?

— Às vezes o papai e a mamãe deixam de gostar um do outro como antes e por isso decidem que é melhor viverem em casas separadas, mas nenhum dos dois jamais vai deixar de amar sua amiguinha, ok? Não existe amor mais forte que o amor que papai e mamãe sentem por seus filhos.

Vi uma lágrima deslizar pelo rostinho dela.

— Então por que papai me deixou? Rudolf disse que se papai me amasse, ele nunca teria me deixado.

Senti um aperto no peito e minha garganta se fechou. Já estávamos quase na escola, por isso procurei um lugar para estacionar. Saí do carro e entrei pela porta de trás, ficando ao lado dela para conversar.

— Ouça bem o que eu vou falar, Sophie. Teu pai te amou mais que tudo no mundo. Ele nunca quis nos deixar. — Segurei seu rostinho entre minhas mãos e olhei em seu rosto. — O Ryan ficou muito doente e não existia nenhum remédio que pudesse curar a doença dele, mas você sempre foi o mundo do teu pai, minha querida. Ele sempre desejou te ver crescer e ser feliz, mas às vezes acontecem coisas tristes, e eu não sei explicar por que elas acontecem, mas posso te dizer que sempre podemos aprender coisas novas que nos ajudam a ser felizes. Não sei por que teu coleguinha fala essas coisas tão feias, mas lembre-se do que sempre te ensinei, está bem? Seja gentil e bondosa. Quando ele disser essas coisas que machucam, diga apenas que existe alguém que o ama muito em algum lugar.

— Mesmo quando ele fizer a gente chorar?

— Especialmente quando ele fizer vocês chorarem, pois as coisas que ele fala mostram que ele é um menino triste que precisa de amigos.

Beijei seu rostinho macio e enxuguei suas lágrimas.

— E se alguém falar do teu pai, responde que ele te amou tanto, mas tanto, que o céu tinha um lugar reservado para ele. Nunca se esqueça, meu amorzinho, teu pai te amou mais que tudo no mundo, e eu também te amo mais do que as estrelas que existem no céu.

Ela me abraçou, sorrindo, e eu voltei para o meu lugar atrás do volante e fui deixá-la na escola.

Quando retornei à mansão, vi um grupo barulhento sendo recebido por Daniel e Caroline. Minha assistente andava de um lado para outro com uma prancheta na mão, parecendo quase em pânico.

— Desculpe — dizia ela, olhando para um homem calvo e um pouco barrigudo, com tatuagens, piercings e uma bandana que o fazia parecer um astro decadente de rock da década de 1990, que ainda achava fazer algum sucesso quando na verdade era totalmente desconhecido. — É que nós não esperávamos a chegada da sua equipe até essa tarde e não fomos informados de que haveria tantos instrumentos e músicos.

— Isso é o que dá falar direto com a assistente em vez de conversar com o encarregado — disparou o homem, irritado. — Meu cliente tem mania de tomar decisões sem me consultar e por isso sempre acaba em confusão...

— Desculpe, mas quem o senhor disse que é? — interrompeu Daniel.

— Erick Smith, agente do senhor B...

— Erick, onde vamos colocar os instrumentos de percussão? — um rapaz perguntou para o homem nervoso.

— Gilderoy, espere um...

— Sr. Smith, precisamos resolver essa situação antes que... — Daniel começou, mas foi interrompido.

— Daniel, me desculpe por toda essa confusão.

Uma figura alta, masculina, de porte atlético e uma postura relaxada havia acabado de entrar na minha linha de visão. Seus cabelos castanhos eram uma bagunça de cachos abaixo das orelhas, a pele tão pálida que parecia transparente, e mesmo que não fosse do tipo musculoso, seus braços mostravam que ele era bem mais forte do que o corpo esguio sugeria em uma primeira impressão.

Ele se aproximou de Daniel e o cumprimentou com um aperto de mão.

— Acontece que o Erick aqui tem mania de querer fazer tudo do seu jeito e esquece que eu sou o patrão, então eu tomo as decisões. — Sua voz soou dura. — Quando o Bryce entrou em contato, com a primeira proposta, eu estava voltando de uma turnê, por isso não respondi imediatamente, mas quando soube que você também estava procurando o ator principal, eu não podia perder essa chance, por isso falei logo com a adorável Caroline aqui. Ela disse que os testes serão feitos hoje e estou aqui tanto para participar quanto para conversar sobre os termos do contrato referente à parte musical do filme.

Daniel ficou estático por um momento, e seu olhar preocupado se cruzou com o meu.

— Para esse papel nós já receberemos dez candidatos. Além do mais, a proposta do Bryce referia-se à equipe de produção musical sob responsabilidade dele, eu...

— Ah, qual é? Você é um dos maiores diretores de cinema da última década e sabe que eu sou um bom ator. Me deixe tentar esse papel e poderemos sentar para trabalhar todos os detalhes da contratação da minha equipe também. Isso só vai acrescentar ao filme, eu garanto.

Novamente o olhar de Daniel se prendeu ao meu e pude ver uma pontada de... pânico? Mas naquele momento eu não tentei entender, pois uma memória antiga foi acionada em minha mente, e eu só conseguia olhar para o recém-chegado, esperando que ele se virasse para que eu visse seu rosto, pois aquela voz aveludada, mesmo que diferente agora, mais madura, me evocava uma sensação de segurança e liberdade que nunca foi esquecida, apenas ficou adormecida na minha mente.

Como se percebesse a mudança na atmosfera de repente silenciosa, o homem olhou para trás, diretamente em meus olhos, e eu arfei, reconhecendo as profundezas escuras daqueles olhos que tantas vezes antes me admiraram sem pudor.

Minha voz não passava de um sussurro quando falei:

— Peter?

Olá! Então, o que acharam do aparecimento do Peter? Vote, deixe seu comentário e compartilhe a história com os amigos. Beijos no coração.

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