Capítulo 2 - UM ANO E MEIO SE PASSA...
— Você tá falando sério? — eu perguntei com um grande sorriso, olhando para meu padrasto, que eu considerava mais meu parente do que meu próprio pai.
— É claro que sim — ele respondeu, sorrindo.
— Mas a mamãe adora viver na Califórnia. A troco de que ela iria abandonar o calor e o bronzeado de sol para vir morar em uma capital chuvosa, onde acontecem tempestades de raios que ela tem pavor?
Ele me olhou como se eu estivesse esquecendo um detalhe crucial.
— Você mora aqui, Evie, e a única neta dela também. Maggie sente saudades de você e da Sophie. Samantha não dá notícias desde o teu aniversário de vinte e sete anos, tua mãe mal sabe o que acontece com ela pelo que a mídia mostra e pelos relatórios mensais de Richard.
— Relatórios? Desde quando Richard se dá ao trabalho de contar algo para alguém?
Daniel me olhou seriamente.
— Desde que ele sente falta das duas filhas e morre de vontade de conhecer a neta.
Eu suspirei. Mamãe já havia me falado sobre permitir que Sophie fosse para Nova Iorque na companhia de seu tio Adam para conhecer o avô, mas eu não queria me afastar dela. Não depois de ter perdido seu pai.
Fazia pouco mais de um ano e meio desde que Ryan partira. Durante todo esse tempo, minha vida ficou focada no trabalho e em Sophie.
Além de autora de livros, eu também passei a compor canções. Na maioria das vezes escrevia só a letra e Bryce compunha a melodia, mas vez ou outra eu o acompanhava nisso também.
Desde que compus com o Peter a canção para o Ryan, a música voltou a fazer parte da minha vida, mas não completamente. Eu cantava para ele e Sophie, escrevia músicas inspiradas neles dois, porém, nunca mais toquei em qualquer instrumento.
O presente que Peter me deu em meu aniversário de vinte e sete anos permanecia intacto, guardado em uma caixa de vidro no meio da minha sala de estar. Era um violão caríssimo, assinado por ele junto a uma dedicatória. Atualmente devia valer três vezes mais do que quando o ganhei, pois depois de quase nove anos Peter era considerado um dos maiores cantores pop do mundo, isso sem falar de sua carreira como ator, que se tornava cada vez mais formidável. Muitos fãs fariam qualquer coisa para terem aquele presente se soubessem que ele existia.
Mas não era só isso que tornava aquele violão tão especial para mim. Era a única coisa que eu tinha dele, a única lembrança de uma amizade outrora tão bonita.
Desde meu casamento com Ryan, nunca mais nos falamos. Nossa amizade foi deixada de lado, ambos tínhamos nossas próprias vidas e deixamos de fazer parte da vida um do outro, assim como aconteceu com outras pessoas também.
Assim como aconteceu com meu pai.
Quanto a ele, eu estava firme em minha decisão. Se Richard queria voltar a fazer parte da minha vida, deveria dar o primeiro passo, deixar o orgulho de lado. Foi ele quem me rejeitou, ele deveria mostrar que se arrependia dessa atitude.
Olhei para Daniel, sentado do outro lado da mesa, em meu escritório. Ele tinha vindo para conversarmos sobre a produção de um novo filme, baseado no livro que eu escrevi para o Ryan quando soubemos que ele teria pouco tempo de vida.
Era um romance inspirado em nós. Uma continuação da história de Rupert e Emma, a história que fez com que Ryan e eu nos reconciliássemos depois de dois anos. Agora seria a última história do nosso amor, com a pequena Sophie ao nosso lado.
Assim como o primeiro livro, o segundo fez um sucesso estrondoso. Ryan o leu, mas o sucesso aconteceu depois de sua morte, portanto ele nunca saberia que a história iria para os cinemas, com o rosto de outro ator em seu lugar. Essa era a parte que me entristecia com relação ao filme, mas eu faria de tudo para honrar sua memória com uma produção perfeita.
— Richard sabe onde me encontrar. Se ele quiser conhecer Sophie, terá que voltar para a minha vida, pois não vou permitir que minha filha saia de perto de mim. É ele quem tem que mostrar que está disposto a recomeçar.
Daniel me analisou por um momento.
— Você faz pose de durona, mas sente falta do teu pai, não é?
Eu suspirei, cansada desse assunto.
— Ele me magoou muito quando me renegou. Eu só queria seguir meu caminho, mas nunca deixei de amá-lo. Ele poderia ter brigado, ficado chateado, e mais tarde resolveríamos nossas diferenças como qualquer família normal. Em vez disso, ele foi a público dizer que eu era estúpida demais para ser considerada sua filha e que só reconhecia Samantha como filha a partir daquele momento. Que tipo de pai faz isso?
— Não estou dizendo que ele não é um idiota, Evie. Richard Grimmer é, provavelmente, o maior cretino de que já ouvi falar. Mas ele sempre será o teu pai. Ele te ama, mesmo que seja do seu jeito torto e estranho, e mesmo que ele seja orgulhoso demais para demonstrar.
— Não quero mais falar disso, Daniel. Então, o que achou do contrato oferecido?
— Maravilhoso, só não sei por onde começar a procurar o ator principal. É claro que o Dylan vai aceitar na hora, assim como o Christian e o Derek, mas onde eu vou encontrar um substituto para o Ryan? Menos mal que Ava Baker já anunciou que esperou anos para trabalhar em uma adaptação de obra tua novamente.
— Sim, eu falei com ela. Está entusiasmada para começar as filmagens. É impressionante como ela parece exatamente como estava há oito anos, não envelheceu um ano.
— Você também tem essa genética incrível, querida. Parece a mesma moça de vinte e quatro anos que eu conheci ao lado da mulher da minha vida.
Eu corei.
— Não exagera. As pessoas percebem que eu tenho mais de trinta.
— Elas não te dão mais do que vinte e oito, acredite em mim. Você chegou a pensar em alguém para o papel do Rupert?
— Na verdade, eu pensei se Derek não teria o perfil ideal para o papel. Ele não é tão alto quanto Ryan era e seus olhos são mais claros, mas ele conhecia Ryan muito bem para reproduzir seus gestos, e a diferença dos olhos não é nada que uma lente de contato não possa resolver.
— Eu acho que não. Derek é um excelente ator, mas seu rosto é famoso por causa da franquia do Homem de Gelo*. Ele não seria tão bem associado a um drama romântico quando já é visto como um herói de filmes de ação.
* O super-herói da Marvel com esse nome é um mutante de X-Man, mas como está sendo citado em uma obra literária, aqui ele é apenas um personagem fictício dentro de uma história fictícia.
— Certo. Acho que teremos que começar com anúncios de perfil e testes, então.
— Tudo bem, os produtores cuidam disso. Você já pensou na equipe de trilha sonora ou é o Bryce que vai cuidar disso?
— Ele sempre cuida disso em todos os filmes. Faz parte de cada contrato que assinamos com estúdios cinematográficos, assim como a cláusula que me inclui entre os roteiristas.
— E ele já disse quem vai escolher para compor e cantar as canções originais?
— Eu sugeri que ele chamasse o Peter, como no primeiro filme. Afinal, foi ele quem compôs aquelas canções que marcaram os fãs, e a nós também.
Daniel ficou pensativo.
— Phillip Brook — murmurou.
— Ele mesmo.
— Não acho que seja uma boa ideia, Evie. Ele é um dos maiores cantores jovens da atualidade. Seu salário está quadruplicado com relação à última vez. A equipe financeira do estúdio não vai concordar.
— Vão ter que concordar, ou não terão filme.
— O Bryce não pode compor as músicas? Ele é excelente no que faz, vocês já compuseram canções lindas.
Eu neguei com a cabeça.
— Ele é o responsável por toda a trilha sonora, é muito trabalho para uma pessoa só. Além do mais, Bryce é excelente, mas Peter é o melhor. Eu só quero os melhores nas equipes e no elenco desse filme, por isso você foi chamado, Daniel. É o melhor diretor que já conheci, o mais eficiente.
— Obrigado pela confiança, Evie. Ser reconhecido em meu trabalho por uma pessoa talentosa como você é uma conquista. Agora, com relação a Phillip, ainda acho que deveria pensar em outro artista. Ele tem toda uma equipe de músicos com quem trabalha, e pode não aceitar trabalhar conosco.
— Ele vai aceitar — eu disse com confiança. — Já fomos amigos, ele conheceu Ryan e nossa história, entende nossos sentimentos. É o único que não precisa me interrogar para saber o que falar na canção.
— As pessoas mudam, Evelyn. Ele não é mais o Peter gentil e encantador que você conheceu. Ele é Phillip Brook, cantor rebelde, bad boy de gênio difícil que seduz multidões com sua voz. Você não vai encontrar o rapaz que foi teu amigo. Ele agora é um homem, e não tem a reputação imaculada de antes.
Eu engoli em seco.
— Eu sei o que falam dele, Daniel — suspirei. — Preciso ver de perto, entender essa mudança. E tenho que tentar fazê-lo aceitar esse trabalho, porque Ryan merecia o melhor, e esse filme é para que sua memória esteja com cada fã que ele teve, para que nunca seja esquecido.
— Ele nunca será. Vai morar para sempre em nossos corações. — Ele levantou e rodeou a mesa para me dar um abraço. — Agora eu preciso ir. Margareth está ansiosa para vir morar com você.
— O quarto de vocês será preparado. Agora que Julie e Bryce moram em outra casa, e Virgínia mudou para Nova Iorque com Daryn, eu me sinto sozinha nesse lugar enorme.
— Você nunca estará sozinha.
— Obrigada.
Quando ele saiu, eu fiquei pensando sobre o que falou de Peter. Seria possível que ele tivesse mudado tanto a ponto de eu não conseguir sequer ter um vislumbre do rapaz sincero, maduro para a sua idade, que um dia me chamou de amiga?
Lembrei de todos os momentos que passamos juntos. A conversa na área da piscina enquanto ele tocava violão, o modo como me chamou de arrogante por não achar que ele pudesse ter sentimentos verdadeiros apenas por ser novo demais, o momento depois de Ian terminar nosso relacionamento, quando Peter me disse que eu deveria pensar em como falaria para Ryan sobre os meus sentimentos, até os momentos em que passamos juntos, modificando a letra de sua composição para que se tornasse uma declaração de amor minha ao Ryan... O beijo...
Parei por um momento na poltrona, estática.
Quando eu pedi para Peter passar mais três semanas na mansão para me ajudar com a modificação da letra e a gravação da canção em estúdio, pois eu já estava há muitos anos sem cantar, ele me pediu um beijo como pagamento.
Meu coração pertenceu ao Ryan desde que o conheci, apesar de nossa separação, por isso eu nunca havia me permitido pensar sobre o único momento em que Peter não foi só meu amigo. Na época, eu achei bom, mas logo esqueci, escondi o momento no fundo da minha mente, jamais pensando em como Peter se sentia com relação àquele beijo.
Agora ficava me perguntando se isso o tinha afetado tanto ao ponto de ele se afastar completamente. Em retrospecto, nunca nos vimos desde que ele voltou para o Canadá, após concluir seu trabalho na mansão.
Quando perguntei se ele iria para a estreia de "Quando é Amor" junto com todas as equipes do filme, ele disse que estava muito ocupado com a turnê nos países da América do Norte e Central. Eu o convidei para o meu casamento e ele respondeu educadamente que estaria em turnê pela Europa. No nascimento da Sophie, ele mandou um vestido lindo para ela, com um bilhetinho nos parabenizando por sermos novos papais, e foi só. Depois disso, ele não respondeu a nenhuma mensagem ou convite que fiz. Depois do terceiro aniversário dela, eu parei de convidar.
Foi assim que nos afastamos e tudo que eu soube sobre sua vida foi através das mídias sociais e grandes eventos de música televisionados. No único evento em que estivemos juntos, uma premiação do Oscar, eu recebi uma chamada urgente antes de conseguir vê-lo cantando e tive que viajar para encontrar meu irmão hospitalizado por causa de um acidente de trânsito, porque eu era a parente mais próxima, devido ao fato de Richard estar cuidando de negócios em outro país.
Agora já fazia quase nove anos que não nos víamos e, apesar de querer que ele voltasse a trabalhar conosco nesse filme, não podia parar de me perguntar se ele realmente consideraria a nossa amizade passada e aceitaria minha proposta.
Meus pensamentos foram interrompidos por uma batida na porta. Quando chamei para entrar, uma cabeleira castanha apareceu, emoldurando um rostinho de fada com olhos cor-de-mel curiosos.
— Mamãe? O vovô Daniel já foi?
— Vem cá, meu amor. — Ela veio e sentou no meu colo. — O vovô Daniel foi buscar a vovó Maggie. Eles vêm morar aqui conosco.
— Sério? — Ela deu um grande sorriso. — A vovó vai poder me abraçar todos os dias?
— É claro, querida. Você sente saudades dela, não é?
— Sim, e do vovô Mark, vovó Maggie, vovó Giulia, titio Adam, titia Louise e titia Adriena. E de todos os titios que moram longe.
Eu ri, sabendo que ela estava se referindo não só à família de seu pai e ao meu irmão, mas também aos meus amigos da família Martin e seus respectivos cônjuges. E não podia esquecer de Julie e Bryce.
Quando se mudaram para uma casa em bairro nobre de Seattle, Julie já tinha dado à luz dois filhos, Bryan e Julian, e sua filha Juliet nasceu pouco tempo depois que enterrei Ryan, quando Sophie tinha seis anos. Ela costumava brincar muito com os irmãos Parker, pois seus pais estavam na mansão quase todos os dias, trabalhando.
Depois de tantos anos, Julie ainda era minha advogada, mas por ser mãe e, portanto, ter uma vida muito ocupada, ela deixou de ser minha assistente quando foi embora da mansão, então eu tinha uma assistente que trabalhava comigo há quase três anos. Caroline Suki tinha vinte e dois anos e sonhava em se tornar escritora, então ela treinava comigo desde os dezenove, acompanhando meu ritmo às vezes insano e estudando Literatura Inglesa. Era natural da Coreia do Sul, mas naturalizada estadunidense, e estava escrevendo seu primeiro livro. Se fosse tão bom quanto eu esperava dela, eu mesma o publicaria.
Mesmo com minha vida tão ocupada e minha filha amada para ser cuidada, eu sentia um vazio em meu peito. Um buraco que foi deixado quando Ryan partiu. Meus amigos às vezes me questionavam se não era hora de seguir em frente, encontrar um novo amor, pois eu era jovem ainda e não poderia viver sem um companheiro para sempre, que Ryan não iria querer isso para mim.
Talvez eles estivessem certos. Ryan realmente ficaria triste se soubesse que eu estava sozinha, mas também, Ryan nunca quis nos deixar, e mesmo assim, a vida o levou, então por que eu tinha que me preocupar com isso?
O fato é que meu marido jamais poderia ser substituído. O amor que sentia por ele era forte e ia além da morte, então eu não me importava de ficar sozinha.
Enquanto tivesse minha filha e meus amigos, eu estaria ótima.
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