Capítulo Único

O mundo é cruel, extenuante e machuca sem piedade. Às vezes, tão mórbido quanto um filme de terror. E eu me adaptara, meu coração estava calejado, com inúmeros calos. Era como eu tinha aprendido a ser. Era como eu tinha aprendido a me defender, porque em um passado não muito distante, alguém me machucara. Esqueci-me como e quando, porque esquecer é o meu melhor remédio.

Fechar o coração, ao menos no início, havia sido difícil. Antes, sentir era mágico, um êxtase completo em meio a tanta dor. Encontrar alguém que se importe é uma dádiva, mas e quando o amor chega ao fim e nos obrigamos a partir? Ou pior, quando vemos nosso amor partir?

Desliguei-me. Desconectei-me. Esqueci o quanto é bom amar para não correr o risco da dor, porque isso é um ato permitido apenas àqueles que sangram pelo coração há anos. Há alguém que possa me julgar por fazer aquilo que muitos desejam?

Era mais um dia comum. O céu estava limpo, o vento roçava em nossas peles e bagunçava meus cabelos. Os seus também, acho. Eu não reparara, naquele tempo, eu não reparava em ninguém além de mim mesma. Porque meus olhos estavam vendados, lacrados em relação à enxergar alguém que pudesse me decepcionar.. A lista de desilusões não podia continuar a aumentar.

Eros. Que nome incomum e fatídico. Era seu nome. Até hoje sinto as lágrimas cristalinas brotarem em meus olhos quando pronuncio seu nome. Para os amantes de mitologia grega, talvez saibam a origem de Eros, filho de Afrodite, um belo cupido. Que irônico, você realmente havia tentado flechar meu coração.

Agora, que estou sozinho e com muito tempo para refletir sobre nós e nosso derradeiro fim, penso que talvez haja uma chance de termos sido destinados a nos encontrarmos nessa vida, predestinados. Meu nome, querida pessoa que está lendo este monólogo melancólico e cheio de arrependimentos, é Ania. Um nome simples que tem um significado deplorável: angústia e dor. Isto realmente têm a ver comigo.

Você era algo extraordinário e meu completo oposto. Amava. Se apegava. Lembrava com sorriso no rosto de seus amores passados e não tinha a constante necessidade de não sofrer mais. Tudo porque seu conceito era diferente do meu: viva sem medos, porque viver é correr riscos! disse-me uma vez e depois ostentou um sorriso radiante.

Eu o afastava, porque sabia que você era um risco que eu não queria correr. Amar. Era um verbo que eu não gostaria de tentar praticar novamente, a não ser que algum príncipe de contos de fadas surgisse em minha vida. Mas eu estava conformada e desiludida demais para achar que isso - mesmo que remotamente - pudesse acontecer.

Paixão. Era até mesmo difícil de pronunciar uma palavra tão forte e tão descabível ao meu estilo de vida. O substantivo saia de meus lábios seguido de uma careta de amargura. Aos poucos, eu estava me transformando em um robô. Insensível, programada para apenas sobreviver, não viver, e acima de tudo: indiferente.

Eu tentava manter-me congelada, pois assim seria impenetrável e absorta de qualquer infortúnio, mas você ansiava ardentemente por me descongelar com seu fogo interior. Você era brutal, tão quente que não temia que eu o apagasse com meu gelo. Éramos perfeitos antônimos.

Em meu íntimo, em uma parte absolutamente recôndita, eu admitia que não era capaz de ser amada. Por qual outro motivo ninguém havia sido capaz de ficar e me amar? Então, transformei-me naquilo que combinava com minha condição: não amaria ninguém de volta. Mas você estava ali, insistindo. Tentando me tirar da caverna que eu mesma construíra e escolhera morar.

Lembro-me que você era perfeito. De seus lábios saiam apenas elogios e palavras bonitas. Você abraçava-me todos os dias e, às vezes, nos dias que eu não estava tão indiferente e quase cedendo ao seu amor, me roubava beijos carinhosos e demorados. Mas logo, o monstro que eu denominara como medo retornava, mais forte, mais arrebatador, como uma verdadeira fênix.

Lentamente minha casca estava se deteriorando, cedendo às suas ávidas tentativas de me conquistar. Porra! Por que tão impetuoso e muitíssimo determinado? Dizia-me que eu era amável, doce e querida. Aos poucos, estava me fazendo acreditar. Os beijos se tornaram mais recorrentes e com muita mais paixão.

Saíamos a noite e víamos um filme no cinema, você sabia o quanto eu adorava isto. Você me escutava em meus monólogos sobre livros que você não conhecia. Gostava de me observar enquanto eu montava minhas mais absurdas teorias. Adorava me ver rir descontroladamente quando me contava alguma piada tosca. Amava meus mais particulares detalhes. Meus costumes, minhas crenças, mas você não pôde amar meus defeitos.

Do mesmo jeito que os outros não amaram.

Eu não podia ser amada. Devia ter abaixado a cabeça e aceitado, não devia ter te deixado se aproximar demais. Não somente por mim, mas por você também. Mas não ponderei, porque você entrou sem pedir e eu era egoísta demais para te afastar. Ou meu gelo e minha frieza não foram capazes de te fazerem partir no início, sendo assim, uma parcela de culpa também deve cair sobre você, querido, pois eu o avisei da imensidão do iceberg que você queria enfrentar.

Em seus dias mais apagados, apenas uma centelha era capaz de te ascender por completo. Apenas uma minusciosa demonstração de afeto vinda de mim era capaz de te incendiar. Porque você é assim. Ama sentir e sorrir. E quanto a mim, não é necessário mais detalhações do quanto sou amargurada.

Eu havia me permitido amar novamente! Você me transformou, me tirou do casulo que eu própria criei e fez-me sair como uma borboleta que ansiava por encontrar alegria. Eu estava aprendendo a amar novamente, uma criança em aprendizado. Meus sorrisos se tornavam cada vez mais frequentes.

No início. Claro. Monstros podem sim mudar, creio nisso avidamente. Mas não totalmente, ao que parecia, pelo menos eu, não.

Os resquícios do meu passado frio e egoísta começaram a se revelar. O medo ainda dominava certas partes de mim. E eu não podia controlá-las, porque eram dez mil vezes mais forte que eu.

Desculpe-me, por favor, agora sei que não foi culpa sua, nunca fora. Minha dor é minha condenação por ser eu mesma.

Eu não conseguia dizer que amava você. E, agora que você partira sem olhar para trás, eu sei o quanto o amo. E você não quis entender. Aos poucos, o desgaste do meu amor simplório te tornou infeliz. Eu estava te dando um pouco da minha amargura. Não era isso que eu queria para você.

Houve ciúme. Sempre há. Mesmo nos momentos mais insignificantes. Senti medo que você encontrasse alguém que pudesse te amar completamente, do jeito que eu não fora capaz de amar. Mas não há como você reclamar disso, em nenhum momento eu demonstrei meu ciúme. Pois em algum momento de minha vida, em meu passado doloroso, eu havia aprendido e esconder o ciúme também.

Era possível me amar nestas circunstâncias?

Você respondeu esta pergunta em uma manhã. Quando eu despertei. Pássaros cantavam e o dia estava bonito, como naquele em que nos conhecemos. A sala, vazia. A cozinha também, igualmente todos os cômodos. Havia uma parte de meu guarda roupa destinada a você, suas roupas, seu perfumes, e tudo mais que era seu ficava naquela pequena parte. Estava tão vazio quanto meu coração quando eu o vira pela primeira vez.

Seu cheiro não irradiava mais a casa, não havia nenhum chá feito por você para mim. Você sabia, era minha bebida favorita. Sua escova de dentes não estava mais no banheiro, assim como sua toalha de banho.

Nada. Nada mais seu havia restado para mim.

Doeu, como um chute no estômago, daqueles que te tiram o ar e te dão a prévia da morte. Uma lâmina havia atravessado meu coração novamente. Não o culpei, dessa vez, forcei-me a aceitar a realidade: era culpa minha.

Você havia partido, longe demais para que eu pudesse te encontrar. Mas ainda sim, posso senti-lo, porque nosso amor foi intenso, belo, e acima de tudo, verdadeiro.

Não tive nenhuma outra alternativa a não ser te ter apenas em minhas memórias. Você era meu rouxinol, seu canto eram suas palavras carinhosas, me puxavam para seu mundo colorido e cheio de vida, onde amar é êxtase. Pássaros voam, e eu te deixei voar. Porque eu era uma gaiola, minha prova de amor seria te ver partir para sempre. Não seria dizer eu te amo, como você desejava.

Por favor, aceite, é o máximo que eu consigo lhe oferecer, Eros.

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