Capítulo 6

-- Ian Mackenzie está aqui? -- pergunto assustada.

-- Sim, senhorita Missy.

-- E o que diabos ele faz aqui?

-- Como eu poderia saber, senhorita? Apenas sei que ele não vai arredar o pé até que não a veja. Por um momento ele pensou que não quisesse recebê-lo e logo disse que não sairia daqui até que lhe falasse.

     Me falasse o que? Veio pegar o dinheiro que me deu a mais, sem dúvidas. Não fora generosidade, fora um engano. Essa é a única explicação.

-- Onde ele está, Agnes?

-- Na biblioteca, senhorita.

     Sigo até lá, com um misto de ansiedade e medo. Ora, porque ele fez uma viagem dessas para buscar essas poucas moedas que me deu a mais, quando certamente aquilo nem lhe fará falta? Chego no cômodo que está com as portas abertas e o vejo ali, sentado confortavelmente no sofá, uma perna distraidamente dobrada sobre a outra e um livro repousado sobre ela. A luz do entardecer entra pelas janelas atrás dele, o banhando em dourado, destacando os reflexos vermelhos de seu cabelo castanho. Apesar de tudo, Ian Mackenzie é um belo homem, isso ninguém pode negar.

-- Perdoe-me tê-lo feito esperar, senhor.

     Entro na sala e ele para a leitura fechando o livro, em seguida se levanta para me cumprimentar e ao me ver, estanca, com uma expressão de assombro no rosto.

-- O que fizeram a você? -- ele pergunta, numa voz baixa e tensa.

     Imediatamente levo a mão ao ferimento no lado esquerdo de meu rosto. Depois de minha tarde preguiçosa eu havia esquecido completamente daquilo. Tento disfarçar virando levemente de lado para esconder a face machucada.

-- Não foi nada. -- minto.

     Ian não aceita aquilo e vem até mim, puxando minha mão para que possa ver meu rosto de perto.

-- Quem a atacou assim? -- ele insiste novamente soando… preocupado?

-- Um rato que não quis sair da minha casa quando eu o expulsei. -- respondo tentando esboçar um sorriso, mas sinto uma ardência nos olhos e me esforço para segurar as lágrimas.

      Por um momento ele não fala nada, apenas me olha detalhadamente, com uma expressão indignada e um pouco raivosa. Fico tão intimidada pela nossa proximidade, e envergonhada por tamanho escrutínio de seu olhar que me desvencilho de sua pegada e dou um passo para trás, colocando alguma distância entre nós.

-- Não fique chocado, senhor. Lhe asseguro que o rato saiu daqui em piores condições. Agora, diga-me por favor o motivo dessa visita. Eu imagino que tenha vindo buscar as moedas sobressalentes que me deu por engano aquele dia.

     Ian me olha confuso e leva algum tempo para responder.

-- Não, de forma alguma. Eu sabia exatamente quanto havia naquela bolsa.

-- Então…?

-- Eu vim perguntar o que eu poderia fazer para ajudá-la. -- ele diz, simplesmente.

     Agora é a minha fez de expressar confusão. Porque ele estaria me oferecendo ajuda?

     "Porque ele é bom e gentil, sua idiota!"

     Ah que ótimo, vou começar a falar sozinha novamente e bem agora na frente dele.

-- Eu não entendi muito bem, senhor.

-- Podemos nos sentar para que eu possa explicar?

     Sentamo-nos de frente um ao outro no sofá.

-- Senhorita, até mesmo um cego pode ver as dificuldades que vem enfrentando. Tenho estado atormentado desde que nos encontramos aquele dia no centro de comércio. Portanto quero ajudá-la. A melhor ideia que me veio à mente é reatar os laços de negócios entre nossas famílias, o que acha?

     O que eu acho? Se os Mackenzie voltassem a se relacionar conosco, sozinhos já consumiriam grande parte da colheita e o restante logo seria vendido, pois com eles ao nosso lado teríamos prestígio novamente.

-- Eu acho… acho que essa decisão cabe ao lorde Jamie Mackenzie, senhor. Foi ele que o enviou?

-- Não.

-- Ele sabe que está aqui me propondo isso?

-- Na verdade, ele não tem ideia. -- Ian responde, soando envergonhado.

-- Então porque está fazendo isso? Veio esfregar na minha cara uma doce ilusão que nunca vai se realizar? Sabe muito bem que lorde Mackenzie jamais voltará a fazer negócios conosco!

     Levanto-me e sigo até a janela, irritada por ter criado esperanças e por elas terem sido destruídas em questão de segundos. Ian se levanta também e vem até mim.

-- Ele prometeu nunca mais fazer negócios com seu pai, não com a senhorita! Nós podemos conversar com ele e…

-- O senhor mais do que ninguém sabe o que eles pensam de mim! Desde aquele maldito dia em que meu pai me obrigou a…

-- Ele a obrigou? -- Ian me interrompe, quase gritando -- Aquele desgraçado!

-- Isso foi há muito tempo e não importa mais. -- suspiro, derrotada -- Por favor, não me iluda. Eu prefiro preservar o pouco que resta da minha honra e evitar me humilhar perante seu irmão, já que sei que ele não vai voltar atrás em sua decisão, e está tudo bem pois o senhor e sua família não me devem nada.

    Ian parece irritado e tristonho, com aqueles olhos azuis me encarando frustados, como se eu o tivesse mandado para cama sem o jantar.

-- Tem certeza? Nós podemos tentar, eu falarei com ele a seu favor.

-- E tudo que conseguirá é uma intriga entre vocês. Essa é minha decisão.

     Ele apenas concorda com um aceno de cabeça, derrotado. Sinto o desapontamento dele.

-- Mas lhe sou muito grata por sequer pensar em me ajudar, senhor Ian. -- digo e seguro sua mão.

     Ele me devolve o aperto gentilmente e sorri. Passamos quase um minuto assim, até que percebo a intimidade que tomei para com ele e desfaço o contato, envergonhada. Sem jeito, Ian admira a vista por um momento antes de continuar a conversa.

-- Eu gostaria de lhe pedir um favor, senhorita. Logo escurecerá e eu não gostaria de passar metade da noite montado no lombo do cavalo, já que como bem sabe a viagem é um tanto longa e eu estou cansado. -- ele diz, sugestivamente.

-- É claro! É bem vindo para passar a noite aqui. Vou lhe mostrar seu quarto, venha comigo.

     Seguimos em silêncio até o segundo andar. Depois da morte de papai, quase todos os quartos foram inutilizados, apenas três ainda estavam adequados para uso: o meu, o de Agnes e um de visitas, que decidi deixar pronto caso acontecesse alguma eventualidade inesperada como essa. O quarto dele era o de fronte ao do meu falecido pai.

-- Aqui, senhor, fique a vontade. Vou pedir para que lhe preparem um banho imediatamente. Com licença.

-- Obrigado, senhorita Missy.

     Ian agradece com aquela voz grave e suave e entra em seus aposentos. Sigo apressadamente até a cozinha onde encontro Agnes e Madalena roendo as unhas de curiosidade.

-- Senhorita! O que aquele bonitão queria? -- a mais velha pergunta saltitante.

-- Madalena! O que é isso, olhe os modos! -- a repreendo, mas não contenho um pequeno sorriso.

     Ela franze as sobrancelhas e coloca as mãos na cintura.

-- Vai me dizer que aquele homem não é um pedaço de mal caminho? Senhorita! Ele é o mal caminho inteiro! -- ela diz e ri da própria piada.

     Sinto meu rosto esquentar pois sim, eu concordo com ela. Mas agora não é hora de fofocar.

-- O senhor pedaço de mal caminho vai passar a noite aqui. -- Madalena saltita ainda mais, essa velha assanhada -- Portanto, Agnes me ajude a preparar o banho dele e Madalena, mate uma galinha para o jantar.

-- É pra já, senhorita! Faz tanto tempo que não recebemos visitas! Tenho tanto a fazer, vou pedir para que Amy venha me ajudar!

     Madalena sai apressada, seguindo com seu monólogo sobre o que deve ser feito, indo certamente buscar Amy, um moleque de uns treze anos que é neto de senhor Jonas e o ajudante geral por aqui. Agnes e eu nos olhamos e rimos da empolgação dela, mas logo seguimos preparar os banhos, do visitante e o meu.

     Feito isso, é Agnes quem leva a água quente até Ian, e eu sigo até meu quarto, onde fico até a hora do bendito jantar.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top