Capítulo 28
Ao descer da carruagem estico minhas costas, tentando aliviar a dor e tensão ali acumuladas devido ao longo tempo sentada e sacolejando na viagem até a propriedade Mackenzie. Isso, somado ao enjôo que persiste em meu estômago desde os últimos quilômetros, fazem o meu humor mudar de feliz e empolgada, para cansada e irritada. E, claro, tal fato não passa despercebido.
-- Eu posso saber o motivo que lhe fez franzir as sobrancelhas, senhorita? -- Ian pergunta baixinho, enquanto caminhamos lentamente da carruagem até a entrada da casa principal.
-- Não sabia que o senhor estava vigiando minhas expressões.
-- Eu não diria vigiando. Está mais para… analisando, para saber se devo ou não tecer um comentário.
Lanço meus olhos para ele, afiados, e o vejo abrir ainda mais aquele sorriso cafajeste. Permaneço em silêncio aguardando seja lá qual for a bobagem que esteja prestes a sair de seus lábios.
-- Está mais linda do que nunca hoje, querida. -- ele diz, sussurrando em meu ouvido -- O prazer matinal lhe faz bem.
Não consigo evitar de corar com o comentário inapropriado dele, principalmente por ser verdade, pois essa manhã foi excepcionalmente agitada em meus lençóis. E também por estarmos a poucos passos de Jamie e Lizy que vieram nos receber.
-- Talvez eu deva te arrastar até minha cabana para te fazer gemer e, assim, apagar essa sua expressão emburrada.
-- Não estou emburrada, Mackenzie, estou cansada. Tão cansada que provavelmente precisarei de um cochilo. -- com um olhar de soslaio, vejo seus olhos brilharem em expectativa.
Percebo que Ian abre a boca para continuar com nossas provocações, mas é interrompido pela voz potente do irmão.
-- Sejam bem vindos! Pensei que chegariam ontem para passarmos mais tempo juntos. -- Jamie diz animado, e vejo seu olhar descer até as mãos de Ian ao redor de minha cintura.
Tento dar um passo para me afastar um pouco dele, porém Ian firma ainda mais sua pegada em mim, ele claramente não tem intenção de ser discreto, percebo.
-- Estamos muito ocupados, irmão, há muito trabalho a ser feito. Mas já estamos na reta final e, depois, poderemos passar uma temporada aqui com vocês, o que acha querida?
A naturalidade com que Ian teve a idéia, a forma como ele se sente parte da fazenda, me desconcertam. E pela primeira vez noto o quanto seria bom ter uma vida junto dele, e sou pega de surpresa ao assumir o tamanho de meu anseio por isso, a grandiosidade da esperança que me inunda ao vislumbrar um futuro juntos.
-- Seria expendido, sem dúvidas.
-- Ian! O que houve com seu olho? Meteu-se em briga, seu desmiolado?! -- Lizy exclama preocupada com ele, e depois me cumprimenta animada -- Missy, como é bom revê-la.
-- Ah, isso? -- ele aponta o ferimento como se não fosse nada -- Apenas um rato que não saiu de casa rápido o suficiente.
Sorrio ao reconhecer aquela frase, que foi dita por mim algum tempo atrás para explicar à ele meu ferimento que fora causado por Erik.
-- Bem, era um baita rato, sem dúvidas. -- Jamie aponta, desconfiado -- Mas enfim, vamos entrando, o almoço já está sendo servido.
Nos encaminhamos até a sala de refeições e lá encontramos Nita com o marido. Ao ver o filho ali, seu olhar se ilumina e ela parte para cima dele, num abraço vigoroso.
-- Ah, meu menino! Que saudade! -- diz entre beijos estalados e sorrisos -- Andou se metendo em confusão, não é? Seu moleque danado, quando vai aprender a se controlar, heim?
Seguro uma risada quando tapas substituem a recepção calorosa e isso faz com que a atenção de Nita se volte para mim.
-- E você menina? Aposto que está envolvida nisso!
-- Senhora, eu... -- tento começar uma explicação mas ela logo me interrompe.
-- Oh, não se preocupe em explicar, menina, Ian nunca precisou de muito incentivo para se meter numa briga. Apenas me diga se vocês dois já se acertaram, sim? Da última vez que os vi, estavam claramente se comendo com os olhos.
-- Já sim, Nita. Chegaram abraçados como dois pombinhos. -- Jamie diz enquanto se senta em seu lugar -- Depois de seu aniversário imagino que comemoraremos um casamento, o que acha disso?
-- Jamie! -- Lizy grita com o marido -- O que eu disse sobre ficar insinuando essas coisas? Missy não fica confortável com isso, veja só, a pobrezinha já está quase roxa.
-- Bem, ela vai ter que se acostumar quando entrar na família, não é? -- ele dá de ombros.
-- Não sabia que estavam tão entusiasmados assim em se livrar de mim. -- Ian zomba enquanto nos dirigimos aos nossos acentos -- Mas temo que estejam sendo precipitados, a senhorita aqui não tem demonstrado interesse em nada além do meu delicioso corpinho. -- diz excessivamente triste.
-- Ian! -- grito, sentindo as orelhas esquentarem de vergonha.
-- Ora, não se preocupe querida, todos aqui sabem que eu sou irresistível. -- ele pisca para mim, e por alguma razão isso me irrita.
-- Irresistível? Pelo que eu me lembre, foi você que começou a me perseguir!
-- Exato! -- assume e abre aquele sorriso cafajeste capaz de levantar vestidos -- E eu te conquistei, não foi?
-- Conquistou? -- pergunto ironicamente, deixando de lado a timidez que não tem espaço nessa família -- Ou apenas me seduziu? Há uma diferença, sabia?
Ele estreita os olhos para mim, incisivo, e nos encaramos por alguns segundos, ambos impassíveis em algum duelo que nem percebemos ter iniciado. Ao nosso redor o silêncio toma a mesa enquanto todos nos observam, fascinados.
-- Então, imagino que eu terei que descobrir o que diabos está acontecendo entre nós, não é? -- diz em voz grossa e seu olhar intenso me causa arrepios.
-- Boa sorte com isso, senhor Mackenzie. -- murmuro, dedicando minha atenção à refeição a minha frente.
"Isso está cada vez mais divertido", Lizy murmura consigo mesma e o marido concorda enquanto disfarça um sorriso e muda logo o assunto para temas menos constrangedores, o que agradeço silenciosamente. Porém os olhares de esguelha animados de Agnes não me escapam, assim como os de Ian, que estão cheios de determinação e carregam a promessa de me fazer engolir minhas palavras, dando-me a impressão de que o jogo da sedução que protagonizamos há algum tempo ficou para trás e, mesmo que ainda ontem eu tenha assumido que possuo sentimentos por ele, aparentemente isso não é suficiente para Ian Mackenzie, que parece decidido a conquistar de vez um lugar no meu coração.
Depois do almoço Ian e Jamie desapareceram para "resolver assuntos pendentes", segundo eles. Mas Annelizy e eu tínhamos plena consciência de que iriam apenas zanzar pela propriedade fofocando e alfinetando um ao outro. Então nós meninas nos dedicamos aos últimos preparativos para a festividade de hoje a noite. Enquanto Agnes e Sofí cuidaram das crianças, Nita supervisionou as comidas serem preparadas e eu acompanhei Annelizy a finalizar a montagem da tenda. Um grande tecido lilás estaria sobre nós essa noite em homenagem à aniversariante, já que aquela era sua cor favorita, e arranjos de flores brancas estavam sendo dispersos por todas as mesas. Mesmo enquanto conversávamos sobre variados assuntos, desde os avanços em minha fazenda, os filhos de Lizy e a festa que logo aconteceria, eu percebia claramente que a anfitriã estava se contendo para não me perguntar o que ela realmente desejava saber.
-- Annelizy, pergunte logo o que quer, sim?
-- Ah, finalmente! -- exclama erguendo os braços e, abandonando os trabalhos, puxa-me para um canto sob a sombra de uma árvore -- Achei que me faria torturá-la a tarde toda até que decidisse abrir o bico.
-- Então não precisava de ajuda com isso? -- pergunto apontando a movimentação dos empregados.
-- Claro que não! -- abana a mão, como se espantasse meu auxílio -- Todos já sabem o que fazer, eu só queria passar um tempo com você até que se sentisse confortável para desabafar.
-- E se isso não acontecesse? -- pergunto divertida, cruzando os braços.
-- Aí eu teria que tomar providências mais persuasivas. Agora me diga, como se sente sendo a mulher que fez o solteiro mais cobiçado deste lado da Escócia cair de quatro, heim? -- pede ansiosa.
-- Eu não colocaria nesses termos. -- desconverso.
Lizy revira os olhos e me puxa para que nos sentemo-nos no chão.
-- Então está cega. Ou melhor, se fingindo de cega para não ver que Ian está apaixonado por você. -- ela sorri ao ver meu arregalar de olhos -- Jura que não percebeu, Missy? De verdade?
-- Ele é tão galante e sedutor que muitas vezes eu não sei a verdade. Quero dizer, tenho absoluta certeza de que ele nutre sentimentos por mim, mas tenho dúvidas quanto à profundidade deles. -- assumo.
-- Ele está apenas tentando se proteger. Assim que estiver seguro quanto aos seus sentimentos ele irá se revelar. Entenda, essa é a primeira vez que ele está nessa situação. A questão aqui é a senhorita desvendar o que sente, ou então, apenas aceitar e assumir de uma vez. Ou, se for o caso, recusá-lo logo.
-- Por que tem que ser tão complicado?
-- E o que é complicado? Vocês dois são jovens, solteiros, e você está livre de seu maldoso pai. O que os impede?
-- O passado, Lizy. Há verdades que Ian ainda não sabe e, quando souber, poderá não mais querer um futuro comigo.
Pensativa, Lizy leva alguns minutos para me responder.
-- Eu já fui igual a você, Missy. Uma mulher presa ao passado, e incapaz de seguir em frente, e sabe como eu consegui o que tenho hoje?
-- Como?
-- Eu permiti que Jamie me ajudasse. Então eu aconselho que, seja contra o que você ainda tenha que lutar, aceite a ajuda de Ian e façam isso juntos.
Não há julgamentos ou reprimendas nela, apenas um olhar triste ao se reconhecer em mim: duas mulheres que sofreram nas mãos de homens cruéis. Isso de alguma forma nos aproxima, e sinto cada vez mais o laço de uma possível amizade se fortalecendo entre nós, e espero que ela sinta isso também.
-- Você tem razão, é claro. Farei isso assim que voltarmos para casa. -- decido, pois não quero acabar estragando a comemoração com as novidades que logo surpreenderão Ian.
-- Excelente! -- Lizy bate uma palma, feliz, se levanta e a acompanho rapidamente -- Você parece um pouco abatida, deveria tirar um cochilo pelo resto da tarde, o que acha?
-- Sim, preciso descansar ou as chances de que eu caia no caldeirão do ensopado serão gigantescas! -- ela ri de minha piada -- Até mais, senhora.
Ela se despede alegremente e sigo até a cabana de Ian no mesmo momento em que os gêmeos surgem vindo de dentro de casa, ambos nus balançando suas coisinhas alegremente ao sabor do vento. Lizy corre para pegá-los enquanto ri e grita com eles, e logo Agnes e Sofí aparecem para ajudá-la. Ao chegar ao meu destino ainda gargalhando com a cena que presenciei, retiro meu vestido e ao me encaminhar à cama para um descanso, paro em frente ao espelho, virando-me de lado.
-- Ah sim, já não era sem tempo, não é, bebê? -- aliso a suave curva que minha barriga está começando a formar, ainda imperceptível aos olhos quem não sabe de meu estado.
Com quase quatro meses de gravidez eu me perguntava quando a barriga começaria a crescer. Devido ao peso que perdi no início, apenas agora estava visível uma delicada curva e aquilo me encheu de súbita alegria, pois temia que pelas fortes emoções, a alimentação precária e uma ameaça de aborto meu bebê estivesse fraco e doente. Mas agora acariciando meu ventre que começa a se revelar, sinto a esperança me consumir e me aquecer.
-- Não se preocupe, bebê. Eu irei resolver tudo aqui fora o quanto antes. Pode crescer a vontade, não irei mais escondê-lo de ninguém.
Com um sorriso curvando meus lábios permito-me vislumbrar a alegria de um futuro auspicioso, e sigo até a grande cama onde adormeço abraçando protetora e carinhosamente minha barriga.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top