Capítulo 17
Terminada a refeição, finalmente, é a hora de falarmos de negócios. Não posso evitar de ficar apreensiva, temendo que o resultado dessa nova reunião seja catastrófico como foi ontem, mas tenho bons pressentimentos pois lorde Jamie foi cortês comigo, assim como sua senhora. Então agora estamos os cinco no escritório, Jamie, Lizy e a bebê Clarissa, Ian e eu.
Acomodei-me no sofá do aposento com Ian ao meu lado, Lizy se sentou na poltrona que havia à nossa frente, e Jamie ficou em pé com a filha nos braços, que estava acordada fazendo aqueles sons de bebê enquanto o pai sacudia uma pequenina boneca de pano para ela. Imagino que eles tenham optado por essa organização para deixar tudo mais leve para mim, o que agradeci internamente, relaxando um pouco pois eu sabia que lorde Jamie não gritaria igual ontem com a filha presente ali.
-- Bem, primeiramente eu gostaria de me desculpar novamente com a senhorita. Em minha necessidade de proteger minha família, fui terrivelmente cruel e injusto. Meu comportamento foi totalmente vergonhoso, eu me arrependo profundamente. -- Jamie diz, olhando-me com sincero pesar.
-- Isso são águas passados, o senhor tem o meu perdão.
-- Ótimo! Agora, antes de falarmos dos negócios em si eu preciso de sua mais pura honestidade, senhorita Kedard.
Ah, como eu não percebi que haveria um preço por Jamie mudar de ideia?
-- O que... o que gostaria de saber?
-- Queremos que nos conte sua história, senhorita. Ou pelo menos a parte de sua vida que envolva a nossa família. -- é Lizy quem me pede, com voz suave.
Apenas aceno afirmativamente, enquanto organizo as ideias. "Lizy sempre diz que o melhor caminho é a verdade", Ian me disse ontem. E, pelo jeito, isso é real. Na mais pura honestidade é a maneira que essa família funciona, mesmo que a verdade seja triste e brutal. E, ao ver a felicidade deles à mesa de jantar, sei que esse caminho funciona. Pelo canto da visão, vejo Ian se acomodar mais confortavelmente no sofá para ouvir minha história.
-- Como lorde Jamie bem sabe, desde que eu era criança meu pai desejava unir nossas famílias. Na verdade ele tomava aquilo como certo. Com o passar dos anos, e com a clara relutância do senhor, ele deixou de ser tão seletivo e abrangeu novos horizontes. Tentou me casar com cada rapaz da região que considerava um bom partido e…
-- Desculpe interrompê-la, senhorita, mas como é possível que nenhum desses homens tenha tomado a sua mão? É uma jovem de boa família e a segunda mais bela, pois a primeira é a minha esposa, claro. -- ele diz, sorrindo como um bobo apaixonado para ela.
-- Agora não é hora disso, Jamie. -- ela o repreende revirando os olhos, mas sorri também -- Continue, por favor, Missy.
-- Nenhum tomou minha mão, porque eu nunca os encorajava. Eu, obviamente, me fazia sedutora quando meu pai estava presente, e quando os pretendentes me abordavam a sós, eu dava um jeito de fazer com que perdessem o interesse em mim, o que claro deixava meu pai furioso. Mas essa minha tática durou anos, até que… algumas coisas mudaram.
Essa é a parte fácil da história, agora começa a ficar difícil para mim e, sei que para eles também ficará, me mexo no sofá desconfortável com a situação. Clarissa começa a resmungar no colo de Jamie e a mãe se levanta para acalmá-la, o que me dá um tempo para respirar.
-- Me dê ela aqui. -- Lizy se vira de costas por um momento e coloca a bebê em seu seio -- Essa menina me suga mais que os gêmeos juntos. Desculpe te atrapalhar de novo.
A senhora Mackenzie se acomoda novamente na poltrona enquanto a bebê mama vorazmente e Jamie se senta numa banqueta ao lado da mulher.
-- Que coisas mudaram, Missy? -- Ian me pergunta, para que eu retome meu discurso.
-- Bem… vocês. -- aponto o casal à minha frente.
-- Foi quando eu apareci. -- Lizy diz, surpresa -- Quando eu apareci ele começou à maltratá-la?
-- De forma alguma, senhora! Minha relação com aquele homem nunca foi boa. Ele sempre... -- suspiro, "diga a verdade, Missy" me encorajo -- Ele sempre foi agressivo comigo. Quando a senhora apareceu, ele percebeu que não havia abandonado completamente a ideia de juntar nossas famílias. Principalmente quando soube que vocês estavam tão próximos.
Tomo mais alguns segundos para organizar as ideias enquanto mexo nas saias do vestido, nervosa.
-- Mesmo antes de chegar o convite daquela festa ele já estava arquitetando um plano de fazer essa ambição acontecer. Quando o correio chegou com aquele maldito papel, ele recebeu de bandeja a chance que tanto procurava. Ele me obrigou a tentar seduzi-lo. Eu, claro, já havia ouvido falar da senhora e tentei me opor, mas…
-- Mas? -- é Jamie quem pergunta, inclinando-se para frente, completamente absorto pela história.
-- Ele disse que caso eu não o fizesse me faria voltar a pé ao final da festa, amarrada à traseira da carruagem, e que essa seria a parte menos dolorosa de meu castigo.
Vejo Ian fechar as mãos, contendo a raiva.
-- Que desgraçado! -- Lizy vocifera.
-- Vocês precisam saber que eu nunca tive interesse romântico no senhor, lorde Mackenzie, o senhor não faz o meu tipo, sabe? -- tento descontrair.
-- Fico feliz em ouvir isso. -- ele diz, com o semblante tenso.
-- Eu também. -- Ian concorda ao meu lado, ele se aproxima um pouco e me faz um carinho nas costas, me passando forças, e sussurra -- Continue, querida.
-- Mas vocês também precisam entender que eu estava tão desesperada... -- suspiro, segurando algumas lágrimas que começam a me queimar os olhos -- Tão, mas tão desesperada para me livrar dele, sair daquela maldita casa, daquela vida, que eu aceitaria me casar com qualquer um. Então, eu fiz o que ele mandou. Me desculpem por isso.
Por fim, as lágrimas me escapam, e logo Ian me passa um lenço que carregava em seu bolso.
-- Agora eu finalmente entendo que não foi sua culpa, senhorita Kedard. -- Jamie diz, me perdoando depois de tantos anos -- Mas, os planos de seu pai deram terrivelmente errado, o que ele fez depois?
-- Naquela noite enquanto saíamos, ele parou para conversar com um de seus empregados, e eu os ouvi conspirando contra a senhora sua esposa, mas não pude ouvir toda a conversa então não sei o que fizeram.
-- Edmund Kedard que enviou Sullivan para delatar Lizy ao Cachorro Louco! Aquele... Se ainda estivesse vivo, eu o mataria agora mesmo. -- Jamie agora se levanta e anda pelo escritório, furioso.
-- Se o meu castigo foi esse por atrapalhar os planos dele, qual foi o seu, senhorita? -- Lizy me pergunta, apreensiva.
Não respondo, apenas sinto mais lágrimas subindo aos meus olhos.
-- Por favor, Missy. É importante que nos diga e então todos deixaremos essa história para trás, enterrada junto de seu malvado pai. -- ela pede.
-- Ele... ele me açoitou.
Os três respiram profundamente com o impacto de minha revelação. Vejo os olhos de Lizy também se encherem de lágrimas, enquanto as minhas descem livremente por meu rosto.
-- Por favor, não... não me peçam para ver as marcas, isso é horrível demais... -- peço desesperada.
Ian me puxa para si, apertando-me em seu abraço, o que eu aceito agradecidamente.
-- Ninguém vai pedir isso a você, querida. -- ele me garante, fazendo carinho em meus cabelos para me acalmar.
Levo alguns minutos para cessar meu choro e, quando me recupero me separo de Ian e vejo todos me olhando com um misto de compaixão e tristeza, e apesar de meu receio de fazer pública as humilhações que sofri nas mãos de meu pai, sinto-me aliviada por eles saberem, finalmente, a verdade.
-- Eu… não sei nem o que dizer, senhorita. -- Jamie assume, em voz baixa.
-- Não é necessário que diga nada, senhor.
-- Como não? A situação em que se encontra agora foi por culpa minha, sua ruína começou quando desfiz os negócios com seu pai e… -- ele para e olha para a bebê nos braços de sua esposa -- pelos deuses como ele foi capaz de açoitar a própria filha?
-- Tudo se complicou a partir dali, mas não foi culpa do senhor em absoluto. Meu pai já bebia há alguns anos, e não mais dava importância à fazenda. O senhor sabe disso pois, já naquela época, a qualidade dos produtos estava inferior. Então, não se culpe, a nossa falência era iminente e aconteceria mais cedo ou mais tarde.
-- Como foi… como foi a convivência depois disso tudo, Missy? -- Lizy pergunta, secando os olhos.
-- Foi um inferno, como podem imaginar. Mas… agora eu gostaria de finalizar esse assunto, por favor. -- peço, abalada.
-- Claro, claro. -- Jamie concorda -- Ian, porque não me acompanha até a cozinha para buscar uma água para as damas?
Ian concorda e sai com o irmão, não antes de me fazer um suave carinho na bochecha. Annelizy se levanta de onde está e se senta ao meu lado, trazendo junto de si a pequena bebê que abandonou o seio da mãe e agora dorme o doce sono dos anjos inocentes.
-- Eu gostaria que as coisas tivessem sido diferentes na sua vida. -- ela aperta minha mão -- Muito obrigada por se abrir conosco.
-- Eu deveria ter feito isso antes, senhora. Mas a vergonha de tudo que aconteceu…
-- Não tem que se envergonhar. Tem que se orgulhar da mulher forte e guerreira que você é. Você está aqui, ainda lutando, e seu asqueroso pai está sete palmos abaixo da terra. -- ela sorri. -- Você venceu, Missy. Está livre dele, agora é uma mulher independente e pode fazer o que quiser da sua vida. E eu… gostaria que recomessássemos nessa sua nova fase, agora como amigas, que tal?
-- Eu adoraria. -- digo, e uma lágrima me escorre novamente, mas agora de felicidade.
-- E talvez como cunhadas em breve, não é? -- ela pisca para mim, rindo.
-- Ah, não comece com isso, por favor. -- não aguento e dou risada junto dela.
Logo os homens retornam com a água fresca.
-- Agora sim, é hora de falarmos de negócios. -- Jamie diz, animado.
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