Capítulo 13

Ian
 

 
    
     Jamie estava acomodado na poltrona atrás de sua grande mesa de carvalho, com postura tensa, mantendo uma expressão emburrada e contrariada. Lizy estava de pé às suas costas observando a vista de fora pela janela, sem Clary nos braços, a bebê provavelmente devia estar com minha mãe.

     Entramos e ambos nos encaram, o que faz Missy estancar seus passos.

-- Lorde Mackenzie. Senhora Mackenzie. -- ela faz uma leve reverência.

-- Sente-se, senhorita Kedard. -- Lizy diz polidamente.

     Coloco uma mão ao final das costas de Missy e faço uma pequena pressão, a incentivando a seguir em frente, o que ela logo faz sentando-se em seguida na cadeira à frente da mesa e eu, mantendo minha promessa, sento-me ao seu lado. Aguardo que a conversa seja iniciada, mas o anfitrião não parece propenso a isso. Dou uma tossida chamativa e estreio os olhos para Jamie que prontamente entende meu sinal.

-- Tudo bem, Ian, tudo bem. Hã... receba minhas condolências pela morte de seu pai, senhorita Kedard e, por favor, diga-me o motivo de sua inesperada visita. -- Jamie diz.

-- Agradeço senhor, a morte inesperada de meu pai foi desastrosa e me deixou numa situação delicada, sendo este o motivo da minha presença aqui. Vim para pedir que o senhor considere retomar a relação de negócios com a minha fazenda.

-- Entendo. A minha resposta é não, senhorita, passar bem. -- ele diz, decidido.

-- Jamie… -- Lizy e eu tentamos intervir.

-- Não, não vocês dois. Ambos parecem ter se esquecido do que aconteceu, aqui mesmo nesse lugar, mas farei agora questão de lembrá-los. O comportamento de Missy Kedard foi, para dizer o mínino, desonroso. E, caso houvesse importunado apenas a mim já teria sido perdoado. Mas a senhorita ofendeu a minha esposa e quase a agrediu.

-- Jamie, já chega! -- peço, notando o quanto Missy empalidecia a cada palavra que ele proferia. 

-- Não, você a trouxe até aqui então irão me ouvir. A senhorita pode me dizer que seu pai a obrigou, mas pouco me importa pois isso não anula de forma alguma sua parcela de culpa e…

-- Jamie, pare. -- Lizy pede ao marido, constrangida.

-- … e eu sinto muito que meu irmão tenha lhe dado esperança de que eu pudesse ajudá-la, mas isso não vai acontecer.

     Um silêncio perturbador toma conta do lugar enquanto as palavras duras de Jamie assentam sobre cada um de nós. Então, Missy finalmente sai de seu torpor.

-- Eu… eu agradeço que tenham ao menos me recebido. Tenham uma boa noite. -- ela diz e sai, apressada.

     Observo paralisado por um momento.

-- Qual é o seu problema, porra? -- pergunto a Jamie, contendo a minha súbita vontade de lhe dar um violento soco na fuça.

     Levanto-me e sigo até Missy, que desatou em uma corrida furiosa e a alcanço longe, já nos estábulos, e a puxo pelo braço tentando fazer com que pare.

-- Espere um momento! Missy, me escute. Vamos deixar com que Jamie se acalme, conversaremos com ele novamente pela manhã e tenho certeza…

-- Está maluco se acha que vou aceitar passar por isso novamente.

     Ela puxa o braço violentamente de meu aperto e retoma sua corrida desenfreada. Sigo ao seu encalço e, quando chegamos à minha cabana, Missy para abruptamente e se apoia no batente da porta de entrada.

-- Senhorita?

-- Eu estou bem… eu só…

     Missy desaba bem na minha frente e com agilidade eu a seguro antes que caia ao chão. Com um chute abro a porta e sigo a passos apressados até meu quarto, onde a deposito cuidadosamente na cama. A movimentação chamou a atenção de Agnes, que logo aparece e se assusta com a situação que encontra sua patroa.

-- Agnes, há um vidro de sais medicinais na primeira gaveta da cômoda -- ela se apressa a pegá-lo  e tento acordá-la com isso -- Missy, acorde, por favor.

     Tento leves batidinhas em seu rosto, porém ela permanece inconsciente.

-- Precisamos soltar o espartilho dela. Está impedindo que retome o fôlego. -- Agnes informa.

     Delicadamente viro Missy de lado e com dedos ágeis Agnes abre seu vestido e logo o aperto do espartilho é liberto. A jovem dama logo toma uma respiração profunda e retoma parte da consciência.

-- Ei, como sente? -- pergunto preocupado.

-- Bem… estou bem só preciso… de um minuto… um breve descanso. -- ela responde entre respirações profundas.

     Dou-lhe um beijo na testa, aliviado por vê-la acordada.

-- Está tudo bem, querida. -- digo emocionado -- Agnes, pegue água para a senhorita e fiquem aqui até que eu retorne.

     Saio furioso, seguindo novamente até a casa principal, onde encontro Jamie ainda no escritório, sentado no sofá na companhia de uma Annelizy irritada. Entro no cômodo num rompante.

-- Perdeu o pouco bom senso que possuía, Jamie?

-- Ian, esse assunto está encerrado! -- ele devolve.

-- Encerrado? Você pelo menos tem a mínima noção do que acabou de fazer? Missy está em minha casa,  desacordada e pálida feito um fantasma. Éramos sua última esperança, Jamie! Eu conhecia alguns de seus defeitos, mas ainda não havia visto esse seu lado rancoroso.

-- Oh, pelos deuses, ela está bem? -- é Lizy quem pergunta.

-- Está terrivelmente abalada pelo que aconteceu, mas creio que ficará bem. Ela é uma guerreira e não sucumbirá perante suas humilhações, irmão. E eu exijo um médico aqui, imediatamente! -- peço já perdendo o controle.

-- Ela que se recupere longe de minha casa. Quero que parta agora mesmo! -- Jamie informa.

-- Missy está em minha casa, Jamie, e lá ficará até que eu decida o contrário, ouviu bem?

-- Você é um tolo que está cego pelas ilusões dessa garota!

-- Quem não enxerga bem aqui é você! Está tão cego pelo preconceito que tem arraigado dentro de si que não é capaz de ver o que está diante de seus olhos! -- grito sem poder me conter -- Annelizy, por favor!

     Recorro à minha cunhada ao notar sua expressão de apreensão.

-- Já chega vocês dois! -- ela berra -- Jamie, você está sendo pior do que criança birrenta! Está sendo pior que os gêmeos!Tudo aquilo aconteceu há quatro anos, pelos deuses, as pessoas mudam. E você Ian, poderia ter nos informado de suas intenções de ajudar essa moça, talvez assim tudo tivesse sido menos traumático para todos. Agora, Ian e eu vamos atender senhorita Kedard e você -- Lizy aponta o marido -- vai buscar o médico.

     Sem mais palavras, Lizy e eu nos dirigimos até minha casa. Eu lhe agradeço pelo apoio no caminho, e ela se desculpa pelo comportamento nem um pouco gentil de seu marido. Ao chegarmos, nos dirigimos ao meu quarto e de lá ouvimos vozes, podemos ouvir claramente a conversa de Missy e Agnes pelo vão da porta que está entreaberta. Lizy cessa seus passos e me puxa, e que os deuses nos perdoem, começamos a bisbilhotar a conversa pessoal delas.

-- … e eu ainda acho, senhorita, que deveria dizer logo toda a verdade. -- Agnes diz.

-- De nada adiantaria. Lorde Mackenzie tem uma opinião forte e já completamente formada à meu respeito, Agnes.

-- Uma opinião completamente equivocada, isso sim. Creio que se soubesse da história toda ele a ajudaria.

-- Não, não, você não entende. Ele apenas diria que estou inventando tudo, num estratagema para que tenha pena de mim. -- ela solta uma risada triste e sarcástica --  Quem acreditaria que lorde Kedard ameaçou a filha, dizendo que caso não seduzisse Jamie Mackenzie, voltaria a pé para casa seguindo a carruagem, com uma boa surra a esperando chegar? A resposta é ninguém, Agnes!

     Percebo Lizy levar a mão aos lábios, numa tentativa de conter o suspiro de surpresa que deixou escapar. E eu… eu sinto meu coração falhar uma batida com essa confissão, num misto de raiva, tristeza e compaixão.

-- Mas, senhorita! Nesse caso seria apenas necessário que lhes mostrasse suas marcas. Eu mesma a encontrei naquele chão coberta de seu próprio sangue, eu mesma a costurei pedaço a pedaço. Essa família e todos nessa cidade precisam saber de uma vez quem é o vilão nessa história, e quem é a verdadeira vítima!

      Perco o fôlego e sinto a bile me subir à garganta. Marcas? Pedaço à pedaço? O que aquele monstro fez à própria filha, meus deuses? Vejo, pelo canto do olho, Annelizy estremecer.

-- Eu nunca permitirei que saibam o que aquele desgraçado fez a min, Agnes. -- percebo atravéz de sua voz que Missy está chorando -- Eu fui humilhada minha vida toda sem reclamar. Eu aceitei cada castigo e surra sempre, sempre Agnes, ninguém nunca percebeu porque ele só me batia onde não deixaria marcas visíveis. E depois da morte de meu pai, aceitei a reputação que ele mesmo criou para mim: uma mulher fútil, interesseira, de caráter duvidoso. Agora que me livrei de meu algoz, não me submeterei à qualquer tipo de humilhação novamente. Mas, já chega, eis o que faremos: vamos colher o que conseguirmos daqueles grãos, e depois venderemos a propriedade.

-- Senhorita Missy…  -- Agnes começa.

-- Não, está decidido! Vamos embora, minha amiga. Vamos mudar de cidade, ou de país, não me importa. Mas ficaremos juntas longe dessa terra amaldiçoada, numa vida nova e cheia de possibilidades.

     Com um zumbido no ouvido, ouço Agnes aceitar a proposta da amiga. Estou paralisado diante de tantas revelações. Eu imaginava que Missy houvesse tido uma vida difícil, mas aquilo… ela fora mutilada pelo próprio pai, os deuses sabem de que forma. Pelo canto do olho, vejo a expressão horrorizada de Lizy.

-- Oh, Jamie, o que você fez? -- ela sussurra para si mesma e sai apressada.

--  Espere! Não me deixe aqui, eu não sei o que fazer. -- assumo.

-- Faça companhia a ela, Ian, e não permita que vá embora, o que ela certamente vai querer fazer agora. Eu voltarei logo.

-- Mas onde vai?

-- Colocar um pouco de juízo na cabeça daquele brutamontes teimoso!
    

    
    

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top