CAPÍTULO III

"Pode ser que um dia nos afastemos...
Mas, se formos amigos de verdade,
A amizade nos reaproximará."

(A. Einstein)


A menina à minha frente tem a face corada e molhada pelo choro frenético. Estou há horas tentando decidir o que dizer, mas nada parece ser bom o suficiente. Estamos trancadas no meu quarto e eu até estranhei sua visita inusitada, depois de semanas sem sequer olhar na minha direção. Jéssica está sentada na minha cama, contorcendo a fronha da minha almofada, e eu estou distante, de braços cruzados.

— Eu já não sei mais o que fazer, amiga.

— Eu não sei o que você espera que eu diga, ou faça — digo, recebendo um olhar incrédulo.

— Eu vim aqui desabafar com você e é assim que sou tratada? O Eduardo não quer mais saber de mim e eu descobri algumas coisas que... Bem, não importa muito agora. Eu estou sofrendo, Rita, e achei que minha melhor amiga teria um pouco de empatia.

Fico descrente com sua falta de senso. Quem é ela para falar sobre empatia? Na vez de ser minha amiga, ela pouco se importou. Agora vem com essa para cima de mim? Eu não tenho nada contra a Jessie, mas ainda carrego mágoas por tudo que ela me fez passar.

Esse tempo que passamos afastadas, eu tentei me aproximar, juro que sim, mas ela simplesmente me ignorou e disse que eu estava com dor de cotovelo. Eu, com dor de cotovelo por um carinha como Eduardo? Deus foi tão bom que me livrou de um ser desse tipo. Ela me encara com expectativa, e, eu respiro fundo, para raciocinar bem e dizer o que preciso.

— Jessie, você não acha muita cara de pau vir aqui, depois de semanas me ignorando, e ainda esperar que eu seja receptiva?

— Eu achei que fosse minha amiga.

— Eu também achei a mesma coisa, Jessie, e o que você me fez?

— Por que não esquece essa bobagem e tenta me ajudar?

— Por que quando se trata dos meus sentimentos, eu tenho que deixar para lá? Tudo se trata sobre você e eu tenho que ser sua amiga para todas as horas, mas quando trata-se de mim, sou deixada de escanteio. Isso por acaso é amizade?

Um sentimento de leveza me faz sentir como uma pluma. Eu, finalmente, estou me impondo. Quero muito que ela me entenda, pois eu realmente tenho muito apreço por ela. Não posso continuar nessa relação onde só eu tenho que ceder, dar o ombro, e ouvir lamentos por horas. Eu quero reciprocidade. Chega de abaixar a cabeça e ser submissa a tudo e a todos. Ela me olha com assombro, pelo o que acabei de falar.

— Você sabe que lida melhor com as coisas do que eu. Nada te afeta, e eu fico admirada com isso. Achei que não precisava de mim.

— Meu Deus, Jéssica, você tem que pensar em alguém além de si - digo, aproximando-me dela. — Só porque eu sei esconder bem as coisas, não quer dizer que eu não precise de você. Quantas vezes eu tentei me abrir com você, e quantas vezes você parou para me ouvir?

— Eu nunca dei importância, porque pensei que seria algo fútil ou sem muito sentido.

Olho-a descrente. Quando foi que eu passei essa imagem para ela? Meu Deus, isso é bem pior que eu pensei. Ela realmente não se importa!

— Jéssica, você por acaso se ouve? Você acha que eu chegar e dizer para você o medo e a insegurança de perder minha mãe para um câncer é futilidade? Eu só queria um pouco de conforto ou apenas um abraço, mas você não se importa!

Ela me encara e percebo o quanto está arrependida de tudo. Ficamos nos encarando por um tempo, ela é a primeira a quebrar a conexão.

— Rita, me desculpa, você tem toda razão — disse, levantando-se — Eu sou uma péssima amiga e você estará certa se nunca mais quiser olhar na minha cara.

— Eu estou chateada, Jessie. Pode demorar um pouco até que eu volte a ser como antes com você. Não é por causa do Eduardo, ele não me importa, mas é pelo que você fez. Deixou-me fazer papel de trouxa, sabendo de tudo desde o início.

— Eu não disse nada por medo. Eu vi você tão afoita com tudo isso, tive medo de te ver sofrer.

— Eu não sou de cristal, Jessie. Sabe que eu aguento tudo, principalmente sendo verdade. Eu detesto mentira e você sabe disso.

Seco as lágrimas e sento-me na cama, ela me acompanha. Ficamos alguns minutos em silêncio, até que sua voz reverberou pelo cômodo.

— Me desculpa, Rita, de verdade! Eu não tenho sido uma boa amiga, mas se você me aceitar de volta, serei melhor daqui para frente.

Olho-a e seus olhos brilhantes e suplicantes me deixa numa situação não muito agradável. Eu quero tê-la por perto, mas será preciso impor limites, e eu espero que ela aceite de bom grado.

— Tudo bem... — digo, vendo-a soltar um gritinho —, mas precisará conquistar minha confiança e... e... nada de mentiras a partir de hoje. Nem quero que me esconda nada.

— Eu darei o meu melhor, Rita. Obrigada por me aceitar de volta na sua vida — disse, abraçando-me de lado. — Eu senti sua falta.

— Eu também, Jessie — digo, apoiando a cabeça na sua.

Ficamos um bom tempo assim e, de repente, Jéssica pula como se tivesse lembrado de algo, me assustando no processo. Nossas cabeças se chocam uma contra a outra, emitimos gemidos de dor, e muitas gargalhadas.

— Que cabeça dura, Rita.

— A sua também não é muito macia.

Ela me encara, massageando o local atingido, e vejo a malícia passar pelos seus olhos.

Deus, me ajude!

Sei que virá muitas e muitas perguntas e já até sei quem será incluído na conversa.

— Eu vi você e Renan cheio de intimidades... Vocês estão ficando, sua cachorra?

— Fala baixo, garota! Nós dois somos apenas amigos.

— Rita, pelo amor, amiga você é minha. Ele não tem cara de amigo, não.

— Você está viajando — digo, desviando o olhar. — Ele não quer nada comigo.

— Que mentira descarada, Rita! — exasperou-se.— O olhar dele diz tudo, menos isso.

— Tá bom... tá bom... Ele gosta sim de mim e já até me deu um beijinho.

Ela grita histericamente e corri para ver se não tinha ninguém no corredor, principalmente meu pai. Suspirei em alívio quando não vi ninguém. Tranquei a porta e voltei para Jéssica, vendo-a dançar como uma louca. Empurrei-a na cama, ela caiu sobre o colchão, gargalhando.

— Jéssica, se controla.

— Eu não acredito que minha amiga perdeu o BV dela — gritou.

Pulei sobre ela, tampando sua boca, e recebi uma lambida na minha mão. Olho-a, surpresa pelo que fez, e retiro a mão, com nojo, esfregando-a em seu rosto.

— Você é muito porca, que nojo — digo, levantando-me.

— Só espero que não tenha coçado a bunda.

— Eu cocei outra coisa, amiga — digo, ela arregala os olhos, corre até a janela e cospe.

Ela vira para mim com uma cara hilária, e não me aguento de tanto rir.

— Santo Cristo, você é muito nojenta.

— Você que lambeu minha mão, igual uma cachorrinha — digo, fazendo-a mostrar a língua.

— Mas...sério que ele te beijou?

— Foi só um encostar de lábios, amiga— respondi, ela solta um muxoxo e volta a sentar-se do meu lado. — Eu quero conhecê-lo primeiro, sabe?

— Eu entendo, mas vocês são tão bonitinhos juntos — disse, gesticulando um beijo com as mãos. — Você vai deixar rolar, não é?

— Eu não sei..., mas...eu gosto tanto dele, Jessie — confessei.— Estou assustada por me sentir assim em tão pouco tempo de convívio com ele. Cada vez que eu descubro algo sobre ele, sinto-me ainda mais atraída.

— Oh meu Deus, você está apaixonada — Ela coloca a mão dramaticamente no peito, fingindo emoção. — Mas você já se sentiu assim antes, não?

— Nunca — digo, suspiro e deito na cama. — Sempre trocamos mensagens e ele sempre tão direto, mas eu tenho medo de me precipitar.

— Mas é melhor tentar e não dar certo, do que ficar se martirizando, imaginando como seria. Sei que está com medo, mas pode contar comigo.

— Você acha que eu deveria....

— Rita, já era para ter feito isso.

— Eu vou mandar mensagem para ele e.... — minha voz sumiu, assim que tenho o celular arrancado de minhas mãos. Encaro-a sem entender, e ela arqueia a sobrancelha, como se fosse óbvio.

— Você não vai dizer isso por mensagem, não é?

— Qual o problema?

— Pelo amor de Deus, Rita — respondeu, revirando os olhos. — Isso não é coisa de se dizer por mensagem. Ele mora poucos minutos da sua casa.

— Está propondo que eu vá...

Não termino minha frase, negando veemente com a cabeça. Se eu sair de casa meu pai vai saber para onde vou e o que vou fazer. Só de pensar na fofocada que irão fazer ao meu respeito sinto perder o chão.

— Você vai sim, Rita — disse, mas continuei negando — Se arruma, com seus pais eu me arranjo.

— Eu não posso. Eu não... Meu Deus, isso é loucura.

— Você está doida para ir que eu sei — alegou.— Confia em mim, Rita.

Sou tomada por uma coragem jamais sentida e, cara, isso era libertador. Eu nem acredito que vou mentir para encontrar um garoto às escondidas. Pensar demais sobre isso já faz a desistência bater com força. Eu odeio ter que mentir, por isso terei que conversar com minha mãe, e, certamente, meu pai.

Olhei para Jessie, que diz tudo sem nem precisar abrir a boca, e mordo os lábios nervosamente, mas concordo. Ela deixa o quarto e ainda fiquei alguns minutos parada, pensando sobre tudo isso. Meu coração parecia querer sair pela boca e sentia que poderia desmaiar a qualquer momento. Antes de procurar uma roupa, peguei meu celular, enviando uma rápida mensagem para Renan. Ele responde rapidamente, e, agora sim, acho que vou desmaiar.

Que Deus me ajude!


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