CAPÍTULO I
"O encontro de duas personalidades assemelha-se ao contato de duas substâncias químicas: se alguma reação ocorre, ambos sofrem uma transformação."
(Carl Jung)
Hoje é dia de culto e nunca estive tão ansiosa para ir à igreja como estou hoje. Tem sido diferente desde que comecei a me sentir atraída por Eduardo, o baterista. Ele é muito esquisito e quando contei para Letícia e Jéssica sobre minha mais nova paixonite, elas riram da minha cara. Qual o problema de eu gostar de um garoto que parece ter um parafuso a menos? Nenhum. Na verdade, estou me sentindo elétrica pois parece que ele também sente o mesmo por mim e isso é a melhor coisa que já me aconteceu. Ele me disse que queria falar comigo hoje, por isso a ansiedade não me deixa um segundo.
— Rita, você já está aí um tempão — Ruth, minha irmã, resmunga do outro lado da porta assustando-me — Está se arrumando toda para quem?
— Para ninguém, oras. Será que uma adolescente não pode ficar bonita para si própria?
— Você acha que me engana Rita? - Ela questiona, risonha, fazendo-me revirar os olhos — Deixa só o meu pai...
—Você não vai falar nada, Ruth — digo, abrindo a porta abruptamente, e a vejo sorrindo.
— Só assim para sair desse banheiro - Ela entra e empurra-me para fora — Ah, a Jéssica está na sala te esperando.
Vejo a porta fechada na minha frente e sinto o meu rosto quente. Será que está tão óbvio assim que eu estou gostando de alguém? E eu achando que era boa em esconder as coisas. Respiro fundo e sigo até a sala, onde encontro um Jéssica histérica conversando com meus pais. Quer dizer, meu pai está no comércio, então é os ouvidos da minha mãe que estão sendo alugados. Sua expressão de entediada diverte-me profundamente e posso ver o alívio em seu rosto assim que seus olhos encontraram os meus.
— Olha, a Rita finalmente saiu do banheiro — Ela diz e Jéssica olha-me e corre na minha direção.
— Você demorou muito, vaca. Estava se arrumando para o... — Sua voz morreu assim que lhe belisquei, fazendo-a gritar. Ela olha-me sem entender e apontei a cabeça sutilmente para minha mãe e meu pai, que se interessou pela conversa, já que está na porta do comércio de braços cruzados.
— Para quem ela está se arrumando, Jéssica? — perguntou meu pai, fazendo-a virar em sua direção e sorriu sem graça.
— Para o nosso Senhor Jesus Cristo — respondeu, e dou-me um tapa mentalmente. Que resposta é essa? Parece que meu pai também não se satisfez com o que foi dito, seu rosto começando a ficar avermelhado.
— Deixa as meninas irem, Oswaldo.
Minha mãe interferiu e eu pude respirar aliviada, mas logo volto a postura tensa assim que ela me dirige um olhar. Eu sei, vamos ter que conversar mais tarde.
— Até mais, tia Cátia — despediu-se Jéssica, mandando um beijo para ela.
Puxei-a em direção a saída e, assim que estamos na rua, viro-me para ela, que levanta as mãos, rendida.
— Muito obrigada, Jéssica.
— Eu não tive culpa.
— Claro que não.
— Olha, me desculpa. Quando eu percebi, já tinha aberto a boca.
— Sem problemas... vamos?
— Sim, e nem precisaremos passar lá em casa.
— Ótimo.
Seguimos caminhando até a igreja, e durante o trajeto aproveitamos para colocar o papo em dia. Quem vê de fora pensa que não nos vemos há dias, mas fazem apenas algumas horas. Ela e Letícia, sua prima, são as minhas melhores amigas na igreja. Minha mãe diz que eu devo tomar cuidado com minhas amizades e que nem tudo é o que pensamos, mas eu sei que tudo que ela diz é apenas cuidado e medo de eu me magoar com alguma das duas.
— Você acha que o Eduardo gosta de você?
— Eu acho que sim.
— Eu acho que você não deveria colocar tanta expectativa assim — disse de modo estranho, e lhe dirijo um olhar confuso..
— O que quer dizer com isso?
— Nada — desviou o olhar — Só não quero te ver magoada.
— Eu não vou me magoar por causa dele, faz-me o favor.
— Se você diz, então tá bom.
Continuamos o trajeto até o local, mas diferente de antes, cada uma encontrava-se perdida em seus pensamentos. Será que Jéssica sabia de alguma coisa? Ela é minha melhor amiga, não seria capaz de esconder-me as coisas.
Entrei na igreja tão atordoada que nem cumprimentei o porteiro. Enquanto Jéssica seguiu para dentro do templo, fui em direção aos banheiros. De cabeça baixa e com minha bíblia embaixo do meu braço, acabei esbarrando em alguém no fim do corredor. A trombada me fez deixar a Bíblia cair e espalhar meus diversos papéis. Abaixei-me apressada, catando tudo e colocando novamente dentro da bíblia. Prestes a pegar o último papel, dedos tocam os meus e sinto um choque percorrer por todo o meu corpo.
Levantei meu olhar e vejo um lindo sorriso. Sinto meu rosto esquentar e nos levantamos ao mesmo tempo, sem quebrarmos o contato visual ou largarmos o papel. Seus olhos escuros, sua pele morena, e aquele maldito sorriso, deixou-me desconcertada. Finalmente larguei o papel e, abaixei a cabeça, pronta para me afastar, mas sua voz me fez parar e levantar o olhar para o seu.
Nossa, ele é bem alto, ou seria eu baixa demais?
— Ei, eu estou falando com você — disse risonho, e percebo que divaguei por muito tempo.
— Me desculpa.
— Eu que peço desculpas. Quase te atropelei e ainda derrubei a sua bíblia no chão.
— Estava com a cabeça no mundo da lua, como sempre, e não te vi. Eu preciso ir agora — digo, afastando-me, indo em direção ao banheiro.
Quem era esse cara?
Eu até esqueci de perguntar o nome dele. Ao entrar no banheiro, molho o meu rosto, a fim de esfriar um pouco a situação em que ele se encontra. Olho-me no espelho e, assim que eu saio, quase morro de susto.
— Você esqueceu isso. — Ele disse, entregando-me os papéis que ele tinha catado juntamente comigo. Estendi a mão, envergonhada, pegando-os, sentindo novamente aquela sensação esquisita.
— Obrigada. Aliás, qual seu nome?
— Oh, me desculpe —pediu, e o vejo corar levemente — Sou Renan e sou novo aqui. Estou morando com minha avó.
— Eu sou a Rita — digo, estendo a mão, que é aceita. Seu toque é quente e, seu aperto, firme.
Ele sorriu amigavelmente, seus olhos percorrendo todo o meu rosto, e sinto-o corar novamente. Quando deixaria de ser essa garota tímida? Isso chega a ser irritante.
— Prazer em te conhecer, Rita.
Seus olhos brilharam ao pronunciar meu nome. Ele sendo deslizado pelos seus lábios bonitos e convidativos, me fazem ter pensamentos inapropriados para o local. Soltei nossas mãos, sem graça, fazendo-o enterrá-las nos bolsos da frente da calça jeans que usa.
Percorrendo meu olhar pelo seu corpo, vejo que a roupa que usa lhe cai super bem, mostrando beleza nos lugares certos. A calça demarcando suas pernas com coxas grossas. Os poucos músculos de seus braços deixa-me tonta. Seus lábios sustentam um sorriso sacana, e sua barba de corte perfeito me faz soltar um suspiro.
— Eu...— minha voz sumiu, conforme a vergonha aumentou, mas levantei o queixo por mais que meu rosto estivesse em chamas. — Eu vou entrar agora, Renan.
Dei-lhe as costas sem nem esperar uma resposta sua. Entrei no templo com o coração aos pulos e rosto em chamas. Ajoelho-me ao lado de minha amiga, no grupo dos jovens, tentando regularizar minha respiração. Jéssica pausa sua oração e me olha com estranheza, mas desvio o olhar e fecho os olhos. Se ela me perguntar qualquer coisa, minha voz me entregará, e não quero ter que conversar isso com ela.
Não aqui, nem agora.
— Depois você vai ter que me contar tudo. — Ela sussurrou em meu ouvido e apenas acenei com a cabeça.
Nas minhas orações, peço pela minha família, meus amigos, e por Eduardo. Eu sei. Quem, em sã consciência, ora a Deus para que um cara goste de você? Isso é errado, eu sei, mas é bem mais forte que eu. Quero tanto que ele goste de mim que chega a ser ridículo. Eu deveria investir todo o meu tempo nos meus estudos, isso sim.
O pastor começa a entoar um louvor da harpa, e sei que é o momento de levantar para dar início ao culto. Assim que me sentei, meus olhos são atraídos, como um imã, para o exato local em que Renan está, ganhando um sorriso seu. Desviei o olhar rapidamente, dando atenção a quem merece nesse momento: Deus.
Louvamos, oramos, e o cultuamos de uma forma tão íntima, que me sentia flutuar. Vez ou outra me sentia incomodada. Sabia que estava sendo observada, mas não dei a mínima.
Assim que o culto terminou, me reuni com meus amigos na frente ao templo. Estávamos conversando e rindo, quando vejo Eduardo se aproximar com aquele sorriso bobo dele. Sinto-me um pouco afobada, mas não tanto quanto eu gostaria de estar, e isso me causa estranheza.
— E aí, pessoal? — Ele nos cumprimentou, colocando os braços sobre os meus ombros. Viro-me para ele, que sorri, mas continuo empacada. — Será que podemos conversar?
— Claro — digo, finalmente tomando o controle do meu corpo, e nos afastamos do grupo, que emite sons maliciosos.
Para que inimigos com amigos assim?
— Eu gosto muito de você, Rita — revelou, e, com um sorriso, escorei-me no muro. —Você é uma garota fantástica, mas tenho que confessar algo.
O sorriso se desfez do meu rosto, e sinto a adrenalina no corpo aumentar.
Deus, ele não pode dizer o que eu estou pensando.
Ele se coloca ao meu lado, fazendo-me virar o rosto para si, e espero que ele diga alguma coisa. Seus olhos desviam dos meus, e já sinto um peso no meu coração.
— Eu sei que você é a melhor amiga da Jessica... Eu estou tentando chegar nela há um tempão, mas ela nunca me deu credibilidade. Sempre me chama de idiota e faz pouco caso de mim. Então, eu me aproximei de você para tentar ficar mais tempo com ela e, quem sabe, conseguir o que eu queria.
— Então, todo esse tempo você estava me usando para chegar na minha amiga?
— Sim — respondeu sem titubear, e sinto minha garganta arder. — Eu sei que fiz errado, que não deveria ter feito isso, mas eu já estava desesperado.
— E aí me viu com cara de idiota e começou a andar comigo — ironizei.— Meu Deus, como não percebi isso antes?
— Me desculpa, Rita — pediu. — Você é uma ótima amiga. Eu já estou em desespero, com medo de te perder.
— Ela sabia?— perguntei, e ele me encarou confuso. — Jéssica sabia do seu interesse por ela?
— Sim. Eu achei que ela tivesse contado para você.
— Ela não contou — digo, olhando na direção do grupo, e a vejo nos encarar com preocupação. — O que quer que eu faça?
— Pode nos ajudar a marcar um dia e local para ficarmos?
— Olha, eu não... — minha voz sumiu assim que fui esmagada por um abraço.
— Rita, você é a melhor — Ele disse com empolgação, me abraçando, e demoro um pouco, mas retribuí, desanimada, e logo ele se afastou.
Eu deveria ganhar um troféu... Um, não, vários. Premiada como a otária do ano.
O que mais me doía era saber que Jéssica sabia disso tudo e me fez pagar de besta. Agora entendia o que minha mãe queria dizer. Deveria ter dado ouvidos para ela. Baixei a cabeça, para ele não visse a tristeza em meus olhos, mas a levantei rapidamente, assim que ouvi uma voz.
— Tudo bem por aqui?— ele quer saber.
— Sim, cara. Quero que conheça...
Eduardo é interrompido pela risada de Renan. Ele olha de mim para ele, confuso.
— Eu já a conheço, Eduardo — explicou, me olhando com intensidade. Desviei o olhar e encontrei Eduardo satisfeito.
— Então, quer dizer que conheceu o meu primo e não me disse nada?
Sua voz estava carregada de divertimento, e, me afastei, assustada. Olhei de um para o outro, tentando encontrar semelhanças, mas não via nada.
Eles deveriam ser parecidos, não?
Percebo olhares de estranheza e me dou conta de estar praticamente entrando na parede sobre minhas costas. Sorri sem graça, batendo a poeira da bunda, com meus movimentos sendo observados, e passo entre eles sem dizer nada.
— Aonde vai? —perguntou Eduardo, andando ao meu lado com rapidez, já que praticamente estou correndo. Ele segura meu braço, fazendo-me parar e olhar para seus dedos, antes de o encarar.
— Eu acho melhor você me soltar... A não ser que queira ter os dedos quebrados — adverti.
Ele tira a mão de mim e as levanta em rendição, assustado.
— O que houve?
— Nada — respondi, voltando a caminhar com ele no meu encalço.
Respiro fundo, para não dar na cara dele, e passamos por uma Jéssica assustada. Não lhe dou a mínima, virando na esquina da rua. Eduardo parou de me seguir, gritando:
— Aonde vai?
— Para casa, não é óbvio? — repliquei, sem nem mesmo olhar para trás.
Foi uma surpresa saber que Renan e Eduardo são primos, mas minha reação é pela falta de noção de Eduardo.
Como ele pode fazer isso comigo?
Eu o odeio.
Odeio Jéssica.
Eu saí de casa tão animada, pensando que ele finalmente iria dizer algo para mim.
Deus, como sou idiota!
E Jéssica com aquele papo? Mil vezes burra, isso que eu sou.
Enquanto caminho resmungando, noto olhares dirigidos a mim, mas pouco me importo. No meio de toda essa loucura, me lembro dos sorrisos de Renan. Dou-me um tapa, antes de falar em alto e bom som:
— Xô, capeta!
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