SORTE
Desde a noite em Londres, onde Petros fora atacado por algum tipo de criatura (contarei isso mais pra frente, não se apressem) - e onde tudo sobrenatural começou -, eu não sentia um medo tão grande. O medo da perda. Vendo ele alí, jogado no chão, com dores e apagado, eu me sinto impotente, sem poder fazer nada pelo meu amor. Me sinto preso, de mãos atadas presenciar ele definhar aos poucos por causa dessa transformação horrível.
O ajudo a ir ao banheiro quando ele enfim acorda, lá o abraço e coloco meu medo pra fora; coisa que eu detesto fazer porque isso afeta por demais meu grandão.
São seis horas e sol está se pondo. Logo a lua surgirá e com ela os meus temores. Quantas vezes eu fingi estar preparado, mas nunca de fato estava? Sempre um arrepio atroz dominava toda a minha coluna, fazendo meu estômago se revirar por completo e me deixando nauseado. Mas eu deveria transparecer determinação e coragem.
"Se você não fosse tão forte, amor, se essa transformação te afetasse mais do que a mim, eu fugiria para longe. Jamais iria querer estar do teu lado e te fazer sofrer por mim. Sofrer é aceitável, agora ver a pessoa que eu amo sofrer é dor duplicada. Seria demais para mim" disse Petros aos choros quando a noite de lua se foi junto com a fera. Eu deveria mostrar ser forte, ou meu amor me deixaria; o altruísmo dele faria-o partir. Para o meu bem. Só que eu era egoísta demais para isso, seria o melhor para ambos, pois se ele chegasse a me machucar feio, sentiria uma culpa que talvez o faria cometer um atentado à própria vida. Às vezes eu me sentia mais monstro do que ele, afinal o melhor para os dois seria a distância. Porém eu não ligava para mim, porque algo dentro de mim dizia que eu deveria ficar com meu lobo até onde desse, ajudando sempre ele. Estando sempre do seu lado. E eu me manteria ao seu lado e não seria fera nenhuma que iria fazer eu desistir do meu namorado.
"Sabe o que nos mantém ainda juntos?" perguntei certa vez, numa noite qualquer.
"Nosso amor?" respondeu Petros indagando se era de fato essa a resposta.
"Não. A minha sorte." disse eu sorrindo.
E de fato era.
Se o sobrenatural exitia de fato, com crendices e supertições que faria um cético revirar os olhos em órbita, tais como a força que a lua exerce sobre a terra, ou de feras mitológicas altamente voláteis com suas fraquezas vistas apenas em filmes, a minha sorte se provava ser algo nada natural. Meus pais sempre diziam que eu sempre fui sortudo na infância; se atrasar para pegar o ônibus da escola, mas não perdê-los, pois o mesmo não quis ligar e ficou parado com o motorista girando a chave na ignição diversas vezes, pegando somente quando eu estava subindo a bordo; sempre sentar do lado da janela na sala de aula e em uma manhã tempestuosa a árvore ao lado cair sobre a escola justamente onde eu costumava sentar - e se eu não tivesse levantado segundos antes para pegar a borracha que havia caído no chão e sumido, pois borrachas tem essa façanha de irem a Nárnia quando caem no piso da sala, e o que me fez procurá-la por 2 minutos, Lucas seria uma papa carnuda abaixo do pesado tronco da árvore. Isso foi só uma premissa, pois depois da noite em Londres minha sorte passou a cuidar da minha vida e transformação após transformação a mesma me livrou várias vezes de uma morte dolorosa.
Como da vez na casa em Hortus, Petros ficou solto dentro de casa e veio pra cima da mim, quando as correntes falharam de novo, me agarrou com sua garra prensando meu corpo na parede e sua língua lambeu todo o meu rosto com sua língua de fera, e se não fosse me relógio cor de prata no pulso (o que fez ele se afastar em agonia quando pousou os olhos) eu estaria morto agora. Isso sempre se repetia, a sorte me livrando da morte. Eu a enfrentando sempre, querendo transparecer força e coragem, mas no último segundo reconhecendo ser uma farsa. Nunca estou preparado para aquilo, porém preciso estar inabalável pro meu Petrôs - mesmo que a noite seja escura, a lua clara e a fera esteja sanguinária.
Hoje talvez não será diferente e isso me destrói, pois tudo aqui é imprevisível. Nada planejado sai como esperado.
Enrolo ele numa toalha, desço até a cozinha e faço um café rápido. Quando volto, Petros está na parede onde fica o suporte de aço com as correntes as quais comprei mais cedo. Ele treme, não de frio... a transformação viera mais cedo.
Geralmente ela sempre vem depois das 11 da noite ou pela madrugada. Eu costumo descer pra sala, fico assistindo tv e do andar de cima eu ouço os tintilar das correntes, quando elas falhavam, ouvia−se sempre alguma coisa se quebrando (móveis, janelas, portas). Os vizinhos ouviam sempre algo, mas por nossa casa ficar há uma distância considerável das demais casas, tanto a da esquerda/direita/e a de fronte, eu sempre dizia que era alguma briga, pois Petros tinha um gênio dos infernos e com isso sempre descontava em algum objeto. Eles engoliam bem essa desculpa e, por todos alí terem seus pequenos grandes escândalos no cônjuge, ninguém questionava nada; mas sempre surgia uma conversinha alí e aqui as quais eu encarava sem interesse nenhuma, porém gostava de ouví-las para saber se não passava de boatos sobre a briga do casal gay ou algo mais alarmante.
O povo se contentava com a fofoca básica - menina, eles brigaram feio, ouvi dizer que o grandão quebrou o quarto deles/ não, foi o menor... Lucas né? Pois é, parece que o maior e gostoso traiu ele/ eu ouvi dizer que eles estão se divorciando e o Lucas quer tomar o bar do grandão/ outro dia vi a janela do quarto deles quebrada, passeava pelo bosque e com o binoculo eu vi de longe/ que fogo eles têm heim/ depois de quebrar tudo devem se matar na cama... com paixão/ esses casais gays são uma loucura/ eu queria ter nascido homem e gay... parecem ter mais paixão que os heteros (risos)/ e eles formam um casal lindo, não acham? (todas concordam)/ e aquele ruivo alto, meu Deus, que homem/ concordo, é do tipo que tem tudo grande (mais risos).
Laura, uma amiga divorciada ouvia todas essas fofocas contadas por a costumeira roda de mulheres donas de casa e me passava tudo. Não que ela soubesse de algo sobre o meu lobisomem, pelo menos não ainda.
Petros: Tá na hora, amor.
Eu vou até ele e dou um pouco de café: Tá tão cedo.
Petros: Lembra das vezes que aconteceu no meio do dia? Sorte que estávamos longe da cidade e você parou na floresta pra me soltar.
Lembro daquele dia com um misto de divertimento e pavor. Eu trazia ele do bar e o mesmo se queixava sobre algo estar muito errado. Dirigindo, eu pedia para ele ter calma, mas o mesmo começou a convulsionar no banco de trás e do nada explodiu dando lugar ao monstro. A estrada estava vazia, o sol escaldante e senti uma garra cortar o ar ao meu lado. Depois metal foi arranhado soltando faíscas e a porta do lado direito voou longe quando a fera deu um chute. Eu joguei o carro pro lado em total pavor e descrença e entrei com ele na margem da floresta, numa campina onde as árvores eram afastadas e organizadas. Apertei o botão do porta-malas e esse abriu. O carro sacolejava forte enquanto o mostro se sacudia como se enlouquecida. Saí do carro e quando ia contornando ele, a outra porta foi chutada e arremessada longe, passando por centímetros de mim. E então a fera focou seus olhos nos meus e avançou até mim. Só que o cinto de segurança lhe ficou enroscado na pata dianteira o que impediu seu avanço. Eu corri até o porta malas, entrei nele e fechei. Era o local mais seguro - pelo menos foi o que me ocorreu rapidamente. O carro sacolejou mais, senti ele ser arrastado pois a fera não conseguia soltar sua perna e com força bruta puxou o cinto. Depois tudo se acalmou. Fiquei alí por uns 2 minutos e nada mais aconteceu. Com a chave em mãos abri o porta malas e não havia nada a não ser o vento entre as árvores. De noite, em modo automático, Petros apareceu nu no quintal de casa.
Alguém podia ter saído ferido, alguém podia ter visto Petros, alguma coisa ruim poderia ter acontecido naquele dia. Por sorte não houve vítimas, não houve nada de grave. Sorte.
- Fiquei tão preocupado. A lua e sua fase exata cheia é uma desgracinha.
Ele ri: Tô menos descontrolado, meio que consigo ter um pouco de ciência quando tô na forma de lobo. É como quando você está deveras bêbado e age 70% por efeito do álcool 30% por sobriedade. É estranho, mas parece quase um avanço.
Eu: Você sempre tem ciência. Afinal, sempre volta pra casa, não é?
Seus olhos estão cada vez mais amarelados, as presas parecem que crescem a cada minuto e seu cabelo antes ruivo, está escurecendo e ficando castanho alourado.
- Vai lá pra baixo, amor - pede ele baixinho. Sinto algo em sua voz, a dor contida.
Rápido, eu passo a grossa e extensa corrente em torno de sua cintura e tórax, e prendo−a no suporte na parede.
Petros olha pra mim: Cadê meu beijo?
Eu o beijo e ele treme... me afasto e ele fecha os olhos. Deve doer, dever ser ruim. Deve ser descontrolador. Mas com sorte, eu conseguiria resolver tudo. Tudo dependia de um plano que eu vinha bolando, e se desse certo, com sorte, teríamos uma nova saída para tudo aquilo.
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