PRATA
— Mas são firmes? — pergunto pegando as correntes de elos fortes e prateados para então puxá-las com as duas mãos em direções contrárias. O vendedor me olha de forma a questionar minha sanidade.
— Err... Claro. Você pretende prender o quê? Um urso?
Eu rio: Algo nesse nível. Vou levar, quero 10 metros dela e um cadeado. Não precisa ser de prata, mas da cor prateada. — o atendente franze o cenho e vai atrás do cadeado. Não sabemos ainda, mas algumas teorias a respeito de lobisomens são fatos. A prata é um deles, mas a cor e não o metal. Pelo menos com Petros é assim. Ele fica enjoado quando ver algo prateado de mais, como se estivesse em um navio, e isso diminui sua violência quando este é o monstro. Tenho uma teoria de que no momento da transformação a visão dele fica em preto e branco (como ele diz nas poucas vezes que teve controle o suficiente para lembrar de alguns eventos) e a prata, por ser algo que ele vê de fato como é, cause algum transtormo em sua vista o que resulta em um desgaste e enjoo momentâneos. Não sou tão versado em óptica, mas deve ser algo nesse caminho.
Depois de tudo comprado, vou até o bar, que se chama Café-bar. É um local agradável com uma fachada rustica onde as paredes são talhadas de forma horizontal em ripas de ypê. Há uma janela bem americanizada onde se tem uma boa vista da rua pra quem está dentro bebericando seu café ou algo mais forte. Dentro, com o piso em lajotas pretas, se tem um ar de garagem-rock, e os quadros com LP's de bandas famosas intensifica isso.
Há o famoso prisma de Pink Floyd a o inusitado bebê em uma piscina atrás de uma nota de dólar do Nirvana. Olho o relógio e vejo que é antes do horário combinado de encontro com ele, mas eu quero fazer uma surpresa e levar uns hambúrguer's mal-passados para ele, seria legal e daria certo dar um susto agradável nele se o dito cujo não sentisse meu cheiro há um quilômetro de distância — arrio os braços e suspiro forte. Estacionado, travo o carro e atravesso a rua em passos leves e tranquilos. Em uma das ripas de madeira do bar vejo um coração talhado e as iniciais L & P. Foi quando a gente fez seis meses de namoro, antes de toda aquela complicação. Tudo era tão simples... e eu pensando que a intolerância com os gays fosse o principal obstáculo na nossa vida amorosa. As calçadas estão vazias e vejo um planfeto desbotado no chão embaixo de uma pedra coberta de musgo. O pego e sinto um arrepio na espinha, o coração acelera e eu tento manter a calma. Guardo o papel no meu bolso e vou em direção ao meu destino.
Entro no bar e vejo uma mesa quebrada ao meio e Petrôs limpando alguns cacos de vidro pelo chão.
— Hey, o que aconteceu? — pergunto preocupado (Não por Petros, mas pelo o que ele fizera). Petros se vira e pelo seu semblante percebo que o mesmo está com raiva.
— Teu coração acelerou agora a pouco — diz ele taciturno, sem parar de limpar. — Você tá bem?
Eu dou de ombro já sem me impressionar com os sentidos dele de superman, com o passar do tempo você se acostuma com todas as bizarrices.
— Não desfoque o assunto — digo em reprienda e me agacho até ele. — Você não...
— Um palerma veio arrumar confusão e coloquei ele pra dormir, depois acordei-o e o coloquei pra fora — diz encarando a bagunça e continuando a juntar os cacos.
— Você se descontrolou? — pergunto aos cochichos e me aproximando mais.
— Não né. Só não fiquei parado — fala ríspido.
— Oi, Gus. — cumprimento o barman amigo nosso. Um sujeito de barba dos dois lados da bochecha e um alargador medonho na orelha esquerda. Ele vem com um balde o qual ajuda Petros colocar os cacos de vidro.
— Fala, Lu. Teu marido é meio bizarro hein. — Diz ele levando o balde com os cacos até atrás do balcão.
— Ele "acha" que viu o babaca me cortar no braço — diz Petrôs para mim em tom de falso deboche. Olho preocupado pra ele e tento rir em descontração.
— Sério, Gus? — pego a mãos de Petros e avalio o braço. — Mas não tem corte aqui.
— É por isso mesmo que é bizarro. — Diz Gus se virando e indo para a porta dos fundos. Não há ninguém no lugar e então eu falo pra Petros em tom urgente.
— Você tem que tomar cuidado. Foi cortado?
— Esse sangue aqui, essa poça quero dizer, é meu. — Diz ele apontando para onde limpa disfarçadamente um local com uma leve mancha. — Pegou numa artéria.
Sussurro: Tá ficando complicado, amor. Já nos mudamos 6 vezes nesses 4 anos. E aqui é o melhor lugar por ter um bosque onde há uma fauna diversificada, além do mais é seu lar de infância. E há lobos aqui. Uma boa desculpa sem levantar suspeitas em noites como as de hoje caso o descontrole seja... — deixo a voz morrer ao lembrar do panfleto que eu havia acabado de pegar no chão. Petros se levanta e eu o imito.
— Eu sei, baixinho — fala ele e fica e se aproxima mais. Nada de mal pode acontecer... não nada que supere essas esquisitices minhas.
— Precisamos ser cuidadosos. Sei lá, sei que não estamos em um filme, mas vai que existe uns caça-lobisomens por aí. Ou organizações secretas que fazem experiência com monstros. E se você existe, digo, sua fera, o que impede de haver mais e mais em qualquer outro lugar?
— Sou uma mutação genética... um animal me mordeu naquela noite de Natal... um animal que comeu algo químico, não me olha assim. Você sabe que esses rios estão cheios de produtos químicos e até radiotivos. Essa teoria é válida. Fui mordido por um animal doente e não por outro lobisomem.
— Petros, aquele homem que vimos no bosque, pedindo ajuda... Ele fugia de algo igual a você. E se existe mais de você por aí? — tremo em pensar.
— Ainda sim acho que ele poderia estar fugindo de animais altamentes radioativos — diz ele rindo e eu reviro os olhos.
— Não desmereça meu raciocínio — digo zangado.
— Desculpa, mas ainda não sabemos de nada, certo. E estamos longe de onde isso tudo aconteceu. Londres ficou para trás.
— Trouxe uns hambúrgueres pra você.
Petrôs ri: Eu senti o cheiro, mas não consigo comer nada.
— Quer ajuda? — pergunto olhando a mesa quebrada.
— Quê? Eu resolvo isso rápido. Vai pra casa e me espera — ele se aproxima e eu fico na ponta dos pés para ganhar um selinho. Vejo sua presa discreta e rio.
— Vou te esperar. Hoje é sua folga.
Gus entra e fala: Folguinha do patrão hoje. Engraçado que é só em noites de lua cheia.
Eu: Semana passada não era lua cheia, oh Sr. Teoria.
Gus: Tô brincando — ele ri e liga a tv para ver o esporte.
Eu: Tô indo. Te espero em casa. Não demore.
Petros se inclina um pouco para baixo e cola sua boca na minha novamente.
Antes de sair dou um tchau para Gus e vou para meu carro. Temos que tomar cuidado, não podemos nos mudar... não agora que eu estava amando minha nova morada. Mas a última, há 8 meses atrás, era amada por mim também. Até a noite das duas mortes sem explicação. Dois corpos aos pedaços achados próximos há um rio. Tiveram um trabalho tremendo para identificar e o pior, um deles era de um garotinho de 6 anos, que muito mais tarde fora se descobrir que saíra com o pai para pescar a luz do luar.
Olho pro banco de trás e vejo as correntes. Dou partida e vou para casa. Pego o planfeto e olho a foto de um homem de meia idade, barba rala e careca, rindo divertido para a foto.
Desaparecido
*foto*
Recompensa para qualquer informação que leve a esse homem. Ligue para a polícia ou para o número abaixo.
Guardo o panfleto, e sei que esse homem era o mesmo que o noticiário da cidade passou semanas noticiando seu desaparecimento para depois desistir. Há dois meses atrás, numa noite de lua cheia ele sumiu, e nunca mais voltaria. Ligo o carro e me dirijo para casa determinado, pois eu tinha que por meu plano em prática caso as correntes falhassem, para que ninguém mais sumisse.
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