PALMAS
Klaus vai atirar em mim, pelo seu olhar sanguinário sei que vai. Ouço o careca rir, esse deve ser tão sádico quanto o amigo e depois de tudo pode até querer se aproveitar do meu cadáver de uma forma nauseante. Não há limite para pessoas como eles. Vão meter uma bala na cabeça da fera, vão matar nós dois. É o fim.
Mas algo estranho acontece. Alguma coisa voa acima da gente e se choca com uma árvore em um baque enjoativo, depois cai no chão num som surdo. Não conseguimos ver o que é, mas logo o careca foca a luz no local onde o objeto caíra; olho com dificuldade pois minha vista está turva, mas por fim consigo focar a visão. É Oliver. Seu corpo está errado, pelo impacto na árvore parece que tudo saiu do lugar, tornando ele um saco de ossos, carne e tripas.
— Que porra é essa?!! — exclama o careca.
Estranhamente a dor do meu corpo se esvai dando espaço à ansiedade, eu sei o que é, eu sei o resultado — eles vão morrer. Me viro e olho para o careca e pra Klaus: Vocês estão fodidos — falo e eles não compreendem.
O careca pega seu rifle e solta sua lanterna, Klaus o imita e os dois miram na direção de onde viera o corpo de Oliver, da clareira. Mas no alto das árvores os galhos balançam, em todas as direções, como se muitas coisas estivesse se balançando neles, ou uma só indo de um a um em uma velocidade incompreensível.
— Quem está aí? — grita Klaus.
Uma brisa rápida passa por mim, não vejo pois é rápido de mais, porém sinto as folhas de moverem. Ouvimos um som de algum animal perto, parece correr de um lado a outro, desorientado os caçadores que agora sentem medo. Tento me sentar e meu cóxis grita em dor, exclamo e volto a deitar. Ouço um tiro, outro, mas sei que não vão pegar meu namorado. Com um esforço atroz eu me sento e levanto ao mesmo tempo, o corpo inteiro pulsando em dor. Pego minha lanterna e foco nos dois asquerosos. E então, com um piscar de olhos, uma massa peluda e grande fica atrás do careca. Klaus a vê e solta um berro, atira mas a bala atinge o ombro do seu amigo que grita. É rápido quando um punho surge do peito do careca, como se um alien estivesse nascendo. Os olhos desses se arregalam e ele cospe sangue. Com o golpe, pedaços de suas vísceras voam pelo chão e sinto algumas gostas de sangue atingir meu rosto. O punho se torna braço, e vai adentrando o homem lentamente para que o mesmo seja suspenso uns centímetros do chão. Suas pernas balançam freneticamente e seus olhos começam a girar em órbita, sua boca é um O horripilante.
Depois o seu braço direito, da parte do ombro, cai ao chão, é confuso porém depois de 2 segundos compreendo que as garras da fera cortaram o cara como se ele fosse manteiga. Sangue cai como cascata, Klaus apavorado atira uma, duas, mas sua balas atingem o corpo do seu colega. Então a fera curva seu focinho em horizontal, de lado, e encaixa sua enorme boca nos dois lados da cabeça do careca, os dentes se fechando em volta de cada orelha. O focinho se fecha e o que era cabeça se torna uma papa incerta, com duas bolas brancas saltadas para frente e presas por fios de carne. A fera joga seu focinho para trás e arranca a cabeça amassada deixando a mesma voar longe. Não é como nos filmes onde explode sangue do lugar onde antes tinha tal membro, mas ele escorre em abundância. Então o outro braço da fera entra pela barriga do careca empurrando assim suas tripas de cores esbranquiçada e vejo o corpo do sujeito ser partido ao meio lentamente a medida que os braços poderosos do bicho vão se abrindo indo em direção opostas. O corpo fica aberto ao meio da cabeça à virilha, cai no chão e ainda solta uns espasmos rápidos.
Klaus olha tudo horrorizado.
— Não, o quê... Não! — diz quando vê que o monstro agora lhe fita, os olhos amarelos lampejantes.
A fera olha pra mim e eu digo.
— Pega ele.
Pisco e a massa enorme de pelos some. Uma brisa passa por mim e algumas folhas ao chão se deslocam. Klaus e eu ficamos desorientados, ele olhando pra todos os lados em pavor, já eu estranhando. E aí um medonho uivo enche a floresta, cesando rapidamente. Ouvimos ranger de dentes, coisas — que sei ser as garras — arranhando as árvores. Pego a lanterna do careca no chão e ao me curvar solto uma exclamação de dor que me deixa tonto. Não sei por quanto tempo mais vou suportar.
Klaus mira a sua por todos os lados, procurando o que ele duvida ter visto. Eu posso me pôr em seu lugar, a incompreensão dos fatos, a não aceitação de que alguém fora morto na sua frente, quebrado à metade. Ele está apavorado, porém descrente e sei que ele sente uma coisa pior; a morte. Você ter certeza que vai morrer e tão pior quanto, e em meio a tanta confusão pode apostar que o mesmo sabe disso... Ele vai morrer. Pelo o quê o dito cujo jamais vai saber. Como uma bala, algo passa por trás dele e o mesmo se assusta soltando um grito. Saca da cintura uma faca e gopeia o ar. De costas para mim ele sente novamente passando por ele, corta o ar novamente. O lobo é tão veloz que não consigo vê-lo indo e vindo, perturbando Klaus antes de abatê-lo.
A presa foca a lanterna em mim, o rosto apavorado. Atrás de si a fera surge, colada ao seu corpo. Absurdamente os braços de Klaus não estão mais em seu tronco, estão abertos e soltos, foram puxados para cada lado. A lanterna cai junto com a faca e o rosto de Klaus é pura dor. Sua face está vermelha, ele não grita, o grito está preso na garganta, mas os olhos estão esbugalhados, a pele arroxeado e da boca sai uma baba avermelhada. Os braços da fera envolvem o corpo sem braços de Klaus, como se o abraçasse carinhosa por trás. Suas duas garras cravam a carne do sujeito, as da direita param na altura do peito e as da esquerda na barriga. Elas são pressionadas e logo em seguida puxadas para cada lado, rasgando suas roupas de caça.
Ao fazer isso também a barriga de Klaus é aberta em várias fendas horizontais, assim como o peito onde parte do tórax é puxado para o lado, os ossos pendendo para um lado. O cara é rasgado e solta um grito que é abafado pelo sangue que jorra em sua boca. A fera o arranha uma, duas, três vezes até que todas as tripas de Klaus caiam ao chão. Ela o solta, levanta as mãos seus dedos se envolvem criando um só punho, que desce com uma força magnânima e atinge no alto da cabeça de Klaus. Imaginem uma latinha de refrigerante, vazia, em pé. Você a pisa para amassá-la. Agora imagine o corpo aberto e sem braços de Klaus, em pé, como a latinha e a fera o atingindo. A cabeça afundou junto com todo o corpo até a cintura. O corpo ficou irreconhecível. Parecia um monstro de terror, e o pior, parecia ainda está vivo. Aí a fera ergueu sua pata com a finalidade de pisar no corpo e o fez.
Corpo amassado com sucesso.
Ao ver toda aquela bizarrice eu não sabia o que sentir. Vi 3 caras sendo mortos em intervalos de segundos. Vi tripas. Sangue. Ossos. Olhos saltando do crânio. Coisas pretas indistintas saindo do seus corpos junto com as vísceras. Porém, não senti desejo de vomitar ou de virar o rosto e não ver o sofrimento deles. De Klaus principalmente. Não. Estranhamente me senti bem vendo eles pagarem... Menos Oliver que parecia não ter merecido tal destino. Só que agora seu corpo era uma massa confusa no chão, totalmente sem vida.
A fera vem até mim com as duas patas, parecem humana demais. Seus olhos amarelos lampejando cada vez mais à luz da lanterna. E então, seus braços me envolvem em um abraço. Não me aperta, seus pelos me enchem de calor. Fico na altura do seu peito, e sinto seu focinho se curva para tocar minha cabeça. Depois ela se afasta e começa a lamber meu rosto e eu solto um risinho.
— Pára — digo rindo.
Ela solta um rugido que sai como risada.
— Amor, você está aí? — pergunto.
Ela me olha fixo e balança a cabeça em concordância.
De repente, abruptamente, sua cabeça vira para trás e ela rosna, dessa vez ameaçadora. Então me dá as costas e fica na minha frente, como se me protegesse de algo. Perigo. Estamos em perigo, e a julgar por seus pelos estarem eriçados, sinto que não é um perigo comum.
— Calma, não quero lhes fazer mal — uma voz calma vem de algum lugar à frente o qual não posso ver por ter Petros obstruindo minha visão.
Então viro a cabeça para o lado e foco a lanterna num homem de sobretudo preto, cabelos negros, a boca toda manchada de vermelho e os olhos muitos amarelos. Parece estar calmo e até meio entendiado, mas o que me assusta é vê-lo com uma mão humana em das mãos, ele a levando até a boca para arrancar um dedo e mastigar como se fosse pipoca.
— Essa mão americana é uma beleza. E vocês dois são uma singularidade — diz ele distraído.
É outro lobisomem.
*
"Devemos acordar. Há muitos perigos aqui!", ouço alguém dizer. Mas logo percebo que sou eu mesmo dizendo a mim mesmo. "Claro que não é você, você racional está apenas querendo descansar, mas não devemos", diz a fera e eu lembro que há algo a mais sem ser minha consciência dentro da minha cabeça.
"Quero dormir", choramingo.
"Há algo estranho aqui. Nós sentimos. Tem outro aqui. Tem outro aqui", estranho isso. Outro o quê? "Também não sei", completa ela. A verdade é que havia perigos vindo de todas as partes, antes de salvarmos Lucas da armadilha, um odor vindo de perto me fez ficar eriçado, em pensar apenas em perigo, mas não tanto quanto o que meu amado iria sofrer se eu não o ajudasse. Em meio ao caos de coisas não lúcidas, um enjôo atroz e dores na pata, me vi querendo apenas paz. Longe de tudo, de todos. Livre. É uma mistura prazerosa de vontades e desejos.
"Me deixe dormir", resmungo à mim mesmo.
Ouço o som de algo se partindo... um galho. Logo em seguida um som surdo ao chão seguido de um quase imperceptível craque — reconheço esse ruído, osso se partindo. O tempo fica incerto, estou sonolento. Não ligo pros cheiros ao meu redor, nem pra uma presença forte no alto, me olhando curioso. Nem mesmo pro aroma saboroso de sangue que posso sentir pela língua indicando que há alguém morto aqui perto, um homem, 37 anos, problemas de pulmão. Morreu com uma pressão sofrida no pescoço, parte do seu corpo fora consumido e a outra está descartada em algum lugar num raio de 50 metros... ao sul, atrás de umas altas samambaias.
"Quem o matou?", pergunto à fera.
"O mais certo seria perguntar o quê o matou. E a resposta é clara", diz ela racional de mais. Humana demais.
"Agora me deixe dormir, minha pata está estraçalhada", digo soltando um leve gemido.
Algo rasteja, o cheiro é de Lucas. Mas nem a pessoa mais importante da minha vida faz com que eu queira acordar. Milhões de bombas explodem novamente e lentamente sobe — som metálico!, se chocando com som metálico!, metal e metal!, sem parar. Subindo ao alto, caindo. Destruindo minha paz e me deixando ainda mais nauseado. Sinto um tapinha no meu focinho, ouço respiração pesada. É tudo confuso, porém não ligo. Quero paz. Quero ficar onde estou. A pressão que antes esmagava minha pata agora não é mais sentida.
— Fique aqui, grandão — Lucas diz. Lucas! Lucas! Lucas.
"Você se deu conta de que ele corre risco de morte, não é mesmo senhor moleza?", diz a fera.
"A lata nos deixou assim? Tão fracos?", pergunto.
"Não, não é a lata. Ela causa náuseas", rosna a fera.
"E o que é?", pergunto.
Mas aí antes de ela responder, alguém ou algo pousa do nosso lado e diz simples e calmo "levante-se". Meus olhos abrem, a fraqueza desaparece. Ergo a pata que segundos atrás estava em pedaços e agora se cura instantaneamente.
— Me siga — diz uma voz humana. É estranho, não reconheço a voz, mas parece que cresci a ouvindo e sinto uma súbita vontade de fazer o que ela manda. Só que ao focar a visão na floresta iluminada, sinto o cheiro de Lucas e de mais três pessoas. Os batimentos de um deles está acelerado, medo. Outro martela com intensidade; desejo. Um está apreensivo e o último com ira, batendo no peito como se fosse uma máquina de lavar. Eles vão fazer algo com Lucas, não é aquele cara de sobretudo que vai me...
"Ah, mais vai. Ele pode mandar em você", me alerta a fera.
"Mas por quê?", indago.
"Ele é nosso...", mas somos interrompidos.
O cara de sobretudo me olha atento e vejo seu rosto quadrado, dentes sujos de sangue.
— Anda. Vamos.
"Nós temos que ir", diz a fera tímida.
Ouço Lucas arfar de dor, seu aroma está mesclado com dor e medo.
"Não vou a lugar nenhum", rosno e dou as costas.
— O quê? — o homem parece ficar perplexo.
"O quê?", grunhe surpresa a fera.
Dou as costas para o sujeito a tempo de ver um cara baixo entrar na clareira. Ele foca a lanterna em mim e fica surpreso. Ele está junto com os outros. 2 metros nos separa, mas em meio segundo encaro ele de perto, o seguro pelo colarinho da camisa e cravo as garras na sua barriga. Como se fosse uma caixa de papelão, o arremesso longe e ouço ele atingir uma árvore. Agora é a vez dos outros dois.
*
— Quem é você? — pergunto estando atrás da enorme massa do lobo que está em modo defesa.
— Ora, quem mais seria? — diz o sujeito com o sotaque britânico — Sou o pai desse lobo que está defendendo você. E vou lhe contar uma coisa; nunca vi uma das minhas crias desobedecer o pai.
Petros rosna feroz. Crias? Ele disse crias? Se ele é o pai, então ele quem mordeu Petros em Londres. Há mais deles. Meu Deus!
— Ele não é sua cria — digo seco.
— É sim. Quer ver? — ele engole o dedo que mastigava e limpa a garganta em um pigarreio rápido. — Você (aponta para Petros), mate ele.
Então Petros se vira para mim rápido e faz algo que eu jamais pensei que fosse fazer.
Fim da primeira parte.
*
Como foi dito no começo desse livro, o mesmo é um teste para ver até onde ele iria, e parece que vai longe. Aqui acaba uma das 3 partes que o mesmo terá. Há mais coisas que serão inseridas, governo, guerra de lobos e outras coisas mais. Aguardem.
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