A TRANSFORMAÇÃO

PETROS/LUCAS

Lucas me olha com cara de quem força um sorriso encorajador, porém preocupado, e fecha a porta me deixando sozinho no quarto. Chupo uma das presas que está saltando da minha boca e sem querer rasgo o lábio superior. Em segundos, antes da segunda gota de sangue cair nas minhas pernas que estão cruzadas, o corte sara em uma cicatriz rosada e frágil, depois some. Com um inquietação no peito, testo as correntes inclinando meu corpo para frente. Elas tintilam levemente mas me mantém no lugar, firme. Eu fecho os olhos e inspiro em busca de paz, parece que bebi refrigerante e o mesmo está se agitando dentro de mim, como se eu fosse garrafa e tivessem chaqualhado-o ferozmente, pronto para explodir. Está quase na hora, eu sinto. É esperar e ter paciência, abro os olhos e fito o relógio na parede do quarto e o tempo parece passar lentamente. Novamente fecho os olhos, inclino minhas costas na parede e espero...

*

Na sala, deito no sofá e pego o controle da TV, antes verifico se as duas latas com pregos estão alí; conferido. Meu relógio de prata no pulso; confere. Porta dos fundos destrancada; confere. Sem ver nada, zapeio pelos canais e fico pensando no meu namorado logo a cima de mim, acorrentado, separado da nudez por um short malha fina que estica o suficiente para não rasgar. Como se servisse pra alguma coisa, uma vez que a fera, quando no controle, rasga sempre quando nota está usando algo. Ouço o tintilar suave das correntes e imagino o quão ruim deve ser essa metamorfose. Petros a aguenta muito bem, não grita desesperado como antes, quando parecia estar queimando de dentro pra fora, ou se debatendo em confusões anormais. Ele mantém o controle... quem sabe um dia ele não controle essa coisa o suficiente para não mais deixar ela sair? Me agarro a essa esperança e penso ainda mais no meu namorado no andar de cima. Ele não gosta que eu veja a transformação, pois certa vez eu vi de perto e fiquei noites sem dormir.

Foi assim...

*

... sinto a fermentação dentro do meu corpo aumentar gradativamente e isso me causa uma dor de cabeça atroz. A droga das presas crescem rápido e isso machuca minha boca fazendo-a sangrar e se curar rápido de mais. As unhas parecem estar sendo empurradas por algo causando um desconforto indescritível, como quando você fica doente de gripe e aquele mal estar te domina a ponto de você ficar agoniado. Suor invade cada parte de mim e sei que é agora a Lua Cheia. E então, tudo explode. Cada sentido explode, cada parte de mim explode, cada parte do meu ser explode. As cores morrem, o olfato me faz querer vomitar e isso faz com que a fermentação dentro de mim atinja seu ápice. A audição destrói meus tímpanos e sinto sangue escorrer deles. O paladar quer só uma coisa... carne, não importa qual.

De dentro pra fora tudo explode rápido. Os órgãos se reajustando, o sangue humano sofrendo uma mudança química inexplicável, as células se modificando, os ossos rangendo um nos outros querendo explicações sobre o porquê de tamanha mudança em um espaço de tempo tão pouco. Vomito e com isso vem a dor. Imagine você malhar até seu corpo não aguentar, sem ajuda de um profissional para orientá-lo corretamente; ponha na balança também o fato de que você nunca se quer malhou, seu corpo não está preparado e você não sabe como fazer e quando parar. No outro dia há lesões horríveis, dores musculares capazes de fazer qualquer um desmaiar e vomitar; cada parte do seu corpo grita e ela não diminui, só aumenta à medida que se move. Estou assim agora, com meu corpo lesionado, com dores em cada junta e músculo existentes em mim. Só que multiplique essa dor por 100. É, você quase chegou lá.

Vem de dentro, como eu disse, e só aumenta. Os músculos crescem e com isso a pele é esticada a ponto de eu ouvir sua elasticidade nauseante. As unhas vão caindo e garras são empurradas para fora, sangrando cada dedo meu. As presas crescem e os demais dentes caem dando passagem pra navalhas afiadas e mortais. Os ossos se expandem a tamanhos horrivelmente dolorosos, pareço estar sendo puxado pelos membros, como naqueles instrumentos de tortura medievais. A dor é demais, mas não apago. Sinto crescer de tamanho e a agonia vem junto. Então as correntes me deixam mais calmos quando sinto elas tocando minha pele. A pele já não estica e é rasgada, os dedos fazem um barulho nauseante de estalar e crescem rápido. Então vem a parte mais dolorida: meu rosto afunila e sinto a dor mais terrível do mundo. Os pelos saem dos poros, minhas orelhas crescem, há sangue e pedaços da minha pele caem, junto com as unhas e dentes já no chão... é horrível sentir e deve ser chocante alguém ver isso...

*

... me arrepio ao lembrar disso, meu namorado tendo a pele rasgada e seu corpo dando passagem (contra vontade) para um corpo monstruoso. Foi horrível de se ver a dor que ele sentiu na hora e é pior ainda saber que ele sempre sentirá. Nem o modo de tortura mais sádico na história pode se comparar com aquilo, com isto. Ouço mais barulhos e um gemido contido... ele está se transformando.

*

A dor atinge seu ápice para que eu possa suportar e então apago.

Estou na planície escura novamente, com a mine lua em cima de mim iluminando boa parte do lugar. Ao longe, vejo novamente outra lua e a caixa de vidro. A fera está dentro e quer sair. Corro para mais perto dela e a olho curioso... é sempre assim, eu me sinto curioso em ver ela sair. Ela me olha nos olhos e sua fúria aumenta. Os olhos amarelos ouro, com a pupila em fenda, o focinho de lobo com as presas enormes, a altura de um monstro sanguinário, as pernas alongadas para trás e as patas com garras gigantes - tais como as mãos com os dedos crescidos e grossos.

O corpo todo é peludo, o tórax volumoso e braços fortes. Vejo que ela esta de short, a fera, e volta a bater no vidro... quando dou por mim, percebo que uma das extremidades da caixa é espelhada e estou vendo a mim, não a fera. Sou eu querendo sair, e é ela fora da caixa. Eu estou preso e ela solta. Tenho que fugir, mas não consigo... afinal, como posso fugir de mim mesmo? Ela sou eu, eu sou ela. Só que a parte de mim consciente está presa e a sanguinária a solta. Com sede de morte.

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