Capítulo 3
Onze anos antes...
― Eu não sei dançar, Maurício. Ainda mais forró! Não levo jeito pra isso, não.
― Paula, deixa comigo. Todo mundo precisa dançar essa música um dia. Ouso dizer que é obrigatório!
― Para de bobeira, garoto. Quem vê pensa que você é muito experiente. Você só tem 16 anos, como pode gostar dessa música arcaica?
Ele coloca a mão no peito e fecha os olhos.
― Ai. Você quase me matou agora, Paulinha. Porra, é Alceu Valença! As músicas dele são atemporais.
É claro que eu conheço as músicas do Alceu, inclusive a que está tocando agora, "Tropicana", mas nunca parei para curtir, muito menos dançar. Minha "praia" é mais Foo Fighters, Blink 182, Red Hot Chili Peppers, Guns N' Roses, Coldplay... Uma vibe mais pop e rock.
― Olha, estou para ver garoto mais estranho que você, Maurício. Você sabe dançar forró por acaso? Porque essa é nova pra mim.
― Garota, minha mãe ama forró e vem me ensinando a dançar desde que eu tinha 10 anos, senão antes. Ela e meu pai dançam pra caraca.
― Uau. Como eu não sabia disso? ― pergunto, atônita. ― Eu te conheço desde que você tinha sete anos!
― Tem certas coisas que só são mencionadas no tempo certo ― ele sorri de lado e eu reviro os olhos.
― Eu não acredito que você me trouxe nesse galpão horrível e ainda vai me fazer dançar!
― Nome horrível, concordo, mas é divertido, vai. Vamos! Não tem nada de difícil. É só seguir o ritmo.
― O que a gente não faz pelos amigos... ― murmuro e o sorriso dele aumenta.
― Isso, porra! ― Depois de dar um soco no ar ele pega minha mão e me conduz até o meio da pista.
Olho para os lados e há vários casais dançando, uns parecendo profissionais ― girando e fazendo passinhos orquestrados ―, outros aprendendo, mas todos estão com um sorriso no rosto. Acho incrível o poder que a música exerce na vida das pessoas. Não deixo de observar que as meninas estão usando saias longas e camisetas de alcinha, tudo muito confortável para que consigam se movimentar sem se preocuparem.
Quando Maurício me chamou para vir no Curral, fiz questão de colocar uma roupa leve. Meus pais começaram a liberar minhas saídas recentemente, mas sempre ouvi comentários que em dias de forró, como hoje, o ideal é vir de saião, camisetinha justa e uma sandália rasteirinha.
Agradeço por estar com uma saia estampada fluida e longa, estilo sereia, uma blusinha branca um pouco decotada e sandália sem salto que amarra no tornozelo.
― Aqui está bom ― ele grita acima do som alto. ― Esse é o lugar menos cheio. Vamos aproveitar!
Meu amigo aproxima o meu corpo do dele, sempre com um sorriso debochado no rosto, pega minha mão direita e coloca na parte superior das suas costas e a minha outra mão ele eleva junto com a sua.
― Agora siga os meus passos. Direita, direita, esquerda, esquerda...
Erro na primeira, piso no seu pé, quase acerto na segunda e só lá pela quarta vez é que começo a acertar. Com maior domínio dos meus pés e seguindo cada batida da canção, Maurício me puxa para mais perto e fico com meu corpo totalmente colado ao dele. Um arrepio perpassa cada pelo do meu corpo. Que droga é essa?
Ele me conduz com mais audácia, indo para frente e para trás, guiando-me como se eu fosse uma boneca.
― Meu Deus! Você dança muito ― sussurro, quase sem ar pelos movimentos contínuos e rápidos.
Sinto seu peito tremer junto ao meu quando ele ri com vontade.
― A senhorita não conhece nem metade dos meus dotes... ― seu sussurro pode ser inocente, mas a aproximação da sua boca na minha orelha causa um choque na minha pele exposta. Não é ruim, mas é diferente de tudo que já senti.
A mão grande espalmada em minhas costas vai me guiando. O contato fica cada vez mais íntimo. É o que sempre dizem do forró, que é uma dança de pegada.
― Porra, eu adoro essa música! ― meu amigo diz, de repente, quando começa a tocar "Anunciação". E pelo visto a galera toda concorda porque a pista enche ainda mais.
"Na bruma leve das paixões que vêm de dentro
Tu vens chegando pra brincar no meu quintal
No teu cavalo, peito nu, cabelo ao vento
E o Sol quarando nossas roupas no varal"
Sinto cada vez mais calor. Não sei... Vai além disso... É algo que não consigo identificar. Começo a suar pela velocidade e intensidade da dança. E quando chega o refrão, ele levanta minha perna direita na lateral do seu corpo e arregalo os olhos.
― Garoto, se você me deixar cair...
― Confie em mim, garota... ― Sua voz é grave e irreconhecível. Meu Deus. Eu não estou nada bem.
E então ele começa a cantar, roçando sua boca na minha orelha:
― Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais.
Ele rebola, apalpando o final da minha coluna para que eu rebole junto com ele. A cada fricção sinto meu coração disparar. Os suspiros dele se evidenciam e se misturam com os meus, assim como o nosso suor. Nojinho passa longe neste momento.
O. Que. Está. Acontecendo?
Involuntariamente, agarro a frente da sua camisa cinza como se buscasse força, mas eu não sei para o que... Como se eu tivesse que saber que ele está o mais perto possível.
Ele me gira para longe do seu corpo e instantaneamente sinto falta da sua quentura. Quando me pega nos braços de novo, o impacto é ainda maior. De repente, sua boca rosada é a mais linda que já vi na minha vida, seus olhos os mais azuis, seus cabelos os mais sedosos, seu corpo... seu corpo o mais incrível.
Maurício não está indiferente. Ele está sentindo também. A forma como encara os meus lábios, meu rosto, o decote da minha blusa, parte por parte. Sua respiração se mistura à minha de uma forma tão... quente!
Para onde minha mente está me levando? Que loucura é essa? Ele é o meu melhor amigo. Por Deus!
Antes que eu perca o juízo e meu corpo me traia, paro de dançar.
― Preciso beber água. ― Saio de perto dele, querendo correr, fugir.
Sigo em direção ao banheiro e fico parada por alguns minutos em frente ao espelho. Vejo meu rosto vermelho, suado, pegando fogo... e não apenas pelo calor. Algo aconteceu. Aquela dança foi mais que uma dança. Ainda consigo sentir cada parte do seu corpo... Fecho os olhos com força e balanço a cabeça.
Mas que droga!
O que eu senti dançando... Não é o que uma amiga deve sentir com um amigo. Não está certo. Eu ainda sou virgem, mas sei diferenciar uma coisa da outra. Eu... Eu não sei por que isso aconteceu. E como em um clique, abro os meus olhos e observo o reflexo do meu rosto apavorado.
Meu. Deus. Do. Céu! Será que estou apaixonada pelo meu melhor amigo?
O tanto que tentei ignorar meu coração batendo forte no peito quando ele me abraçava... As vezes em que eu o via com outras garotas e ficava enjoada... Eu me enganei tanto que acreditei na minha própria mentira. Maurício nunca será apenas um amigo para mim. Contudo, não posso colocar tudo a perder. Preciso continuar fingindo... Continuar com a nossa amizade é o mais importante.
*
Agora...
Estou aérea, perdida em lembranças, quando percebo que ainda não respondi à pergunta do meu ex-melhor amigo.
Depois daquele dia em que dancei forró pela primeira vez, não foi nada fácil silenciar meus sentimentos, mas consegui. Eu acho que tanto ele quanto eu percebemos que fomos longe demais e fingir ignorância foi melhor para os dois. Era como se ambos estivéssemos com medo do que poderia vir se comentássemos.
Eu não posso agir como se anos não tivessem passado. Ele acha que o fato de retornar para Angra fará com que tudo volte a ser como antes, mas está muito enganado.
― Maurício, não vai rolar...
E ao dizer isto eu começo a me afastar. Preciso fazer com que a ficha caia, o que ainda não aconteceu. Ele vai voltar para Angra!
― Paula, sério isso? Você não vai nos dar uma chance? Eu tenho tanta saudade da nossa amizade que às vezes chego a me arrepender de ter saído daqui.
Por um momento penso em abrir a guarda, mas logo lembro de todas as vezes em que eu precisei dele e não o encontrei ao meu lado.
― Maurício, não é porque você está de volta que tudo vai ser como antes. Hoje foi apenas uma reaproximação. Temos muito o que conversar ainda.
― Você não quer ser minha amiga, não é? O que eu preciso fazer para você me perdoar, Paula? Nunca foi minha intenção me afastar de você, mas infelizmente a vida tomou outros rumos.
― Olha, eu preciso encontrar o amigo que me trouxe e tentar aproveitar um pouco. Então, boa noite. ― Posso ter sido criança ao frisar o amigo, como fiz, mas já dei atenção demais para o Maurício. Ainda não é o momento para falar de algo tão sério. Estamos em um show. Não é do jeito que ele quer.
Sem esperar resposta, volto para dentro do galpão. Não posso ignorar que meu coração está acelerado e parece contrariado por eu ter virado as costas para o cara que um dia foi meu grande amigo, mas não conseguia ficar mais um minuto na presença dele. Eu sofri demais com a sua ausência e vê-lo mais lindo do que nunca dizendo que está voltando para Angra me deixou descompensada. Eu preciso me distrair.
Avisto Matheus no balcão do bar e vou ao seu encontro.
― Oi! ― grito e ele vira, assustado.
― Mulher, onde você estava? Estou te procurando há uns bons minutos e nada.
― Estava lá fora.
― Fazendo o que? Esse show está babado!
― Eu sei, mas você não vai acreditar no que aconteceu.
Rapidamente a postura do meu amigo muda e o sensor fofoca é ligado.
― Então pode contar tudinho.
― Maurício está aqui.
― Não! ― ele retruca com os olhos arregalados e uma mão no peito. Dramático que só ele.
― Sim! E tem mais...
― Mais? Puta merda. Conta logo! ― Ele bebe o drink de uma vez, sem tirar os olhos dos meus. Extrema atenção.
― Ele está voltando para Angra. Vai trabalhar no hospital.
Apesar da música rolando solta na pausa que o Luan Santana deu há alguns minutos, nós dois estamos em silêncio. Apenas nos encaramos, matutando o que esta notícia significa.
― Paulinha, meu amor, e como você está?
― Eu... Eu acho que estou bem. Ainda não consegui assimilar. E-ele me chamou para dançar, como nos velhos tempos, e eu neguei. Eu.. Eu...
― Ei, calma! Vem cá. ― Matheus me abraça e eu o envolvo com meus braços, assustada demais, com medo demais. Faz muito tempo que não me sinto tão insegura. ― Ele nem suspeita que você estava apaixonada quando foi embora?
― Acho que não... Mas isso não importa agora, Matheus. Eu acabei de ver meu ex-melhor amigo depois de anos e a minha mágoa não me deixou nem chorar ou sentir saudade. Isso não é justo, sabe? Porra! Ele significou tanto para mim... Nossa amizade era única, Theus.
― Se acalma, Paula. ― Ele pede para o barman trazer uma caipi para mim. ― Você está em choque, emocionalmente abalada, eu entendo. Se quiser ir para casa...
― Não! ― Saio dos seus braços e respiro fundo. ― Não é sempre que tem um show como esse em Angra, Matheus. E se tem uma coisa que eu aprendi com isso tudo é que a vida é curta demais e a gente precisa aproveitar cada minuto. Eu só saio daqui quando Luanzinho sair daquele palco. Então, depois, quando estiver em casa, eu desabo e choro o que preciso chorar.
― Mulher, eu te admiro tanto! Que orgulho de ver quem você se tornou! Aproveita sim porque você nasceu para arrasar, querida! Depois chora baldes, mas agora, vamos arrastar uns bonitões nessa pista!
Eu começo a rir da sua fala e vejo, ao fundo, que alguém está me encarando. A testa franzida, os olhos azuis penetrantes, o corpo imenso e forte chamando a atenção de todas as mulheres que passam por ali. Suspiro e me forço a olhar para outro lado.
― Meu Deus, Paulinha! Não me diga que aquele homem delicioso é o Maurício. Mas, menina... Não pode ser! Ele andou tomando alguma coisa para ficar daquele jeito. Ele já era gatinho, mas agora... Não! Não é possível! Médico e gostoso assim... Puta que pariu! Acho que eu estou com um problema sério de saú...
― Quer parar, Matheus?
― Ok, ok. Parei! Mas ele vai abalar as estruturas de Angra dos Reis, minha querida... Ah, mas vai!
― Bom, vamos dançar? ― pergunto, batendo uma palma na outra, após beber meu drink.
― Só se for agora. Mas se você está ferrada? Ah, está bastante, minha amada amiga. Fábio "bola murcha" que se cuide.
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Playlist disponível no Spotify - Meu Melhor Amigo
E falando sobre o capítulo de hoje, os acontecimentos não param! Afinal, no passado, foi uma dança que despertou a Paula dos seus sentimentos. O que será que o retorno de Maurício vai acarretar? E ainda tem o evento de 10 anos do colégio que promete altas emoções....
Bora de desafio? Se a gente conseguir 200 votos em todos os capítulos solto mais um até domingo! Vamos??? Só depende de vocês :)
NOVIDADE: O livro será lançado na Amazon no dia 18.11, mas já está em pré-venda, por um valor promocional de R$ 2,99 no site da Amazon. Vou deixar o link no meu mural :)
Amo tus e até breve!!!
Cultura: Convento São Bernardino de Sena
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