Capítulo 2
Chegamos no Curral e minha vontade de rir começa. É uma das únicas boates da cidade e eu não vejo elegância alguma no letreiro em neon azul escrito "Curral", com letras cursivas e tudo. Aff, sério! Coisa mais brega, mas o que importa é que Luanzinho estará aqui.
Se eu sou fã? Não chego a ser fã, mas amo como as músicas dele me deixam para cima. Dá para dançar, curtir, gritar... Enfim, é muito mais por me fazer bem que qualquer outra coisa. E, claro, ele é uma delicinha.
Fábio me ligou e eu disse que estava aqui com Matheus. Ele queria vir, mas eu logo cortei, dizendo que hoje eu quero curtir com meu amigo. Apenas isso. E ele entendeu. Ou pelo menos parece que entendeu.
O nome pode ser de mau gosto, mas por dentro o Curral é um grande e moderno galpão, parecido com um dos espaços do Villa Country em São Paulo, porém bem menor. A dupla que estava cantando se retira e um barulho ensurdecedor começa. Aproveitando a pausa, eu e Matheus pedimos uma caipiroska de lichia no balcão de bebidas e seguimos para a pista.
Como se soubesse que o Luan está no palco, o público, em sua maioria feminino, fica ensandecido. E quando o back vocal começa a cantar a primeira parte da música "Quando a Bad Bater" aí que o barulho aumenta mais e eu e Matheus gritamos juntos.
Luan aparece e os holofotes acendem em toda sua força. Porra, ele pode ser mais novo, mas olha... eu pegava para cuidar, viu?
E então ele começa a cantar:
"Amor, eu só quero o seu bem
Se for embora agora vai ficar sem ninguém
Amor, eu quero um filho seu
E eu não suporto a ideia de que nada valeu..."
Eu e Matheus deixamos os copos vazios em cima de uma pequena mesa e começamos a dançar um com o outro. Várias outras pessoas fazem o mesmo. Eu amo dançar, é tão libertador. Logo alguns caras me chamam, mas Theus não fica para trás. Ele tem seus admiradores também. A pele constantemente bronzeada, os músculos torneados despontando da camisa branca de gola V e os olhos verdes bem claros fazem do meu amigo um pedaço de mau caminho. Ele me olha e sorri, como dizendo: vamos aproveitar, loira. E é claro que eu aproveito.
E então vem o refrão que eu adoro:
"Não vai saber o que fazer
Quando a bad bater e o silêncio trazer minha voz
Não vai saber o que beber se esse vinho não mata essa sede,
Sede que é de nós"
Suada, leve e livre, é como me sinto. Danço com um, dois, três caras, mas nenhum deles se arrisca a perder o respeito comigo. Pelo contrário, estou me divertindo como há muito tempo não me divirto.
Quando Luan começa a cantar "Sofrendo Feito Um Louco", aí que eu dou uma de fã, livro-me dos caras e no refrão eu começo a cantar a plenos pulmões:
"Eu amando ela, ela amando outro,
Tô aqui tremendo, sofrendo feito um louco...
Eu amando ela, ela amando outro,
Tô aqui tremendo, sofrendo feito louco...
Passando sufoco"
Ele volta a cantar a música desde o início e eu estou tão concentrada cantando junto que não percebo que há alguém do meu lado. Por instinto, viro o rosto e fico paralisada. Sabe aqueles filmes que passam em câmera lenta? Foi exatamente o que aconteceu. Minhas pálpebras ficaram pesadas e os olhos abriram e fecharam com lentidão, a boca levemente aberta, sem reação.
Não!
Não!
Não!
Porra, mil vezes NÃO!
Não tenho como escapar, fugir ou fingir que não o vi. Ele está ao meu lado, me encarando com seus mais de 2 metros de altura ― exagero, mas em comparação aos meus 1,60m é o que parece ―, os olhos azuis injetados, o corpo mais musculoso do que eu poderia imaginar. Consigo reparar no braço direito todo tatuado, a camisa preta decotada e apertada, a barba por fazer, tudo nele gritando que é um homem e não o garoto de anos atrás.
― Paula... ― Consigo ver sua boca pronunciando cada letra. A expressão tão chocada quanto a minha.
― Maurício... ― digo, mas duvido que ele tenha me escutado também.
A música continua rolando, porém nada consegue fazer com que meus olhos desviem dos dele. O reconhecimento do que ele representou na minha vida por tantos anos bate com força no meu peito. Lutando com todas as minhas forças, viro de costas e caminho em direção ao bar. O pior é que eu sei que ele está atrás de mim.
Paro no balcão e o sinto por perto. Com menos barulho, consigo ouvir quando ele sussurra no meu ouvido:
― Podemos conversar?
Fecho os olhos e respiro fundo.
― Uma caipiroska de lichia, por favor ― peço ao barman.
― Uma dose de Jack Daniels.
Hum... Agora ele está na vibe do whisky. Médico, rico, quase um carioca da alta sociedade...
― A gente pode conversar, Paula? ― ele pergunta novamente, sua boca quase tocando minha orelha, e um arrepio percorre todo meu corpo.
Porra! Como ele ainda consegue fazer isso comigo? Giro meus tornozelos e o encaro.
― Fala, Maurício! Já não basta ter estragado minha noite, agora fala! ― Acho que eu cheguei a gritar a julgar os olhares curiosos na nossa direção.
Ele me olha, surpreso, sem conseguir argumentar por um momento. O que ele esperava? Que eu fosse só sorrisos depois de anos sem vê-lo?
― A gente precisa conversar direito, Paula. Para com isso.
Suspiro e concordo com a cabeça.
― Ok, vamos lá fora.
Assim que nossas bebidas chegam, ele me segue. Alguns caras tentam me puxar, mas Maurício os afasta com a mão livre.
Chegamos em uma área aberta para fumantes e para quem quer pegar um pouco de ar. Enquanto bebo minha caipiroska e ele sua dose de whisky, nossos olhos não se desviam. Parece que conversam entre si de alguma maneira misteriosa, trazendo lembranças.
― Não sabia que já estava em Angra ― quebro o silêncio. ― A festa de 10 anos não é só na semana que vem?
― Resolvi adiantar uma semana. Tenho alguns assuntos para tratar aqui.
― Ah.
― Paula...
― Maurício, não acho que esta conversa vá nos levar a algum lugar. Já faz muito tempo e tanto eu quanto você não somos mais adolescentes, melhores amigos, inocentes...
Com um gole finalizo minha bebida e ele faz o mesmo.
― Você está... diferente ― ele diz ao analisar sem qualquer cerimônia cada parte do meu corpo e estremeço.
― Diferente, como? ― pergunto, fingindo indiferença, mas querendo saber o que está diferente, querendo saber no que eu mudei por fora, porque por dentro, sinto que nada mudou. A porra do meu coração continua batendo forte como um bumbo no meu peito vibrando em cada terminação nervosa.
― Você sempre foi linda, mas... mas agora está demais. Gostosa para caralho. ― Impossível não rir da sua observação e da sua falta de discrição. É como se tivéssemos voltado no tempo e nada tivesse mudado.
Eu tenho tanto para falar, tanto para perguntar, gritar, brigar, mas nada disso parece ser importante agora. Nada merece mais minha atenção do que ter o seu olhar todo para mim, algo que nunca tive quando éramos melhores amigos.
― Você também está diferente, Maurício. Mais homem... ― Ele ri. ― Até tatuagem fez...― digo, apontando para o seu braço direito.
Ele olha para os desenhos em sua pele e sorri de lado.
― Sempre quis fazer, você sabe, mas meus pais me enchiam o saco. Depois que me formei resolvi fazer o que eu queria e larguei um foda-se para eles. Eu estava puto, me acabando de tanto estudar e precisava fazer alguma coisa que me desse prazer. Aí fiz estas e mais algumas.
Arregalo meus olhos não pela quantidade, mas porque minha imaginação está indo longe demais ao visualizar cada desenho em seu corpo sarado. Meu Deus do Céu. Só pode ser efeito da bebida.
― O que foi? Não pensou que eu tivesse coragem? ― Seu sorriso está ainda mais lindo do que me lembro. Dentes retos e brancos contrastando com a pele bronzeada, os cabelos castanhos ondulados que continuam espessos e os olhos azuis claríssimos. Um médico como ele deve deixar uma mulher passando mal em cada esquina.
― Não é isso... ― Tento voltar à conversa sem continuar "viajando". ― Fico feliz que você, enfim, ligou o foda-se para o que os seus pais pensavam.
― Ah, eles ficaram chocados, mas depois entenderam que as tatuagens não moldaram meu caráter, que não é porque eu fiz que virei um delinquente como eles achavam.
― Nossa, não tem nada a ver mesmo. Eu fiz algumas também.
― Sério? ― ele pergunta, surpreso. Acho que ele não conseguiu ver a que está aparecendo um pouco abaixo do meu top por conta da quase ausência de luz.
― Sim! Só consigo te mostrar uma agora.
Sem qualquer vergonha, como se tivéssemos 17 anos novamente, levanto um pouco o cropped e minha tattoo fica mais à mostra. Ele abaixa o rosto por conta da baixa iluminação e seu dedo traça o caminho das correntes que caem em parte do meu abdômen.
Por que eu não consigo afastar sua mão de mim? Cadê a Paula raivosa que disse que nunca mais falaria com o ex-amigo? A saudade da sua presença é muito maior que a raiva e o ódio que eu guardei durante todos esses anos e não consigo fazê-lo parar.
Um arrepio percorre todo meu corpo. Meu Deus... Como ele pode me afetar tanto?
Com apenas um toque minha pele esquenta. Antes, éramos novos e eu não entendia o que meu corpo queria dizer, mas agora... agora eu conheço cada parte minha e as sensações que me envolvem.
― Uau, Paula! É linda. Combinou muito com você. Delicada, sexy... ― E quando penso que ele vai parar de tocar minha tattoo, ele tem a audácia de subir mais um pouco o meu top.
― Maurício, para... ― Abaixo o cropped com violência. ― O que você pensa que está fazendo?
― E-Eu só queria ver o restante dela... ― ele se explica, sem jeito, como se só agora tivesse percebido o que estava fazendo. ― Eu senti sua falta, Paula. ― Com uma expressão agoniada, ele passa as mãos no cabelo. ― Nem acredito que estamos nos falando, logo nesse lugar com nome horrível que você sempre disse que detestava...
A tensão se dissipa e começamos a rir. Rir não, gargalhar. A música continua rolando, mas eu só quero fingir que eu e Maurício nunca nos separamos. Que na verdade não ficamos sem nos ver por tantos anos, apenas dias.
Nossas risadas vão morrendo e eu respiro fundo. A realidade é outra. Houve sim, uma janela enorme de tempo que não pode ser esquecida. Ambos mudamos. Deixamos de ser adolescentes e nos tornamos adultos. Deixamos de ser melhores amigos e nos tornamos dois desconhecidos que estão fingindo que ainda se conhecem.
― Maurício... Vamos falar sério. Eu não posso desconsiderar o fato que você não cumpriu com o combinado. Se você apareceu três vezes em Angra, em dez anos, foi muito. E só nos primeiros dois anos! Você que disse que nossa amizade nunca mudaria, que seríamos amigos para sempre... Eu simplesmente decidi que nossa amizade nunca foi importante para você e segui em frente.
― Não fala assim, Paula. Porra, eu pensei que fosse conseguir vir mais vezes, mas medicina é uma área que não dá para prever. Eu estudava o dia todo, mal tinha tempo para sair, mal dormia... Foi um inferno! Não pense que eu fiquei me divertindo! Estudei por seis anos, me formei, mas não parou por aí, tive que estudar mais três anos na residência de cirurgia geral e agora estou finalizando outra especialização em cirurgia do aparelho digestivo...
Eu levanto minha mão e faço um gesto para que ele pare de falar.
― Maurício, eu entendo que estudar para ser médico demanda muito tempo, energia, mas não ligar para sua melhor amiga? Não se importar com a pessoa que mais torcia por você? Nada justifica isso. Nada!
Ando de um lado para o outro, nervosa, estalando meus dedos, a respiração acelerada. Todo sofrimento que passei retornando nas minhas lembranças. Ele me olha e morde o lábio inferior.
― Eu sofri pra caralho, Paula. Sem poder te ligar ou falar com você, simplesmente porque descobri que mudou de número e pediu que ninguém repassasse para mim. Eu não usava nenhuma rede social, mas entrei no Facebook e Instagram só para ver se te encontrava e nada! Você sumiu, porra!
― Claro! Depois de ficar um ano sem aparecer e ligar, eu precisei fazer o que estava ao meu alcance para não sofrer mais. Eu não podia te esperar para sempre, Maurício.
Ficamos em silêncio, mas uma risadinha amarga chama minha atenção. Maurício está rindo, olhando para o chão e as mãos nos bolsos de sua calça jeans clara.
― Quem vê pensa que somos ex-namorados...
Balanço a cabeça não querendo rir, mas falho miseravelmente.
― Não éramos namorados, mas tínhamos uma relação de cumplicidade, Maurício. ― E eu te amava, seu idiota.
― Concordo, Paula. Nós dois erramos. Falta de maturidade, não sei, mas podemos consertar tudo isso...
Olho de repente para o seu rosto, franzindo a testa, confusa.
― Estou voltando para Angra.
― Como assim, Maurício?
― Eu finalmente consegui uma vaga no hospital. Passei em um concurso e em 30 dias me mudo.
Eu não sei dizer o que esta informação faz comigo porque é um misto de sensações. Choque, alegria, confusão, raiva... Sim, raiva porque eu pensei que minha vida estivesse finalmente nos eixos e agora esse cara está me dizendo que vai voltar a morar em Angra e não sabe que tem o poder de abalar todas as minhas estruturas. Ainda hoje ele tem... É claro que tem! Quem eu quero enganar?
― Nossa! Fico feliz por você, Maurício. Finalmente seu sonho está se realizando.
― Eu falei que daria tudo certo, Paula. Exatamente como eu planejei.
― Para você pode ser...
― Como assim? ― Agora é a vez dele ficar confuso.
― Você deve saber que eu não consegui entrar na faculdade de moda.
― Sim, eu sei. Apesar de você não querer falar comigo, meus pais sempre me contavam as novidades. Eu senti muito por você. ― Ele chega mais perto e levanta meu rosto. ― Mas, caralho, Paula, você fez administração, tem sua própria loja de roupas, seu próprio apartamento... Você conquistou muita coisa.
Se ele sabe disso tudo, na certa tem ciência do meu rolo com o Fábio, mas graças a Deus não diz nada. Seus dedos acariciam meu queixo e fecho os olhos. Ele me deixa vulnerável e rendida diante do seu toque. E isso é exclusividade dele porque nunca senti nada parecido com outro homem.
― Vamos dançar? ― Sou surpreendida.
― Não sei, Maurício. Ainda temos muito o que conversar.
― E o Matheus? É o seu mais novo melhor amigo? ― pergunta, ressentido.
Levanto as sobrancelhas e respondo:
― E se for? Pelo menos ele esteve comigo nesses dez anos.
Vish. Até eu senti a dureza das minhas palavras.
― É muito injusto você me comparar com ele! A gente estudou uma vida juntos... Tínhamos planos e eu nunca esqueci de cada um deles. Você não pode ter esquecido da nossa amizade de uma hora para a outra! ― ele se exalta e eu elevo minha voz também.
― Maurício, não foi de uma hora para a outra. Eu tive alguns anos para pensar nisso, não é mesmo?
― Vamos dançar ― ele pede mais uma vez, parecendo cansado e com um brilho indecifrável nos olhos. ― Por favor. Eu vi você dançando com os outros caras lá dentro. Só vamos nos divertir ― ele insiste. ― Pelos velhos tempos.
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Eitaaaaaaaaaaaaaaaa. Será que Paulinha vai aceitar? E dá-lhe sofrênciaaaaaaaaaaaa nesse capítulo, hein? Viva Luanzinho kkkkkkkk
Para quem nunca curtiu sertanejo, até que tô bem inspirada, não é mesmo? kkkk Morta!
Não deixem de comentar, divulgar, porque é isto que me mostra se vocês estão curtindo, querendo mais etc. ;)
Amo tus! Até sexta-feira... com desafio (hehehe)!!!
ATENÇÃO: JÁ TEMOS DATA PARA O NOSSO BEBEZINHO AQUI CHEGAR NA AMAZON (ISSO MESMO RS JÁ!!!!) SERÁ DIA 18.11, SEGUNDA-FEIRA. AVISEM PRO POVO. POR AQUI, CONTINUAREMOS AS POSTAGENS NORMALMENTE ;)
Cultura: Casa de Cultura de Angra dos Reis.
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