Capítulo XXXV - O retorno de Elizabeth (parte I)


     
      Viktor sentiu o corpo ser arremessado por um impulso que mais parecia uma parede de pedras batendo contra seu corpo. Ele voou velozmente pelo ar até que suas costas bateram violentamente contra os degraus da escadaria, quase no topo da mesma. Talvez, se não fosse pela maldição, sentiria uma dor terrível, mas no fim, apenas sentiu um impacto incômodo. Ele remexeu-se inquieto, sentindo a visão turva e oscilante enquanto tentava entender o que acabara de acontecer.

     A porta de carvalho negro estava escancarada em seu limite, mais um simples puxão, e ela cairia. Um vento frio e forte entrava no local, tanto pela porta quanto pelas vidraças quebradas. O cacos de vidros estavam espalhados pelo chão, sangue se fundia a eles. O vento uivava sombriamente. De repente, uma chuva grossa caiu dos céus e um trovão soou alto e bravo como um urro grotesco de um gigante furioso seguindo por um raio que clareou a mansão como uma tocha gigante em meio a noite sombria. 

    Viktor sentiu o corpo vibrar. Aqueles raios, o vento, a chuva... Ele endireitou-se aflito varrendo o local com os olhos ágeis e o coração inativo com vontade de explodir. Ele fitou a escadaria abaixo e temeu quando não encontrou sinal algum de Kristen.

— Kristen — falou baixo como se buscasse coragem para o que quer que fosse — Kristen! — finalmente gritou sentindo a aflição tomar sua voz como uma corda enlaçada em sua garganta. Onde ela haveria de estar? Estaria machucada? O sangue nos cacos... Ele saiu de onde estava, sentia-se inquieto demais para esperar que ela aparecesse por conta própria. Ele descera as escadas correndo como podia, se pudesse pularia todos os degraus para não mais ter de perder qualquer segundo que fosse. Ao fim da escada, novamente varreu apreensivo o local. Nada. Deuses, onde estavam eles?

     — Viktor — a voz semelhante soou atrás de si fazendo com que ele se virasse rapidamente apreensivo com o que poderia encontrar. Kristen estava a poucos passos de si com algumas marcas de sangue no seu vestido, mas sem cortes aparentes. Viktor acabou com a distância entre eles a abraçando sem medir, pela primeira vez, se poderia machuca-la ou não. Ela o recebeu com surpresa, era nítido que não esperava aquela atitude, mas logo correspondeu seu abraço sendo prudente para não tocar sua pele.

— Deuses, como temi por ti — ele disse baixo. Afrouxando o abraço ele afastou-se o bastante para fita-la — Essas marcas... — ele a olhou aflito onde as marcas de sangue respingavam a roupa. Todavia, antes que pudesse dizer qualquer coisa, Kristen tocou o tecido de sua roupa falando docemente.

— Eu estou bem — ela olhou agradecida para Elena atrás de si — Elena curou-me — Viktor sentiu um imenso alívio com aquelas palavras. Ele quis sorrir, quis agradecer Elena e novamente abraçar Kristen, mas isso não fora possível.

     No momento seguinte, acompanhado de um trovão furioso que sugou a atenção de todos ali, uma fumaça verde começou a invadir o local pela porta negra e todas as vidraças quebradas. Era brilhante em um tom esmeralda e flutuava o local envolvendo todos em uma onda de nuvens verdes.

     Kristen encolheu-se diante da cena, e Elena fitou de olhos arregalados tudo aquilo. Elliot, desconfiado e apreensivo, colocou a mão sobre o cabo de sua espada pronto para arranca-la da bainha em qualquer sinal de perigo. A fumaça cintilante pairava no ar quando sussurros começaram a ecoar também pelo ambiente. Todos ficaram em alerta tentando em vão saber de onde, de quem e o que aquelas vozes estavam dizendo. Os sussurros pareciam vir de todas os locais, por trás das paredes, atrás de cada um, até mesmo em cima do lustre luxuoso acima de suas cabeças em frases incompreensíveis.

    Elliot saiu de onde estava tomando a frente e afastando gentilmente Kristen para trás de si ainda segurando o cabo de sua espada. Elena imitou seu gesto e tomou a frente também.

— Fique atrás de nós — Elena ordenou sem fita-la olhando insistentemente a entrada do local enquanto as vozes e fumaça os envolviam.

    Kristen obedeceu, ficando atrás de todos, inclusive de Viktor que juntara-se a Elena e Elliot em uma barreira de pessoas. Ela queria fazer algo, ser útil em alguma coisa, saber defender-se por si só como sempre fizera na taverna, mas estava entre um amaldiçoado imortal, um bruxa branca e um humano com espada e  experiência suficiente para defender-se sozinho. E ela, apenas uma humana sem poder, sem dons, sem armas. Que chance teria?

      Ela sentia-se apreensiva e era inútil não olhar quando as vozes soavam próximas a si. Era como se estivesse em meio a pessoas invisíveis, olhos que queimavam sua pele, mas que ela não podia saber de onde vinham e de quem vinham. Seu coração comprimia-se no peito e disparava gradativamente tomando um ritmo perigoso demais. Seus lábios entreabertos deixavam escapar o arfar aflito que a tomava por dentro em um misto de frio e calor. Se olhasse direito, talvez seu hálito estivesse embaçando a parede de tensão em torno deles.

      Viktor fitava a entrada do local de punhos fechados e um grande receio dentro de si. Embora sua imagem estivesse confiante, por dentro corroía-se em um sentimento ruim de algo bem pior que estaria por vir. A cada vez que as vozes sussurravam, ele fechava ainda mais suas mãos preparando-se para o que pudesse vir a acontecer. No momento seguinte, quando um relâmpago iluminou tudo, todas as velas do grande lustre e dos candelabros espalhados apagaram-se repentinamente sobrados pelo sopro forte do vento. Viktor entrou em alerta, assim como os demais presentes. Eles ficaram envoltos na escuridão da mansão e iluminados vezes pelos raios e ensurdecidos pelos trovões. O som das respirações dos demais ficaram consideravelmente audíveis como um sinal da inquietude que tomou-os. Viktor recuou um passo sendo isso apenas o bastante para tocar um pedaço do vestido de Kristen que de pronto, segurou o tecido que cobria seu braço. Ela estava bem, era isso que importava.

     Instantes arrastados de escuridão seguiram-se e Elena estava pronta para usar seu poder sobre os elementos para ilumina-los, todavia, novamente as velas acenderam-se tão repentinamente quanto haviam apagado. Mas estavam diferentes. O brilho outrora amarelado, agora estava verde assim como a fumaça que a pouco os cercara.

     Viktor fitou o local disconfiado, sobretudo, preocupado. O que quer que estivesse acontecendo, de bom não havia nada. Quando um trovão soou feroz e os raios tocaram o solo molhado da chuva que caía tempestuosa lá fora, ele olhou perturbado para a entrada do  local pronto para encontrar algo ou alguém responsável por aquilo. Atrás de si, a mão de Kristen que segurava o seu braço envolto em tecido deslizou pelo mesmo e então, inesperadamente, Viktor sentiu o toque de suas mãos e os dedos finos dela a enlaçar os seus.

     Ele arregalou os olhos e virou-se atordoado com a ação dela, entretanto, recuou diversos passos a encontrar Elizabeth a sorrir sombriamente iluminada pelas chamas verdes oscilantes. Elliot recuou com o susto e agilmente puxou a espada em sua cintura enquanto Elena ergueu em sua mão uma chama cintilante semelhante a um fogo no tom branco e seus olhos foram totalmente tomados por um brilho da mesma cor.

Elizabeth riu.

— Sentiu minha falta, Vik? — ao pronunciar seu apelido, ela usou um tom irônico e um sorriso no canto dos lábios — E tu, minha irmã? — Viktor ficara sem voz. Seus olhos estavam arregalados e seu coração mais gelado que nunca. Elizabeth. Elizabeth estava de volta. Ele abriu a boca tentando falar algo, mas tudo que consigara falar fora o nome dela.

— Elizabeth... — engoliu em seco.

— Liz — seguiu Elena em um tom seco.

— Em carne, osso e — ela ergueu o dedo indicador criando uma chama de luz verde na ponta de seus dedos fitando rapidamente sua ação e logo voltando seu olhar para ele acompanhado de um sorriso maligno — magia — ao fim da última palavra, os sussurros ecoaram no ambiente como um próprio eco sussurrando a palavra magia como um mantra até se desfazer no ar.

    Viktor não sabia o que fazer ou falar, o baque era grande demais, mas percorrendo rapidamente o olhar pela sala, desesperou-se com a ausência de Kristen.

— Kristen — disse atordoado — o que fez com ela, onde ela está? 

— Ah — sorriu cínica — quer dizer a duplicata que deveria estar morta? — ao fim da frase ela olhou ligeiramente para ela que ergueu a cabeça em resistência — Ela está ocupada, lamento.

— O que fez com ela?! — gritou verdadeiramente irritado avançando um passo sendo impedido pelo braço de Elena na altura de sua barriga.

— Quanto drama — Elizabeth revirou os olhos dramaticamente — Olhe para cima, meu amor — completou com um sorriso no canto dos lábios.

     Viktor manteve seu olhar furioso sobre ela não confiando em suas palavras. Ela apontava para o teto rindo de lábios selados.

— Viktor — Elena disse com voz falha ao seu lado atraindo sua atenção. Elena encarava o teto com a boca ligeiramente aberta fazendo com que ele mesmo olhasse. O que encontrou fez seu punho fechar e o peito doer.

     Kristen estava em uma jaula de magia verde nitidamente mantido por Elizabeth. Seu corpo estava encostados nas grades com tornozelos e pulsos amarrados e sua boca possuía uma mordaça, provavelmente, também magia. Elizabeth fez um rápido gesto com mão e logo as amarras e mordaça sumiram. Kristen logo saiu de onde estava atirando-se nas grades chamando o nome de Viktor em seguida.

— Um estalo de dedos e ela cairá e morrerá como um inseto. Puff — A risada de Elizabeth tomou a atenção deles. Ela ria maldosa enquanto insinuava um estalar de seus dedos.  Viktor contorceu seu rosto em uma careta e sentiu o corpo estremecer enquanto o ódio espalhava-se por sua estrutura como mãos tóxicas o acariciando e o queimando por dentro e por fora. Aquele sentimento espalhava-se rapidamente como sangue por suas veias e ele sentia o amargo veneno toma-lo como uma manta a cobri-lo. Ele sentiu sede de sangue. A sede era quase palpável, a vontade de matar tão incontrolável quanto a fome, o controle quase inexistente. Mas fora Elliot que perdera a cabeça e avançara na direção dela erguendo sua espada em ataque como um verdadeiro guerreiro acompanhado de um grito bravio.

     Mas tão rápido quanto o ataque de Elliot, fora a resposta de Elizabeth que somente ergueu sua mão e fez com que o corpo dele voasse como uma pedra a ser lançada para longe. Seu corpo percorrera velozmente o ar, sua espada se perdeu no caminho, mas antes que batesse brutalmente contra a parede próxima, Elena ergueu uma chama branca em suas mãos fazendo com que o corpo de Elliot parasse no ar e repousasse a salvo no chão. Mas ainda assim, algo estava errado com ele. Seu corpo começou a contorcer-se e ele grunhia de dor segurando a mão que outrora segurava a espada. A mão dele estava sendo consumida por magia negra.

— Elliot — Elena gritou correndo de onde estava até alcançar o seu irmão. Ela abaixou-se do seu lado tentando fazê-lo parar de grunhir e contorcer. Rapidamente, no ato desesperado para socorre-lo, ela ergueu uma chama branca de sua mão pondo sobre a mão dele. Ele gritou angustiado sentindo uma dor intensa que transparecia por seu rosto contorcido. Seus gritos preenchiam o local deseperadamente e ele queria retirar a mão, mas Elena o segurava firme enquanto sua magia consumia dolorosamente a de Elizabeth. Lá em cima, Kristen estava inquieta, seu rosto contorcido em preocupação e incapaz de fazer qualquer coisa. Segundos gritantes se seguiram até que ele pôde retirar sua mão e somente sua respiração acelerada preencheu o lugar.

— Está tudo bem meu irmão — ela murmurou enquanto ele arfava encolhido como uma criança e ela acariciava seus cabelos castanhos.

— Ora Lena, não sabia que continuaria apreciando o dom da magia — Elizabeth falara olhando para suas próprias unhas logo olhando para sua irmã.

Elena levantou-se.

— O dom da magia é para os que merecem — ela disse aproximando-se com passos firmes e olhar duro — A maldição dela também.

— Ai — ela fingiu uma pontada no coração logo rindo — O "dom" da magia nunca será tão forte quanto a maldição, minha irmã. Deveria experimentar um pouco. A energia é revigorante.

— Minha magia pode não ser tão poderosa quanto a sua, Elizabeth, — ele disse encarando-a tão dura quanto uma rocha — mas com certeza não há uma só gota de sangue manchando-a.

— Sangue, — ela disse enquanto deslocava-se de onde estava andando a passos lentos. Viktor novamente entrou em alerta enquanto Kristen sacudia as grades de sua prisão mágica lutando para sair em vão — que bela cor possui, não acham? — ela sorriu sozinha — Embora sempre tenha apreciado o verde, também tenho uma certa simpatia pelo vermelho. Tanto que no dia do seu casamento, Viktor, eu dei a todos um belo traje escarlate, recordas?

     Viktor fechou a mão cerrando a mandíbula enquanto os flashes do pior dia de sua existência pintavam de sangue sua memória.

— Ah, como todos ficaram belos naquela cor — ela riu de lábios celados — Principalmente minha querida amiga Marie — ela parou olhando para Viktor com um olhar provocante fazendo com que ele sentisse vontade de matar como nunca antes — Combinou com o tom de seus cabelos, não acha Viktor?

— Cale-se! — Viktor gritou enfurecido sentindo ódio puro e simples como se fosse um órgão vital em seu corpo — Com que direito abre a boca para falar dela? Você não passa de uma vadia desgraçada! — vomitou com todo seu repúdio e se respirasse, tinha certeza que estaria ofegante. O sorriso cínico de Elizabeth morreu em seus lábios e o olhar provocante de antes ficou opaco na luz verde que os cercava.

— Ela era a vadia desgraçada, Viktor, só você não viu. Ela o roubou de mim e mereceu morrer — ela sorriu sozinha — Devo confessar, — ela o adotou um tom esticado — foi um prazer vê-la morrer por suas mãos, meu amado. Eu nunca esquecerei quando ela caiu desabando de dor em seus braços, encharcada de sangue como uma galinha morta — ela riu audivelmente — Ah, eu deveria pedir uma pintura daquela cena!

— Maldita! — ele não pôde conter-se avançou na direção dela agarrando a arma de Elliot que estava próxima a si pronto para acabar com ela, mata-la com suas próprias mãos como o monstro que ela havia criado. Ele golpeou-a, mas com um afastar simples para o lado a espada cortou somente o ar vazio. Ele investiu novamente, mas ela maneou a sua mão arrancando sua espada como se não fosse nada e a jogando para longe de ambos. Ele a fitou, estava desarmado, mas o ódio o cegava como uma parede na frente de seus olhos e no final, o ódio é a mais perigosa arma, para ambos os lados.

    Kristen observava o cenário lá embaixo com o peito embalado em batidas tão rápidas que pareciam um tambor em seus ouvidos. Estava ficando perigoso demais, todos estavam enlouquecidos e ela presa sem poder acalmar Viktor antes que algo pior pudesse acontecer. Ela segurava as grades, balançava-as na tentativa de soltar-se, mas era tão ou mais resistente que o próprio aço puro. Sua respiração estava ofegante e o peito, embora acelerado, apertava-se como uma previsão de que algo muito ruim estava para acontecer e ela lamentaria estar certa daquela vez. Vendo ser inútil lutar contra sua prisão, ela olhou para baixo em busca de uma fresta, algo que a ajudasse ou a espera de um desastre cada vez mais latente. Em seus ouvidos era como se o perigo eminente apitasse e logo em seguida batesse em seu rosto. Deuses, que pressentimento ruim ocupava seu peito!

— Lena — ela sussurrou impaciente — Elena!

    Elena olhou para cima fitando-a. Kristen fez gestos pedindo sua ajuda para sair. Era óbvio que a força bruta não romperia a magia de Elizabeth, talvez Elena pudesse ajudá-la. Elena entendeu seu pedido de socorro e baixando sua cabeça começou a falar palavras estrangeiras em um sussurro de olhos fechados. Uma chama cresceu em suas mãos e a luz branca começou a atravessar suas pálpebras. Elena olhou novamente para cima, e Kristen recuou em sua segurança. Elena pronunciava as palavras intensamente e Kristen mantinha a pequena esperança de sair dali viva. Contudo, logo a magia no corpo de Elena desapareceu e sua imagem voltou a ficar humana. Ela arfou cansada, novamente invocando a magia de poucos instantes antes, todavia, novamente apagou-se arrancando de Kristen qualquer fio de esperança. Sem qualquer chance aparente de sair dali, Kristen agradeceu triste o esforço de Elena com um breve aceno, e voltou a encostar-se nas grades olhando para o cenário lá embaixo.

      Viktor estava fora do controle ainda mais do que quando atacou  e quase matou Elliot. Ela jamais imaginou vê-lo daquele  modo, tão animalesco, tão furioso lutando como se não temesse risco algum.

   Ele olhou para Elizabeth sentindo cada parte de si vibrar pela morte dela e sem pensar em qualquer coisa, ele fora novamente para cima dela, mas ao contrário do que ele esperava, ela não recuou. Pelo contrário, ela não se moveu um milímetro sequer e quando ele bateu em seu rosto ela continuou onde estava. Quando ele bateu novamente ela começou a rir e sua risada era a fogueira de seu ódio para machuca-la mais. Ele bateu novamente, e de novo, e de novo. Ela ria mais alto. Ele afastou-se levemente sem entender onde diabos ela estava enxergando graça. Elena logo juntou-se a ele encarando a cena com feições fechadas e pesadas.

Ela riu deslizando seu dedão no canto dos lábios onde um filhete de sangue escorria.

— Já provou sangue, Viktor? — ela chupou o dedo fechando os próprios olhos como se saboreasse o melhor prato de sua vida. Viktor não pôde conter o repúdio que sentiu vendo aquela cena. Aquela mulher era doente — Tão doce... — ela abriu os olhos o olhando de modo macabro o que só foi intensificado pelas luzes verdes dançantes pelas paredes —  Deveria provar também, não acha? — ela riu sozinha saindo lentamente de onde estava — Ah, mas você tem um gosto pessoal, não é? — riu novamente — Aposto que adoraria o gosto que tem o sangue de Marie, experiência própria. Que pena que não guardei um pouco para ti, meu querido. Estava tão gostoso que não pude conter a gula.

— Maldita — ele avançou um passo a frente de punhos fechados novamente sentindo o ódio manupila-lo, mas Elena o impediu colocando-se em sua frente.

— Não caia no jogo dela, é isso que ela quer — Viktor fitava Elizabeth por sobre o ombro de Elena em sua frente, mas logo fitou-a. Elena estava certa, Elizabeth queria chegar em algum lugar e o estava usando para isso. Tinha de resistir, tinha de ser mais forte que seu ódio. Ele fez um leve aceno querendo dizer a Elena que estava tudo bem. Ela pôs-se novamente ao seu lado. Elizabeth riu audivelmente.

— Mas Marie está morta agora, não é mesmo? Como resolver? — ela fingiu estar pensativa colocando a mão no queixo por alguns poucos instantes, mas logo parou erguendo o dedo indicador  como se acabasse de ter uma idéia —  Ora, mas a duplicata deve ter um gosto muito bom também, não acha?

     Kristen sentiu um baque em seu peito. Lá embaixo, Elizabeth ergueu o olhar para sua jaula com um sorriso macabro no canto dos lábios.

— Não ouse toca-la — Viktor disse com o maxilar travado. Elizabeth o olhou.

— Ora, mas não irei toca-la — ela sorriu rapidamente para ele erguendo novamente o olhar para a jaula. Kristen sentiu a respiração acelerar e o aperto em seu peito triplicar.

     O peito arfante de Kristen subia e descia freneticamente. Elizabeth lhe olhava sombriamente e então, sem aviso prévio, ela sentiu uma pontada em seu braço como a ponta de uma faca a lhe penetrar. Ela gemeu em dor recolhendo o braço ao corpo fitando-o. Logo um pequeno corte foi aberto e a dor riscou sua pele descendo pelo mesmo em direção a sua mão. Kristen gemia dolorosamente vendo, por onde a dor passava, um corte abrir-se em seu braço e o sangue brotar escorrendo para os lados.

— Pare! — Viktor gritou encantando Elizabeth que observava Kristen de forma sádica — Não a machuque!

     Ela não lhe respondeu e sorriu rapidamente novamente olhando para cima.

— Estenda o braço para nós, duplicata — ordenou calma. Kristen lhe fitou sentido a ardência em seu braço e o sangue pintar sua pele de escarlate. Todavia, não obedeceu aquela mulher. Elizabeth fez um leve maneio de sua cabeça e então Kristen sentiu um puxão muito forte em seu braço, como uma mão forte a lhe agarrar lhe puxando em direção as grades batendo-a contra os aços mágicos enquanto seu braço era projetado para fora. O sangue dela desceu pelo seu braço logo precipitando-se no ar e caindo em direção ao solo.

       A gota escarlate desceu velozmente sendo parado pelo olhar de Elizabeth. Kristen teve seu braço libertado do que quer que fosse e então caiu para trás arfante enquanto um novo corte havia sido feito pelo impacto com as grades e logo um filhete vermelho escorreu por sua testa.
   
        Elizabeth moveu-se lentamente em direção ao líquido deixando o vestido negro arrastar no chão. As luzes verdes dançavam nas paredes como nativos em um ritual macabro. Ao chegar em seu destino, ela deslizou o dedo no ar deixando a gota de sangue pintar seu dedo e escorrer pelo mesmo. Ela elevou o dedo aos lábios logo os pintando de vermelho.

— Ah — ela suspirou erguendo a cabeça de olhos fechados se deliciando. Em poucos instantes ela abriu os olhos e fitou Viktor — arrisco a dizer que é até melhor que o de Marie. Tão suave e, ainda assim forte. Nem o melhor dos pratos mundanos será tão bom quanto este sangue.

      Viktor manteve a mandíbula travada e os punhos fechados com força. Elena balançava a cabeça em movimento negativos e uma careta de reprovação.

— Eu a repudio, Elizabeth — Viktor falou de repente, seu tom era seco — Eu sinto nojo de você e se eu soubesse o monstro que tornaria-se, jamais haveria olhado para você.

— Mas você nunca olhou para mim, Viktor — ela rebateu seca — Esse é o problema. Você nunca teve olhos para mim, nunca me enxergou como eu o enxergava. Estava cego por Marie e não viu a mulher que realmente o queria.

— Marie fora a melhor escolha que poderia ter feito. Ela me amava de verdade. Isso que tu chamas de amor, na verdade é doença. Amor não machuca, Elizabeth. Amor não destrói.

Ela riu sozinha.

— Tão inocente — riu novamente — Tão cego! — seu semblante tornou-se sério outra vez — Acredita mesmo que Marie o amava? Estava tão bêbado com o doce veneno dela que não viu sua verdadeira face?

— A única vez em que estive cego e bêbado fora quando acreditei que tu eras uma verdadeira amiga. Estive cego enquanto vi em ti a irmã que não tive.

— Esteve cego a vida inteira! — rebateu irritada. Viktor lhe fitava desafiador. Ela sorriu rapidamente olhando para os próprios pés deslocando-se lentamente — Lembra dos passeios no bosque? Lembra quando ela dizia que ia colher flores em outro lugar porque as rosas que cultivava em casa não eram o suficiente para vender?

     Viktor travou a mandíbula.

— Ela não estava no bosque, Viktor. Nunca existira bosque algum.

— O que estas a falar? Como sabes do bosque?

— Marie o traía. Ela tinha uma família, filho, esposo, casa. Ela era casada, Viktor, você era só amante dela.

— Está mentindo! — vociferou.

— Não — ela o fitou — Nunca menti para você — ela fitou os vidros espalhados pelo chão — Marie havia sido mãe muito jovem. Casara-se forçada por seus pais e expulsa de casa por desonra. Logo, quando juntou-se ao seu esposo em um pequeno casebre no meio da mata, viu-se em dificuldades. Seu esposo, Nicolae, ganhava muito pouco na feira, e vender rosas não supria o que faltava. Quando o filho nasceu, tudo piorou. Era mais uma boca, mais um fardo para carregar.

— Cale-se! — gritou realmente enfurecido. Ela queria o envenenar, estava jogando consigo. Mas ele não cairia em sua teia, ela não conseguiria apagar a imagem de Marie de sua cabeça. Ela, no entanto, continuou.

— Em um dia cinza, Nicolae ficara doente atingido por uma peste e então ela viu-se sozinha para manter a casa e cuidar do filho. As rosas que vendia mal davam para comprar comida e com seu esposo enfermo, tudo ficou mais difícil. Então eu a conheci. Estava na cidade, vendia flores com os olhos cheios de lágrimas e com o peso de uma casa inteira em suas costas. Eu tive pena dela. Comprei todas as rosas, e passei ajuda-la dali por diante. Quando ela me contou sua história, me pediu segredo, disse que se qualquer pessoa perguntasse algo sobre ela que eu dissesse que morava com os pais e que vendia flores para ajudar nas economias. Me fez jurar que não contaria a ninguém, e assim eu fiz. Nos tornamos amigas, como sabe, e carreguei comigo o segredo dela. Até hoje.

— Está mentindo — ele disse amargo com os olhos cheios — Você só mente!

— Um belo dia, Marie me chamou para conversar. Estava nervosa e muito apreensiva. Quando cheguei, ela me contou que estava muito difícil manter a casa e pagar os medicamentos de seu esposo apenas com a venda das rosas e minha ajuda. Ela então decidiu dar um novo passo. Ela iria se casar com um homem rico e assim assegurar a comida e os medicamentos.

— Pare, Elizabeth — Elena interveio dura — Não faça isso.

— Alguém tem que tirar a venda dos olhos dele, não acha, Lena? — disse encarando-a. Logo, fitou Viktor — Eu apoiei-a. Dei minha ajuda o quanto pude e lhe alertei sobre o baile que aconteceria em sua casa e as chances de encantar um nobre rico. Só não esperava que este nobre seria você.

— Elizabeth — Elena deu um passo a frente.

— Viktor, não a ouça — Kristen gritou de sua jaula sentada no chão do mesmo olhando para Viktor. Ele não a fitou, de repente estava se sentindo vazio. Tudo que Elizabeth falava o atingia, e a reação de Elena só piorava a situação. Uma lágrima desceu por sua face.

— Deixe-a falar — disse em um tom apagado sentido o caminho suave da lágrima e o cerrar de seus punhos. Elizabeth o fitou e logo deixou um rápido sorriso pintar o canto de seus lábios direcionando-o para Elena.

— Você o ouviu, Lena. Está na hora de sair do escuro — seus olhos voltaram-se para ele novamente — Ela usou você. Ela me traiu também pois sabia que eu o amava. O resto tu já sabes.

    No instante seguinte, tudo silenciou. As luzes verdes oscilavam nas paredes, tudo parecia congelado e somente o crepitar de chamas verdes da lareira preenchia o local. Elena olhava para o chão. Elliot estava encostado em uma parede ainda a recuperar-se. Kristen, quem estava escostada nas grades de sua prisão, deixou uma lágrima pintar seu rosto com todo o cenário lá embaixo e Elizabeth, caminhava de mãos atrás do corpo totalmente neutra.

— É verdade, Elena? — a voz de Viktor cortou o silêncio como uma espada. Elena ergueu o rosto rapidamente fitando-o enquanto ele fitava um ponto ignorado na tapeçaria — Ela usou-me?

     Elena respirou pesadamente, as palavras estavam engasgadas em sua garganta, e ver a face chorosa de Viktor só piorava a situação.

— Viktor, eu não... — ele a interrompeu.

— É verdade Elena? — aumentou o tom amargurado fitando-a — É verdade?

     Elena suspirou e as palavras seguintes pesaram mais que toda a mansão.

— Sim — a confirmação de seu pesadelo fez Viktor desabar. Ele virou-se pondo a mão sobre o rosto enquanto as lágrimas banhavam suas feições. Kristen sentiu o peito desabar ao vê-lo daquela maneira. As lágrimas dele provocavam as suas e tudo que mais queria era toca-lo, abraça-lo e lhe dar forças para enfrentar, mas estava presa, incapaz.

— Se me amavas tanto — ele disse com a voz embargada fitando-a de lágrimas a derramar — Por que não me disse de uma vez? Poderia ter acabado com o nosso noivado, bastava me contar a verdade!

— É verdade, — fez breves maneios com a cabeça — mas você já estava completamente apaixonado por ela, Viktor. Estava cego e surdo e nada do que eu dissesse mudaria isso. Então resolvi me vingar em grande estilo.

     Viktor voltou a chorar, chegou ao ponto de ter de apoiar-se em uma mesa próxima para não desabar. Deuses, quanta dor! O seu peito explodia, seu coração inativo parecia querer reviver da forma mais dolorosa possível. Tudo havia sido uma mentira. Marie, a mulher que julgou ser sua vida o havia enganado. Ele estava arrasado. Sentia como se seu corpo inteiro estivesse sendo perfurado por vidros, o rasgando, o dilacerando de fora para dentro. Sua vida fora uma mentira, seu amor uma fachada vazia. Viktor estava vazio, a dor o consumia, os olhos estavam embaçados, as lágrimas caíam aos rios, seus gemidos dolorosos saiam sem sua permissão, seu coração haviam morrido de vez. Minutos de dor se seguiram, o choro de Viktor eram como as gotas de chuva que caíam lá fora, o peito tão tempestuoso quanto o cenário.

— Quando tu a mataste, — ele conseguiu falar em meio a soluços sôfregos — o que fez com o esposo e o filho dela? — as últimas palavras pesavam sobre sua boca, doía, dilacerava, as ele precisava saber.

— Nicolae morreu pouco tempo depois não resistindo a peste — ela respirou — Quanto ao filho, fora entregue para adoção. E veja quanta ironia do destino, Viktor, você o conhece. Inclusive, ele está mais próximo do que pode imaginar.

— Impossível — ele disse com a voz falha — Há mais de um século que fui amaldiçoado, ele estaria morto agora.

— Sim, estaria. Se não estivesse sob a proteção de uma bruxa, é claro — ela olhou sorridente para Elena — Não é minha irmã?

    Elena engoliu em seco. Viktor lhe fitara abatido, Kristen a fitou surpresa e Elizabeth carregava um sorriso no canto dos lábios.

— Conte para eles, Lena. Diga quem é o filho de Marie — Elena ficou tensa. Ela olhou para Viktor que estava abatido apoiado na mesa, Kristen que estava segurada nas grades curiosa e confusa, Elliot que levantava-se com dificuldade apoiando-se na parede. Elena manteve-se em silêncio — Ora, não irá contar? Pois bem, eu mesma o farei — Elizabeth saiu de onde estava andando lentamente pelo chão de mármore. Seus passos causavam um eco seco no chão que ecoava como um verdadeiro tambor. Todos estavam apreensivos, Viktor sentia-se vago, Elena estava rígida, Kristen confusa, e Elliot perdido. Ela andou sobre o local, todos com os olhos sobre si e então, parando ao lado de Elliot, sorriu sombria.

— Conheça agora o filho de Marie. Elliot Nicolae.

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5331 palavras

Olá, Olá Jubinhas do meu ❤❤ Ahhhhh, eu tô infartando aqui!!!!!! Nossa veio esse capítulo tá muito forte. Quem imaginaria que Marie usava Viktor? Elliot filho de Marie? Deuses!!!!!! Haverá uma parte dois desse capítulo que sairá em breve, realmente ficaria muito cansativo para vocês tudo nesse capítulo! Mas me contem como foi o infarte de vocês!!

Aguardo (ansiosamente) manifestações surtadas 🎉🎉

Que tal uma ⭐?

Até loguinho ❤❤❤

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