Capítulo XX - A adaga
Dias depois...
As primeiras noites de sono de Kristen de volta a taverna foram regadas a cochilos e pensamentos. Seu corpo teve de se adaptar novamente ao colchão fino de seu modesto quarto e seus ouvidos reclamavam de um silêncio que lhe incomodava.
Demorara um bom tanto para dormir uma vez que seus pensamentos insistiam em manter-se naquela mansão da qual saira expulsa pelo anfitrião da mesma. Ao mesmo tempo que ela sentia uma revolta ao lembrar dos dias em que passara debaixo do teto de Viktor, ela sentia um vazio em si. Ela nem tivera a chance de entender tudo que aquele lugar queria lhe dizer, porque ela tinha sim um pressentimento de que algo a queria ali, mas que Viktor a privara de descobrir o que era.
No tempo que estivera lá sob o teto daquele estranho ser ao qual havia chamado de aberração, algo havia mudado em si, algo pedia para que ele ficasse naquele lugar ao mesmo tempo que agora algo lhe dizia para desistir. Aquela mulher que lhe visitara, a mulher que parecia mágica, um espírito dançante de canto doce, queria lhe dizer algo, e só de lembrar dos vislumbre do sangue sobre as vestes brancas daquele espectro, ela sentia seu corpo arrepiar. Tinha de ter um significado naquilo, tinha de ter um significado em suas palavras desconhecidas. Mas agora jamais saberia.
Esse pensamento a deixava frustrada, parecia que levaria consigo sempre aquele vazio que ocupava sua mente curiosa. Mas, mais que querer entender o que aquele ser mágico queria lhe dizer, Kristen queria mais que tudo entender quais os motivos para Viktor a mandar embora quando tão somente ela quisera desculpar-se por seus modos rudes de outrora.
O que havia feito de errado para que se tornasse a repudiada da vez?
Ela não entendia. Quando ela o repudiara ele sequer defendeu-se, quando ela fugira dele, mesmo ele tendo motivos para deixa-la ir e morrer no meio daquela alcatéia, ele ainda assim salvou-a, e agora que tentava mostrar mesmo que um pouco de gratidão, ele a manda embora.
— Tu deves partir.
Aquelas palavras ditas tão indiferentes por Viktor ainda lhe machucavam a cabeça. Como ele podera ser tão frio mandando-a embora sem sequer lhe dizer seus motivos para tal? Aqueles pensamentos lhe davam um nó em sua cabeça e lhe tiravam um bom tanto de seu sono. Mas, ela não poderia perder suas noites de sono por alguém que não tivera a mínima consideração por sua pessoa.
Kristen então, por diversas vezes, virou-se de lado tentando encontrar o sono. Mas somente encontrou cochilos onde a voz de Viktor ainda lhe assombrava.
***
— Pelos Deuses, cabelo de fogo, tu queres assustar-me tão cedo? — Elliot dissera rindo enquanto Kristen surgia diante de si bocejando e de olhos cansados.
— Sinto-me como uma morta-viva — ela dissera sentando-se em uma cadeira rente ao balcão logo repousando sua cabeça em sua mão mantendo seus olhos fechados.
— Não duvido. Se tu se vistes em um espelho receio que ele quebraria — ele riu sonoramente pondo uma caneca grande de café na frente de Kristen que mal conseguia abrir os olhos sem senti-los arder.
— Não devo estar tão mal assim — ela falou preguiçosa finalmente abrindo os olhos e tomando um gole de seu café.
— Ah, não? — no momento seguinte Elliot abaixou-se pegando algo na parte de baixo do balcão pondo de frente a Kristen.
— Pelos Deuses! — ela exclamou fitando-se assustada no espelho tomando o mesmo em mãos tentando arrumar o cabelo rebelde com as mãos — Pareço ter sido atropelada por cavalos.
— Dez carruagens consecutivas, seria mais adequado — Elliot riu. Kristen acompanhou.
— Posso jurar que vi o espelho trincar — ela completou sorridente. Elliot riu mais sonoramente pondo o objeto sobre o balcão desistindo de parecer mais decente.
— Vejo que já estão acordados — uma voz feminina soou e logo Elena apareceu perte de si.
— Eu acordei, mas não falo por cabelo de fogo.
— Elliot! — Kristen repreendeu-o jogando um pano de prato que jazia no balcão nele — Tu devias defender-me. Também acordei, minha irmã.
— Nossa — Elena olhara para a Kristen de cabelos desgrenhados e olheiras fundas a sua frente. Ela cobriu a boca em espanto — Se tu acordaste, então suponho que o resto dos mortos-vivos já estão zanzando pela cidade também — Elena riu e Elliot acompanhou.
— Isso é um complô contra mim — Kristen resmungou fazendo bico, mas logo seus lábios ganharam um sorriso perverso, enquanto ela olhava para sua irmã — Mas e tu, minha irmã, como está o mascote?
— Ah, não — Elena pegou sua xícara de café — Lá vem tu com tuas histórias.
Kristen riu e Elliot acompanhava a cena sorrindo de trás do balcão.
— Achavas que ia me esquecer? — Kristen riu maldosa aproximando seu corpo ao de Elena que estava sentada numa cadeira ao seu lado — Como vai Inácio?
— Pelos Deuses, Kristen! Inácio?
— É um bom nome para nosso mascote, temos de concordar. Ele me parece ter cara de Inácio — Kristen tomou um gole de seu café.
— Elliot — Elena exclamou — Defenda-me já ou eu largo este café novamente em cima dela!
Elena maneou a xícara ameaçando Kristen que logo afastou-se rindo. Aquela cena lhe era muito familiar. Naquele momento ela lembrou-se de quando Elena ameaçou-a com a xícara. Ela não pôde deixar de sorrir ao lembrar que Elliot que levou todo o líquido sobre si.
— Vocês são duas peças, pelos Deuses! — Elliot acabava-se de rir apoiando-ss no balcão.
***
O café havia sido ótimo, Elena estava menos estranha do que estivera outrora, porém Kristen vez ou outra a flagrava a observando com olhos enigmáticos. Kristen, no entanto, resolveu acreditar que sua irmã somente ainda não acostumara-se com sua volta repentina e sem explicações.
Nem Elliot ou Elena haviam a interrogado sobre onde passara todo aquele tempo fora então Kristen resolveu não tocar no assunto também. Se eles não tinham curiosidade então não havia motivos para Kristen falar-lhe de suas últimas aventuras na mansão de um anfitrião enigmático e arrogante que a pusera para fora.
A manhã fora calma, Kristen, Elena e Elliot limparam o lugar antes de abri-lo. Como Kristen se lembrava perfeitamente, assim que as portas foram abertas, os fregueses fiéis a cerveja brotaram em pouco tempo. Elliot ficava no balcão organizando a bandeja, Elena anotava os pedidos e Kristen servia como de costume. A manhã transcorreu-se rápido, a hora do almoço chegava e o movimento gradativamente aumentava. Nada fora do normal, se não fosse pelo fato de que ao parar uns instantes para descansar seus pobres pés esmagados na sapatilha que calçava, Elliot puxara assunto sobre seu desaparecimento em dias passados.
— Sabe, cabelo de fogo, — Elliot apoiou-se no balcão — tu ainda não nos dissestes o que acarretara em teu sumisso por dias. Ou por onde estivera andando durante esse tempo.
Kristen que estava sentada apoiando seu rosto na sua mão, sentiu-se surpresa. Não esperava pedidos de explicações depois de dias após sua volta.
— É uma longa história, meu irmão — suspirou cansada — Verdadeiras aventuras tua irmã viveu.
— Sou todo ouvidos — aproximou-se Elliot.
Kristen começou a falar desde o encontro indesejado com o bêbado que outrora lhe atacara na taverna até o momento em que fora salva por um homem estranho que passava por perto dali, para sua sorte.
— E quem era esse homem? — Elena surgiu ao seu lado pondo o caderno de anotações por sobre o balcão. Kristen sequer notara que Elena tinha ouvido sua história visto que a pouco passava de mesa em mesa anotando pedidos.
— Viktor, é seu nome — Kristen respondeu vaga lembrando vagamente do rosto dele. Elena desviou o olhar, parecia pensar em algo enquanto Elliot continuou falando.
— O que ele fizera contigo, Kris? Machucou-a?
— Não, Elliot. Ouviste o que acabei de dizer? Se estou aqui agora é graças a ele — Kristen pensou em falar sobre o toque daquele homem em sua pele, da dor horrível que tomara seu rosto em contato com as mãos daquele ser, porém, o que diria? Que ele era uma aberração do mesmo modo que o chamara quando estivera sob o teto dele? Ninguém acreditaria nela, decerto.
— E tu? Já o conhecias? — Elena perguntou interessada.
— Nunca o vira em minha vida — ela respondeu e Elena pareceu respirar melhor, porém, isso mudou ao fim da próxima frase se Kristen — Mas ele parecia me conhecer, ou confundir-me com alguém.
Elena a olhou de olhos levementes arregalados, parecia surpresa ou assustada, no entanto disfarçou tal reação olhando para outro lado. Kristen continuou falando o que acontecera depois disso, falou da fuga que armara e da alcatéia que a cercou.
— Kris, não acha estranho esse homem ir atrás de ti salva-la novamente quando somente tu querias fugir?
— Sim, eu acho, Elliot. Porém creio que ele se sentiria culpado em deixar-me ir sabendo que algum mal poderia acontecer comigo.
— Ele não tem de ter motivos para se preocupar com uma desconhecida... — Elena disse vaga.
— Não, não tem. Mas ele parecia não me ver como uma desconhecida.
Ao fim daquela frase, Elena retirou-se para a cozinha, um homem chamara pedindo cerveja e petiscos e Elliot voltou a organizar a bandeja.
***
A tarde caía sobre suas cabeças. O movimento aumentava e diminuía. Nas poucas vezes em que Kristen tivera tempo de sentar-se, notou que Elena estava vaga, fazia tudo como se nem notasse o que fazia, não falava mais que o necessário e nem parava. Talvez ela devesse suspeitar de algo errado, mas resolvera ignorar uma vez que Elena estava ocupada e devia ser isso o motivo de seus movimentos mecanizados.
Elliot estava ocupado fazendo contas e vendo o estoque de bebidas que havia ali então Kristen quando não servia, sentava-se sozinha no balcão esperando um novo pedido. Tudo transcorria normal ali até que Elena recostou-se no balcão e começou a falar.
— As vezes noto-a em outro lugar, minha irmã — Elena dirigiu-se a Kristen.
— Tu não és a única que nota quando as pessoas viajam por pensamentos diversos — olhou para Elena — Já notei alguma diferença em ti desde minha volta. O que tens?
— Preocupo-me contigo, minha irmã, não confio por onde vagaste ultimamente.
— Não tens de se preocupar comigo agora. Estou bem, afinal — sorriu tranquilizadora, mas Elena não retribuiu o sorriso.
— Este homem pode ser perigoso para ti.
— Já teria me feito mal se assim fosse. Eu estava sob seu teto, chances não lhe faltaram.
— Sinto que não nos contastes tudo sobre tua estadia lá — Elena lhe olhou desconfiada. Kristen desviou o olhar ponderando se devia contar tudo, de fato. Elena e Elliot sabiam onde Kristen havia passado um tempo e das enrascadas que Viktor lhe livrara, no entanto, Kristen pulou a parte em que tentou aproximar-se de seu herói.
Se dissesse a Elliot tal fato ele enlouqueceria uma vez que seu irmão parecia achar que todos os homens do mundo lhe queriam mal. Porém, Elena era mulher, não era? Sempre fora sua confidente, sempre guardara seus segredos... Não havia mal em falar a ela, afinal.
— Desde que pus meus pés naquele lugar isolado tudo que mais quis foi sair o mais rápido possível dali — Kristen começou a falar fitando um ponto qualquer na taverna — Porém, depois de algumas noites, senti algo novo crescer em mim, algo como uma curiosidade, uma necessidade de descobrir aquele lugar. Por mais estranho que pareça, eu sinto que aquele quer me dizer algo.
Elena escutava calada, fitava um ponto qualquer enquanto Kristen parecia voltar no tempo e ver na sua frente tudo que falava a sua irmã.
— Aquele homem não é um homem qualquer, Elena, e sabendo disso, senti vontade de ficar lá, desvenda-lo, entender o que o ar daquele lugar queria me dizer. Pensando assim, decidi que iria me aproximar dele, tentar descobrir algo e agradece-lo por ter me salvo duas vezes.
— E por que voltaste, então?
— Ele recusara minha aproximação — sorriu triste. Elena lhe fitou surpresa.
— Recusara? De que modo? Ele a machucou?
— Mandou-me embora. Disse-me que meu lugar não era lá. Talvez estivesse certo.
— Entendo... — respondeu vaga.
— Minha irmã — Kristen lhe fitou segurando as mãos de Elena — Contei-te esta parte pois tu és minha confidente e sei que posso confiar minha vida a ti. Mas, por favor, não diga para Elliot. Sabe como ele é todo preocupado conosco, não vamos aborrece-lo com coisas tolas — Sorriu.
— Tu podes mesmo confiar em mim, Kristen — Elena sorriu estranho — Não te preocupes, teus segredos são os meus.
***
Já era noite, a taverna começava a esvaziar e estava próximo a hora de fechar o ambiente.
— Diabos — Kristen sentiu-se retirando as sapatilhas apertadas e massageando seus pés — Meus pés pedem socorro.
— Já devias ter-te acostumado, cabelo de fogo — Elliot limpava o balcão.
— Eu acostumei-me, porém meus pés ainda reclamam ter de andar tanto. Como um lugar tão modesto pode parecer ter o triplo de seu tamanho? — fez careta ao massagear a sola de seus pés suspirando em seguida — Preciso de uma bela noite de sono.
Kristen virou-se para de frente ao balcão e lá repousou sua cabeça sobre a madeira gasta.
— Então sejas uma boa menina e feche a taverna, sim? — Elliot sussurrou em seu ouvido. Ela gemeu frustrada.
— Diabos! Tudo aqui sou eu quem tenho de fazer, é isso mesmo?! — Kristen levantou a cabeça preguiçosa.
Elliot riu.
— Não sejas dramática.
— Só vou pois quero recolher-me logo — Kristen passou o dedo na ponta do nariz de Elliot — E porque teus olhos de mel me convenceram.
Kristen saiu preguiçosa da cadeira e nem se deu ao trabalho de calçar novamente a sapatilha andando por sobre o chão frio dali.
— Iremos fechar! — ela falou batendo palmas para chamar a atenção dos poucos homens ali — Voltem amanhã!
Alguns deles resmugaram algo e levantaram-se a contra gosto enquanto alguns estavam bêbados demais para reclamar. Kristen deu graças aos Deuses quando todos haviam ido e ela conseguiu fechar a porta do ambiente.
Andando sonolenta até o balcão, Kristen abaixou-se pegando suas sapatilhas e dando a volta no balcão, abraçou Elliot dando-lhe um beijo na bochecha.
— Irei repousar, olhos de mel. Não me acorde antes do fim dos tempos, eu peço — ela sorriu divertida. Ele retribuira brevemente — Onde está Elena?
— Estava com dor de cabeça e recolheu-se mais cedo.
— Melhoras para ela — ela passara a mão pelo rosto de seu irmão — Durma bem, meu irmão.
Kristen então lhe dera as costas pronta para ir para seu quarto, entretanto, Elliot lhe chamara fazendo-a olhar para trás.
— O que houve, Elliot? — perguntou confusa.
— Gostaria de falar contigo amanhã. Preciso falar-te algo.
— Oh, sim — Kristen sorriu — Amanhã serei toda ouvidos para ti, Elliot. Boa noite, olhos de mel.
Então Kristen retirou-se para seu quarto.
O ambiente estava escuro visto que a pequena janela mal deixava adentar qualquer luz. Um candeeiro jazia em cima se sua mesa-de-cabeceira, mas não era o suficiente para iluminar algo. Kristen andou sonolenta e cambaleante e de uma só vez jogou-se na fina cama de seu quarto, entretando, seus ossos protestaram com o impacto.
— Maldições! — Kristen pôs as mãos nas costas que doíam — Tenho de comprar mais palha para pôr nesse maldito colchão. Diabos, minhas costas!
Kristen reclamava enquanto sentava-se na beira da cama sentindo seus ossos reclamarem. Ela passou um tempinho ali esperando que suas costas lhe dessem o descanso que tanto almejava. Depois de alguns breves minutos, os ossos de Kristen pareceram melhorar fazendo com que ela decidisse deitar-se lentamente. Ela suspirou sentindo seu corpo entregue ao sono que queria lhe tomar, então ela virou levemente para sua mesa-de-cabeceira afim de apagar o candeeiro, no entanto, por sobre a madeira do móvel, lá estava ela.
A misteriosa adaga com as iniciais V.G. gravadas em letras caprichosas nela.
Ali, naquele momento, ela teve um clarão, e uma ideia lhe ocorreu.
Talvez estivesse errada, mas V.G. agora não lhe parecia ser tão misterioso assim.
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Olá, olá Jubinhas do meu ❤
Cá está mais um capítulo de MI pra vocês. Mas e então, o que acharam do capítulo? O que ainda acham de Elena? E Elliot o que quer? A adaga está de volta, o que será que Kristen vai fazer com ela?
Façam já suas apostas e que vença a melhor 🎉🎉
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Aguardo manifestações 😍
Até logo ❤❤
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