Capítulo XVII - Um pouco sobre a maldição
*Ative a mídia para acompanhar a leitura.*
Já pela manhã Kristen fitava-se no reflexo da penteadeira enquanto o pente alisava seus fios. Mesmo fitando-se ela nada via, pois seus olhos vagos estavam perdidos nas confusões de seus pensamentos.
Os flashes da noite anterior, o sonho disforme que tivera ainda estava vívido em sua lembrança como se as imagens passassem a frente de seus olhos. Os gritos desesperados, o sangue banhando o vestido, Viktor gritando. Tudo parecia muito real.
Um estranho rebuliço mexia consigo, uma apreensão inexplicável, uma curiosidade aguçada. Ela permitiu-se fitar de fato seu reflexo no espelho. Ela rodeou toda a imagem de seu rosto no reflexo, mas tudo que conseguia ver era a curiosidade em pessoa.
Ela detestava sentir curiosidade pois, na maioria das vezes, isso sempre lhe causava alguma decepção.
Ela deixou a escova jazer em cima da madeira rústica e resolvera sair dali. Talvez tomando um ar as idéias ficassem mais claras, talvez ela só chegasse a conclusão que era só um sonho sem sentido algum e que não precisava preocupar-se. Mas por que sonhara com Viktor? Será que aquilo era mesmo só um sonho?
***
Viktor fitava a lareira sereno; mãos cruzadas a frente do corpo coberta pela luva branca que a Srta. Sartórios lhe dera. A imagem da moça dançava suave por sua mente. O rosto sereno dela a dormir, os cabelos forrando o travesseiro até os movimentos suaves que ela fazia quando mexia-se sutil na cama.
As imagens ainda pareciam nítidas, mas o que mais mexia consigo era o fato de estar pensando nela sem sequer repreender-se por tal. O ato de pensar em alguém que não fosse Marie ainda lhe fazia sentir-se inseguro, como se traísse sua eterna amada, mas o ato de privar-se de tal o fazia sentir-se preso, enjaulado por algo que não fizera.
Sentiu-se confuso. Os sentimentos se misturavam, medo e alegria, insegurança e ternura, receio e certeza. Tudo estava muito confuso para si, ele não saberia explicar. Por diversas vezes a imagem de Marie invadia sua mente, mas então, fitando-a um pouco mais, logo quem estava em sua frente era Kristen, fitando-o com olhos de mar.
Kristen descia os degraus da escada bifurcada, mas já na metade dela ela parou. Viktor estava lá embaixo, na sala do local, em pé ao lado de uma poltrona olhando a lareira apagada. Ela então desceu o restante dos degraus mas, já ao fim do mesmo, ela tropeçou nos próprios pés fazendo um pequeno barulho antes de endireitar-se novamente.
Viktor que parecia tão disperso logo olhara para trás procurando a fonte do ruído e encontrou Kristen se recompondo e logo em seguida sorrindo sem graça.
— Discrição não é teu nome, Srta. Sartórios — ele riu nasalado observando ela se aproximar devagar com um sorriso contido a pintar os lábios rosados.
— Oh, claro, porque tu és a discrição em pessoa. Desculpe, havia me esquecido — ele sorriu abertamente maneando a cabeça.
— Caíste da cama? — ele voltou a ficar a lareira.
— Tu deves saber, tu estavas lá — ao fim das palavras da moça, Viktor fitou o rosto dela de lado enquanto ela própria observava a lareira.
— Como? — ele se fez de desentendido. Ela sabia que ele estivera lá. Por um instante Viktor sentiu receio, talvez ela não reagisse bem. O que ela pensaria sobre ele? Que era uma aproveitador? Que a desrespeitara durante seu repouso? Ele sentiu os punhos fechar, o receio aumentou e sem notar, ele estava temendo as próximas palavras dela.
— Eu o vi lá. Tu dormias sereno naquela cadeira.
— Srta, Sartórios, eu não queria... Quero dizer, eu não quero que pense que eu...
— Está tudo bem, Viktor — ela o interrompeu o fitando — Gostei de saber que tu zelavas meu sono. É algo belo para um homem.
— Eu, eu sei, eu não tinha o direito de entrar em teu cômodo e ficar no mesmo enquanto repousas. Eu peço perdão, não deveria tê-lo feito, fui leviano, indiscreto e envergonho-me de tal, mas...
— Viktor, ouviste o que eu disse? — ela interrompeu rindo da reação do rapaz — Está tudo, não haveria de ter feito algo mais belo que zelar pelo meu sono e eu sei que não farias nada contra mim. Por que estás a se desculpar?
— Eu não tinha o direito de ficar sem teu convite.
— Tu não tens o direito de desculpar-se por algo que não me oponho.
Viktor a fitou, mas logo desviara seu olhar para o chão. Embora a moça lhe dissesse que seu ato não havia problema algum, ele sentiu-se culpado de qualquer modo. O que estava pensando quando resolvera ficar? E se ela estivesse falando tudo aquilo somente para fazê-lo sentir-se bem?
— De qualquer modo, talvez tua presença naquele cômodo explique o fato de ter sonhado com tua pessoa.
— Sonhaste comigo? — ele a fitou.
— Sim, e sinto, que de algum modo, aquele sonho queria me dizer algo. Uma mensagem talvez.
Viktor franziu o cenho e sem entender sentiu um receio crescer lentamente o consumindo devagar como o fogo consome a madeira crepitante.
— E o que viste? — ele perguntou, mas intimamente temia a resposta.
— Primeiro tu dizias que amava uma mulher cuja semelhança a mim é inexplicável. Depois tudo mudava e quando dei-me conta já estava em um campo escuro, um jardim talvez, e uma mulher loira passava apressada, ela parecia furiosa pelo modo como andava e pisava no chão fortemente. Eu quis segui-la, mas antes de pensar qualquer coisa eu já estava em um lugar claro, iluminado pela luz do sol, e tudo estava enfeitado de flores, cadeiras cheias de convidados, um padre estava no altar e tu, Viktor, tu estavas sorrindo radiante a espera da noiva.
Viktor sentiu o receio aumentar, uma angústia acompanhava a sensação e seu coração já a muito inativo, de tão aflito parecia querer bater novamente.
— Quando ela surgiu envolta em branco com o rosto coberto por um véu, teu sorriso aumentou tanto que parecia que até teus olhos sorriam — ela o fitou, mas ele tinha a cabeça baixa e semblante sério. Ela continuou seu relato — Ela deslizou pelo tapete vermelho, mas quando ia levantar seu véu, ela gritou angustiada com o vestido banhado em sangue e logo ouvi teu próprio grito tão angustiado quanto o dela. Eu não soube como reagir e antes de saber, tudo desapareceu e eu estava no breu total e tudo que eu conseguia distingui na escuridão eram sussurros incessantes decretando morte.
Ao fim do relato, Kristen buscou o rosto de Viktor, o semblante de quem tinha uma explicação, mas ele tinha a cabeça baixa, o cenho franzido e lábios presos.
— É apenas um sonho disforme sem sentido algum gerado por tua mente fértil, Srta, Sartórios — seu tom era seco e ele a fitou sério como para reforçar sua palavras. Kristen analisou a reação dele, tentou descobrir algo e logo chegou a conclusão que o Sr. Greembell tinha algo a esconder.
— Parece que este sonho te incomodou deveras, Sr. Greembell — ela ergueu a sombrancelha em desafio.
— Impressão tua, criança. Só não acho que um sonho qualquer deva ganhar tanta importância quanto a que suponho que queres dar.
— Um sonho bastante perturbador, diga-se de passagem.
— É um sonho — finalizou seco. Viktor logo saiu dali e deixando Kristen para trás sem sutileza alguma abrindo a porta dupla de carvalho pondo-se para fora do ambiente.
Ela não demorou em segui-lo, pois sua curiosidade a impedia de simplesmente aceitar aquela reação e julgar o comportamento de Viktor normal.
— Talvez seja mesmo só um sonho disforme, como dizes, Sr. Greembell — ela tentou acompanhar ele que já descia os degraus que davam para o chão de ladrilhos — Mas ele me fez pensar e esta tua reação só reforça minhas idéias.
Viktor parou bruscamente voltando-se para trás para fita-la com seu semblante sério.
— Idéias? — perguntou seco — Que idéias podes tirar de um sonho?
— Tu tens algo, Sr. Greembell, e tu o ocultas — ela aproximara-se dele — Desde que tocaste-me eu evitei fazer-te perguntas embora elas maltratem-me mais do que o ataque daquele pássaro. Mas, mesmo que eu tente engolir esses pensamentos, eu não consigo simplesmente ignorá-los depois desse sonho. O que tu ocultas? Eu consigo ver que este sonho mexera consigo. Eu mereço saber o que te acontecera, Viktor.
Viktor a fitava duro, seu punho estava fechado e sua mandíbula queria travar. Estava ficando nervoso. Por fim, mantendo o olhar duro e tom do mesmo modo, saiu dali deixando as palavras no meio do caminho.
— Esqueça este sonhos bem como tuas fantasias mirabolantes sobre mim. O que sou não lhe diz respeito e este sonho é apenas um sonho qualquer.
Rapidamente ele se afastara dela, andando apressado descendo rapidamente os poucos degraus que davam para o chão de ladrilho. No entanto, ele parara um pequeno instante, olhando-a por sobre o ombro.
— Esqueça este sonho ou fiques a vontade para partir — dito isso, ele saiu dali caminhando rumo a floresta sem olhar para trás uma vez sequer.
Kristen ficara estática, seu semblante mostrava-se ofendido e uma enorme decepção corroía-na por dentro. Ela abriu a boca, sentiu vontade de falar algo mesmo que para si, mas não conseguiu emitir nenhum som. Ela remexeu os lábios, fechou os punhos e entrou furiosa, sobretudo magoada de volta a mansão.
***
Kristen revirava furiosa o armário de roupas a procura de algo que fosse seu. Embora houvesse inúmeros vestidos dos mais finos e caros tecidos, ela não considerava nenhum como seu e a partir daquela hora não se considerava mais nada daquela mansão ou de Viktor.
O modo como ele a tratou quando relatou seu sonho ainda estava bastante vívido em sua mente e ouvidos, e a última frase dele parecia que estava sendo repetida diversas vezes na sua cara.
— Esqueça este sonho ou fiques a vontade para partir.
Após aquelas palavras, ela sentia como se tivesse sido traída por si mesma por enganar-se tanto quanto ao Sr. Greembell. Ele era um arrogante, como pudera pensar que era um homem gentil como por diversas vezes demonstrou ser? Ela era uma tola, aquela imagem de homem terno agora havia se esvaído, e por mais que sentisse raiva dele ela sentia mais raiva de si própria por criar falsas imagens sobre aquele homem.
Revirando todas as roupas, tudo que Kristen encontrou fora somente um vestido simples que contrastava com a sofisticação dos demais, o mesmo que havia chegado ali dias antes e que tolamente aceitou ficar.
Pegando o mesmo ela se despiu e vestiu-o depressa; jogou o que a poucos vestia sobre a cama e pegando seu capuz negro saiu dali apressada decidida a ir embora e nunca mais voltar.
O que Viktor pensava que ela era para tratá-la daquele modo? Se ele pensava que ela ficaria e o procuraria para desculpar-se por algo que nem fizera ele estava muito enganado. Nunca tivera vida fácil, enfrentou bêbados empoderados e confusões desde que se lembrava, e ele acha que ela agora iria rastejar aos seus pés por ser um homem rico?
Ela não precisava de nada ali, e agora deixaria isto bem claro. Se o Sr. Greembell queria que ela fosse embora então que a vontade dele fosse feita.
Passando como um raio pelos corredores, Kristen procurou até não esbarrar com Margareth, ela decerto iria pedir para que ela ficasse, que esfriasse a cabeça e Kristen não queria acabar tendo de ser ignorante com a senhora que nada tinha a ver com as atitudes rudes de seu menino.
Ela passou quase correndo pela sala do local e agarrando a maçaneta dourada da porta negra, logo pôs-se para fora e deixou a mesma fechar-se atrás de si. Não perdeu tempo, andou decidida e queixo erguido até a sequência pequena de degraus que davam para o chão de ladrilho e logo aumentou o passo para ir logo embora.
Todavia, quando já andava próxima a floresta, uma mão agarrou seu braço velozmente e o impulso fez seu corpo virar-se para trás para então encarar o dono daquela mão.
— O que está fazendo? Onde vais? — Viktor perguntou com olhos aflitos.
— Indo embora! — ela aumentou o tom de voz — Solte-me!
— O que? — ele perguntou enquanto ela puxou rudemente o braço dela de suas mãos.
— É o que queres, não é? Então tenho uma ótima notícia para você Sr. Greembell: desta vez não precisa mais se preocupar em me levar ou mesmo em um possível retorno. Nunca mais verá minhas feições novamente — ela virou-se para ir embora, mas logo Viktor correra ao seu encontro agarrando novamente seu braço e a puxando para perto de si.
— Me solte! — ela gritou debatendo-se das mãos dele que seguravam ambos pelos pulsos.
— Escute! — ele aumentou o tom — Eu não a mandei embora, por que agis assim?!
— Não me mandou embora? — ela parou um segundo só para encará-lo de frente — Já te esqueceste de tuas palavras a pouco tempo atrás? Ah, claro , havia me esquecido que atua arrogância simplesmente o cega a ponto sequer se importar se tuas palavras ferirão os outros ou não — disse irônica cuspindo as palavras como facas — Mas tenho uma péssima notícia pra você: eu nunca me humilhei aos de ninguém e não será nos seus que isto ocorrerá!
Dito isto ela voltou a puxar os pulsos das mãos dele, entretanto, ele não os largou.
— O que está falando? Não quero que humilhe-se aos meus pés tampouco sou este homem que cospe em suas palavras.
— Solte-me!
— Kristen, pare! — ele gritou.
Ela parou por um instante, sua respiração estava ofegante, seus cabelos desgrenhados pelos movimentos de luta e seus lábios entreabertos deixavam o ar escapar em lufadas fortes.
— Pare — ele repetiu baixo — Não precisa agir assim, não comigo — Viktor a encarava, ela correspondia o olhar, mas vez ou outra o desviava arisca. Viktor poderou se deveria soltá-la, porém, pensando na possibilidade dela sair dali correndo, ele resolveu afrouxar o aperto de uma de suas mãos enquanto a outra se manteve firme no pulso dela.
Ele deixou que uma mão coberta pela luva deixasse o pulso dela e deslizasse rumo a sua face. Ele deslizou os dedos para puxarem os fios de cabelos que estavam colados a face dela e os pôs atrás da orelha. Ela mexeu a cabeça inquieta virando sua face como se rejeitasse seu toque, mesmo assim, Viktor passou a mão por baixo do queixo ela o puxando para que ela o fitasse.
— Olhe para mim — ele pediu terno enquanto ela tinha os olhos em outro lugar para não fitá-lo — Por favor, olhe para mim.
Kristen o olhou rapidamente e arisca desviou o olhar novamente. Viktor continuou fitando-a e ela, mesmo relutante, cedeu e o olhou.
— Eu peço perdão por minhas palavras duras. Eu sei que não tinha o direito de tratá-la daquele modo, mas tudo que tu falavas mexia em uma parte de mim que sofreu e sofre muito. Como modo de defesa tudo que me restara fora tratar-lhe daquele modo. Mas eu não queria trata-la assim, saiu do meu controle e antes mesmo que eu pudesse ver, as palavras já haviam saltado de meus lábios.
— Defender-se de que? De mim? — ela perguntou sem entender — Eu só estava relatando um sonho, não tinhas que me tratar como qualquer uma.
— Não, não tinha mesmo até porque tu não és qualquer uma. Foi um erro, eu sei, e eu estou pedindo perdão por ele. Eu aceito seu ressentimento, mas peço-lhe apenas que não tomes a decisão de partir por causa de minhas palavras tolas.
— Não tens de reagir assim a cada vez que alguém sonhar contigo. Tu mesmo falaste que era apenas um sonho — ela virou o rosto olhando para o chão.
— Mas talvez não seja apenas um sonho — ao fim das palavras dele, ela o fitou.
— Como? — ela perguntou confusa.
— Tu tinhas razão quando falaste que aquele sonho queria te falar algo.
— Tinha? — ela franziu o cenho.
Viktor desviou o olhar, olhou para longe, parecia lembrar-se de algo, mas, por fim, ele fitou-a novamente. Ele fitou a sua própria mão que ainda segurava um dos pulsos dela e lentamente deixou os dedos afrouxarem até finalmente soltar o pulso da Srta. Sartórios.
Ela continuava o olhando até que ele ofereceu a mão propondo que ela a pegasse.
— Gostaria que viesse comigo, Kristen.
— Mas o que o sonho queria me dizer? Tu não vais explicar? — ela perguntou deixando a mão dele ainda a espera da sua própria.
— Venha comigo e logo saberás — ele disse por fim. Ela fitou a mão dele e depois seu rosto, mas logo deixou a mão se sobrepor sobre a dele e logo ela fora guiada por Viktor de volta em direção a mansão.
***
Viktor ia em sua frente, sua mão segurava a dele e a curiosidade corroia Kristen lentamente. Ele a guiava para o lado direito da mansão, e cada vez mais se afastavam da entrada do lugar.
Depois de algum tempo andando em silêncio, logo, a alguns metros de si, ela pode visualizar um grande verde, uma grama que mais parecia uma tecido jogado ao chão e por sobre o mesmo, diversas outras cores pintavam o verde. Era um jardim.
Quanto mais se aproximavam, logo Kristen sentiu os pés afundarem na grama fofa e as diversas fragrâncias invadirem seu nariz o fazendo coçar.
— Viktor, o que estamos fazendo aqui? — ela quebrou o silêncio que havia entre ele até aquele momento, mas ele nem sequer a olhou e continuou guiando-a pelo lugar vasto.
Eles andaram mais um pouco até que Viktor parou bruscamente fazendo com que Kristen repetisse também seu gesto.
— Chegamos — ele anunciou. Kristen fitou o lugar, as inúmeras flores espalhadas pelo grandioso lugar, uma pequena fonte da escultura de um pássaro transbordava água e no mesmo, verdadeiros pássaros matavam sua sede.
— Eu não sabia que tinhas um jardim — ela comentou.
— Como disse outrora, tu não sabes muitas coisas sobre mim — ele sorriu de lábios selados.
— Então me conte — ela o fitou — Disseste que se viesse contigo tu me contarias algo. O que não me disseste ainda?
Viktor suspirou pesado, olhou para o jardim, tentou refugiar-se no céu também tentando controlar a ansiedade e insegurança em si.
Depois de algum instantes Viktor olhou para as mãos, fitou-as como visse algo além de mãos enluvadas. Lentamente ele começou a puxar os dedos da luva, algo lento como se aquilo pesasse fazer.
Kristen observara os movimentos dele com um certo receio. Seja lá o que for que ele estivesse fazendo, ela temia que ele se arrependesse depois.
— Srta. Sartórios, não precisa temer — ele disse puxando os dedos da outra luva sem fitá-la — Retirar esta luva é mais tenebroso para mim do que é para ti.
Quando as luvas já jaziam sobre a mão de Viktor ele andou lentamente em direção a uma roseira. Kristen entrelaçava os dedos nervosas e contida andou na mesma direção que ele o seguindo até se pôr ao seu lado.
— Por anos eu sou privado de tocar qualquer coisa — ele começou — Qualquer coisa que me tocar, exceto animais, será castigado com meu toque.
Kristen estava ao lado dele, fitava o rosto dele de lado enquanto ele tinha a cabeça baixa fitando as rosas.
Aos poucos ele deixou a mão deslizar no ar lentamente e então permitiu que seus dedos tocassem as pétalas de uma rosa. Ao poucos, logo a viçosa rosa de cor vermelha começou a ser corrompida, suas pétalas começaram a ficar escuras e logo aquela cor começou a tomar toda a estrutura da mesma.
O negro se espalhava como chamas consumindo algo, e Kristen observava aquela cena com minuciosa atenção.
— Eu não entendo — ela comentou — Como pode ser possível?
— Há muitos anos atrás este toque maldito não me pertencia — ele começou a relatar ainda fitando a rosa que agora contrastava com as demais — Eu era como tu és, podia tocar qualquer coisa, era apenas mais um homem na face da terra, sem dons nem maldições. Cresci, tornei-me homem e atraí inimigos perigosos os quais não me pouparam de seu ódio.
Viktor deixou os dedos rodearem o caule da rosa e a arrancou dali fitando-a com tamanha melancolia.
— As rosas sempre serão testemunhas da aberração que me tornei.
— O que exatamente fizera com que tu foste corrompido por esse toque?
O Sr. Greembell respirara fundo, como se ela tivesse tocado em uma ferida ainda aberta. Logo ele deu-lhe as costas e deixou-lhe para trás. Ela o seguiu.
— Viktor, quantos anos tens? — ele parou, continuou fitando a rosa em mãos sem fitar Kristen.
— Vinte e dois. Mas já faz muito tempo que tenho esta idade — ela arregalou os olhos. Como podia?
— Quanto tempo?
— Mais do que poderia conter. Quando meus inimigos deram-me deste venenoso castigo, também me privaram de viver. Ou mesmo morrer — ele continuou andando, Kristen o seguiu sem falar nada ainda tentando absorver as informações que recebia — Por demasiadas vezes tentei tirar minha própria vida, procurando, quem sabe na morte, paz. Mas não adiantava. Nem mesmo a morte seria capaz de me livrar de meu tormento. Pois de qualquer modo, já estava morto, afinal, mas impedido de descansar em paz. Apenas uma casca vazia, assombrada por fantasmas que jamais me deixarão.
— Viktor — ela falou de fato sentindo-se tocada por suas palavras tão dolorosas. Ele prosseguiu seu relato.
— Desde então, tudo que eu toco padece sob meu toque — ele fitou a rosa negra entre suas mãos — Vivemos, Kristen, não pela vida em si, mas pela a nossa alma, nossa essência. Se a perdemos, morremos. Então esses longos anos tem sido assim para mim. Quando toco algo, isso perde sua essência, sua alma. Torna-se trevas e medo. Assim como a beleza desta rosa perde seu charme e seu perfume, aqueles a quem eu tocar perderão suas alma e, por consequência, sua vida também.
Lentamente ele andara e não falara mais nada. O silêncio recaíra sobre eles como um longo e pesado lençol. Kristen não sabia o que dizer, ou mesmo se saberia o que dizer,então apenas o seguiu em silêncio. Quando dera-se conta já haviam saído do jardim, e voltavam até a mansão. Quando a figura negra dele abrira a porta e lhe dera passagem, ela entrara no ambiente enquanto ele ainda mantinha-se em silêncio.
— Viktor — ela dissera chamando o olhar dele sobre si novamente — por que tenho a impressão que não me falaste tudo a teu respeito?
— Porque estás certa de pensar assim. Mas isto é tudo que posso falar-te por hora.
— Por que? Não confias em mim? Achas que o que tu me disser irei espalhar aos quatro ventos? — ela se aproximou dele que estava parado ao lado de um pequena mesa onde um jarro jazia. Viktor colocou a rosa negra em mãos em meio ao arranjo de rosas vermelhas no jarro.
— Porque se esconde de minhas perguntas, Viktor? Já não é óbvio minha confiança em ti?
Kristen tomou as luvas dele de suas mãos em lentamente começou a vestir as mãos do Sr. Greembell novamente com o tecido.
— Kristen, — ele deslizou a mão enluvada pelo rosto dela — por favor, não me faças recordar de algo que me magoa tanto. Tu saberás tudo sobre mim se quiseres, mas deixa-me preparar-me para este momento para que não desabe em sua frente ao ver teu repúdio sobre mim.
Kristen sentiu o cenho franzir com as palavras dele.
— Eu nunca mais o repudiarei novamente — ela sentiu vontade de acariaciar o rosto dele como ele próprio fazia agora com o seu, mas seu desejo teve de ser contido.
— Eu realmente espero que não voltes atrás de tuas palavras. Precisarei da validade delas quando souberes tudo — ele sorriu triste logo deixando o rosto dela e passando ao lado da própria caminhando rumo a escadaria
— Viktor, — ela foi ao seu encontro — eu esperarei que me contes tudo sobre ti, e como eu disse, eu não o repudiarei novamente. Mas, como uma recompensa por este tempo que terei de esperar, peço que me acompanhes até a feira da cidade.
— Não — ele balançou a cabeça veemente — Eu nunca mais irei a feira alguma — ele deu um passo na escada, mas Kristen segurou seu braço o impedindo de seguir o caminho.
— Por que não? É apenas uma feira, pela idade que disseste que tem ninguém que te repudiara outrora está vivo mais. Ninguém o conhece e será bom sentir-se apenas um em meio a multidão.
— Kristen, eu sei que quer me ajudar, mas os temo — ele deixou escapar. Notando o que dissera ele quis desfazer mas, notando o quanto tarde era para tal, ele continuou suspirando derrotado — Eu temo que as pessoas me vejam, que me repudiem novamente, que me temam como uma aberração.
— Não o temerão. Ninguém saberá quem és, Viktor. Eu te asseguro disso. Eu estarei lá, do seu lado — Kristen sorriu complacente tentando acalma-lo.
— Kristen, eu não...
— Faça por mim — ela interrompeu — Por favor.
Ele a fitava. Procurava nela algo que lhe dissesse para não ceder, que aquilo era errado, que tudo daria errado, mas acima de qualquer receio, no rosto dela ele somente encontrou confiança e segurança.
Ele suspirou derrotado.
— Irei preparar Tempestade — ele passou ao lado dela deixando-a para trás.
— Quem é Tempestade? — ela perguntou da escada.
— Minha égua.
Ela sorriu.
***
Já na feira Kristen fitava todas aquelas pessoas andando para lá e para cá, conversando alegremente com cestas penduradas em suas mãos, sorrisos nos rostos, gritos anunciando suas mercadorias e muito calor humano. Viktor tinha a cabeça baixa, fitava tudo por baixo do capuz negro, olhava para diversas direções como se temesse o tempo todo.
— Viktor, não precisa agir como um fugitivo. Há de chamar atenção agindo deste modo — ela riu segurando a cesta ainda vazia.
— Eu sou um fugitivo, Kristen. Não pertenço a este lugar. Não conheço estas pessoas. Sinto-me uma praga em meio a plantação — ele olhou para os lados.
— Viktor, são apenas pessoas. Não irão te fazer-te mal — ela riu novamente puxando a touca do capuz dele deixando seus cabelos de cor areia exposta.
— Kristen, — ele colocou a mão sobre a touca novamente tentando puxa-la, mas ela segurara seu pulso o impedindo de recolocar a touca.
— Nem pense nisto, Sr. Greembell — ela segurou as mãos dele fitando-o — Viktor, não tens de agir como se todos estivessem te caçando. Ninguém sequer nota tua presença aqui — ela olhou ao redor e ele repetiu o gesto dela — Ninguém sequer nos olha, Viktor, não tens de agir assim, ou de fato vão achar-te suspeito e vão prender-te acusado de roubar frangos. — ela riu, ele sorriu inseguro fitando as pessoas — Fiques calmo, não deixarei que mal nenhum te aconteça. Dê a si mesmo a chance de viver normalmente. Ao menos uma única vez, esqueça de tudo que lhe acontecera e seja apenas Viktor Greembell, um homem comum que viera a feira — ele a fitou. Ela sorria terna a sua frente, a luz do sol que batia no rosto dela lhe dava uma aparência angelical, o sorriso parecia ter sido bordado pelos anjos. Ele sentiu uma paz instaurar-se em si.
— Confiarei em ti — ele cedeu acariciando o rosto dela. Ela acentiu com a cabeça sentindo o veludo da luva na bochecha.
Após instantes, ela tomou a mão dele o arrastando para um senhor próximo a eles que vendia uvas. Ela pegou uma das pequenas uvas e a comeu, Viktor ficou quieto enquanto baixava a cabeça por está sob o olhar do dono da banca.
— São um casal? — o homem sorriu amigável atraindo o olhar tanto de Kristen quanto de Viktor para si.
— Não, — ela gaguejou sorrindo sem graça — apenas bons amigos.
— Amigos, hã? — ele olhou desconfiado para ambos — Minha filha dizia o mesmo até casar-se escondido com o miserável.
Kristen e Viktor riram uníssono. Kristen o fitou de maneira estranha e ele não pôde negar que gostara daquele olhar. Ela pegou uma uva e guiou até a boca dele que não soube rejeitar o gesto tendo aquele olhar sobre si.
***
Elena olhava as tomates na banca enquanto Elliot estava encostado na banca de braços cruzados impaciente com a demora.
— Levas de vez todas as tomates, Elena — ele disse ranzinza.
— Ora, não seja impaciente. Não posso levar qualquer fruta podre que ver pela frente. Ainda bem que não o mandei vir sozinho, ou comeríamos lavagem — ela logo olhou para a dona da banca sorrindo em desculpa pelo que dissera.
— Já estamos aqui a tempo suficiente de comprar todas as frutas.
— Estas aqui — ela entregou as tomates para a senhora da banca embalar — Pronto, Elliot, já iremos ir embora.
— Os Deuses são bons! — ele espalmou as mãos como se agradecesse aos céu. Elena mostrou a língua e Elliot riu coma reação da irmã. Ele começou a olhar a feira enquanto a senhora embrulhava as tomates com desnecessária lentidão.
Entretanto, fitando o local, ao longe Elliot viu uma figura envolta em negro acompanhado de uma moça que ria sonoramente ao seu lado. Elliot logo reconhecera aqueles cabelos ruivos e não pôde evitar que o cenho franzisse e os punhos fechassem. Logo ele largara as cestas que tinha nos braços e saiu dali sem dar nenhuma explicação a Elena.
— Elliot, onde vai? — ela perguntou vendo ele se afastar sem lhe falar nada.
Viktor observava o riso de Kristen enquanto limpava a roupa de dele suja de tomate que ela própria havia jogado.
— Vejas o que fizeste! — ele riu vendo a mancha no suéter negro.
— Me perdõe, Sr. Greembell — ela batia a mão sobre as pequenas sementes que ainda haviam sobre o tecido escuro — Já a muito achei que merecias.
Ela riu e ele riu também. Em todo o tempo que passara isolado naquela mansão jamais havia parado para pensar no quanto ir a uma feira com a Srta. Sartórios poderia ser divertido. A muito não ria tão livremente sem sentir-se preso por sua maldição, e ele tinha certeza que guardaria aquele momento para sempre consigo.
Kristen afastou-se de si, mirando o local onde a mancha de tomate estava.
— Ora, não está tão manchado assim.
Antes que Viktor pudesse dizer qualquer coisa, um homem esbarrou em Kristen e logo Viktor pôde sentir seu peito ser empurrado com força por aquele homem.
— Afaste-se dela! — Elliot gritou enquanto Viktor sentiu seu corpo bater contra uma banca de frutas.
— Elliot, o que está fazendo? — Kristen gritou segurando o braço de Elliot que encava Viktor desafiador.
__________________________________
5448 palavras
Olá, olá Jubinhas do meu ♥ Aceitam um suco de uva? Ksks
Cá está mais um capítulo de MI cheio de emoções como prometido! Agradeço de coração todos que votaram em MI lá no concurso, vocês são demais, sério ♥ E sobre o Spoiler, próximo capítulo vai rolar muita tensão e nosso Viktor estará em apuros, não percam! Quero agradecer também a todos quem lêem MI, pois sem dúvida essa foi uma das melhores semanas para MI! Sejam bem-vindos, leitores! ♥
Aguardo manifestações!!!
Até logo♥♥
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top