Capítulo 18 - Meu primeiro solo

O caminho até o festival foi longo. Passei a maior parte do tempo dormindo, pois não dormi direito durante a noite e também para aliviar um pouco o nervosismo que eu sentia de ir para meu primeiro festival na companhia de Henrique.

Ao chegarmos, entramos no colégio e fomos escolher um lugar para colocar as nossas coisas e nos sentar. A competição infantil já está rolando, e é muito fofo ver as crianças dançar. Todas são muito lindas e talentosas.

Aproveito para comer minha maçã e uma pera, também bebo minha água e como um pão com queijo. Retoco a minha maquiagem com as mãos trêmulas.

— Fica tranquila, tudo vai dar certo. — Driquinha segura a minha mão ao perceber que ainda estou nervosa.

Nós estamos sentados em uma arquibancada e o festival está ocorrendo na quadra. Tem um palco enorme para nos apresentarmos, e os jurados estão bem no campo de visão dos bailarinos. Eu os encaro, me perguntando se eles iriam gostar do meu solo.

Henrique está quase na minha frente ajeitando a lente da sua câmera profissional. Ele já gravou alguns stories e parece tranquilo e empolgado.

— Lembre-se de que você nasceu para dançar! — exclama Flavia, uma das outras bailarinas da Motirô. Eu abro um sorriso quando todas as meninas vem me abraçar.

Meu professor pede que todas que irão fazer solo comecem a vestir seus figurinos e eu fico ainda mais trêmula. Corro para o banheiro com meu vestido em mãos e me visto em tempo recorde. Observo meu reflexo no espelho e me sinto como uma princesa assustada. Estou linda, mas parece que eu vi um fantasma.

Saio do banheiro e me recosto em uma parede. Começo a respirar fundo para ver se isso me acalma, mas só de ver as crianças se apresentando e os jurados as encarando, eu já fico me sentindo como se fosse desmaiar.

E se eu cair? E se eu estragar tudo? E se eu dançar mal?

Meu coração dispara, fico toda trêmula e com as mãos suando. A minha garganta fecha.

— Você está bem? — Sinto a mão de Henrique no meu ombro e me viro.

— Estou ótima. — Me esquivo de seu toque, irritada, mesmo sem saber bem o motivo.

— Tem certeza? — pergunta, atencioso. — Posso pegar uma água para você, se quiser.

— Não precisa, valeu. — Dou as costas para ele e Gil vem em minha direção.

Ouço a voz do moço que está anunciando as coreografias pedir para que a minha escola de dança se prepare e me ligo de que a minha vez está chegando.

— Você já pode ir para a coxia. — Ele me segura pelos ombros. — Fica tranquila, você é boa. Vai dar tudo certo. — Meu professor me dá um abraço e sorri para mim.

Espero não decepcioná-lo.

Vou para a parte de trás da quadra, onde tem uma escada para eu entrar na coxia e subir no palco.

Subo os primeiros degraus e desço correndo.

Dou de cara com Henrique, que está segurando a câmera.

— O que você está fazendo?

— Eu não vou conseguir! — exclamo, parando na frente dele. — Eu não posso decepcionar o Gil.

— Até parece que esse é o seu primeiro solo. — Henrique sorri, achando graça do meu desespero.

— É o meu primeiro solo em festival! E se eu cair do palco? E se eu der um giro torto? Os jurados estão tão sérios! Eles vão me dar um zero e...

De repente, os lábios de Henrique estão sobre os meus e a sua mão livre está na minha cintura. É um beijo quente e arrebatador, que me deixa fervendo por dentro.

O empurro, desnorteada.

— Por que você fez isso?

— Eu precisava te distrair. — Franzo o cenho e ando de costas para as escadas. Me viro de frente e as subo correndo, com o coração retumbando dentro do peito.

Que merda foi essa?

Fico olhando o solo da menina que se apresenta antes de mim e vejo que ela é boa. Seu solo está quase acabando, e eu respiro fundo várias vezes para controlar a minha respiração.

Não é hora de pensar em Henrique e em seu beijo caloroso, e sim de se concentrar.

Concentre-se, Julia!

Meu coração está tão acelerado que sinto que toda a população do mundo pode me ouvir. Fecho os olhos, respiro fundo e tento controlar a minha ansiedade.

O solo da menina termina, e eu me posiciono no palco assim que a música começa a tocar. Não olho para a plateia e muito menos para os jurados.

Meu solo está na categoria contemporâneo adulto, e eu o danço com toda a minha alma. A música que meu professor escolheu para este solo significa muito para mim, e eu coloco meus sentimentos nos passos e na minha expressão facial e corporal. Eu giro, eu me desmonto, eu salto, me jogo no chão, faço piruetas e danço com tudo o que há em mim.

Quando termino e saio do palco, meu professor e as outras meninas me abraçam. Percebo que meu professor está chorando.

— Foi lindo, parabéns. — Ele diz, emocionado, sem conseguir dizer mais nada.

Sinto que ganhei o dia ali. Agora falta ganharmos as competições em grupo.

[...]

Durante as apresentações em grupo, eu dancei seis de oito músicas. Eu já tinha dançado a minha última música com as meninas, e a apresentação fora um arraso.

Já é noite, e eu já havia comido tudo o que eu trouxera. Comprei um lanche na cantina da escola, uma mini pizza e uma garrafinha de Coca-cola. Assim como eu, Driquinha dançava seis músicas e também se alimentava ao meu lado.

Nós já havíamos tirado muitas selfies e corrido de um lado para o outro para trocar de roupa para nos preparar para as próximas coreografias. Chegou em um ponto em que tive que trocar de roupa no meio da arquibancada, na frente de todo o mundo. Notei que Henrique virou o rosto bruscamente quando viu a minha calcinha. Pelo menos ele foi respeitoso.

— E aí, acha que nós vamos ganhar alguma coisa? — pergunta Malu. Ela é uma novata que tinha dançado duas músicas conosco e é muito legal.

— Eu acho que faltou mais pressão em Um Adeus, mas Me deixando sem nada e Bem querer nós fomos muito bem. — Opina Driquinha.

As outras meninas parecem concordar.

Henrique e eu não nos falamos mais depois do beijo. Eu entendi que ele só quis me ajudar e me distrair para que eu pudesse fazer meu solo, mas mesmo com esse entendimento, eu ainda me sentia afetada demais por conta do nosso beijo.

A competição termina e eu e as outras meninas colocamos nossos uniformes para esperarmos pelos resultados.

Primeiro, eles começam a anunciar os ganhadores dos solos.

Quase caio para trás quando anunciam que eu ganhei o primeiro lugar em minha categoria. As meninas vibram comigo e eu corro para o palco para pegar a minha medalha e um troféu.

Tiro várias fotos e selfies com a medalha e o troféu e Henrique também tira umas fotos minhas sozinha e com Gil.

Também ganhamos seis categorias em grupo, cinco em primeiro lugar e uma em segundo.

Assim que o festival acaba, nos dirigimos até a van. Me sinto exausta demais, mas pelo menos estou mais calma agora que tudo acabou.

Apesar do nervosismo, gostei bastante da experiência. É bem cansativa, mas dançar é bom, e ver outras pessoas se apresentando faz parte do meu aprendizado, e eu gosto.

O caminho de volta pareceu mais rápido. Fico o caminho todo atualizando meus pais, que mandam a minha foto e meu vídeo dançando no grupo da família, se gabando por eu ter ganhado primeiro lugar com o meu solo.

Tiro um cochilo enquanto ouço música e acordo já em Itaipuaçu. Driquinha dorme ao meu lado enquanto as outras meninas mexem em seus celulares ou tiram cochilos também.

A van para em frente a Motirô exatamente às nove e meia da noite. Nós descemos do veículo e nos despedimos do pessoal. Olho para Henrique, que está conversando com Gil e corro com Driquinha para pegar o ônibus sem querer conferir se ele em algum momento tentou fazer contato visual comigo.

— Por que você não pede para os seus pais virem nos buscar? — Driquinha indaga quando entramos no ônibus. Nós moramos na mesma rua, então a carona seria vantajosa tanto para mim quanto para ela.

— Não quero incomodá-los.

— Acha que Henrique vai querer falar sobre o beijo?

— Eu duvido. Ele só fez aquilo para me ajudar. Não é como se ele quisesse me beijar.

Driquinha cruza os braços e me encara com um semblante irritado e desacreditado.

— Você está de brincadeira, não é? — Faço que não com a cabeça, sem entender por que minha amiga está tão indignada. — Acha mesmo que o Henrique te beijaria se ele não quisesse te beijar? Ele gosta de você, garota!

— Para de ficar me iludindo. Prefiro acreditar que ele não sente nada por mim para que eu possa superar mais essa decepção amorosa.

— Você é quem sabe.

Nós descemos do ônibus e caminhamos até a nossa rua. Driquinha me abraça e segue para a sua casa enquanto eu entro na minha.

Meus pais me abraçam e comemoram com alegria a minha vitória. Ficam pedindo para olhar a minha medalha e se gabam por eu ter ganho o festival.

— Vou pedir um lanche para nós enquanto você vai tomar um banho. — avisa meu pai, já pegando no celular.

Corro para o banheiro para tomar um banho e o cansaço do dia me atinge em cheio quando sinto a água quente do chuveiro tocar meu corpo. Saio do banho me sentindo relaxada e leve. Coloco um short preto bem fresco e uma blusa branca de alcinha e desço para esperar o lanche com meus pais.

Uns quarenta minutos depois os nossos lanches chegam e eu como com meus pais, num clima bem leve e descontraído.

Quando termino de comer, escovo meus dentes e penduro a medalha que ganhei em meu quarto. A encaro com orgulho. Aquela é uma das minhas primeiras conquistas materiais como bailarina.

Me deito na cama e fico assistindo aos vídeos do festival de hoje. Me assusto quando recebo uma mensagem de Henrique.

Henrique:

Oi, está acordada?

Penso se deveria mesmo respondê-lo. Faz tanto tempo que eu não recebo uma mensagem dele que parece que estou alucinando.

Julia:

Sim.

Henrique:

Estou indo aí.

Levanto da cama bruscamente, me perguntando o que Henrique poderia querer comigo tão tarde da noite. Corro para a frente do espelho e ajeito meu cabelo antes de voltar a me sentar na cama, tentando fazer uma pose casual. Meu ex ficante entra pela janela logo em seguida, o que me faz pensar que quando escreveu a mensagem ele já estava a caminho.

Me levanto bruscamente da cama, e sinto o cheiro de Henrique me dominar. Ele está cheiroso, como sempre.

Nós nos olhamos intensamente e eu fico sem saber o que dizer ou fazer.

— O que você faz aqui? — Cruzo os braços acima do peito, sem querer assumindo uma postura defensiva.

— Eu pensei no que você disse no dia em que discutimos. — Ele olha para o chão e se volta para meu rosto logo em seguida. — E eu sinto muito. Pelas coisas que eu falei e principalmente por ter acreditado na Patrícia. Depois que eu refleti nas coisas que você disse, eu me dei conta de que você tinha razão. O divórcio dos meus pais me pegou desprevenido e me fez perder um pouco a esperança no amor. Fiquei com medo de me magoar e acabei usando a situação com Patrícia como desculpa para terminar com você. Me desculpe.

— Tudo bem... — Henrique se aproxima de mim, seus olhos estão marejados. Meu coração acelera como se eu estivesse prestes a fazer outro solo.

— A verdade é que eu senti a sua falta. E eu admiro quem você é e quem está se tornando. Eu gosto muito de você.

— Também senti a sua falta.

Henrique agora está há poucos centímetros de mim. Está tão perto que consigo ver a cor dos seus olhos e as pintinhas em seu rosto.

— Julia, você quer ser a minha namorada?

Arfo, ainda sem acreditar no que acabei de ouvir.

— O que foi que disse? — Preciso ter certeza de que eu ouvi direito. Preciso saber se isso é real.

— Você aceita namorar comigo? — Henrique pergunta novamente, risonho.

— Aceito. — Abraço Henrique com toda a força que possuo. Ele ri, o rosto apoiado em meus cabelos. Nós nos beijamos logo em seguida, um beijo apaixonado e cheio de saudade.

Sinto que estou no céu novamente, e que dessa vez nada e nem ninguém vai conseguir me tirar dele.

Henrique segura a minha coxa e eu envolvo minhas pernas em sua cintura. Ele caminha comigo até a cama enquanto nos beijamos intensamente. Me sinto viva, feliz, liberta como nunca havia me sentido antes, e percebo que Henrique está da mesma forma que eu.

Sinto que agora as coisas fazem sentido, e que tudo está nos eixos novamente.

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