38° Você merece coisa melhor


Um tempo já havia se passado quando Gabriel resolveu dar uma volta e respirar um pouco de ar fresco, foi então que ao chegar próximo da cozinha ouviu vozes de discussão.

Gabriel franziu a testa ao ouvir as vozes, abafadas mas claramente tensas. Ele parou por um momento, indeciso, mas a curiosidade foi mais forte e o levou a se aproximar cautelosamente da cozinha. Quando chegou mais perto, conseguiu distinguir as palavras. A discussão parecia ser entre Laís e o namorado dela, e a intensidade do tom de voz deles imediatamente chamou sua atenção.

— Eu já falei, Leo, não dá mais para continuar assim! — Laís dizia com um tom de frustração, mas também de tristeza. — Não importa o que eu faça, sempre parece que você não confia em mim. Eu não aguento mais essas brigas sem sentido!

Gabriel se encolheu um pouco atrás da parede, não querendo ser visto, mas incapaz de se afastar. Ele não sabia exatamente o que estava acontecendo, mas o que ouviu o fez parar. Laís nunca havia demonstrado estar infeliz, e agora, ouvir sua voz cheia de dor, era desconcertante.

— Você está exagerando, Laís. Eu não estou te controlando, só me importo com você. — Leo respondeu com um tom de irritação, quase como se estivesse tentando justificar o que estava acontecendo, mas não parecia muito convincente. — Eu só... não entendo por que você se afasta tanto de mim. O que aconteceu com a gente?

— Eu me afasto porque eu não aguento mais isso! Eu não sou sua propriedade, Leo! — Laís respondeu, a voz ficando mais firme, mas ainda cheia de frustração. — Eu preciso de espaço, de confiança, mas isso não existe aqui. O tempo todo eu me sinto sufocada.

Gabriel sentiu uma pontada no peito. Ele sabia que não deveria estar ouvindo aquilo, mas não conseguia se mover. Havia algo no ar que o fazia querer compreender o que estava acontecendo. Ele percebeu que a tensão entre Laís e Luca não era nova. Algo estava quebrado ali, algo que ele ainda não entendia completamente.

A discussão continuou, mas Gabriel, embora quisesse ir até lá e ajudar de alguma forma, sabia que não podia se envolver. Laís precisava resolver suas questões, e ele não era a pessoa certa para fazer isso. Mas algo dentro dele, uma mistura de preocupação e um desejo inexplicável de estar lá para ela, o fazia hesitar.

— Isso tudo, é por causa daquele cara não é?

— Do que você esta falando Leonardo?

—Laís, você acha que eu não percebi... Aquele seu amigo... Ele está te olhando de uma forma estranha... — Leonardo insistiu, com uma expressão desconfiada.

Laís deu um suspiro profundo, tentando manter a paciência. Já estava acostumada com o jeito protetor e, por vezes, ciumento de Leonardo, mas naquele momento estava começando a se irritar.

— Você está viajando, Leonardo. Nós somos só amigos, crescemos juntos! — ela respondeu, tentando parecer calma, mas sua voz estava carregada de uma leve frustração. Ela sabia que seu amigo se preocupava com ela, mas ele estava exagerando, como sempre.

Leonardo não parecia totalmente convencido. Ele cruzou os braços, seu olhar desconfiado não se desviando de Laís.

— Eu não sei, Laís... Ele te olha de um jeito estranho. Tipo... de uma forma que não é só amizade. 

Laís deu um pequeno sorriso, tentando aliviar a tensão, embora ainda estivesse incomodada com a situação. Ela já conhecia esse comportamento de Leonardo, sempre querendo protegê-la de tudo e todos. Mas agora, ela estava cansada disso.

— Você está vendo coisas onde não existem. — respondeu com uma leve ironia, tentando mostrar que não havia nada além de amizade entre ela e Gabriel. — Agora, vamos voltar para a festa, ok? Estamos na casa da minha amiga, é o casamento dela.

Leonardo bufou, cruzando os braços e estreitando os olhos.
— Olha, Laís, eu espero que você esteja falando a verdade. Espero que esse playboy não esteja tentando te levar para a cama.

Laís parou abruptamente, encarando-o com descrença.
— Leonardo, você está se ouvindo? O que exatamente você está insinuando?

Ele deu de ombros, o olhar carregado de um misto de ciúmes e algo mais sombrio.
— Qual é, Laís... Você é linda, gostosa... Que homem não gostaria de passar uma noite com você? Eu mesmo, quando te conheci, só pensava nisso.

Ela arregalou os olhos, perplexa com as palavras dele.
— Você está bêbado. Acho melhor nos recolhermos.

Laís começou a se afastar, o coração apertado pela mágoa e indignação. Mas antes de dar mais dois passos, sentiu as mãos de Leonardo segurarem seu braço, com força suficiente para fazê-la se virar abruptamente. Ele a pressionou contra a parede próxima, seu rosto a centímetros do dela, os olhos faiscando de raiva e desejo.

— Me solta! Você está me machucando, Leonardo! — Laís tentou se desvencilhar, mas ele manteve o aperto firme, uma das mãos segurando seu rosto.

— Você acha que pode fazer o que quiser e sair impune? — Ele sussurrou, a voz grave e tensa.

Laís sentiu o pânico crescer. Aquela não era a pessoa que ela achava conhecer.
— O que está acontecendo com você? Esse não é o homem por quem me apaixonei!

Leonardo hesitou por um segundo, como se suas palavras tivessem feito algo despertar dentro dele. Ele afrouxou o aperto no braço dela, mas manteve o olhar fixo.
— Talvez você nunca tenha me conhecido de verdade.

A tensão no ar era sufocante. Laís aproveitou o momento para se soltar completamente. Com a respiração ofegante, ela o encarou.

— Leonardo! Você está bêbado. Quando estiver sóbrio, podemos pensar em conversar.

Ele ignorou completamente, apertando-a ainda mais contra a parede. Foi então que uma voz grave ecoou pelo ambiente.

— Ela pediu para você soltá-la.

Leonardo riu, um som amargo e debochado. Ele virou o rosto na direção do intruso e estreitou os olhos.
— E quem é você para me dizer o que fazer?

— Sou o amigo dela. — Gabriel respondeu, a voz firme e carregada de autoridade.

Leonardo soltou uma gargalhada sarcástica e deslizou a mão pelo corpo de Laís, que tentou recuar.
— Amigo? Você quer é levar a minha namorada para a cama seu bastardo. Mas vai ficar querendo, porque ela é minha.

Gabriel deu um passo à frente, os olhos queimando de raiva.
— Estou pedindo com educação: solta ela, ou eu não respondo por mim..

Leonardo estreitou os olhos, desafiador.
— E se eu não fizer?

Antes que ele pudesse terminar, Gabriel agiu. Com um movimento rápido, desferiu um soco direto no queixo de Leonardo, que cambaleou para trás. Laís conseguiu se soltar, e Gabriel rapidamente a puxou para trás dele, protegendo-a.

— Sério, Laís? Você tem um péssimo gosto para homem. — Gabriel murmurou, sem tirar os olhos de Leonardo.

Leonardo se levantou, ainda cambaleando, o rosto agora vermelho de raiva. Ele gritou algo ininteligível e avançou na direção de Gabriel. Em segundos, os dois estavam trocando socos, derrubando cadeiras e atraindo a atenção dos convidados.

Laís, ainda em choque, correu para buscar ajuda.

— Alguém, por favor, ajude! Eles estão brigando!

Rafael, Enzo, Matteo, e Enrico correram até o local... Quando chegaram no local,  rapidamente se aproximaram, separando os dois. Gabriel estava ofegante, com um pequeno corte no lábio, mas se manteve firme. Leonardo, por outro lado, parecia fora de controle, gritando insultos e tentando se soltar das mãos que o seguravam, enquanto tinha um olho roxo, e o nariz quebrado.

— Que merda é essa?! — Rafael exclamou, ainda tentando impedir Gabriel de partir para cima de Leonardo. — Estamos na festa da sua irmã, cara! Se controla!

— Me solta, Rafael! — Gabriel rugiu, a voz carregada de raiva. — Eu vou acabar com esse bastardo que não sabe tratar uma mulher!

Leonardo, cambaleando levemente, ainda tentou provocar:
— Isso é dor de corno, hein? Por acaso você quer foder a minha namorada?

O comentário fez todos ao redor ficarem em silêncio por um instante. Rafael e Matteo trocaram olhares tensos, enquanto Enzo e Enrico se colocaram entre os dois para evitar que a briga escalasse ainda mais.

Gabriel, no entanto, se soltou de Rafael com um movimento brusco e encarou Leonardo com fogo nos olhos.

— Você é um covarde. — Gabriel disparou. — E se tocar nela de novo, juro que não vou me segurar.

Leonardo riu de forma cruel e partiu para cima de Gabriel mais uma vez, mas desta vez Enrico foi mais rápido. Ele segurou o moreno com firmeza, usando sua postura autoritária de tenente para impor respeito.

— CHEGA! — Enrico ordenou, sua voz grave e imponente ecoando pelo salão. — Isso acaba aqui e agora! — Leonardo tentou se desvencilhar, mas Enrico o segurou com uma força implacável.— Se você não sabe tratar uma mulher, então é melhor ir embora daqui antes que a situação piore.

Leonardo, mesmo com a postura arrogante, percebeu que estava em desvantagem e parou de resistir, resmungando algo inaudível enquanto Enrico e Enzo o afastava.

Matteo se aproximou de Gabriel, colocando uma mão firme em seu ombro.
— Amigo, já deu. Não vale a pena.

Enquanto Leonardo era escoltado para fora por Enrico, Gabriel sentiu o olhar de seus familiares sobre ele. Alessandro quebrou o silêncio com um sorriso nervoso para o cunhado.

— Bom, festa animada, hein?

Ninguém riu, mas o comentário ajudou a aliviar a tensão no ar. Mesmo assim, Gabriel sabia que aquele incidente ficaria marcado, e que as coisas entre ele e Laís talvez nunca mais fossem as mesmas.

Laís tremia enquanto observava tudo. Gabriel virou-se para ela, passando uma mão pelo cabelo bagunçado.

— Você está bem? Ele machucou você?

Ela balançou a cabeça, os olhos marejados.
— Eu... não sei o que aconteceu. Ele nunca foi assim antes...

Gabriel suspirou, aproximando-se com cuidado.
— Bem, acho que agora você sabe quem ele realmente é.

Laís engoliu em seco, sentindo as palavras atingirem fundo. Mas antes que pudesse responder, Gabriel acrescentou:
— Você merece muito mais do que isso, Laís. Só espero que agora você enxergue isso.

Ela olhou para ele, as emoções conflitantes refletidas em seus olhos. A confusão, o alívio e... algo mais. Algo que ela não estava pronta para admitir ainda.

Laís começou a chorar descontroladamente, as mãos tremendo enquanto tentava conter as lágrimas. Gabriel sentiu um impulso imediato de abraçá-la, de oferecer algum consolo, mas antes que pudesse agir, Samyra e Milena apareceram.

— Vem, Laís, vamos sair daqui. — Samyra disse suavemente, passando o braço ao redor dos ombros da amiga.

— A gente vai cuidar de você. — completou Milena, lançando um olhar rápido para Gabriel, que apenas assentiu para a prima.—

As duas conduziram Laís para longe, murmurando palavras de conforto. Gabriel ficou parado, observando-a desaparecer entre os convidados, uma mistura de culpa e algo indefinível apertando seu peito.

Foi então que Alice, surgiu ao seu lado, com um leve sorriso no rosto. Ela cruzou os braços, o vestido de noiva balançando suavemente enquanto olhava para o irmão com ternura.

— Você está bem? — ela perguntou, o tom calmo, mas atento.

Gabriel respirou fundo, ainda sentindo a adrenalina percorrendo suas veias.
— Sim. Me desculpe por tudo isso... Por ter estragado sua festa de casamento.

Alice balançou a cabeça, seu sorriso se ampliando.
— Você não precisa se desculpar. Você fez o que era certo, irmão. Eu não estou brava, pelo contrario... Estou orgulhosa.

Ela deu um passo à frente e o abraçou, envolvendo-o com um calor que só alguém da família poderia oferecer. Gabriel hesitou por um momento antes de retribuir o abraço, sentindo o peso da culpa aliviar, mesmo que por um instante.

— Você também merece ser feliz, Gabriel. — Alice sussurrou, afastando-se apenas o suficiente para olhar nos olhos dele. — Acho que já está na hora de começar a pensar em você irmão.

Ele suspirou, desviando o olhar.
— Não sei, Alice... Não sei se felicidade é algo que combina comigo.

— Ah, por favor. — Ela riu, cruzando os braços novamente. — Todo mundo merece ser feliz, Gabriel. Inclusive você.

Ele tentou sorrir, mas o pensamento de Laís, suas lágrimas e sua dor ainda o atormentavam.
— Talvez... Mas agora não é o momento.

Alice deu um leve empurrão no ombro dele, brincalhona, mas cheia de significado.
— O momento nunca vai ser perfeito, Gabriel. Só não perca quando ele chegar.

Ela piscou para ele antes de ser chamada por convidados ansiosos para a próxima dança. Gabriel ficou ali, sozinho por alguns instantes, as palavras de Alice ecoando em sua mente. Enquanto isso, seus olhos involuntariamente buscaram por Laís entre a multidão, embora ele soubesse que ela precisava de espaço.

Talvez Alice estivesse certa. Talvez fosse hora de começar a pensar nele mesmo. E, talvez, Laís fosse uma parte importante dessa equação.

Ela deu as costas, caminhando em direção à saída com passos firmes, apesar do nó em sua garganta. Enquanto isso, Leonardo ficou parado, as mãos tremendo levemente, observando-a desaparecer entre os convidados.

 Gabriel, ainda sem saber o que fazer, resolveu se afastar antes que fosse percebido. Ele precisava de um momento para processar tudo aquilo. As palavras de Laís ecoaram em sua mente: Eu não sou sua propriedade.

Ele se afastou, caminhando sem rumo pelo jardim, sentindo uma mistura de impotência e confusão. O que ele sentia por Laís era real, isso não podia mais ser ignorado. Mas agora, com tudo o que ouvira, ele não sabia como poderia entrar nessa história sem piorar a situação.

Enquanto pensava, o som suave da música da festa chegou até seus ouvidos, lembrando-o de que, por mais que suas preocupações pessoais o envolvessem, havia uma celebração em andamento, e talvez fosse hora de ele se permitir deixar um pouco de lado o turbilhão emocional que o consumia. Mas, no fundo, ele sabia que a conversa com Laís ainda era algo inevitável.

Ele deu mais alguns passos e, enquanto o vento fresco acariciava seu rosto, pensou em como a vida às vezes era mais complicada do que ele gostaria.

***

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