20° Sentimentos
Quando Alice estacionou o carro diante da casa de campo, o cenário à sua frente era acolhedor e tranquilo. A casa, com suas paredes de pedra envelhecida e um grande jardim que parecia um pedacinho do paraíso, estava cercada por árvores altas e flores coloridas. Era um local familiar para Alice, cheio de memórias e de uma sensação de pertencimento. No entanto, para Alessandro, tudo aquilo era novo, mesmo que de alguma forma parecesse familiar. Algo dentro dele dizia que ele já havia estado ali antes, mas as imagens não vinham com clareza.
Ao abrir a porta do carro, eles foram recebidos com entusiasmo. O som de risadas e vozes altas ecoava de dentro da casa, e uma pequena multidão se aproximou para cumprimentá-los, acompanhados por outras crianças, que saltitavam ao redor de Alessandro, como se ele fosse um velho amigo.
— Tio Ale! Você voltou! — exclamou Bella, correndo para abraçá-lo. Ela era a primeira a chegar, com os cabelos morenos presos em um rabo de cavalo, e o sorriso largo no rosto, como sempre. Ela parecia tão animada que Alessandro quase pôde sentir a energia vibrante dela, mas, ao mesmo tempo, não conseguia lembrar da última vez que a tinha visto.
Ele retribuiu o abraço, mas a sensação de estranheza foi inevitável. Ele olhou para os rostos das crianças ao seu redor, todos conhecidos, mas ao mesmo tempo tão distantes. Havia algo desconectado na maneira como ele os via, como se uma camada de neblina estivesse obscurecendo suas memórias mais afetivas.
As crianças, animadas, começaram a falar sobre coisas que ele não conseguia compreender completamente, mencionando lugares e momentos que não se conectavam com ele de forma alguma. Eles falaram sobre suas últimas aventuras, suas brincadeiras, como se Alessandro tivesse estado com eles o tempo todo, compartilhando risos e segredos. Mas ele só podia sorrir e acenar, respondendo com palavras vagas, como um ator que finge conhecer o roteiro, mas sente que está perdido no palco.
— Como você está, Alessandro?
— Bem, muito bem Nonna... — respondeu ele, tentando disfarçar a confusão. Ele forçou um sorriso, mas a sensação de falta persistia. Ele observava as pessoas ao seu redor e sentia um vazio, um buraco, como se não tivesse vivido aqueles momentos de amizade e família que todos pareciam ter compartilhado tão naturalmente. Era como se as memórias não tivessem sido deletadas, mas, sim, bloqueadas, impedindo-o de lembrar completamente o que ele deveria saber.
Alice, que estava ao seu lado, percebia o desconforto dele e, com um gesto sutil, o conduziu para dentro da casa. Ele se sentia como se estivesse de fora, observando a vida que deveria ter vivido, mas que agora parecia distante demais. A casa, as crianças, os adultos, todos estavam tão imersos na memória comum, enquanto ele estava perdido, com um vazio estranho que o incomodava.
— Não se preocupe... você vai lembrar de tudo. Vai ser como uma peça que se encaixa aos poucos. — disse Matteo dando um tapa no ombro do amigo, em um tom calmo, como se estivesse tentando acalmá-lo de uma forma que ele pudesse entender.
Alessandro olhou para ele, seus olhos ainda carregando um leve receio. Havia algo em seu olhar, uma frustração silenciosa pela falta de conexão com o que estava ao seu redor. Mas, por um breve momento, ele sentiu uma pequena chama de esperança. Como se, talvez, ao lado de Alice, ele finalmente pudesse encontrar o caminho de volta para tudo o que ele não conseguia lembrar.
— Eu quero me lembrar... quero muito... — ele disse, a voz baixa, quase inaudível.—
— Aquela é minha esposa Kiara Greco... Nos casamos faz três anos... A bonequinha no colo dela é a minha filha violeta... O casal sentado ao lado dela são meus filhos Dante e Zoe. — falou apontando discretamente para ás crianças.— A bella é filha do meu irmão Enzo com a Luna? Você lembra deles?
— Sim... Me lembro deles... Dos seus pais... da nona, seus irmãos... Mas o restante não...
Matteo apenas assentiu antes de continuar... A loira do lado da minha esposa, é a Giovanna, é a esposa do Rafael... E o loiro ao lado de Milena, é o Tenente Enrico Rossi, o marido da minha irmã.
— Sua irmã casou? — Ele perguntou perplexo.—
— Sim... Já faz uns cinco anos... Você e Alice foram padrinhos dele.
— Nossa... Acho que perdi muita coisa... Por que não me lembro de nada.
Matteo olhou para Alessandro com uma expressão de compreensão, mas também de um leve pesar. Ele sabia que, por mais que tentasse, as palavras nem sempre eram suficientes para preencher o vazio que o amigo sentia.
— Não é fácil, Ale — disse Matteo, com um tom suave. — A memória tem uma maneira própria de voltar. Às vezes, ela nos prega peças, nos faz acreditar que perdemos mais do que realmente perdemos. Mas, com o tempo, você vai ver que o que importa ainda está aqui. Com todos nós.
Alessandro forçou um sorriso, tentando se agarrar a aquelas palavras, mas a dúvida ainda persistia. A sensação de estranheza não desaparecia, e ele não sabia como preencher os buracos da sua história. Ele olhou para as crianças ao redor, todas tão envolvidas em suas brincadeiras, tão naturais em sua alegria, como se o tempo nunca tivesse se passado. E, no entanto, ele não conseguia se lembrar de um único momento com elas, ou com Matteo, ou com qualquer outra pessoa ali.
Ele sentiu Alice se aproximar, a sua presença sempre reconfortante, mas ainda havia uma distância em seus gestos, algo que ele não conseguia definir. Ela parecia ser um ponto de estabilidade no meio daquele turbilhão, mas, ao mesmo tempo, ele não sabia como encaixar a imagem dela em sua história.
— Não se cobre tanto — disse Alice, com a voz suave, lendo suas expressões silenciosas. — A memória volta. Quando menos esperar, ela vai surgir. Apenas deixe-se viver o momento. Como você está fazendo agora. Isso também é importante.
Alessandro olhou para ela, buscando uma resposta, mas sentiu que as palavras dela estavam se misturando com seus próprios pensamentos. Ele queria acreditar, mas não sabia como se agarrar a algo que não era mais real para ele. Ele se virou para Matteo e tentou mudar de assunto, buscando algo que o fizesse se sentir mais ancorado na realidade.
— E você, Matteo? Como está sua vida com Kiara e as crianças? — perguntou ele, tentando focar no que estava mais à sua frente.
Matteo sorriu ao falar sobre sua família, mas seus olhos se suavizaram ao perceber a dificuldade de Alessandro em se conectar com tudo o que estava acontecendo.
— Está tudo bem, cara. Kiara e eu estamos bem, e as crianças... bom, Violeta já está crescendo rápido, Dante e Zoe são uma verdadeira bagunça, mas é divertido. Eles adoram a ideia de ter você de volta entre nós, e não tenho dúvidas de que você vai se lembrar dos momentos com eles. Aos poucos.
O olhar de Alessandro se suavizou ao ver Matteo falar com tanta naturalidade sobre sua vida. Era como se Matteo tivesse uma confiança que ele ainda não conseguia alcançar. Ele olhou para as crianças, rindo e brincando, e sentiu uma pontada de nostalgia. Algo dentro dele dizia que já tinha vivido aquilo, mas era como se estivesse tentando lembrar de um sonho perdido.
Quando os dois entraram na sala, a atmosfera era calorosa. O cheiro de comida caseira preenchia o ar, e a mesa estava posta com pratos abundantes, como se cada detalhe tivesse sido preparado para recebê-lo de volta. As risadas e conversas preenchiam a casa, criando uma sensação de conforto, mas Alessandro não conseguia deixar de sentir que estava observando uma cena que não era inteiramente sua.
— Eu deveria me lembrar disso — murmurou para si mesmo, enquanto olhava para o ambiente ao seu redor.
Alice se aproximou dele, sua voz suave como um suspiro.
— Você vai se lembrar, Alessandro. Quando estiver pronto.
Ele olhou para ela, e pela primeira vez em muitos dias, sentiu um pequeno fio de esperança. Talvez fosse isso o que faltava: dar tempo a si mesmo para aceitar que a recuperação, e a lembrança, aconteceria no seu próprio ritmo.
Enquanto o almoço começava e as conversas se espalhavam pela sala, Alessandro sentou-se, rodeado por sorrisos e gestos amigáveis, tentando absorver cada fragmento de sua nova realidade. Ele não sabia como, nem quando, mas no fundo sabia que, aos poucos, os pedaços da sua história se reuniriam. E talvez, ao lado de Alice, ele começasse a entender quem ele realmente era.
****
O sol dourado banhava a casa de campo com sua luz cálida, refletindo nas águas cristalinas da piscina onde as garotas riam e conversavam descontraídas. Alessandro estava sentado em uma cadeira de madeira, afastado do burburinho, observando o movimento ao redor. Matteo brincava com os filhos mais ao fundo, e o som da felicidade familiar preenchia o ambiente.
Mas ele não conseguia se concentrar nisso. Seu olhar era constantemente puxado para Alice, que estava na beira da piscina, com os cabelos loiros presos de forma displicente e um sorriso no rosto. A risada dela parecia ecoar de um lugar distante, como uma lembrança perdida em um mar de incertezas. Ele podia se lembrar de cada rosto ali com nitidez, mas o dela continuava sendo um borrão na sua mente. E isso o incomodava mais do que ele queria admitir.
— Ela é linda, não é? — Uma voz suave e carinhosa surgiu ao seu lado, tirando-o de seus pensamentos.
Alessandro virou o rosto e encontrou dona Antonela, a avó de Matteo, sorrindo para ele.
— Sim. — Ele respondeu com um sorriso pequeno, desviando o olhar para Alice novamente. — Ela é muito linda.
Dona Antonela se sentou ao lado dele, ajeitando a saia leve enquanto o observava com atenção.
— Mas... — Ela completou por ele, com um tom de quem já sabia o que estava por vir.
— Mas algo não se encaixa nisso tudo. — Ele suspirou, passando a mão pelos cabelos em frustração. — Eu não entendo por que não consigo me lembrar.
A mulher inclinou levemente a cabeça, como se ponderasse a pergunta.
— Ah, bambino... A mente humana é um mistério até mesmo para os melhores médicos, como você. Pode ser muitas coisas... o trauma, o choque... Mas, se me permite dizer, acho que você não deveria se preocupar tanto.
— Não me preocupar? — Alessandro franziu o cenho, confuso. — Como não me preocupar? É como se eu estivesse perdendo algo importante da minha vida, e isso está me enlouquecendo.
Antonela riu baixinho, o som gentil e tranquilizador.
— Uma garota como aquela, Alessandro, não sai da vida de um homem tão facilmente.
— O que isso quer dizer?—Ele a olhou, intrigado..—
— Você pode ter perdido a memória, mas os seus sentimentos ainda estão aí dentro. Eles não se apagam tão facilmente.
Alessandro ficou em silêncio, tentando absorver o que ela dizia.
— Isso significa que...
— Significa que você sempre foi apaixonado pela minha neta. — Ela disse com naturalidade, deixando Alessandro completamente surpreso. — Isso é um fato, Alessandro. Por mais que vocês dois fingissem que eram apenas amigos, era óbvio para qualquer um que prestasse atenção.
Alessandro arregalou os olhos, a boca se abrindo levemente em choque.
— Apaixonado? Por Alice?
Dona Antonela riu novamente, dessa vez mais divertida.
— Sim, bambino. Eu mesma já peguei vocês se beijando pelos cantos dessa casa diversas vezes.
Alessandro sentiu seu coração acelerar ao ouvir aquilo. Era uma informação tão absurda e, ao mesmo tempo, tão intrigante.
— E ela? — Ele perguntou baixinho, como se temesse a resposta.—
— Ah, minha querida Alice. — Antonela suspirou, olhando para a neta com um sorriso nostálgico. — Por mais que ela nunca tenha admitido, ela também ama você. Está estampado nos olhos dela, Alessandro. Sempre esteve...
Alessandro abaixou o olhar, sentindo uma mistura de emoções que ele não conseguia nomear.
— Eu não sei o que fazer com isso...
Dona Antonela tocou de leve o braço dele, um gesto reconfortante.
— Você não precisa saber agora... O coração, bambino, tem seu próprio tempo. Mas lembre-se disso: a memória pode falhar, Alessandro, mas o amor... o amor nunca se esquece.
Alessandro olhou novamente para Alice, que agora estava dentro da piscina, brincando com as crianças e rindo alto. Ele não sabia exatamente o que sentia por ela, mas uma coisa era certa: algo dentro dele o puxava para ela, como uma força irresistível que ele não sabia explicar.
Talvez, ele pensou, o caminho para suas respostas estivesse bem diante de seus olhos. E ele só precisaria encontrar coragem para segui-lo.
***
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top