12° Medo
Alice se encontrava sentada em uma sala vazia, a cabeça enterrada entre as mãos. Pela primeira vez em anos, ela sentiu o peso do medo real, o tipo de medo que vinha com a possibilidade de perder alguém que ela não queria admitir que amava.
— Você é uma idiota, Alice — murmurou para si mesma. — Por que esperou tanto tempo para perceber?
Enquanto isso, as memórias invadiam sua mente: o primeiro dia em que conheceram Alessandro, ainda na residência, quando ele a fez rir com uma piada boba; o jeito como ele sempre parecia saber quando ela precisava de apoio, mesmo sem que ela pedisse; e as noites que passaram juntos, rindo, conversando, sem nunca rotular o que tinham.
"Eu deveria ter dito que queria mais. Eu deveria ter dito que amava ele."
O arrependimento era esmagador, mas tudo o que ela podia fazer agora era esperar. Esperar que ele sobrevivesse, que acordasse.
***
Quando Matteo chegou, os corredores do hospital estavam mais silenciosos, mas o ambiente no centro de trauma era tudo, menos calmo. A equipe já havia se reunido e estava aguardando suas instruções. Cristiano, ao vê-lo entrar, fez um breve aceno de cabeça, como se fosse a única coisa que ele pudesse oferecer naquele momento. Matteo não disse nada. Ele se aproximou da maca onde Alessandro estava sendo preparado, sua expressão imperturbável, mas seu olhar não conseguia esconder a dor que o consumia por dentro.
Alessandro estava inconsciente, sua respiração ainda irregular, o rosto pálido e as manchas de sangue secas visíveis nas laterais de sua cabeça e pescoço. O braço esquerdo estava imobilizado, mas a impressão de que ele estava prestes a se perder no abismo da inconsciência ainda pairava no ar.
Matteo olhou para Cristiano com um olhar direto, que dizia tudo sem precisar de palavras. Ele sabia que ali não havia espaço para hesitação. O tempo era crucial, e cada segundo perdido poderia custar a vida de Alessandro.
— Está com a saturação instável — disse Cristiano, quebrando o silêncio. — Traumatismo craniano e fratura no braço. A pressão arterial também está caindo. Ele perdeu muito sangue.
Matteo assentiu e, sem perder tempo, começou a examinar Alessandro de forma meticulosa, seu olhar concentrado enquanto ele verificava os sinais vitais e ajustava os aparelhos. Sua mão passou suavemente sobre a testa do amigo, como um gesto quase instintivo de carinho, mas também de desespero. Ele sabia que isso poderia ser mais complicado do que qualquer um gostaria de admitir. E sabia também que o médico dentro dele, o profissional imbatível, estava em conflito com o homem que temia pela vida de um amigo querido.
— A cirurgia será complicada. Precisamos estabilizá-lo primeiro. Eu preciso de sangue, rápido! — ordenou Matteo, sem desviar os olhos de Alessandro. Ele não queria ver nada além do que estava diante de si, o que, no momento, era a única coisa que importava.
As enfermeiras imediatamente começaram a organizar os materiais para a transfusão, enquanto um dos médicos de plantão, com as mãos trêmulas, começou a preparar o ambiente para o procedimento.
— Se você for continuar tremendo no meu turno, é melhor sair da sala agora — Matteo falou com frieza, o tom cortante de sua voz ecoando nas paredes da sala de cirurgia. Seu olhar foi direto e impiedoso, como uma lâmina afiada.
O residente, um jovem médico que estava começando a entender a dureza da profissão, deu um passo para trás, claramente assustado. Seus olhos estavam fixos na mesa cirúrgica, e ele rapidamente se endireitou, tentando esconder a tensão que o consumia. Não era o momento para erros. Não era o momento para fraquezas. Matteo sabia disso melhor do que ninguém.
Cristiano, que observava de perto, sentiu um calafrio percorrer sua espinha ao ouvir o tom implacável de Matteo. Eles tinham trabalhado juntos por anos, e sabia muito bem que aquele tom não era só um reflexo da pressão da situação. Era a voz de um homem que não deixaria nada, nem ninguém, impedir que fizesse tudo o que fosse necessário para salvar seu amigo.
O residente, por mais desconcertado que estivesse, fez o que era esperado: deu um passo atrás, ajustando as luvas e respirando fundo, como se tentasse se preparar para o que viria a seguir. Ele não tinha mais escolha. A operação já estava em andamento, e qualquer hesitação poderia comprometer tudo.
Matteo, por sua vez, não se importava com as tensões no ambiente. A sala de cirurgia se tornara um espaço onde ele era o único a comandar. Seu foco era inabalável. Ele já havia enfrentado emergências mais complexas, mas algo sobre aquele caso mexia com ele de uma forma que ele não podia ignorar. Não era apenas um paciente. Era Alessandro. E, como sempre, isso fazia a diferença.
— Precisamos estabilizá-lo agora. O trauma craniano é o maior risco. O braço pode esperar — Matteo continuou, dirigindo-se à equipe de forma pragmática, mas sem deixar de demonstrar a urgência da situação. Seus olhos estavam fixos em Alessandro, que estava inconsciente sobre a mesa, sua respiração irregular sendo monitorada cuidadosamente pelas máquinas.
Cristiano se aproximou mais uma vez, desta vez colocando uma mão firme no ombro de Matteo, tentando transmitir um pouco de apoio. Ele sabia que o amigo estava dando tudo de si, mas também sabia o quanto isso afetava o emocional de Matteo. Ele estava tentando esconder a dor, mas isso só o tornava mais determinado, mais feroz.
— Eu sei, Matteo... — disse Cristiano em um tom mais baixo, quase como um murmúrio. — Mas não se esqueça de cuidar de si também. Ele vai precisar de você depois disso.
Matteo não respondeu. Não havia tempo para palavras de consolo. Ele apenas assentiu brevemente e voltou sua atenção para o que realmente importava: salvar Alessandro.
A equipe estava pronta, o lugar estava frio e silencioso, exceto pelo som das máquinas, que se tornavam cada vez mais presentes à medida que Matteo se preparava para o procedimento.
Antes de se concentrar totalmente na operação, Matteo olhou mais uma vez para Alessandro. A luz fria do ambiente refletia em seu rosto pálido, e ele parecia ainda mais frágil naquele momento, como se estivesse se distanciando de tudo o que conhecia. Matteo não conseguiu evitar um breve suspiro, uma onda de emoção que atravessou seu peito. Mas ele rapidamente se reconcentrou.
Ele não podia permitir que isso o afetasse agora. O amigo ali não era mais Alessandro, a pessoa, o amigo que ele conhecia. Ele era, naquele momento, apenas um paciente, e Matteo era o cirurgião que lutaria pela vida dele.
O bisturi estava pronto. A adrenalina, já familiar, começou a tomar conta de Matteo. Ele não estava mais pensando em nada além de sua tarefa. Mas, por dentro, a preocupação ainda permanecia. Ele sabia que a batalha de Alessandro estava apenas começando.
O destino de Alessandro estava nas mãos do amigo. E, ao contrário de tudo o que o hospital poderia oferecer, naquele momento, Matteo era o único que poderia fazer a diferença.
As enfermeiras estavam agora administrando mais sangue, e as máquinas de monitoramento estavam emitindo sons constantes. A equipe médica trabalhava rapidamente, ajustando os parâmetros da ventilação e da transfusão enquanto Matteo preparava os instrumentos para a intervenção. Cada movimento dele era preciso, como uma coreografia bem ensaiada. Ele não pensava, apenas agia.
O som do bisturi cortando a pele de Alessandro foi quase silencioso em comparação com o turbilhão de pensamentos que se passava na cabeça de Matteo. O que era uma cirurgia de rotina em outros contextos, se tornava uma batalha pessoal. Ele sabia que, naquele momento, era mais do que apenas sua habilidade como cirurgião que estava em jogo. Era a confiança que Alessandro sempre depositara nele, era o tempo que passavam juntos, era o vínculo de amizade e de irmandade que transcende a relação profissional.
— Estabilizem o monitoramento da pressão arterial. E aumentem a infusão de fluidos. — Matteo ordenou, sem desviar os olhos do campo operatório. Ele sentiu o peso de cada palavra que dizia, sabendo que cada decisão podia ser a diferença entre vida e morte.
O tempo parecia se esticar à medida que ele avançava na cirurgia. A equipe estava se movendo em um ritmo quase frenético, e cada som na sala. o zunido das máquinas, o som metálico dos instrumentos, as ordens rápidas e as respostas da equipe, formava uma melodia angustiante. Mas Matteo estava imune a isso. Seu único foco era Alessandro, e ele estava completamente imerso no trabalho, cortando com precisão, corrigindo o que era necessário e monitorando cada sinal vital.
Alguns minutos depois, quando a situação parecia começar a se estabilizar, um dos enfermeiros se aproximou com uma nova atualização.
— A saturação está melhorando. A pressão arterial também se estabilizou. — a enfermeira anunciou, e Matteo deu uma rápida olhada para o monitor. Sua expressão permaneceu impassível, mas por dentro ele sentiu uma pequena onda de alívio.
Mas ele sabia que ainda não era o momento para relaxar. A cirurgia era apenas o começo. A verdadeira luta estava em manter Alessandro vivo durante o pós-operatório. A pressão sobre ele, como médico e amigo, não diminuía.
— Bom. Agora, vamos cuidar do restante. — Matteo disse, e a equipe continuou a trabalhar sob sua liderança, como uma máquina bem lubrificada. Ele não poderia se dar ao luxo de falhar, nem por um segundo.
Enquanto ele fazia as últimas correções no campo operatório, sua mente voltou a se lembrar de Alessandro, antes de tudo isso. Ele recordava os momentos que haviam compartilhado: risos, discussões, os longos dias no hospital, mas também as conversas sobre a vida, sobre os amores, sobre as dificuldades. As lembranças o mantinham ancorado, impedindo que ele sucumbisse à tentação de pensar no que poderia acontecer se ele falhasse.
Mas, por enquanto, ele não falharia. Ele não permitiria que isso acontecesse.
A sala estava silenciosa, exceto pelos ruídos das máquinas e o som rítmico dos batimentos cardíacos de Alessandro. Matteo sentiu um aperto no peito. Ele não sabia o que o futuro reservava, mas, por ora, ele estava fazendo tudo o que podia para garantir que seu amigo tivesse um futuro para viver.
A cirurgia foi longa, mas ao final, Matteo saiu da sala com uma expressão cansada, mas calma. O medico removeu o avental sujo e se dirigiu até a sala da prima.
— E então? Ele vai ficar bem?
Matteo hesitou por um momento, mas sabia que não podia esconder nada dela.
— Conseguimos controlar a hemorragia. Ele vai precisar de acompanhamento rigoroso nas próximas 48 horas, mas há boas chances de recuperação. No entanto... — Matteo fez uma pausa, como se escolhesse cuidadosamente as palavras. — Não podemos garantir que não haverá sequelas. Ele pode acordar com amnésia ou déficits cognitivos...
As palavras de Matteo atingiram Alice como um soco. Ela sentiu o chão fugir novamente, mas respirou fundo, lutando para se manter firme.
— Ele vai acordar? — perguntou, sua voz carregada de emoção.
— É o que esperamos. Mas vai levar tempo.
Alice assentiu, engolindo o nó na garganta. Ela sabia que as próximas horas seriam decisivas, e que, quando Alessandro acordasse, tudo poderia ser diferente.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top