Capítulo 39


Capítulo 39

Saímos do nosso quarto naquela manhã, após tomar nosso "café na cama nupcial". Eu nunca tinha visto tanta fartura assim na minha vida, desde os banquetes em Hogwarts. Depois, fomos para praia ficarmos fritando ao sol debaixo dos guarda-sóis do hotel. Aproveitamos a nossa bonança e descemos com outra garrafa de champagne.

- Quer dar a mão pra mim? Talvez fique mais convincente que somos casal, o que acha? – perguntou ele rindo da minha cara.

- Você se diverte, não é?

- Tudo de graça, ao preço de fingir ao hotel que somos casal? Com certeza! Beijaria até na boca por mais champgne.

Eu apenas conseguia rir, com meu estômago gelado.

"Mas o que você não sabe, é que pra mim tudo isso faz parte de um sonho que sempre tive. Uma realidade que queria pra mim"

Ao longe, víamos a praia lotada de pessoas, famílias, rodas de amigos, dentre outras. Nem mal pisamos na areia e dois guris vieram nos ajudar a localizar aonde queríamos ficar. Pegamos um guarda-sol que caberiam umas 08 pessoas sentadas, com mesa e tudo. Eles nos ajudaram a organizar nossas coisas e nos trouxeram um balde com gelo. Quanto mais coisas iam acontecendo, champgne, almoços, cafés da manhã gigantes, garçons, mais eu ia ficando sem jeito ao lado do Burro. Agora ele era um cara de classe maior que a minha e, jamais teria como oferecer isso a ele. Aquela sensação de impotência em nunca poder ser um cara que poderia oferecer coisas bacanas, me deixava mal. Desde quando ele ia querer ficar andando com um rapaz simples como eu?

- Mais algum coisa que possamos ajuda-los, senhor?

- Por enquanto só! – respondeu o Burro a eles.

Esperamos eles distanciarem e depois sentamos a beira do mar. Era um belo dia de sol, com areia branca e muito vento.

- Jura mesmo que veio pra praia e não vai ficar de sunga? – perguntou ele tirando seu short e colocando em cima da mesa.

- Nem todos aqui são ciclistas, corredores e escaladores de montanha que nem você! Tem todos aqui tem sua pernas e bunda – respondi arrancando uma careta.

- Você jura que esse bando de gente veio aqui só pra ter ver pelado? – perguntou ele ficando em pé e apontando a milhares de pessoas na areia.

- Pelado não, de sunga!

- Você entendeu! Ninguém vai reparar em ti.

"Talvez eu queira agradar apenas uma pessoa, pensou nisso?!"

- Eu vejo você de cueca desde que éramos moleques.

"É, você está certo!"

- Se alguém olhar torto pra mim eu coloco minha roupa de volta.

Ele apenas sorriu.

- Cara, você não entendeu! Ninguém aqui quer saber de você. Para de ser idiota e aproveita.

"Para de ser idiota e aproveita? Se soubesse que quero agradar apena a uma pessoa, conforme estou dizendo a mim mesmo, seria muito mais fácil!"

Esperei que ele se virasse de costas para poder me despir. Mas, para minha alegria, o short era de velcro. Aquele "cract" do velcro chamou atenção do litoral de São Paulo inteirio. Tentei tirar o short de uma vez, mas ele grudara na minha perna por conta da eletricidade estática.

"Obrigado física!"

Esperei ele se virar novamente e ajeitei meu pau para caso ele ficasse duro, fosse menos visível aos olhos de todos. Era inevitável que ele ficasse sempre mole ao lado do amor da minha vida. Ao ver me vermelho, ele sorriu com aquele sorriso torto e logo me afundei na cadeira.

- Ah para Alan – disse ele me puxando pela mão e me levantando.

- Para Burro! – retruquei.

- Não paro! Vou enfiar você na água com sunga ou sem. Lembra bem o que fiz ontem à noite?

- Se não vai fazer isso?

Mas antes que pudesse responder de novo, ele agarrou minhas mãos e foi me arrastando rumo a água que fazia um som maravilhoso com as ondas. Andamos mais de 50 metros de mãos dadas até ele me jogar na água estupidamente GE-LA-DA!

- VAI TOMA NO MEIO DE SEU CU SUA BICHA RUIVA – berrei fazendo toda praia de Enseada nos ouvir – ISSO NÃO É LEGAL.

- Mas ontem a noite você gostou!

- ONTEM A NOITE ESTAVA QUENTE!

Aquela água estupidamente gelada fez com que minha respiração acelerasse e logo veio aquela dor insuportável. Apenas parei dentro da água, fechei os olhos, coloquei a mão debaixo do peito direito e apertei. Apertei bem forte enquanto a meu corpo ia costumando com a água gelada.

- O que foi Alan, bateu alguma coisa?

- É aquela dor da respiração!

- Isso pode ser giárdia, sabia?

- O que?

- Verme! – respondeu ele rindo da minha cara.

- Desde quando eu tenho verme?

- Por que, os Bortolozzo não tem verme?

- O Prof.° de Kung Fu disse que é respiração errada!

- Eu.. estou.. zoando! – disse o Burro pausadamente, fazendo um bola de areia e jogando em mim.

- Qual é meu? – disse abrindo os braços e jogando água nele.

O Burro apenas me fitou, como se fosse querer conversar, mas ao invés disso, mergulhou na primeira onda e foi nadar. Detestava quando eu estava bravo e o Burro me deixava falando só. Gostava quando ele puxava assunto, quando ele me fazia discutir, quando ele me fazia gritar, mas não, sempre me deixava só ou falando sozinho.

"Também, eu sempre sou o que briga. Eu sempre tenho a paciência curta. Eu sempre fui o cara mimado."

Já que eu tenho o dom de cagar com meu amigo, melhor deixa-lo nadando enquanto tomo sol. Sai do mar e fui direto para nossa barraca. Catei uma esteira e coloquei na areia, depois fiz um bolo com a toalha, para servir de travesseiro e me deitei no chão.

"Foda-se quem ia me ver de sunga."

A qualquer momento o Burro chegaria ali e me encheria de água fria, pois ele sabe que isso me irrita. Mas passados longos minutos, talvez até uma hora e nada dele. Meu corpo já estava estupidamente quente e torrando. Me levantei e procurei por um ponto fluorescente na água. E nada. Dei mais uma boa olhada e nada de Burro.

- O que está procurando? – perguntou uma atrás de mim.

- AHHHHHHHH CRÊ EM DEUS PAI FILHA DA PUTA! – disse dando um pulo na areia – vai assustar o capeta moleque. E eu amo a dona Neusa, antes de tudo! Mas a intenção é tem mandar a merda.

Lá estava ele sentado bem atrás de mim, curtindo a praia.

- Há quanto tempo está aí? – perguntei, sem graça, me sentando na cadeira ao seu lado.

- Uns 40 minutos por quê? – respondeu ele sério.

"O Burro não dar risada quando eu me fodo, era sinal que ele realmente ficou sentido com meu comentário!"

- Quer tomar algo Alan? – perguntou ele indo até o balde e tirando a garrafa de champagne.

Apenas respondi com a cabeça que sim. Ele estourou a champagne, e logo corri com as taças para não deixar que todo o liquido caísse na areia. Depois eles as encheu e brindamos. O Burro ainda continuava naquele silêncio que me matava. Nunca, disse tinha visto ele me deixar sem falar nada. E eu, continuava com meu orgulho de não ir falar com ele.

- Sabe, gostei muito da praia – disse olhando nos olhos negros – seria bom vir mais vezes ao ano.

- É muito orgulho, né Alan?

- O que?

- Não sei! Tá todo chato desde que chegou hoje na praia. O que está acontecendo?

"Definitivamente esse Burro versão após minha briga com ele no prédio estava bem menos paciente!"

- Tudo isso acontecendo, hotel chick, champagne caro, comida boa e eu não podendo contribuir com nada. Sabe, fico chateado em não poder te ajudar.

- De novo essa história?

"Não, porque agora que estamos fazendo a linha casal, me coração só quer saber de me foder. Estou sufocado. Meu peito dói por não ter coragem de admitir. Meu peito dóis de vontade de gritar pro mundo que sinto. Eu sempre te amei e sou um bosta!"

- Ué cara, eu nunca vou poder te levar num lugar desses!

- Alan, eu não tenho grana pra te levar em lugar algum. Estamos aqui porque minha mãe desistiu de tudo e nos deu de presente.

- Mesmo assim, você subiu de classe e eu não o acompanhei.

- Essa discussão deveria ter ocorrido quando eu cheguei no condomínio. Quando eu era caipira e burro e você tinha mais grana que eu.

- Mais humilhação que te fiz passar?

- Alan Bortolozzo, você é uma pessoa simples que não sabe guardar segredos. Uma hora ou outra eu vou saber o que está acontecendo contigo.

- Do que está falando?

- Você sabe bem do que eu estou falando. Do jeito fala comigo, do jeito que soca a minha cara durante o churrasco, do jeito que tens ciúmes de mim.

"Todo esse alvoroço porque eu te amo?!"

- O que você quer de mim Burro?

- Já que nunca vai falar a verdade comigo, ao menos melhore, fique bem que nunca, jamais, nem se eu ganhasse milhões eu o trataria diferente. Há anos você sai comigo e pago as coisas pra ti. Então não venha dizendo que sou de classe maior ou menor que a sua.

-OLHA RAPAZES! – disse um garoto completamente bombado, com o corpo coberto de tatuagens pulando dentro do nosso "território", vulgo guarda-sol – TÔ VENDO QUE SÃO RICASSOS!

- E você, preciosa ficar ai berrando pra todos? – palavras saíram da minha boca antes que pudesse pensar.

- Azedinho ele! – disse o bombadão.

- Ei, eu conheço você. Você é aquele cara que tem mais de 10 perfis do Orkut.

- Ao seu dispor! – disse ele entregando dois flyers pra nós – estou aqui pra convidá-los para a festa da virada que será na cobertura daquele hotel, no qual vocês já estão hospedados.

-"Festa da Virada"? – perguntei olhando para o Burro.

- Sim, mas o mais interessante é que, comigo, vocês pagam apenas o preço simbólico de R$ 100 reais. "Sem-migo" vocês pagam R$ 1000.

- MIL REAIS PRA UMA FESTA? – disse cuspindo champagne no pé do bombadão.

- Me vê dois – disse o Burro enfiando a mão dentro da mochila.

- Você tá louco?

- Cara, gostei do ruivo e não gostei de ti zóios puxados. Tá tomando uma garrafa de champgane que custa seus R$ 300 reais e está negando seu amigo de pagar R$ 200 pra uma festa open bar e open food.

- Custa R$ 300 reais uma garrafa de champagne? – perguntei atônito.

- Sim! Por isso não cuspa na areia – respondeu o Burro rindo – Você está de férias, curta rapaz, para de ficar colocando preço em tudo.

- Já disse que o ruivo combina comigo? – perguntou o bombadão.

- E você faz o que da vida, além de parecer um megazord todo tatuado?

- Sou um cara que vive a vida como se fosse o último. Curto tudo que a vida possa me oferecer. Não desperdiço meu tempo trancafiado dentro de escritórios, empresas, fábricas. Saio pelo Brasil curtindo tudo o que me é oferecido.

- Você ganha tudo?

- No início não, mas hoje ganho tudo. Personal trainner, suplementos, bombas, tatuagens, festas por todo Brasil.

- Ele tem mais de 10 perfis no Orkut Alan.

- Exato! Se hoje me oferecerem um salto de para-quedas, vou lá e salto, se me oferecrem mergulho, vou lá e mergulho, se a noite tiver uma festa com polítcos, lá estarei. Amo acordar e não saber aonde vou passar o dia.

- Não acredito que passa a vida curtindo! – disse ao rapaz.

- Bom, entre no meu perfil, veja meus vídeos, minhas fotos e a noite a gente troca ideia.

- Tudo bem!

- Bom, aqui estão os convites ruivo. E, zóio-puxado, curta a sua vida! – disse o bombadão.

- Falou ai – dissemos enquanto ele esmagava as nossas mão num aperto de tchau.

-Falou meninos e não esqueçam de dizer que estão na lista de convidados do Yuri Martel. Aí vocês ficam no meu camarote.

E ficamos observando aquele homem imenso pisotear a areia e entrar em outras barracas, apenas usando uma sunga branca.

- Se o Arthur tivesse aqui teria um orgasmo – disse fazendo o Burro rir – ele deveria ter nascido veado, ele ama homens musculosos.

- Talvez porque ele gosta de ser assim.

- Duvido!

- Eu não duvido! Porque quando a pessoa é homem de verdade, não precisa ter medo do que vão pensar e falar. Arthur é assim, sem pensar nos outros. Você deveria fazer o mesmo.

- Nossa, hoje é o dia mundial de Pegar no Pé do Alan! Que saco! - disse me levantando e deixando o Burro na barraca.

Caminhei pela areia fofa e quente que fazia um barulho engraçado sempre que pisava, lembrava até o coaxo de sapo. A água gelada molhou meus pés, depois fui caminhando e, a cada passo, ia entrando mais e mais no mar. Até uma onda sem graça vir e me molhar por inteiro, ai eu mesmo me afundei e fiquei lá embaixo, ouvindo as ondas passarem pela minha cabeça. Respirei fundo e afundei novamente.

"Agora estava apenas eu e eu, isolados do mundo, longe aos olho e som do mar. Aqui eu poderia pensar, me comunicar comigo mesmo sem ninguém me encher. Eu estava com o coração acelerado e com vergonha do ruivo lá fora. Ele sabia de tudo e eu não tenho coragem de abrir a minha boca...

Subi e respirei novamente.

... o que deveria fazer? Me assumir apenas, sem dizer que o amo. Aí, talvez, seríamos amigos, assim como Arthur. Ou eu abriria o jogo por completo e já jogava toda bomba nele? Não, definitivamente nenhuma das duas!"

Senti mãos fortes abraçar minha barriga e me puxar para cima. Lá estava ele, com semblante sério.

- O que aconteceu? – perguntei sem olhar nos seus olhos.

- Vamos parar de idiotice? Eu paro de te pressionar e você para de ficar mudo, o que acha?

- Se você me respeitar, tudo feito!

Ele apenas sorriu, me abraçou e me afundou dentro do mar. Ficamos brincando entre nós boa parte da tarde. Depois voltamos para nosso guarda-sol e ficamos bebendo a tarde toda. Fomos para o nosso quarto, descansamos um pouco e saímos a noite para ver o movimento das feirinhas. Repetimos dias assim até chegar a noite da virada. Naquele dia 31/12/2006, saímos mais de 8 horas da noite da praia, pois seria o último dia, dormimos até umas 23 horas. Tomamos o nosso banho e fomos nos juntar as centenas de pessoas que estavam na cobertura. Ambos usavam short bege e camisa, de tecido bem fino, branca. Eu calcei um sapato azul e o Burro um sapato carmim. Ao passar pela entrada da festa, ganhamos um colar de flores amarelas e uma taça de champgne. Ficamos perto do rapaz que nos vendera o convite que fazia questão de apresentar todas as pessoas a nós. Logo, todo mundo já estava enturmado.

- Zóio-puxado? Nem sou japonês! – disse após o rapaz nos cumprimentar – detesto que falam isso de mim.

- Desde quando precisa ser japonês pra ter olhos puxados? Você é uma mistura de um monte de coisa estranha Alan – disse ele batendo a cabeça dele na minha – e outra, é noite da virada, seja simpático para conseguir o que querer de 2007.

- Sabe, tive pensando comigo, acho que não é uma má ideia viver que nem esse cara – disse apontando ao dono do camarote - cada dia acordar em uma cidade, conhecer muitas festas, muitas pessoas.

- Do que é que está falando? – perguntou o Burro debruçando sob o parapeito que a vista dava de frente ao mar.

A praia estava lotada de pessoas vestidas de branco. Milhares delas. Dava para ver desde a Praia da Enseada que fica no Guarujá, Santos, São Vicente e Praia Grande. Deveria facilmente passar da casa dos milhões de pessoas.

- Que deve ser bacana viver essa vida. Que estou pensando seriamente fazer isso a partir de 2007. Sair pelo Brasil. Conhecer tudo o que não conheço. Sair com uma turma de amigos e acordar na casa de novos amigos. Conhecer festas, comer tudo o que não tinha comido até hoje. Esse lance do hotel já é um sinal sobre o que devo fazer. Ganhamos a hospedagem e cá estamos nós, comemorando o réveillon com vários bacanas. Acho que ganhar essa viagem significa mudar minha vida. Bebendo champagne de R$ 300 reais.

- Pensando por esse lado, seria muito bom! – respondeu o Burro.

- Não, seria ótimo. O Arthur poderia vir também, assim como os gêmeos.

- É isso o que não entendo? Pra que seu irmão e os meninos? Pra te proteger? – perguntou o ruivo passando a mão no meu ombro.

- Afinidade....

- Exato Alan, você precisa quebrar fronteiras que há dentro de você. Aquele rapaz ali, viaja pra Brasília e acorda em Porto Alegre. Porque não há fronteiras para aonde ir. Ele não tem raízes. Família é uma raíz. Se quiser se ele, precisa desprender de tudo e a todos. Ser uma pessoa que viva para o mundo e não para alguém. Assim é o rapaz.

- Mesmo você não poderia me acompanhar? – perguntei sem jeito enquanto enchia nossas taças de champagne.

- Como disse: se quiser ser como ele? Não poderei acompanha-lo. Lógico que haverá dezenas de ocasiões para sairmos juntos. Mas a questão é, se quer se libertar, então perca as raízes. Sempre, mesmo que sejamos os mais legais do mundo, haverá pessoas que gostará mais de ti ou de mim, ai fará nós dois nos separarmos. Mas a ideia é, se queres conquistar o mundo, você precisa ser dele.

"Ser do mundo! Ao mesmo tempo que o som é tentador, ele me assusta. Deixar tudo e a todos? Eu precisaria tentar!"

- 10... 9... 8... 7... 6... 5... 4... 3... 2... 1... FELIZ ANO NOVO! – berravam as pessoas por todos os lugares que se olhava.

Respirei fundo e dei o mais forte abraço que podia dar no amor da minha vida. Ficamos abraçados por mais de um minuto, felicitando coisas sobre 2007, desejando tudo de bom um ao outro. Apenas me afastei quando meu pinto começou a dar sinais de vida.

- Valeu Burro, pelas melhores férias da minha vida! – disse com os olhos cheios d'água.

- Obrigado eu Alan Bortolozzo, por fazer parte de tantas coisas que passamos juntos. Você é um manteiga derretida mesmo, chora à toa.

- Não choro à toa. Estou aproveitando ao máximo meu ano que será totalmente diferente.

- Vai mesmo seguir a linha "Sou do Mundo"? – perguntou ele num sorriso bobo.

- Ah cara, agora enfiei isso na minha cabeça e estou meio que decidido. Mesmo que for para começar debaixo, indo em festas perto. Até chegar ao Padrão do Rei das Festas.

- É isso que quer?

- Com certeza! – respondi dando uma gargalhada de felicidade.

A ideia de pertencer ao mundo agora invadia todas as células do meu corpo, me inundando de alegria. Tanta alegria que não conseguia segurar pra mim.

- Então se jogue menino. Te amo e não esqueça dos amigos – disse o Burro com os olhos levemente vermelhos.

- Também te amo. E lógico que vou esquecer vocês – respondi fazendo rir – viu como é chorão também!

A volta para casa foi tão tranquila quanto a ida. Pegamos a madrugada e saímos cortando o estado a toda velocidade. O Burro era a única pessoa no mundo que eu confiava em dirigir, então, praticamente eu ia relaxado. Paramos 02 vezes no posto para mijarmos e seguimos rumo ao noroeste paulista. Entramos no meu apartamento com o sol forte da manhã batendo nas janelas. Tiramos as minhas coisas do carro e subimos em casa.

- Nunca, jamais, em hipótese algum pensaria na minha existência que o Alan Bortolozzo tivesse me servindo uma xicara do seu próprio café.

- Não é só você que sabe cozinhar! – disse sentando ao seu lado do sofá - Tenho meus dons também!

- Café é um dom Alan?

- Vai cagar Burro, vai.

Ele ficava mexendo no seu celular, tentando avisar sua mãe que chegou, mas ninguém atendia.

- Dorme aqui em casa hoje e mais tarde você vai para sua.

- Eu ia dormir aqui de qualquer jeito – respondeu ele tomando uma golada de café.

- Ótimo, então vou arrumar suas coisas – me levantei e fui até o quarto de visitas, peguei um coxão e um lençol e o forrei para ele.

- Vou tomar meu banho Alan – disse ele tirando a roupa na minha frente, sem um pingo de vergonha e ficando nu.

"Viu o que dias dormindo junto não faziam com amigos? No meu caso eu não era amigo.!"

- Pega qualquer toalha que está debaixo da pia.

- Ok! – respondeu ele com a voz abafada vindo do banheiro.

Ouvi 03 batidas na porta e fui até o banheiro fechar a porta para ninguém ver meu Burro. Para minha alegria era o Pedro. Quer dizer, o novo gogo-boy Pedro. Ele estava sem camiseta, todo depilado e com um corpo que faria o meu irmão soca-lo de raiva.

- Olá meu amigo, Feliz Ano Novo – disse o Pedro entrando dentro de casa.

- Feliz Ano Novo Arnold Schwarzenegger! – respondi dando um abraço apertado.

- Estou grande?

- Grande é o Arthur, você está imenso!

- Meu deus, como é bom ouvir isso – disse ele colocando a mão na boca – quem é que está ai?

- O Biesso!

- O Biesso?! Tomando banho na sua casa? Vocês dois... – disse ele fazendo sinal de sexo.

- Não, nunca, jamais, um pouco!

- FELIZ ANO NOVO BIESSO – berrou o Pedro.

- FELIZ ANO NOVO PEDRÃO – respondeu o Burro dentro do banheiro.

- Pode me contar o que houve!

"Acha, o burro me mata se souber!"

- Olha esse sorrisinho de sapequinha Alan Bortolozzo. Pode me contar tudo.

- Tá... mas não aqui – sussurrei no seu ouvido.

Saímos do meu apartamento, dizendo que ia até o Pedro pegar meu presente de Natal e tomarmos café da manhã descente. O Burro concordou então fomos na frente. Peguei seu carro e saímos para comprar pães, presunto, suco dentre outras coisas boas. Eu invejava tudo o que estava dentro da padaria, pois há 01 dia eu podia me esbaldar de tudo aquilo e de graça. Aproveitei para contar tudo ao Pedro para não correr risco do Burro ouvir. Voltamos para o condomínio e fomos direto para casa do Pedro.

- Então quer dizer que vocês dormiram na mesma cama, tomaram banho de mbanheira juntos e nada? – perguntou o Pedro fazendo uma careta. Ele arrumava a mesa para colocar as coisas.

- Nada!

- Você só pode ser feito de ferro Alan Bortolozzo!

- Não sou feito de nada! Sou um homem normal.

- Normal? Você acha normal amar seu melhor amigo por 10 anos, ficarem pelados sempre que pode, dormir na mesma cama e nunca se beijarem, nunca se relarem. Viver de amor platônico? Você é uma pplanta. Você só pode fazer fotossíntese.

- Cara, o Burro não é como o Murilo. O Murilo eu quero sexo, sexo sexo e o Biesso eu o amo. Amo mais que tudo, amo mais que eu mesmo.

- Que lindo e fofo! Mas sempre sentimos tesão e pronto.

- Lógico que sinto tesão no Burro, mas ele é amor da minha vida, entende? Eu amo mais que tudo no mundo e nunca vou apenas fazer sexo por sexo.

- Você jura que está falando assim de mim? – perguntou o Burro com os olhos vermelhos atrás da porta.

- Burro? – foram as únicas palavras que saíram da minha boca.

Eu não conseguia me mexer, já ele virou as coisas e saiu da casa do Pedro.

- Levanta Alan e vai lá – mandou o Pedro.

Não, impossível, meu coração jamais ia conseguir dizer tudo que sentia. Quer dizer, agora nem precisaria mais.

- Burro? – chamei ele pelos corredores.

Mas ele andava rápido demais. A fim de não sentir aquela dor, maneirei nos passos e chamava seu nome. Algumas pessoas que já estavam acordadas, saíram para fora das portas para ver o alvoroço. Ele, for fazer esportes, continuava a correr como se o nada tivesse acontecendo. Respirei fundo e dei um Sprint no corredor e logo sai no estacionamento.

- SAI – berrou ele segurando a chave do carro na sua mão.

- SAI VOCÊ IDIOTA – disse pegando a chave e indo pro meu apartamento.

Se ele quiser, vai ter vir em casa. Mas, para minha surpresa, ao invés de me seguir, ele saiu pelo portão a pé. Da minha casa a dele eram mais de 20 kilômetros e ninguém faz isso a pé. Desci as escadas e sai atrás dele. Meu coração estava do lado de fora da minha boca. Ele não olhava para trás em nenhum momento.

- BURRO? – chamei por ele e nada – BURRO, ESTOU FALANDO COM VOCÊ!

- FODA-SE BORTOLOZZO! – disse ainda em passos acelerados.

- FODA-SE VOCÊ!

- FODA-SE VOCÊ! – berrou ele agora parando e virando-se para mim.

Ele me fitou sério enquanto eu me aproximava. Ele estava roxo de raiva. Era isso então? Raiva? Estávamos parados em meio ao pasto de um terreno baldio ao sol ardido da manhã.

- Que porra foi aquela que ouvi Bortolozzo?

- Besteira do Pedro! – respondi com a primeira coisa que apareceu na minha cabeça.

Ele balançou a cabeça negativamente, virou as costas e continou a caminhar.

- Qual é Burro? – perguntei sem fôlego para continuar a segui-lo.

- VOCÊ É UM MENTIROSO! É ISSO QUE QUER OUVIR? UM BABACA!

- Não sei porque fala assim, se nunca te fiz nada!

- NADA?! – berrou ele no bairro, fazendo todos ouvir – TA EXPLICADO AGORA PORQUE AQUELE ANIMAL DO MURILO FAZ O QUE FAZ COMIGO. PORQUE VOCÊS DOIS SÓ TREPAM.

Meu estômago deu uma afundada.

"Puts, sonhei tanto com esse momento que ele acontecerá aqui, num pasto umído, em meio a Rio Preto, numa manhã de verão!"

- OLHA ISSO AQUI NO MEU CORPO SEU ANIMAL. A VIDA TODA CARREGANDO CICATRIZES PRA VOCÊ! CARREGANDO HUMILHAÇÕES QUE NUNCA VÃO SAIR DO MEU CORAÇÃO. ME HUMILHEI PARA CONTINUAR SENDO SEU AMIGO E VOCÊ NÃO É HOMEM PRA ADMITIR O QUE SENTE.

- Não precisa gritar – disse a ele, sentindo uma imensa vontade de abraça-lo – não precisa desse pampeiro todo.

- DORMIMOS JUNTOS, TOMAOS BANHO JUNTOS, A VIDA TODO FIQUEI AO SEU LADO. POR QUE ACHA QUE NÃO DEVERIA SABER O QUE SENTE POR MIM?

- Não queria perder você! – respondi com os olhos ardendo.

- VOCÊ PERDEU AGORA! PORQUE A VIDA TODA FOI ASSIM, UM MERDA QUE NÃO TEM CORAGEM DE SAIR POR AI, ASSUMINDO RESPONSABILIDADES.

- Burro...

- Alan fala na minha cara o que sente por mim – pediu ele chegando a poucos passos do meu rosto.

- Gosto muito de você! – disse fazendo ele bufar de nervoso.

- Desisto. Mas sou bem diferente de você. Você sabe que eu sumo de verdade, caso necessário. Adeus Alan, fica com seu orgulho – ele se virou e continou a caminhar.

Fiquei observando ele distanciando a passos largos. Deveria ser ali mesmo que aquela história seria esclarecida.

- Te amo – disse sem que ele se virasse – TE AMO. EU DISSE TE AMO BURRO, MAIS QUE TUDO NA MINHA VIDA.

Agora sim, ele parou, se virou e me encarou ao longe. Essa seria a minha vez de me humilhar. Andei até ele que chorava.

- O que disse?

-Te amo! Te amo mais que tudo no mundo. Mais que eu mesmo.

Ele balançou a cabeça, colocou a mão na boca para abafar o choro, abriu várias vezes a boca para dizer algo, mas sempre desistira.

- Eu te amo muito cara. Eu me mataria por você – disse sentindo como se um peso tivesse sido retirado do meu peito e dei uma longa respirada - Te amo.

- Desde quando? – perguntou ele chorando.

- Desde quando você dormiu pela primeira vez na minha casa.

- Há 09 anos atrás?

- Sim, quando eu joguei pedra nos marimbondos e você quase morreu.

- Me ama há 09 anos? – repetiu ele chorando mais ainda.

- Te amo!

- Todo esses anos então... tudo mentira... tudo para você ficar ao meu lado como namorado?

- Não... nunca. Pelo contrário, eu sempre fiz questão de nunca deixar meu coração falar mais alto.

- Você apenas camuflou algo, mas no fundo sempre me amou!

- Mas isso é um problema meu. Uma dor minha. Uma carma apena meu e eu escolhi viver para não te fazer sofrer.

- E nós dois bancando o casal no hotel, sendo que pra você era tudo real.

- Nunca poderia ser real sem você!

- Você é a pior pessoa que existe no mundo. Pior que merda – ele arrancou a camiseta e se virou de costas – está vendo essas merdas de cicatrizes? Feitas porque você não foi homem pra me ajudar. Meu nariz quebrado, minha sobrancelha rasgada. Tudo sua culpa. Deus, como eu fui burro de verdade.

- Não Burro, você não é burro – eu disse chorando indo perto dele.

- SAI DE PERTO DE MIM. NÃO ENCOSTA EM MIM SEU VEADO – disse ele me empurrando.

- Não encosto mais, prometo! – disse me afastando, me sentindo um verme infectado com alguma doença fatal – Eu nunca te fiz nada!

- Não mesmo! Só me fodeu a vida toda, como se eu fosse um boneco que você descarta assim que chega o melhor.

- Nunca...

- CALA SUA BOCAAAAAAAAAAAA! SEMPRE ME DESCARTOU QUANDO CHEGOU O MURILO. AQUELE DEMÔNIO. EU SEMPRE PERDI PEDAÇOS QUANDO AQUELE MOLEQUE ESTEVE AQUI. MAS NÃO TENHO RAIVA DELE. TENHO DE VOCÊ QUE SEMPRE VIU TUDO E NUNCA, EU DISSE NUNCA FEZ NADA. QUE TIPO DE AMOR É ESSE? COMO VOCÊ PODERIA TER DEIXADO A COISA QUE VOCÊ MAIS AMA NO MUNDO SE FERRANDO NA MÃO DAQUELE IDIOTA?

Eu não tinha palavras. Eu não sabia o que dizer. Eu não tinha a mínima noção como poderia consertar aquilo. Após meu silêncio, ele se virou calmamente e foi embora a pé. 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top